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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
A
Unidade da Vida
A
Unidade é a realidade fundamental de tudo o que existe. É o ponto de
partida e de retorno do universo manifestado. Para os seres humanos,
acostumados a identificar-se com seu corpo, com sua consciência
guiada pelo autocentrismo, governada pelo egoísmo da personalidade e
limitada pela ilusão da separatividade, a Unidade parece, quanto
muito, um ideal teórico.
É dito que o
Ser Supremo, o Inefável, existe eternamente no Imanifesto, num estado
inconcebível pelas mentes humanas, sendo Incognoscível e reinando em
Silêncio na Profundidade por incontáveis eras.
[1]
Esse conceito está em sintonia com a primeira proposição
fundamental da Doutrina Secreta de que existe ?um
Princípio Onipresente, Sem Limites e Imutável, sobre o qual toda
especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção
humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não
poderia senão diminuí-lo.?[2]
Quando, porém, decide manifestar-se, emana de si sua essência, que
se apresenta como Espírito e Matéria, os pólos opostos de uma mesma
realidade primordial manifestada.
A emanação,
no entanto, é um processo inteiramente diferente do que concebemos na
Terra como criação, em que o criador utiliza materiais fora de si
para criar algo separado. ?Na
emanação, a entidade que deseja se manifestar num plano inferior
?projeta? a sua luz, ou essência, neste plano. Essa essência é,
então, envolvida pela matéria desse plano, o que causa limitação
de consciência da entidade emanante, que adquire, assim, uma
individualidade, ou consciência nova, apesar de permanecer a mesma
essência. Esse é o mistério da Unidade de todos os seres: somos
emanações, projeções, ou raios da Luz Suprema e, por conseguinte,
somos também parte de todas as entidades, ou forças, que se
encontram nos diferentes planos da manifestação, pois fomos de certa
forma ?emanados?, ou ?formados?, com sua substância.?[3]
As grandes
tradições insistem que o mundo da manifestação é uma ilusão (Maya,
como dizem os budistas), em virtude da aparente separação de tudo
que pode ser percebido pelos sentidos. Um simples exemplo pode
esclarecer esse ponto. A percepção que temos do mundo é afetada por
diversas variáveis que fazem com que a ?realidade? que vemos seja
uma realidade relativa. Assim, por exemplo, quando olhamos para o céu
a noite e percebemos a estrela Alfa Centauro, a mais perto do nosso
sol, o que realmente estamos vendo é a sua imagem há mais de quatro
anos, o tempo que levou para que sua luz chegasse até nós.[4]
A verdadeira estrela Alfa Centauro estará a uns quatro e meio anos
luz de distância da sua imagem visível. Portanto, as imagens que
vemos no céu são uma ilusão, são Maya,
como dizem os orientais. E as imagens que vemos na Terra?
A ciência
vem apresentando, neste século, teses que se aproximam das posições
defendidas pela tradição esotérica. Primeiro foi a descoberta de
Einstein de que todo o universo não passa de energia em diferentes
formas, dando um cunho científico para a proposição dos místicos
de que Deus é energia, e que todo o mundo fenomênico não passa de
manifestações energéticas de diferentes densidades da Fonte Única.
Mais tarde, os físicos, estudando o comportamento das partículas
subatômicas, concluíram que os resultados dos experimentos são
afetados pelos observadores.[5]
Os místicos certamente concordam que o universo é uma só coisa e
que tudo está interligado.
Outro enfoque
científico que nos permite entender a unidade essencial de todas as
coisas é a noção de espaço. Nosso planeta quando visto dentro do
contexto do sistema solar não passa de pequenino ponto na imensidão
do espaço. O mesmo se dá quando se compara nosso sistema solar à
nossa galáxia, a Via Láctea, e esta ao universo conhecido, formado
de centenas de bilhões de galáxias. Assim, percebemos que o fator cósmico
primordial é a imensidão do espaço universal.
O microcosmo
parece guardar as mesmas proporções do macrocosmo. O núcleo de cada
átomo está separado de seus elétrons por consideráveis distâncias.
Por exemplo, se um átomo fosse ampliado para o tamanho de um estádio
de futebol, seu núcleo, no centro do estádio, teria o tamanho de uma
pequenina ervilha, e seus elétrons, equivalentes a minúsculos grãos
de poeira, estariam circulando a incríveis velocidades na periferia
do estádio. Assim, os átomos são na prática espaços vazios
mantidos coesos por campos magnéticos. Visto sob outro ângulo, se
fosse possível eliminar a distância que separa o núcleo de todos os
átomos da matéria constituinte de nosso planeta, a Terra se tornaria
um buraco negro de densidade inimaginável, porém, seu tamanho seria
reduzido ao de uma caixa de fósforo.[6]
Porém, nem
mesmo o núcleo dos átomos é constituído de ?matéria? densa,
mas sim de partículas subatômicas, que são diferentes formas de
energia com carga elétrica, que por sua vez podem ser decompostas no
que os cientistas chamam de quarks,
as últimas partículas de energia atualmente conhecidas. Assim, tudo
o que vemos no mundo nada mais é do que o espaço pleno de energia
mantida em formas perceptíveis aos nossos sentidos, pelo que os
cientistas chamam de ?campo?, ?a
entidade física fundamental, um meio contínuo que está presente em
todo o espaço?.[7]
O ?campo? da física parece ser o arquétipo das hierarquias
construtoras, o ?modelo? abstrato do qual são construídos todos
os corpos existentes no universo.
Um novo campo
científico está se descortinando com importantes implicações para
a reaproximação da ciência
e da espiritualidade. David Bohm, eminente físico teórico, propôs
um novo modelo para a física baseado nos princípios da holografia.
Esse modelo postula que a realidade é um contínuo, em que cada
fragmento, cada célula ou átomo contém a essência de todo o
universo.[8]
A ilusão do mundo manifestado pode agora ser entendida com experiências
científicas usando raios laser e produzindo imagens holográficas.[9]
O holograma
é uma reprodução tridimensional que tem aparência de realidade,
geralmente chamado de realidade virtual. Pode ser produzido com um
raio laser dividido em dois feixes: o primeiro é projetado no objeto
que desejamos fotografar, e o segundo é redirecionado para incidir na
luz refletida do primeiro. Surge, então, um padrão de interferência,
que é registrado num filme.[10]
Quando outro feixe de raio laser incide através do filme holográfico,
surge uma imagem tridimensional do objeto com uma aparência tão real
que temos a impressão de estar diante do objeto original. A aparência
de realidade é tal que a pessoa pode andar ao redor da projeção
holográfica e observá-la de diferentes ângulos como se fosse um
objeto real. Só quando o observador entusiasmado tenta tocá-la é
que constata estar se confrontando com uma projeção, uma realidade
virtual, e não com um objeto físico. A imagem virtual poderia ser
entendida como a ?ordem explícita? ou ?ordem revelada?, na
linguagem de Bohm, a manifestação em nosso mundo de espaço e tempo
de uma realidade de outra dimensão mais sutil.[11]
Porém, algo
ainda mais surpreendente ocorre no universo holográfico que lembra o
aspecto da imanência divina. ?Se
cortarmos ao meio um pedaço de filme holográfico contendo um
determinado objeto, digamos, a imagem de uma maçã e projetarmos um
feixe de laser, cada metade continuará a conter a imagem inteira da
maçã. Se dividirmos essas metades progressivamente até obtermos
pequenos fragmentos de filme, ainda assim em cada fragmento haverá
uma maçã inteira, embora as imagens fiquem mais nebulosas à medida
que os pedaços tornam-se menores. Isto significa que, ao contrário
das fotografias normais, em cada pedaço de filme holográfico são
registradas as informações completas do todo.?[12]
Esse experimento científico oferece um singular paralelo com a
doutrina esotérica de que o Todo está em cada parte, ou seja, que a
Deidade Suprema é imanente em cada unidade da manifestação.[13]
Essa conclusão
científica moderna é idêntica à conclusão dos místicos de todos
os tempos que dizem exatamente isso: o mundo é uma ilusão, é Maya. Esse mundo ilusório e impermanente, no entanto, é um reflexo
de uma realidade maior, um mundo de energia pura e fluida, um mundo
numênico, que contém os padrões ou arquétipos de toda manifestação.
Esse mundo primário dos arquétipos é a origem do mundo fenomênico
que percebemos, ou seja, é Deus.
Por outro
lado, cada pequenina porção do nosso mundo, como nas fotografias
holográficas subdivididas, contém em si a expressão da totalidade.
Podemos entender, assim, como a manifestação de Deus, a Totalidade,
pode ser plenamente percebida em cada ser humano, quando as condições
de ?Luz? são satisfatórias, ou seja, quando o homem alcança a
iluminação.
Essa natureza
imanente do Divino encontra-se também na tradição cristã e foi
expressa assim no Evangelho de Tomé: ?Eu
sou a luz que está acima de todos. Eu sou o todo. De mim tudo surgiu,
e tudo se estende até mim. Rache um pedaço de madeira, e eu estarei
ali. Levante a pedra, e encontrar-me-ás ali.?[14]
No Bhagavad
Gita, livro sagrado dos hindus, encontramos uma passagem de teor
semelhante, em que Krishna, representando a Divindade Suprema,
dirige-se a Arjuna, seu discípulo: ?Eu, ó príncipe! sou o Espírito que reside na consciência de todos os
seres, e cujo reflexo é conhecido por todos como o ?Eu? (ou Ego).
Eu sou o princípio, o meio e o fim.?[15]
Em que pese a
aparente separatividade no mundo material, todo místico ou iogue que
atinge um certo grau de expansão de consciência descreve sua experiência
como de união com o Todo, ou com Deus. Isso significa que, ao
transcender a limitação da mente concreta, o homem começa a trilhar
o caminho de retorno à Casa
do Pai, que é a consciência da Unidade. Esses conceitos foram incluídos
entre os ensinamentos ocultos de nossa tradição, como podemos
inferir pelas palavras de Paulo:
?Há
um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da
vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só
batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio
de todos e em todos? (Ef 4:4-6).
No estado de
consciência da unidade, experimentamos todos os aspectos, ou
atributos, divinos de Bem-Aventurança, Serenidade, Paz, Amor e
Sabedoria. Esses aspectos tornam-se mais presentes quanto mais elevado
for o nível de expansão de consciência. Nesse estado o homem deixa
para trás uma série de ilusões e preconceitos adquiridos ao longo
de muitas existências condicionadas pela ilusão da separatividade.
Quando isso ocorre podemos dizer: ?nele vivemos, nos movemos e existimos? (At 17:28). Percebemos,
também, que somos uma pequenina célula no grande organismo da
humanidade, que por sua vez é uma pequenina parte dentro da imensidão
física de nosso planeta, sistema solar, etc. Tudo o que existe é um
componente de uma realidade maior, sendo todas essas unidades partes
integrantes do Todo.
Verificamos,
como é dito no Evangelho de Felipe, que todos os pares de opostos são
aspectos da totalidade. As coisas do mundo, ao fim de cada existência,
dissolvem-se e retornam a sua origem primordial, mas as coisas do
mundo de luz são eternas e indissolúveis, e assim é a nossa alma.
?Luz
e trevas, vida e morte, direita e esquerda são irmãos entre si. São
inseparáveis. Por isso nem o bem é bom, nem o mal é mau, nem a vida
é vida, nem a morte é morte. Por essa razão cada um se dissolverá
em sua origem primordial. Mas aqueles que são exaltados acima do
mundo são indissolúveis, eternos.?[16]
O Evangelho
de Felipe apresenta outro exemplo dessa mudança de perspectiva entre
a consciência do mundo material e a do mundo do Pai, esclarecendo a
diferença entre a visão dualista e a visão da unidade. O homem
comum vê as coisas que o cercam dissociando-se dessas coisas. Porém,
quando alcança a visão da realidade, ou seja, a consciência da
unidade no Pleroma (Plenitude), ao ver algo sente-se como sendo aquela
coisa. Isso significa que existe uma fusão ou união total na
unidade, sem que haja um ?aniquilamento? da individualidade, pois
o vidente se vê em total união com outros seres, tendo perfeita
consciência disso.
?Não
é possível para ninguém ver as coisas que realmente existem a menos
que ele se torne como elas. Não é assim que acontece com o homem no
mundo: ele vê o sol sem ser o sol; e vê o céu e a terra e todas as
coisas, sem ser essas coisas. Isso está de acordo com a verdade. Porém,
ao veres algo daquele lugar (o Reino), tu te tornas aquela coisa. Ao
veres o Espírito, tu te tornas Espírito. Ao veres o Cristo, te
tornas Cristo. Ao veres (o Pai) te tornarás o Pai. Por isso, (neste
lugar) vês tudo e não (vês) a ti próprio, mas (naquele lugar) vês
a ti mesmo e te tornas o que vês.?[17]
A Unidade da
Vida não é uma mera hipótese metafísica de religiões orientais. A
própria Bíblia está repleta de citações em que a unidade do homem
com Deus está implícita. As passagens mais claras são aquelas em
que nos é dito que somos todos filhos de Deus, porque, na linguagem
sagrada, a filiação é sinônimo de participação na natureza e na
herança do Pai.
?Compreendereis
que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós? (Jo 14:20).
?Todos
os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus? (Rm
8:14).
?O
próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que
somos filhos de Deus. E se somos filhos, somos também herdeiros;
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo? (Rm 8:16-17).
?Vós
todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus? (Gl 3:26).
O conceito de
unidade foi incorporado à doutrina cristã, como pode ser visto no
livro que, por vários séculos, orientou grande número de buscadores
dentro do cristianismo: ?Aquele
que tudo atribui à unidade, e a ela tudo refere e nela tudo vê, pode
ter o coração sossegado e permanecer tranqüilo em Deus.?[18]
Nesse sentido, sempre que o homem age de forma egoísta, buscando seus interesses em detrimento dos interesses dos outros, ele está ignorando e, portanto, infringindo a lei básica da manifestação que é a Unidade. Por outro lado, o comportamento altruísta está em sintonia com a Unidade e é um dos mecanismos de aproximação do homem da sua realidade divina última. O egoísmo, porém, deve ser entendido como uma triste seqüela da ilusão da separatividade. Como a maior parte das pessoas se identifica com seu corpo físico, julga, portanto, que cada pessoa é uma entidade totalmente separada do mundo que a cerca e, consequentemente, usa um raciocínio linear de que se derem o que têm ficarão destituídas. Porém, a realidade é outra. Cada indivíduo, sendo uma expressão da consciência e da energia universal, pode ser visto como um canal para esta energia benigna. Quanto mais esse canal individual deixar fluir a energia benfazeja, mais energia será direcionada para ele pela fonte universal, pois ele se mostrou eficiente em sua função distributiva. É por isso que S. Francisco de Assis dizia que ?é dando que se recebe.?
[1] Pistis Sophia, op.cit., pg. 33
[2]
H.P. Blavatsky, A Doutrina Secreta (S.P.: Pensamento, 1973), vol. I, pg. 81.
[3]
Pistis Sophia, op.cit., pg. 35
[4]
Stephen W. Hawking, Uma Breve História do Tempo (R.J.:, Rocco, 1994), pg. 47-48.
[5]
?Os físicos redescobriram
outra percepção essencial da filosofia esotérica -- de que
sujeito e objeto não podem ser divorciados um do outro. Na física
quântica, descobriram que os cientistas que fazem medições
nunca conseguem separar-se completamente daquilo que está sendo
medido.? Shirley Nicholson, Sabedoria
Antiga e Visão Moderna (Brasília: Editora Teosófica, 1991),
pg. 130.
[6]
Vide Sabedoria Antiga e Visão
Moderna, op.cit., pg. 87.
[7]
Sabedoria Antiga e Visão Moderna,
op.cit., pg. 76-77
[8]
Sabedoria Antiga e Visão Moderna,
op.cit., pg. 79.
[9]
Vide, Michael Talbot, O Universo Holográfico (S.P., Best Seller) e David Bohm, A
Totalidade e a Ordem Implicada (S.P., Cultrix)
[10]
O Universo Holográfico,
op.cit., pg. 34.
[11]
Vide O Universo que dobra e
desdobra. Uma conversa com David Bohm. Em O
Paradigma Holográfico, op.cit., pg. 45-104.
[12]
O Universo Holográfico, op.cit.,
pg. 34.
[13]
A Imanência é uma expressão da terceira proposição da
Doutrina Secreta que ensina ?a
identidade fundamental de todas as Almas com a Alma Suprema
Universal, sendo essa última um aspecto da Raiz Desconhecida.?
(A Doutrina Secreta, op.cit., vol. I, pg. 84)
[14]
Evangelho de Tomé, The Nag Hammadi Library, op.cit., versículo 77, pg. 135.
[15]
Bhagavad Gita
(S.P.: Pensamento), pg. 113.
[16]
Evangelho de Felipe, aforismo 10, em The
Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 142.
[17]
Evangelho de Felipe, aforismo 44, op.cit., pg. 146/47.
[18]
Imitação de Cristo,
obra atribuída a Thomas Kempis, cônego alemão que viveu nos países
baixos durante o século XV. (S.P.: Editora Paulinas, 1987), Edição
de bolso, pg. 18.
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