"Podemos nos aproximar do
interior, da profundeza e da visão de todas as distintas virtudes, naturezas,
propriedades e Formas das criaturas. E também ir mais longe, subir, escalar,
ascender e atingir (com as asas da especulação) em espírito, para contemplar o
Espelho da Criação, a Forma das Formas, o Número Exemplar de todas as coisas
numeráveis, tanto visíveis como invisíveis, mortais e imortais, corpóreas e
espirituais".
Prefácio Matemático
John Dee
Na época em que o impacto da
Renascença alcançou a Inglaterra, suas diversas correntes se desenvolveram em
formas divergentes e às vezes opostas. A doutrina renascentista da dignidade
humana era enraizada na concepção clássica sobre a alma como o princípio
individualizante da identidade humana, cujos poderes são comensuráveis em exata
correlação às complexas forças da Natureza. Este ponto de vista alquímico, rico
em implicações sobre a liberdade, responsabilidade e potencialidade humanas,
ameaçou a concepção eclesiástica sobre a salvação vicária o bastante para
abalar sua influência. A combinação resultante entre perseguição e indulgência
(em troca de uma taxa) intensificou uma duradoura resistência, resultando na
Reforma Protestante. Contudo, a disputa doutrinal e política deixaram pouco
espaço para a tolerância e civilidade em qualquer país ou região que tivesse
sido viciada pela intensa polêmica religiosa. Os Protestantes caçavam os
heréticos e profanavam propriedades sacras tão zelosamente como fazia a
Inquisição, substituindo as pretensões sobre a derradeira autoridade espiritual
e social por reivindicações a respeito de uma revelação direta e um juízo
crítico pessoal e autônomo que desdenhava as convicções dos outros.
Estas tensões religiosas e
políticas conflitavam com o espírito essencial da Renascença e a obrigaram a se
dividir em duas largas correntes, muitas vezes misturadas. Uma delas, tirando
sua inspiração de Petrarca, evitava desafiar as doutrinas da Igreja ou da
política, centrando sua atenção sobre a retórica e o estilo. Ao mesmo tempo em
que cultivava a expressão elegante e intensa, em larga medida desconsiderava o
conteúdo. A fonte da segunda corrente partiu de Pico della Mirandola e Marsilio
Ficino, e estendeu os corolários do antigo pensamento grego e Neoplatônico.
Dentro desta perspectiva humana, a dignidade pessoal implicava o poder de
autotransformação. Uma vez que os poderes da alma correspondem a poderes
inteligentes da Natureza, tanto a magia como a alquimia representavam as artes
da mudança auto-iniciada. A primeira corrente fluiu para as universidades
inglesas durante o período Tudor, mas a segunda encontrou seu caminho em homens
de gênio excepcional como John Dee e Robert Fludd.
Depois da ascensão de Henrique
VII ao trono, um grande número de galeses emigrou para a Inglaterra. Um de seus
descendentes, Rowland Dee, casou com Johanna Wilde e por fim se tornou um nobre
a serviço de Henrique VIII. Seu filho, John Dee, que podia alegar uma ancestralidade
que remontava a Roderick o Grande, Príncipe de Gales e parente distante de
Elisabeth I, nasceu em 13 de julho de 1527, em Londres. Tendo recebido uma sólida educação, em 1542 ele entrou no Saint John's College, de
Cambridge, onde estudou grego com Sir John Cheke. Ao mesmo tempo em que este
renomado erudito ensinava línguas e filologia clássicas, ele também mantinha
interesses na matemática, e seu aluno o seguiu com entusiasmo. Anos mais tarde
Dee escreveu sobre este período:
"Eu era tão intensamente
aplicado nos estudos que naqueles anos eu seguia inviolavelmente a seguinte
rotina: dormir só quatro horas por noite; uma pausa de só duas horas a cada dia
para comer e beber (com algum recreio depois), e nas outras dezoito horas
(exceto pelo tempo de ir e permanecer no serviço divino) eu passava em meus
estudos e aprendizado".
Quando Dee recebeu seu
Bacharelado em 1545, imediatamente foi nomeado membro de Saint Jonh's. No ano
seguinte Henrique VIII fundou o Trinity College, e em 1547 Dee se tornou um de
seus primeiros membros. Mesmo enquanto estudava grego seu primeiro e duradouro
interesse pela engenharia foi estimulado por sua admiração das maravilhas
mecânicas helenísticas. Para uma representação estudantil de uma peça de
Aristófanes, Dee elaborou um besouro voador mecânico que raptava um dos atores
do palco e o levava até um céu Olímpico fora da visão do público. O movimento
dramático, realizado por engrenagens silenciosas e fios invisíveis,
impressionou a platéia e alimentou rumores sobre magia negra.
A sede de Dee sobre conhecimento
matemático não poderia ser satisfeita em uma atmosfera universitária em que a
matemática era considerada na melhor das hipóteses um assunto de mercadores
comuns, e na pior delas uma invocação e comércio com demônios. Em 1547 ele
partiu para o continente para encontrar estudiosos e matemáticos. Ele
encontrou-se com Gemma Frisius e Gerard Mercator, cujos mapas e instrumentos de
navegação ele adquiriu, e encontrou a teoria heliocêntrica de Copérnico.
Retornando brevemente ao Trinity College para receber seu grau de Mestre em
Artes, logo ele viajou para Louvain para continuar seus estudos. Embora tenha
se envolvido na legislatura civil "por recreação" e mais tarde
obtivesse uma licença nesta área, ele escreveu um livro em 24 volumes chamado Mercurius
Coelestis, que desde então se perdeu. Seu interesse na filosofia Hermética
e na matemática não impediu que ele visitasse Antuérpia para encontrar Abraham
Ortelius, o fazedor de mapas. Durante sua estada em Louvain Dee aceitou estudantes para estudos privados, uma prática que ele seguiria durante
décadas. Na altura em que ele partiu para dar palestras no Colégio Rhemes em
Paris, em 1550, ela já era reconhecida internacionalmente. Em Paris ele
pronunciou palestras públicas sobre os Elementos de Euclides, de um
ponto de vista matemático, físico e Pitagórico. Sua grande e ilustrada
audiência ficava eletrizada por suas exposições e por várias provas e
corolários originais que ele acrescentou a Euclides. Ele foi convidado a se
tornar o instrutor de matemática para o Rei francês, mas rejeitou a honraria
assim como rejeitaria outras semelhantes dos imperadores Carlos V, Ferdinando,
Rodolfo II, Maximiliano e do Czar da Rússia.
Quando Dee voltou à Inglaterra,
recusou-se a residir em qualquer das universidades. A desconfiança em relação à
matemática e uma preferência por estudos retóricos acima da lógica e da
filosofia criavam uma atmosfera que Dee considerava inimiga de seu intelecto
aguçado. Quando diversos membros da faculdade lhe ofereceram um estipêndio para
ensinar matemática em Oxford, ele o rejeitou alegando que tais colocações sub
rosa apenas confirmavam a sua convicção de que para eles o assunto não
merecia um estudo regular. Contudo ele não se esquivava de ensinar a nobreza.
Em 1551 ele elaborou o horóscopo de Eduardo VI e ensinou astronomia ao jovem
rei. Durante este período ele serviu o chefe de governo, o duro e poderoso
Duque de Northumberland e seus filhos, incluindo Robert Dudley, a quem
Elisabeth I haveria de por fim honrar tornando-o Conde de Leicester. Mais tarde
Dee ensinou química - incluindo alquimia e matemática Pitagórica - para os
parentes do Conde, Sir Philip Sidney e sua família.
A rainha Mary, embora Católica e
oposta a tudo o que sugerisse magia, também pediu seu horóscopo para Dee.
Talvez como conseqüência de atender a este pedido em meio a turbulências
políticas e religiosas, ele foi preso durante um breve período em 1555 sob a
acusação de "calcular e conjurar", mas sua relação geralmente boa com
a realeza, a despeito de inclinações religiosas, conseguiu sua libertação. Em
1563 o fervoroso Calvinista John Foxe publicou seu Acts and Monuments,
em que intitulava Dee de "o grande Conjurador", uma acusação que o
assombrou ao longo de muitos anos, pois o livro de Foxe fora disponibilizado em toda Igreja inglesa e largamente lido. Embora sua reputação ficasse perenemente maculada
diante da opinião pública, por fim Dee sentiu-se forte o bastante para apelar à
corte para que esta passagem ofensiva fosse eliminada de edições posteriores. A
despeito de fofocas malévolas, ele fez o horóscopo de Elisabeth I e determinou
o dia mais auspicioso para sua coroação. Durante o reinado da rainha Mary, Dee
ficou alarmado com a destruição de livros e manuscritos - e às vezes
bibliotecas inteiras - durante a expropriação de mosteiros ingleses e
prosseguimento das contendas religiosas. Ele sugeriu a criação de uma
biblioteca real e se ofereceu para buscar manuscritos para ela. O plano deu em
nada e Dee resolveu continuar o projeto privadamente.
Ao longo de todo este período Dee
permaneceu preocupado com os benefícios práticos de seus estudos. Enquanto seus
compatriotas procuravam por uma mítica Passagem Nordeste para Catai e para a
Índia, Dee voltou sua atenção para a eventual possibilidade de uma Passagem
Nordeste. Ele forneceu mapas e projetou rotas para a recém-instalada Companhia
Moscovita, treinou seus capitães nas mais modernas técnicas de navegação e até
mesmo investiu alguns de seus recursos pessoais na iniciativa. Sua academia
marítima privada atraiu marinheiros e exploradores de toda a Europa, e embora a
Companhia Moscovita não conseguisse penetrar além de Nova Zemlya, seu rendoso
comércio com os russos confirmou a sabedoria do conselho de Dee e o alçou |à
posição de autoridade na cartografia e exploração globais. A frota inglesa que
primeiro adquiriu proeminência sob Elisabeth I deveu seu impressionante início
aos planos que ele elaborou. Homem de energia incansável, Dee também fez
contribuições à arquitetura e melhorou o aparato cênico, e deu uma base firme
para os estudos ingleses sobre a antigüidade. Ele esboçou reivindicações régias
geológicas para Elisabeth I baseando-as em suas concepções sobre as conquistas
do rei Artur. Em 1582 ele apresentou planos para um calendário revisado, muito semelhante
ao calendário Gregoriano recém instituído por Roma, mas mesmo que Elisabeth
tenha esboçado uma proclamação para adotá-lo, o clero inglês impediu alegando
que não desejava nada que parecesse imitar ou seguir a liderança do papado.
Um pouco antes de 1570 Dee
mudou-se para a antiga casa de sua mãe em Mortlake. Localizada perto do Tâmisa e da corte londrina, ela lhe dava a solidão necessária
para seu trabalho e ao mesmo tempo facilitava o acesso ao centro régio de
atividade. Ele ampliou a casa a fim de instalar sua imensa biblioteca e três
laboratórios separados com dispendioso instrumental para experiências químicas
e alquímicas. Por volta de 1580 sua biblioteca abrigava três mil volumes e
cerca de mil manuscritos. Nesta mesma época a biblioteca universitária de
Oxford continha menos de quinhentos volumes. Um inventário das posses de Dee
mostra que ele foi um estudante de todas as artes e ciências. Ele tinha as
obras completas de Platão e Aristóteles, bem como uma grande coleção de
escritos Estóicos, Epicuristas, neo-Platônicos e Renascentistas. Estavam também
representados os antigos poetas e dramaturgos, assim como os últimos trabalhos
de matemática, engenharia e tecnologia. Ele coletou um vasto número de
manuscritos sobre filosofia e ciência medievais e todo o material que pôde
encontrar sobre magia e pensamento Hermético. Embora ele considerasse os
teólogos Protestantes dogmáticos e auto-justificadores, ele coletou as obras de
Lutero junto com as de Calvinistas e as incluiu entre Agostinho, Lactâncio,
Boécio, Ramón Lull, Nicolau de Cusa e Erasmo. Ele possuía manuscritos hebreus
sobre a Kabbalah e uma cópia do Corão.
Além de apoiar a ciência, que ele
seguia no espírito de Alberto Magno, Robert Grosseteste e Roger Bacon, ele por
toda a vida acalentou uma crença de que um entendimento suficiente demonstraria
que todas as religiões e filosofias foram erguidas sobre um corpo único de
verdade imutável que primeiramente se manifestava à consciência humana como
amor e sua correlata tolerância. Ele esperava contribuir para uma religião
universal e uma igreja universal cuja doutrina fosse a autotransformação
através da autotranscendência teúrgica, e cuja prática levava ao amor
incondicional. Embora seu sonho permanecesse não-realizado, ele proveu um
centro aberto para estudiosos de todo o mundo europeu (incluindo a Rússia), e
em diversas ocasiões hospedou Elisabeth e toda sua corte em Mortlake. Ele modelou sua casa a partir da Academia Florentina de Ficino, e os estudantes que
tinham o privilégio de freqüentá-la eram duplamente recompensados, aprendendo a
reverência pela filosofia e ciência antigas e modernas, e compartilhando de uma
visão da herança universal da humanidade.
Desde seus primeiros anos como
estudante e professor itinerante, Dee mostrou um perene interesse na magia
Hermética e Neoplatônica, na Kabbalah renascentista e na medicina de Paracelso.
Sua convicção de que a verdadeira magia conduz invariavelmente à
autotransformação e por fim a uma regeneração de todo o mundo o levaram a
confrontar experimentalmente os habitantes dos reinos terrestre, astral e
celestial. Sabendo muito bem que os pré-requisitos para a magia prática são
pureza de mente e de coração, Dee esperou até que estivesse seguro de possuir
estas qualidades. Infelizmente, sua incapacidade de ver qualquer coisa nos
excelentes cristais que possuía o obrigaram a procurar um vidente, e deparou-se
com Edward Kelley. Embora Kelley parecesse capaz de penetrar na luz astral, ele
sofria das fraquezas psíquicas comuns à maioria dos médiuns, incluindo uma
incapacidade de distinguir entre as classes de elementais e níveis de percepção
astral, bem como uma tendência de exagerar, inverter e fantasiar. Embora a
pureza de motivos pessoal de Dee o protegesse de perigos, não parece que estas
extensivas experiências fossem produtivas. Em setembro de 1583 Dee partiu com
Kelley para o continente, e viajaram até a Polônia, a convite do Príncipe
Albertus Laski. Logo depois de sua partida uma revolta supersticiosa irrompeu
em Mortlake, destruindo os laboratórios de Dee e danificando sua biblioteca. Na
Europa Dee continuou por seis anos suas tentativas de se comunicar com as
forças criativas e inteligentes da Natureza. Enquanto mantinha um diário
acurado sobre as conversas que tinha com supostos anjos através do médium
Kelley, e embora desfrutasse da proteção e favor de Rodolfo II e do Conde
Rosenberg da Boêmia, seus esforços de entender as forças invisíveis da Natureza
deram em nada. Por fim deixou a companhia de Kelley e voltou à Inglaterra em
dezembro de 1589. Kelley ficou para trás e foi nobilitado pelo imperador, só
para ser preso em seguida e morrer em uma tentativa de fuga.
Embora Dee tivesse voltado sob
ordem de Elisabeth, permaneceu em grande parte esquecido. Os velhos amigos,
antes poderosos na corte, haviam morrido ou hesitavam em reconhecê-lo por causa
de suas práticas mágicas. Enquanto trabalhava para reconstituir sua biblioteca
espoliada, não porém teve recursos para recuperar seus laboratórios. Em 1596
Elisabeth o fez Diretor do Christ College em Manchester, mas a faculdade o via
com suspeita e hostilidade. Quando James I ascendeu ao trono em 1603, Dee foi
abertamente acusado de práticas malignas. Ele foi obrigado a renunciar ao seu
cargo em 1605 e até mesmo escreveu um apelo ao rei pedindo para ser julgado
pelas acusações de heresia e magia negra. Considerando-se a intolerância da
época, sua impecável integridade mais uma vez o salvou: o rei recusou-se a
instalar o julgamento solicitado. Embora este ato evitasse a possibilidade de
posteriores acusações formais contra ele, não adiantou nada para mitigar as
opiniões negativas nas mentes populares. Dee morreu na miséria, mas
pacificamente, em dezembro de 1608, tendo testemunhado um pouco antes a morte
de sua esposa.
As imensas contribuições de Dee à
Era Elisabetana foram ignoradas durante séculos. Quando em 1659 Meric Casaubon
publicou os diários de Dee a respeito de suas comunicações com anjos, ele
esperava destruir completamente a credibilidade nos estudos mágicos e o valor
da obra de toda a vida de Dee, e em parte teve sucesso. O papel central que Dee
desempenhou em levar a marinha inglesa à sua posição de superioridade através
da matemática e do instrumental foi esquecido, sua importância como conselheiro
de Elisabeth I foi posta de lado, seu trabalho pioneiro na arqueologia e
estudos antigos foi subestimada, ignorou-se o ímpeto que ele deu ao movimento
Rosacruz, e negou-se os alicerces que ele deixou para a Royal Society. Mesmo
hoje em dia seu interesse no teatro e sua influência no círculo Sidney e na filosofia
e nas letras em geral ainda devem ser mais plenamente explorados. Nem o parcial
Casaubon nem a história filtrada, contudo, poderiam destruir os escritos de
Dee. Ele escreveu bem pouco para um polímata renascentista, mas suas
publicações atestam uma notável amplidão e profundidade de pensamento.
Em 1558 Dee imprimiu o Propaedeumata
Aphoristica (Uma Introdução Aforística) e a dedicou a Mercator, com o
motto: Qui non intelliget, aut taceat aut discat (Que quem não entende
ou se cale ou aprenda). Convencido de que o cosmos é tanto construído como
entendido de acordo com o número, Dee combinou a melhor matemática de sua era
com uma revisão crítica da astrologia, em uma tentativa de apresentar a ciência
dual da astronomia-astrologia sobre uma nova base. Sugerindo uma conexão íntima
entre a ótica (propagação, magnificação e reflexão da luz) e a harmônica (a
ciência Pitagórica da proporção), Dee argumentou que influências astrológicas
poderiam ser usadas pelo sábio de modo terapêutico. Embora os planetas irradiassem
incessante influência sobre a Terra, o poder e a natureza destas influências
dependiam das relações mutáveis entre os planetas e do meio em que caem seus
raios. De um ponto de vista prático, isso significava para Dee que o
conhecimento preciso das propriedades ocultas das substâncias, das conjunções
celestes e do uso de espelhos parabólicos para focalizar e concentrar os raios
permitiriam aos magos alterar estados físicos e psíquicos nos seres humanos,
afetando assim os movimentos da Natureza. De um ponto de vista teórico, Dee
reconhecia que o tamanho, movimento e distância dos planetas eram relevantes
para seus efeitos em qualquer tempo dado. Ele mostrou que ao todo são possíveis
25 mil conjunções diferentes, e uma vez que este enorme número impedia uma
investigação empírica sobre qualquer possível resultado, ele apontou para um
entendimento Pitagórico da geometria e da aritmética como uma chave para a
resolução de todas as combinações. Para Dee, a "astrologia vulgar"
era tão moralmente aviltante como falsa. A astrologia é um aspecto da
matemática, ela mesma um ramo da filosofia, que é a arte de viver corretamente.
Uma vez que o sol é tanto a fonte física de luz e vida como um símbolo da
Deidade manifesta, enquanto a Terra era o foco das influências celestes, a
teoria heliocêntrica de Copérnico tem grande valor metafísico e o ponto de
vista geocêntrico de Ptolomeu é astrologicamente útil. Dee não via conflito
entre estas concepções, pois elas se dirigem para fins distintos, e as
descobertas de uma poderiam ser aplicadas no aperfeiçoamento da outra.
Dee estudou com muito cuidado a
tradução dos Elementos de Euclides feita por Sir Henry Billingsly,
corrigindo passagens difíceis e acrescentando anotações e diversas provas
novas. Para a edição de 1570 ele compôs um Prefácio Matemático, que de
uma vez declarava sua visão da matemática como uma ciência filosófica, seu
motivo para publicar matéria erudita no vernáculo (em vez do latim usual) e
suas originais premissas a respeito das ciências matemáticas. A Deidade
manifesta e mantém o mundo através do número.
"A numeração, então, para
Ele era a criação de tudo. E sua contínua numeração de todas as coisas é a sua
conservação na existência... A constante lei dos números... está enraizada nas
coisas naturais e sobrenaturais, e está prescrita para todas as criaturas,
sendo guardada inviolavelmente".
Para Dee a matemática se divide
em aritmética, que trata dos números e suas propriedades, e geometria, a
ciência das magnitudes. O termo "geometria", contudo, tem uma excessiva
conotação terrestre, e Dee sugeriu em troca "megetologia".
"... não se arrastando no
chão e arregalando os olhos com varas, réguas ou linhas, mas elevando o coração
acima dos céus por linhas invisíveis e raios imortais, encontrando reflexos da
luz incompreensível, e produzindo assim alegria e perfeição inenarráveis".
A matemática é a chave para abrir
os mistérios dos três mundos - terrestre, astral e celeste - e a base para a
astronomia e a astrologia, para a antropografia (a análise matemática do homem)
e estática (a análise do movimento e da inércia), bem como para todas as
ciências teóricas, experimentais e aplicadas. A matemática fornece as
correlações de todas as forças e formas no homem e na Natureza.
Embora seu Prefácio Matemático
tenha recebido reconhecimento nos salões da ciência desde o século XVII até
hoje, Dee considerava que sua obra mais importante era a Monas Hieroglyphica
(A Mônada Hieroglífica). A convicção de Dee de que a geometria poderia ser
aplicada à alma humana assim como ao mundo material o levou a aceitar a visão
renascentista de que um símbolo adequadamente construído, quando usado como
objeto de contemplação e meditação, poderia conter considerável conhecimento
espiritual e afetar diretamente a consciência. Ele buscou durante sete anos por
um símbolo perfeito para a mudança dos elementos - a reflexão no tempo do
Divino imutável. Subitamente, em janeiro de 1564, ele escreveu o Monas
Hieroglyphica em apenas treze dias. O símbolo que levava este nome havia
sido longamente gestado em sua mente e até mesmo transparecido na página de
título do seu Aphoristica. Não obstante, ele precisou de mais seis anos
para ser entendido o bastante para poder expor algo de seu significado sob
linguagem cifrada. O Monas Hieroglyphica, às vezes chamado de O
Grande Selo de Londres, é representado como um ovo invertido cheio de
fluido. A gema é desenhada como um círculo com um ponto em seu centro exato. Um
crescente ou arco intersecciona a parte superior da gema, enquanto que uma cruz
se associa abaixo dela. Em cada lado do pé da cruz há um arco pequeno. Para Dee
esta simples e fascinante figura continha os princípios de perfeição que,
quando aplicados, poderiam transformar metal comum em ouro - física, psíquica e
espiritualmente.
O cosmos é representado pelo
"Ovo da Águia", que não é exatamente circular quando considerado de
um ponto de vista heliocêntrico. Dentro dele se encontram as grandes forças
duais representadas pelo sol e pela lua, a primeira sendo criativa e
iluminadora, e a segunda material e reflexiva. Elas se conjugam porque o poder
solar não pode criar sem um substrato, e o veículo lunar não pode ser produtivo
sem o alimento do sol. Assim, as hierarquias solar e lunar são mutuamente
interdependentes, embora o sol seja invariavelmente a força causativa e
superior. O ponto no centro do sol é o ponto de onde derivam todas as linhas e
círculos (uma vez que uma linha não pode ser escrita sem pontos), e portanto é
a semente do hieróglifo desdobrado. Esta é a primeira e mais elevada manifestação
da atividade divina, e por isso é o Um. A cruz representa o ternário criativo
como duas linhas e sua intersecção. Também representa o quaternário material
através de quatro linhas se irradiando de um centro comum e produzindo quatro
ângulos retos, que representam os quatro elementos, as quatro direções e os
quatro reinos visíveis da Natureza (mineral, vegetal, animal e humano). Os dois
semicírculos abaixo da cruz constituem o signo zodiacal de Áries, o signo do
fogo inicial e o começo de tudo que é terrestre. Tomados juntos, estes símbolos
fornecem uma imagem da estrutura dinâmica da Natureza nas escalas cósmica e
humana, e um meio para a autotransformação que conduz à verdadeira magia, que é
a posse da sabedoria como uma arte e uma ciência. Traçando linhas de conexão e
círculos de formas diferentes, a pessoa pode localizar os símbolos dos sete
planetas sagrados (Lua, Vênus, Mercúrio, Sol, Marte, Júpiter e Saturno) e com
isso a força sétupla da Natureza invisível. Usando estas chaves a pessoa tem
como base para meditação os princípios necessários para a transmutação
alquímica de sua própria natureza reduzindo-a a matéria prima ou fluido no ovo,
e modelando-o em formas novas.
John Dee cultivou os mistérios da
Matemática e especialmente da megetologia porque ele procurava o elo entre as
aspirações do coração e mente humanos e os princípios da Natureza. Se a
existência manifesta tem uma Fonte última, então tais princípios devem existir.
Através da matemática Dee esperava prover uma base para unificar todas as ciências
em um corpo unificado e coerente de conhecimento, que incluiria a ética, a
psicologia e a ciência da espiritualidade. Para Dee a matemática não era
simplesmente uma matéria a ser dominada, mas antes um modo de vida a ser
consumado na ofuscante luz da Deidade. Dee pensava que a ciência e a matemática
eram dignas de estudo por causa de seu valor intrínseco e prático, mas ele
consagrou sua vida a elas porque estava convencido de que um verdadeiro
entendimento delas forneceria os subsídios para uma religião global de amor e
tolerância, os correlatos sociais do aprendizado e do silêncio. Embora não
visse esta sua visão realizada, sua vida é um testemunho de seu poder e a
validação de seu potencial.
"Sei perfeitamente bem que
tem havido certos homens que, através da arte dos escaravelhos, dissolveram o
ovo da águia e sua casca com pura albumina e com isso fizeram uma mistura de
tudo... Com isso quero dizer que se completou a grande metamorfose do ovo...
Quem se dedica sinceramente a estes mistérios verá com clareza que nada pode
existir sem a virtude de nossa Mônada hieroglífica."
____________
"E Eu jamais abandono
aquele que Me vê em tudo, e vê
tudo em Mim,
nem ele me abandona; mas morando
ele onde morar,
vivendo onde viver, habitará e
viverá em Mim,
porque conhece e adora a Mim, que
habito
em tudo o que vive, e me
reconhece em tudo".
SHRI KRISHNA
OM