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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
Capítulo
11
OS
PRIMEIROS PASSOS
A
busca da felicidade
Se a
felicidade é o objetivo de nossa vida, por que colhemos tanta
infelicidade e sofrimento ao longo de nossa existência? A razão para
esse contraste entre nosso róseo ideal e nossa triste realidade é que,
em nossa ignorância, buscamos a felicidade onde, quando e como de
forma não-apropriada. Ademais, geralmente, não entendemos devidamente a
operação dos mecanismos que nos impelem nessa busca. Esses mecanismos são
o desejo e a insatisfação que, com o passar do tempo produzem crises na
vida do homem.
Grande parte
da humanidade imagina que seria feliz se conseguisse obter essa ou aquela
satisfação ou se tivesse um determinado problema resolvido. Em suma,
pensam que a felicidade pode ser alcançada com a satisfação dos
desejos. Não é difícil de perceber, observando-se o comportamento e as
reações das pessoas em suas vidas diárias, que a satisfação de um
desejo traz apenas alegria momentânea. Depois de algum tempo as pessoas
voltam a experimentar a insatisfação. A razão dessa insatisfação
decorre da natureza do desejo.
O desejo é a
expressão terrena da energia divina da Vontade. A Vontade, nos planos
espirituais, é o meio para a realização dos objetivos do Plano de Deus.
Já o desejo, sendo uma distorção da Vontade voltada para aquilo que é
material e passageiro, tende geralmente a afastar o homem de sua meta
divina. O desejo é, portanto, uma força extremamente poderosa que,
geralmente, molda de forma negativa a vida do ser humano, causando
sofrimento. O livro sagrado dos hindus falando sobre os homens ignorantes,
diz:
?Entregam-se
aos prazeres carnais e dizem que esse é o mais alto bem. Mas nunca os
prazeres sensuais os satisfazem, porque mal um apetite obteve satisfação,
já emerge um outro, cada vez mais imperioso. Esses homens são hipócritas,
vaidosos e ilusos. Enleados nas teias do desejo, entregam-se à volúpia,
à ira e à avareza; prostituem as suas mentes e o seu sentimento de justiça,
procurando acumular riquezas por meios ilegais, com o fim de terem com que
satisfazer os desejos materiais?.[1]
As mesmas idéias
são encontradas na tradição cristã, que recomenda:
?Filho,
muitas vezes, procura o homem, ansiosamente, alguma coisa que deseja;
quando, porém, a alcança, começa a pensar de outro modo; porque as afeições
não são duráveis e passam, facilmente, de um a outro objeto. Não é,
pois, pequena coisa, mesmo nas coisas mínimas, cada um renunciar-se a si
mesmo?.[2]
Deus, com sua
infinita sabedoria, utiliza o desejo e a insatisfação como instrumentos
para conduzir o homem, ainda que por um longo e sinuoso caminho, à
verdadeira felicidade. Sempre que o homem se afasta de seu objetivo último,
um mecanismo retificador automático é acionado. Esse mecanismo é a
insatisfação, que é reforçada pelo sofrimento. Ambos operam de forma a
redirecionar as atividades do homem para que encontre sua meta. A semente
da insatisfação foi lançada por Deus no âmago do ser humano como uma bússola
interior que permite à alma reorientar-se quando se perde no marasmo das
paixões ou é desviada da rota pelos rodamoinhos dos apegos, para que
possa chegar finalmente ao porto seguro da Casa do Pai. A insatisfação não
é, como muitos pensam, necessariamente uma maldição, uma fraqueza ou um
vício de caráter. É, na verdade, uma dádiva divina, uma espécie de
alarme da alma sinalizando que alguma coisa importante está faltando. Ela
atua, aliada a seu parceiro, o desejo, como o primum
mobile da vida humana.
A realidade
de nossa existência terrena é de eterna insatisfação. Perseguimos
algo, seja uma conquista amorosa, um bem material, uma posição social ou
uma realização profissional, com todo afinco, como se nossa vida e
felicidade dependessem inteiramente da realização do objetivo imediato
à nossa frente. No entanto, quando conseguimos o que buscávamos tão
ardentemente, verificamos que, após um certo período de satisfação,
geralmente curto, surgem irresistíveis anseios de novas conquistas e
realizações, impelindo-nos à busca de algo mais. E essa ciranda da vida
continuará indefinidamente enquanto estivermos procurando a felicidade
nas coisas do mundo, porque o nosso verdadeiro ser não é desse mundo.
Se, por um lado, essa triste realidade é uma fonte perene de frustração,
ela é também a garantia de nossa eventual libertação da prisão da
materialidade.
Como disse o
divino Mestre, enquanto estivermos procurando saciar a sede com a água
deste mundo voltaremos a ter sede; porém, quando conseguirmos beber a ?água
viva? da plenitude, seremos saciados.[3]
Portanto, a insatisfação é um aspecto da força dinâmica que impele o
homem a buscar a felicidade. Se ela não estivesse sempre insuflando a
natureza humana, a inércia governaria o homem, fazendo com que ele
permanecesse acomodado não se importando com a sua situação, seja ela
qual fosse.
Chega um
momento em que o homem começa a questionar a razão de ser da vida. É
nessa etapa de divina insatisfação que o homem é impelido a encontrar
ideais mais elevados, a tentar a transcendência da vida meramente
material. Essa busca é expressa em mitos de diferentes tradições, tais
como a busca do velo de ouro na Grécia Antiga, ou da pérola preciosa de
que nos fala o Hino da Pérola do cristianismo primitivo ou do santo graal
na Idade Média na Europa.
A insatisfação
e o sofrimento podem levar a uma situação de crise. As crises são
especialmente importantes no despertar e no redirecionamento da vida do
homem. Todos nós passamos por inúmeras crises em nossa vida, algumas
delas tão sérias que passam a ser marcos referencias de nossa experiência
evolutiva. Esse processo interativo entre desejo e insatisfação gerando
crises está intimamente relacionado ao apego. O apego às posses gera
terríveis sofrimentos quando as circunstâncias da vida levam a perda do
que possuímos. Assim, crises podem ocorrer com a perda da juventude, da
beleza, da fortuna, do poder, da posição social ou dos pais, do
companheiro, dos filhos, etc. Na maior parte dos casos esse apego reflete
a auto-imagem idealizada do indivíduo que imagina essas posses como uma
extensão de si mesmo.
Muitas
pessoas estão apegadas às sensações e emoções fortes, tais como as
dos vícios (álcool, drogas, fumo, gula, sensualidade, etc.). Os
prisioneiros do vício, mais cedo ou mais tarde, colhem os resultados de
sua fraqueza na forma de doenças graves, perda de emprego, perda do
companheiro ou abandono pela família. Mas ainda existem outras fontes de
apegos que também levam à crises, como o apego mental às idéias, fonte
da ambição desmedida e do orgulho. Qualquer que seja a fonte do apego, o
desapontamento será inevitável com a perseguição de objetivos ilusórios,
quando não fúteis, que levam sempre ao sofrimento, porque a perda das
coisas deste mundo é inevitável.
Mas por que
ocorrem as crises? Porque o homem, condicionado por seus hábitos, vivendo
como virtual prisioneiro deles, é geralmente incapaz de mudar seu
comportamento, mesmo quando percebe que sua atitude é prejudicial à saúde
do corpo e da alma. O pior é que, no mais das vezes, nem mesmo se dá
conta de que está enredado em algo contrário a seus interesses maiores.
Não consegue perceber que seu padrão de comportamento, ainda que
buscando a felicidade, é, na verdade, fonte de grande sofrimento. A
Sabedoria Antiga ensina que isso se deve à inércia da matéria. Quando
um determinado comportamento é repetido várias vezes, estabelece-se uma
tendência em nossos corpos inferiores (material, etérico, astral e
mental concreto), que se perpetua até que a energia inicial seja
identificada e redirecionada.
Porém, esses
condicionamentos devem ser entendidos dentro de uma perspectiva mais
ampla, pois tudo na vida do homem tem sua razão de ser durante certa fase
de sua vida. Assim, o útero materno é imprescindível para a sobrevivência
do feto, mas deve ser abandonado para que o bebê possa continuar seu
progresso como ser humano. O recém-nascido encontra maior proteção e
conforto no berço, porém, esse terá que ser abandonado depois de poucos
anos, porque, num determinado momento, vai tornar-se fator limitativo ao
crescimento subseqüente da criança.
Da mesma
forma, várias estruturas condicionantes do homem moderno, tais como a
agressão, a competitividade e a ambição, que atualmente se configuram
como limitativas do seu progresso, já tiveram sua importância numa fase
anterior da evolução da alma. Por isso Jesus preconizava isenção e
discernimento superiores nas avaliações a respeito do semelhante: ?Não
julgueis pela aparência, mas julgai conforme a justiça? (Jo 7:24).
A verdadeira justiça requer que todos os fatos pertinentes sejam levados
em consideração. Mas quem está disposto e capacitado a fazê-lo? Já não
é pequeno o desafio de cada um de nós para reconhecer os próprios
erros, julgando nossa própria vida, para mudá-la de acordo com os
ditames do coração. Lembremos as palavras de Jesus: ?Não
julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais
sereis julgados, e com a medida com que medirdes sereis medidos. Por que
reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a
trave que está no teu?? (Mt 7:1-3).
Nessa
perspectiva mais ampla da evolução, a maior oportunidade de mudança é
a crise. As crises sérias na vida do homem podem ser vistas como dádivas
divinas, porque, em meio à dor e ao transtorno do momento, o indivíduo
é levado a questionar seus valores, modo de vida e condicionamentos
mentais.[4]
Quanto maior o sentimento de vazio, frustração e futilidade, maior a
dor, e quanto mais insuportável a dor maior a nossa predisposição para
reavaliar e questionar a nossa vida. Desse questionamento pode surgir o
despertar espiritual.
Uma crise só
é bem sucedida quando o homem aprende por meio dela a redirecionar a força
do desejo para um objetivo mais alto. Como o desejo é o reflexo
distorcido da imensa energia da Vontade Divina, o homem tem que aprender a
lidar com o desejo de forma construtiva. Em vez de reprimir o desejo, o
que é sempre contraproducente, deve reorientá-lo para fins mais nobres,
até que, com o despertar espiritual, possa usá-lo como combustível da
aspiração ardente pela união com Deus.
Tendo
examinado o mecanismo de atuação do desejo e da insatisfação, torna-se
mais fácil entender a razão pela qual o homem erra com freqüência
quanto ao lugar, ao tempo e à maneira como procura a felicidade. Em
geral, ele procura a felicidade onde só pode encontrar fugidios momentos
de prazer. Como diz a tradição budista: ?Aquele
que se dedica ao improfícuo e não se dedica ao que é útil e esquece o
verdadeiro objetivo da vida à caça de prazeres transitórios, prepara o
remorso de não ter seguido a melhor vida.?[5]
Como a felicidade é um estado de espírito, esse estado só pode ser
encontrado dentro do próprio ser humano. Assim, para encontrarmos a
verdadeira felicidade teremos que mudar a nossa atitude interior. Esse é
o cerne dos ensinamentos internos de Jesus, resumido na palavra grega metanoia, a mudança de estado mental, examinada anteriormente.
Também, em
geral, não temos muito amadurecimento para reconhecer quando podemos
encontrar a felicidade. Se prestarmos atenção aos nossos pensamentos,
veremos que estamos voltados a maior parte do tempo para o passado ou para
o futuro. A verdadeira felicidade não será encontrada nem no passado nem
no futuro, mas somente no presente. Por mais que nos concentremos no
passado nada poderemos mudar do que já passou. O passado só pode nos dar
as lições da experiência de nossos erros. Mas, uma vez analisadas essas
lições, devemos fechar as páginas do passado sem, no entanto, nos
voltarmos para o outro extremo, que é o futuro, uma incógnita que deve
aguardar a sua vez. A sabedoria consiste em viver no eterno agora, o único
tempo e lugar onde podemos crescer, atentos para o fato de que cada minuto
desperdiçado jamais poderá ser recuperado.
Outra fonte
de frustração ocorre na forma como as pessoas buscam a felicidade. A
maneira como os indivíduos buscam a felicidade muda em função da idade,
das circunstâncias da vida e da maturidade. A felicidade está geralmente
associada ao prazer, ao poder e ao saber. Como o homem é um ser complexo,
pode desejar, em qualquer momento da vida, realizar-se por meio de mais de
uma dessas categorias. Porém, terá sempre uma linha mestra de ação
comportamental, dando ênfase a um desses objetivos.
Essas três
categorias básicas de busca da felicidade (prazer, poder e saber) parecem
coincidir, em linhas gerais, com a ênfase observada nas três grandes
fases da vida do homem: infância, idade adulta e maturidade. Essas fases,
com seus marcos cronológicos indicativos, são profundamente
influenciadas pela idade da alma. Seguidamente encontramos crianças que
nos surpreendem com a maturidade de seu comportamento, assim como somos
chocados por certos adultos e mesmo velhos que agem com um grau de
irresponsabilidade que normalmente só esperamos encontrar em crianças.
Paulo aludiu a essa questão em suas pregações: ?Quando
eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava
como criança. Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio
da criança? (1 Cor 13:11).
A busca do
prazer é típica da primeira fase da vida do ser humano. Desde cedo a
criança procura constantemente a gratificação dos sentidos. Além do
seu prazer e conforto físico, busca o aconchego da proteção e carinho
materno. Essa é uma indicação de que, mesmo nessa tenra idade, formas
mais sutis de satisfação já estão sendo perseguidas. Os anos passam e
o prazer continua a dominar a vida da criança. É bem verdade que a
curiosidade insaciável, indicativa do desejo de saber e a incansável
tentativa de dominar novas habilidades, indicativa da ânsia pelo poder,
fazem-se também cada vez mais presentes. Prazer, poder e saber alternam
sua importância relativa ao longo dos anos de formação da criança,
variando de acordo com cada momento particular da vida do jovem e da idade
da alma. O prazer tende a ser, no entanto, o fator dominante e principal
objetivo a ser perseguido na infância.
Durante a
adolescência, e até mesmo na vida adulta, a busca do prazer continua de
forma imperiosa e frenética para a maior parte da humanidade. As formas
mais primitivas de gratificação dos sentidos, principalmente do sexo e
da gula, vão se refinando. O homem torna-se cada vez mais exigente à
medida que se vai entediando com os prazeres naturais e passa, então, a
exigir maior variação e sofisticação. Isso tem levado ao aparecimento
de distorções e perversões como conseqüência da tentativa de explorar
o que já alcançou o limiar da saturação. Com isso a busca do prazer
toma outros rumos, descambando para sensações artificiais e emoções
cada vez mais fortes, alimentadas pela adrenalina.
O álcool e
outras drogas assumiram um papel importante na busca de emoções. Além
das sensações inebriantes de prazer que produzem, oferecem alívio
momentâneo às preocupações e ao estresse, tornando-se, por isso mesmo,
cada vez mais procuradas em nossa sociedade alienada e perturbada. As
conseqüências desse crescente consumo de álcool e drogas já está se
fazendo sentir na saúde social pelo número cada vez maior de viciados e
dependentes, pagando a sociedade altíssimo preço pela irresponsabilidade
de um número crescente de seus membros.
Por outro
lado, a indústria do lazer, uma das mais dinâmicas em nossa sociedade
moderna, vale-se cada vez mais das emoções fortes e do inesperado como
forma de proporcionar prazer. Neste particular, até o medo torna-se um
artigo comercializável. A seqüela indesejável do prazer proporcionado
pelas emoções fortes é que os indivíduos vão embotando cada vez mais
a sua sensibilidade, até tornarem-se praticamente insensíveis,
especialmente devido ao fato de que a maior parte dessas atividades,
especialmente os video-games, que também invadiram os computadores, são
um culto alarmante à violência. Isso é reforçado pela mídia, que
agora pode trazer para o seio de nosso lar e de nossa família as cenas
mais horripilantes de desastres, assaltos, espancamentos e guerra, além
das perversões sexuais tratadas como banalidades. Com a repetição
exagerada da violência generalizada passamos a aceitar a exceção como
se fora a regra, criando aos poucos uma imagem de que toda excrescência
é algo normal, tornando-nos cada vez mais insensíveis à dor do próximo,
contribuindo, assim, para o esgarçamento do tecido social, já tão
combalido.
A segunda
etapa na busca da felicidade caracteriza-se pela luta incessante pelo
poder. O poder pode ser exercido sobre pessoas e coisas, sobre o nosso
ambiente e sobre nós mesmos. Durante toda sua vida o ser humano está
sempre desenvolvendo uma ampla gama de habilidades necessárias a sua
participação efetiva na sociedade. Cada uma dessas habilidades significa
poder sobre algum conjunto de músculos e emoções que se expressam como
um sentimento de estética (na pintura e escultura), de harmonia (na música
e na dança), de coordenação motora e senso de oportunidade (nos
esportes), de funcionalidade (na industria), etc. Assim, o desenvolvimento
de todo ser humano requer necessariamente um considerável exercício de
poder. Parece haver uma linha de demarcação entre o domínio de
habilidades que requerem poder sobre o próprio indivíduo e o domínio de
outras pessoas, tanto pela manipulação como pelo exercício da força,
seja ela política, econômica ou física.
O exercício
do poder sobre as outras pessoas tem um grande potencial de geração de
sofrimento. Isso não quer dizer que todo exercício de poder sobre os
outros seja necessariamente negativo para o bem estar social ou para a
felicidade do indivíduo. Por exemplo, é essencial que os pais exerçam
certo grau de controle sobre seus filhos, disciplinando-os. O mesmo
aplica-se aos professores e a todo indivíduo em posição de comando. A
diferença aqui, como em todas as questões da vida humana, está na
motivação,[6]
se altruísta ou egoísta. Toda ação egoísta causa sofrimento a seu
perpetrador, seja imediatamente ou mais tarde ¾
essa é a lei natural da retribuição. E como o exercício do poder pode
potencialmente trazer conseqüências extremamente danosas para muitas
pessoas, a retribuição cármica será proporcional à causa inicial.
A fase mais
adiantada da vida do homem, a que chamamos de maturidade, é
caracterizada, por um lado, pela busca do saber e, por outro, por intenso
sentimento de dever. As pessoas não buscam exatamente o dever para ser
feliz, ao contrário, é o senso de dever que as persegue quando estão
suficientemente maduras. Se não obedecem ao chamado do dever, sentem um
vazio na alma, um peso na consciência que as impedem de ser felizes. O
dever, na verdade, é um
corolário do saber. O sábio tem consciência da interdependência de
todos os seres e, por conseguinte, sabe que deve cumprir com suas obrigações
porque isto é a coisa certa a fazer para o bem de todos. Várias
passagens na Bíblia atestam a importância acordada ao dever e ao serviço
humilde na tradição cristã.[7]
O mesmo ocorre na tradição oriental:
?Seja,
pois, o motivo das tuas ações e dos teus pensamentos sempre o
cumprimento do dever, e faze as tuas obras sem procurares recompensa, nem
te preocupares com o teu sucesso ou insucesso, com o teu ganho ou o teu
prejuízo pessoal?.[8]
Mesmo na infância,
muitos jovens são perseguidos por esse senso de dever que os impele a
ajudar os pais e a estudar com seriedade. A realidade, porém, é que boa
parte dos jovens e mesmo dos adultos ainda não alcançou suficiente grau
de maturidade para ser tocada pelo senso do dever. Por outro lado, as mães
geralmente estão profundamente conscientes do dever para com seus filhos;
suas vidas são pautadas por incansáveis atos de doação a seus
rebentos, que as pessoas não imbuídas do amor maternal podem considerar
como sacrifícios. A maternidade parece ser uma das mais abrangentes
escolas do dever em nosso planeta.
Mas o ponto
alto do dever é aquele que é realizado sem nenhuma consideração egoísta,
indo além do cumprimento das obrigações para consigo próprio ou com os
filhos, pais, parentes próximos e amigos. Essa marca de excelência é o
senso de dever para com o grupo. O ápice desse compromisso com a
comunidade é alcançado pelos Mestres de Compaixão e Sabedoria que,
tendo alcançado a suprema libertação que os capacita a entrar no
Nirvana (bem-aventurança celestial ininterrupta), são movidos pela
compaixão a permanecer na esfera terrena para ajudar a humanidade, sem
fazer distinção de nacionalidade, raça ou religião.
A abertura
para a felicidade real e permanente desponta com a busca do saber. Essa
busca começa de forma generalizada na mais tenra idade, com a curiosidade
incessante das crianças procurando respostas para suas incansáveis
perguntas. Porém, com o passar do tempo, quando não encontram um
ambiente favorável para satisfazer sua curiosidade em níveis crescentes
de sofisticação, vão redirecionando sua energia e entusiasmo para os
folguedos. A continuidade da curiosidade infantil é também função do nível
evolutivo da alma, que reflete sua bagagem cármica, ou seja, as
conquistas de vidas passadas. Assim, as ?almas velhas? são muito mais
persistentes em sua curiosidade e, dadas as condições favoráveis para
seu aprendizado propiciadas pelo carma, continuam o processo de busca do
saber ao longo de toda a vida.
No atual estágio
de evolução da humanidade, existe uma crença generalizada de que o
conhecimento é resultado do intelecto. Essa crença é compreensível
porque o conhecimento humano começa
como uma busca intelectual. O buscador estuda a literatura disponível,
ouve a opinião dos eruditos, estabelece modelos para testar suas hipóteses
e, assim, desenvolve seu entendimento da matéria pela atividade mental.
Porém, toda essa informação deve ser interiorizada para transformar-se
em conhecimento, pois, como dizia Einstein: ?Conhecimento
é experiência. Qualquer outra coisa é apenas informação.? Por
isso os filósofos, os grandes cientistas e outros criadores, incluindo os
poetas e artistas, sabem que a compreensão última sobre qualquer assunto
depende da intuição. A percepção instantânea, que ilumina a mente e
faz com que todas as peças do quebra-cabeça ajustem-se nos seus devidos
lugares, é alcançada pela intuição.
Porém, a
mais alta felicidade humana resulta não do conhecimento das coisas do
mundo, mas da Sabedoria. Enquanto o homem comum geralmente contenta-se em
saber o que e como, o sábio exige saber o porquê.
Quando o homem busca a sabedoria divina, ou seja, a razão de sua existência,
ele está no limiar da felicidade sublime daqueles que estão
definitivamente libertos do sofrimento. É por isto que Jesus disse: ?Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará? (Jo 8:32).
Essa
sabedoria suprema, que é bem-aventurança, é alcançada quando se rasga
o véu da ilusão da separatividade e o homem sabe, então, que ele é uno
com o Todo e com todos. E a surpreendente conquista dessa sabedoria é o
AMOR. O sábio agora sabe, no íntimo de seu ser, que o amor é o
conhecimento mais importante a ser conquistado pela humanidade. É
interessante notar, nesse particular, que, em casos de experiências próximas
à morte, inúmeras pessoas relatam que, enquanto estiveram ?do outro
lado,? entenderam finalmente que a coisa mais importante na vida do ser
humano é o amor. Conseqüentemente, após retornarem a sua consciência
comum, mudaram drasticamente suas vidas, tornando-se mais altruístas,
bondosas e compreensivas com os outros.[9]
Amor e
sabedoria são, na verdade, aspectos de uma mesma coisa. A bem-aventurança,
portanto, pode ser conquistada tanto pela via do conhecimento como pela do
amor, mas, uma vez conquistada, as duas dádivas são asseguradas ao
?Adepto.?[10]
É por isso que o grande conquistador que trilha a Senda da Perfeição até
seu coroamento final é chamado de Mestre de Compaixão e Sabedoria.
Vista sob
outro prisma, a conquista da suprema felicidade é a descoberta de Deus. A
expansão de consciência que leva à Unidade nada mais é do que o
encontro e fusão com Deus. Esse retorno às origens, o anseio de todo ser
humano, só pode ser satisfeito quando voltamos todo nosso instrumental de
pesquisa para dentro, na clássica busca da pérola preciosa guardada pela
serpente feroz de nosso eu inferior. É o conhecimento de si mesmo que
abre gradualmente as portas para o buscador determinado e corajoso.
Determinado porque tudo parecerá conspirar no sentido de retirar a sua
atenção dessa busca. Corajoso porque terá que enfrentar os demônios de
seu lado sombra. Esse conhecimento é a chave do poder: ?A
palavra [que é o símbolo do poder] só vem com o conhecimento. Alcança
o conhecimento e alcançarás a palavra?.[11]
Se a
sabedoria suprema traz a felicidade, o seu oposto, a ignorância, é a
raiz do sofrimento. Esse é o cerne do ensinamento dos grandes mestres da
humanidade, como Gautama, o Buda, e Jesus, o Cristo.
[12] A ignorância existe porque o homem insiste em
permanecer nas trevas do egoísmo e da separatividade, ou seja, na
natureza de seu eu inferior. O caminho da libertação é o caminho da
progressiva iluminação da mente, com a superação da ignorância e de
seu aliado, o egoísmo. Uma passagem lapidar da literatura gnóstica sobre
a ignorância é encontrada no Evangelho de Felipe: ?A
ignorância é a mãe de todos os males.?[13]
O texto prossegue explicando que, enquanto a ignorância e o mal
permanecerem escondidos, serão fortes, mas, quando expostos e conhecidos,
secarão e morrerão. O texto continua ainda apresentando um paralelo
entre os intestinos do homem e as raízes de uma árvore que, quando
expostos levam à morte do organismo.
O homem sábio
aprende que a felicidade não depende de circunstâncias exteriores ou da
atitude de outras pessoas. Um corolário de seu amadurecimento é saber
que ele é o único responsável por sua felicidade ou infelicidade.
Primeiro deve ser criado um estado de felicidade em seu interior, para
que, no seu devido tempo, esse estado possa ser expresso também em sua
vida exterior.[14]
Essa é uma conseqüência natural da lei de causa e efeito e do livre arbítrio.
As situações exteriores de nossa vida, o comportamento dos outros para
conosco, a sorte ou azar que parecem nos perseguir refletem o poder do
homem de criar a sua própria vida.
Como a maior
parte das pessoas exerce seu poder criador de forma inconsciente, a
identificação do processo de causa e efeito geralmente não ocorre e,
portanto, essas pessoas têm dificuldade em aceitar a responsabilidade por
suas próprias vidas. Assim, esses três aspectos do processo criador
humano estão diretamente relacionados: a capacidade criadora do homem, a
inexorabilidade da lei do carma e o senso de responsabilidade por seus próprios
atos.
Quando existe
um verdadeiro entendimento da lei da justiça retributiva, o homem pode
perceber sua capacidade criativa e a conseqüente responsabilidade por sua
própria felicidade ou infelicidade. Talvez a maior dificuldade para esse
entendimento seja o fato de que, em geral, as pessoas tendem a associar o
carma exclusivamente aos atos físicos. Porém, nossos pensamentos,
sentimentos e atitudes também geram carma, ou seja, também causam
efeitos que retornam a sua fonte original. Assim, por exemplo, nossa
atitude de indiferença para com as pessoas, por mais que possa estar
camuflada por um comportamento externo de cortesia e polidez, fará com
que as pessoas nos tratem com distanciamento e frieza, ainda que de forma
cortês.
Isso pode ser explicado pelo fato de que tudo no mundo, inclusive pensamentos, sentimentos e atitudes, caracteriza-se por sua vibração particular. Cada sentimento gera uma vibração diferente. Mesmo que não sejamos capazes de perceber essas vibrações no plano material, nossos outros corpos sutis percebem as diferentes vibrações a que estamos expostos e respondem automaticamente com sentimentos e atitudes correspondentes. Todo estudante de música, por exemplo, aprende que um diapasão passa a vibrar quando sua nota é tocada noutro instrumento em sua proximidade. O mesmo ocorre com os seres humanos, que respondem de forma inconsciente às atitudes e sentimentos expressos pelas pessoas com quem estão interagindo. Esse mecanismo de resposta sutil também faz parte de nossa capacidade criadora inconsciente, responsável por grande parte de nossa infelicidade. Nossos sentimentos e atitudes influenciam de forma sutil o comportamento das pessoas ao nosso redor.[15]
[1]
Bhagavad Gita,
op.cit., pg. 151.
[2]
Imitação de Cristo,
op.cit., pg. 313.
[3]
Jo 4:1-15.
[4]
?É de vantagem que passemos,
de quando em quando, por algumas aflições e contrariedades; porque
sempre fazem que o homem entre em si mesmo e reconheça que vive no exílio
e não deve colocar sua esperança em coisa alguma deste mundo.?
Imitação de Cristo, op.cit.,
pg. 43.
[5]
Dhammapada,
op.cit., pg. 39.
[6]
A motivação, no entanto, deve ser temperada pelo respeito ao livre
arbítrio das outras pessoas. A história está cheia de exemplos de
indivíduos e instituições que, movidos pelas melhores das intenções,
procuraram forçar o comportamento de seus irmãos de acordo com padrões
preestabelecidos que acreditavam ser construtivos para eles. Dessa
forma surgiram a Inquisição e os grupos fundamentalistas de todas as
religiões que fanaticamente procuram fazer com que os outros se
conformem aos padrões que crêem ser socialmente desejáveis ou
divinamente determinados.
[7]
Lc 17:7-10; 1 Cor 7:3, 10-16; Rm 13:5, 14:1-12; Ti 3:1-2, 6:17-19; 1
Pd 3:1-7; Ef 5:21-33, 6:1-9;
[8]
Bhagavad Gita,
op.cit., pg. 36.
[9]
Vide, Claire Sutherland, Dentro da Luz (Brasília: Editora Teosófica, 1998),
[10]
Título conferido ao ser humano que recebe a Quinta Iniciação na
senda ocultista, também chamado de Mestre de Compaixão e Sabedoria.
[11]
Luz no Caminho,
op.cit., pg. 35.
[12]
Buda disse: ?a ignorância é a maior de todas as máculas.? Dhammapada, op.cit., pg 42.
[13]
Evangelho de Felipe,
em The Nag Hammadi Library,
op.cit., pg. 159.
[14]
Veja-se, a propósito, Eva Pierrakos e Donovan Thesenga, no
interessante livro Não Temas o
Mal, (S.P.: Cultrix), pg. 23.
[15]
Esta idéia encontra-se no Bhagavad Gita de forma bastante direta: ?Cada um chega a ser o que desejou ser; o semelhante atrai o semelhante.?
op.cit., pg. 95.
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