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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
O
Reino na Tradição Judaica
O Reino
sempre foi um conceito central entre os judeus. Para alguns estudiosos as raízes
do símbolo ?Reino de Deus? remontam a antigos mitos do oriente médio
sobre o reinado divino. O mito foi absorvido por Israel dos cananitas que, por
sua vez, o haviam recebido das civilizações da Mesopotâmia e do Egito.[1]
Nesse mito, Deus, o criador do universo, mantinha o seu reinado
renovando anualmente a fertilidade da terra e protegendo particularmente seus
eleitos, que deviam cultuar a Divindade para continuar a receber essa proteção.
Etimologicamente,
o conceito de ?Reino? vem da expressão aramaica ?malkuth,? a sephira
inferior da Cabala em seu uso judaico corrente, que expressa mais propriamente
o conceito de ?reinado? ou ?soberania.? O sentido da expressão
?Reino de Deus? para os judeus seria, então, a ação ou atributo de Deus
como Rei Supremo do Universo e de Seu povo. [2]
Na tradição
bíblica, em sua interpretação literal, durante o período da monarquia
israelita independente, de Davi até a queda de Jerusalém sob Nabucodonosor
no início do século VI a.C., o ?Reino de Deus? era essencialmente
concebido como a contraparte do reinado terrestre.[3]
O povo judeu vivia de acordo com os mandamentos estabelecidos como parte da
Grande Aliança, e o monarca terrestre agia como representante de Deus. O
?povo eleito de Deus? nutria a esperança de que, em breve, um monarca
judeu iria reinar sobre todas as nações, levando-as a aceitar e adorar o
verdadeiro Senhor do Universo. Nos Salmos o rei de Israel é instruído: ?Peça-me e farei das nações a sua herança. E os confins da terra a
sua posse? (Sl 2:8). A literatura da época, em particular os Salmos,
exorta os governantes gentios a ?servir
o Senhor com temor? (Sl 2:11), pois o ?Rei divino? era descrito como
objeto de ?pavor e admiração? entre os estrangeiros (Sl 99:1).
Com a dominação
do Reino de Judá pelos babilônios em 586 a.C., houve uma modificação da
perspectiva, refletindo a perda de autonomia política do povo judeu. A partir
de então, sob o jugo estrangeiro, nasceu o messianismo bíblico. O povo
passou a ansiar pelo aparecimento de um rei que restabelecesse o domínio visível
e institucional de Deus sobre todos os judeus, liberados dos impérios
estrangeiros. O estabelecimento do Reino divino estava indissoluvelmente
relacionado com a expectativa de uma batalha que culminaria na vitória de
Deus, ou seja de Israel, com seus antigos dominadores vencidos e submissos.
Vemos, assim, em Isaias 45:14: ?Eles
vos seguirão; eles virão acorrentados e se prostrarão diante de vós. Farão
suas súplicas a vós, dizendo: Deus está convosco, e não existe outro,
nenhum Deus além dele.?
A tradição
hebraica, mesmo durante o cativeiro, manteve alta a fé em Iahweh e na esperança
de liberdade e de preeminência entre os povos. Vemos no livro de Daniel o
louvor ao Deus de Israel decantado pelo próprio rei Dario, após verificar
que Daniel, seu fiel ministro, lançado aos leões, por sua ordem, havia sido
salvo por seu Deus (Dn 6:27-28). Encontramos ainda referências importantes a
respeito do Rei (Divino) e de seu Reino. Nas descrições das visões dos
sonhos de Daniel (Dn cap. 7), apesar de não serem mencionadas as palavras Rei
ou Reino, verifica-se a figura do ?Ancião dos Tempos?, sentado num trono
celestial, julgando quatro impérios do mundo. Essa passagem é especialmente
importante, pois estabelece a fundação da doutrina posterior do segundo
advento, ou da parousia do Senhor,
introduzida mais tarde nos evangelhos, apesar de conflitar com os ensinamentos
de Jesus.[4]
No período pós-exílio,
a literatura judaica tende a enfatizar a exaltação a Deus e demonstrar a sua
transcendência. Essa tendência pode ser vista nas práticas externas, tais
como evitar pronunciar o nome de Deus (Iahweh) e a conseqüente substituição
desse nome por palavras tais como Senhor, o Nome, a Presença. Ao que tudo
indica, essas práticas foram mantidas pelos essênios.[5]
Nos Targuns[6]
palestinos sobre a Canção de Moisés (Ex 15:18), a duração do Reino de
Deus é indicada como sendo ?para todo o sempre? e este referia-se tanto
ao mundo celestial como ao terreno. No pensamento bíblico, quando o
estabelecimento do Reino de Deus necessita de uma intermediação, essa é
geralmente associada a um Messias, que se apresenta vitorioso em batalha sobre
os inimigos.[7]
A tradição
messiânica entre os essênios também era marcante. No Pergaminho da Guerra,
a vitória final sobre as forças das trevas e o estabelecimento concomitante
do Reino divino são descritos como resultado da batalha escatológica
disputada pelos exércitos aliados dos ?filhos da luz?, humanos e angélicos,
sob a liderança do Príncipe Miguel, contra a coalizão dos ?filhos das
trevas?, humanos e demoníacos (I QM 17:6 e seg.). Para os essênios, o
Reino seria uma conquista árdua a ser obtida após uma batalha sem trégua,
que deveria ser preparada com grande antecipação pelos ?filhos da luz?.
O Senhor triunfante assume a atitude típica da tradição judaica, inspirando
terror por sua ira contra seus inimigos (I QM 12:7-9).[8]
Mas não só de forma aterrorizante manifesta-se o Senhor para a sua congregação. Sua glória terrestre, governando o destino dos homens, também é anunciada para os sacerdotes de Qumrã, que viriam a ser os líderes do culto no Templo do Reino. Vemos, portanto, que os conceitos de Reino entre os judeus ortodoxos e os essênios, em sua interpretação literal, não nos ajudam a entender a mensagem de Jesus sobre o Reino.
[1] Vide: S. Mowinckel, The Psalms in Israel?s Worship (N.Y.: Abingdon Press, 1962), I, pg. 114.
[2] Vide C.H. Dodd, The Parables of the Kingdom (Londres: The Religious Book Club, 1942), pg. 34.
[3] Vide: The Religion of Jesus the Jew, de Geza Vermes (Minneapolis, Fortress Press, 1993), pg. 121
[4] The Religion of Jesus the Jew, op.cit., pg. 126.
[5] H. Ringgren, The Faith of Qumran, Theology of the Dead Sea Scrolls (N.Y.: Crossroad, 1995), pg. 47
[6]
Conjunto de traduções e comentários de textos bíblicos que datam do século
VI a.C.
[7] The Religion of Jesus the Jew, op.cit., pg. 131-32.
[8] The Religion of Jesus the Jew, op.cit., pg. 127.
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