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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
A
justiça divina
Como o homem
dispõe de livre arbítrio, segue-se naturalmente que suas ações
devem gerar conseqüências correspondentes à natureza de seus atos.
A justiça retributiva divina, conhecida no Oriente como carma, é a
Lei da Causação Universal, a Lei de Causa e Efeito que governa todas
as ações em todos os níveis, ou planos, da natureza. Em sânscrito,
a palavra karma significa ação, portanto, a lei deixa implícito que cada ação
gera uma reação de natureza e intensidade equivalente. Visto sob
outro ângulo, o carma é o inter-relacionamento de tudo o que existe.
Esse inter-relacionamento sempre existiu, não tendo começo nem fim.
Portanto, nada existe isoladamente, ou fora de um relacionamento
determinado pelo carma numa seqüência de causa e efeito.[1]
Embora no plano abstrato da consciência divina causa e efeito sejam
simultâneos, no mundo físico geralmente ocorre um hiato temporal
entre a causa e a materialização de seu efeito.
Poderíamos
imaginar o Universo como uma imensa caverna em que o som de qualquer
ruído reverbera nas paredes e volta até sua fonte de origem. Esse
eco universal, que é o carma, funciona como vibrações, em todos os
planos, que fazem retornar a nós, mais cedo ou mais tarde, as conseqüências
de nossos atos. O carma pode ser imaginado também como o reencontro
com todos nossos pensamentos, palavras e atos, porém, agora, na
qualidade de experimentador dos efeitos que anteriormente causamos. A
lei de causa e efeito no plano material é bem conhecida dos
cientistas. Temos assim a formulação dada pela terceira lei de
Newton: ?A toda ação
corresponde uma reação igual em sentido contrário.?
A justiça
divina, ou carma, é apropriada à intensidade e à natureza de todos
nossos atos físicos, palavras e pensamentos. A conseqüência de um
ato físico será sentida principalmente no corpo físico, más
palavras trarão também más palavras dirigidas a nós e pensamentos
ruins repercutirão em nosso corpo mental. Se alguém achar estranho
que possa haver carma relacionado aos pensamentos, basta recordar
quantas vezes sentiu-se perturbado, triste, desanimado, deprimido, com
medo e, outras vezes, também o oposto destes estados mentais. Esses
sentimentos são invariavelmente resultados do carma mental. O papel
da mente na geração do carma é o primeiro ensinamento apresentado
no livro sagrado dos budistas, o Dhammapada.
?Todas
as coisas são precedidas pela mente, guiadas pela mente e criadas
pela mente. Tudo o que somos hoje é o resultado do que temos pensado.
O que pensamos hoje é o que seremos amanhã; nossa vida é uma criação
da nossa mente. Se um homem fala ou age com uma mente impura, o
sofrimento o acompanha tão de perto como a roda segue a pata do boi
que puxa o carro. Se um homem fala ou age com a mente pura, a
felicidade o acompanha como sua sombra inseparável.?[2]
Vistos sob
outro ângulo, todos pensamentos e sentimentos são agentes poderosos
de energia criadora; criam de acordo com a natureza deles. Pensamentos
criam sentimentos, estes criam atitudes, comportamentos e vibrações
que, por sua vez, criam as circunstâncias da vida.[3]
Essa capacidade criadora do homem nem sempre é devidamente levada em
consideração por aqueles que se aventuram pelo caminho espiritual.
Assim, em nosso estado de ignorância criamos no passado o sofrimento
que ora estamos colhendo em nossas vidas. Da mesma forma, agora que
estamos começando a abrir a nossa mente para a operação das leis
divinas, podemos criar as circunstâncias favoráveis para nosso
progresso espiritual. Por isso, um comportamento e, principalmente,
pensamentos apropriados são indispensáveis, como sugerem os versos
de Tennyson:
?Semeias
um pensamento, colherás uma ação.
Semeias
uma ação, colherás um hábito.
Semeias
um hábito, colherás um caráter.
Semeias
um caráter, colherás teu destino.?
O
entendimento da lei do carma marca uma importante etapa na vida do
homem. Deve ser lembrado, no entanto, que enquanto o homem estiver
usando o seu conhecimento da lei para criar seu próprio bem, estará
apenas deixando de praticar o mal egoísta para praticar o bem egoísta.
O verdadeiro discípulo de Jesus, sabendo que seu reino não é deste
mundo e que é uno com todos os seres, vai além e procura fazer o bem
verdadeiro, que é o bem para os outros e não para o seu próprio
benefício. ?Se agirmos
corretamente, o carma, a providência ou a justiça divina ¾
como preferirmos dizer ¾
cuidarão do resto. Se buscarmos o tesouro que está no reino dos céus,
o resto nos será dado por acréscimo.?[4]
A atuação
do carma na vida do homem foi-nos apresentada numa linguagem
inspirada, na obra de Sir Edwin Arnold:
?Não
conhece nem a cólera nem o perdão; suas medidas são de uma precisão
absoluta e sua balança é infalível; o tempo não existe para ele;
julgará amanhã ou muito tempo depois. Graças a ele, o assassino se
fere com sua própria arma; o juiz injusto perde seu defensor, a língua
falaz condena sua própria mentira, o ladrão furtivo e o espoliador
roubam para entregar o produto de suas rapinas. Tal é a Lei que se
move para a Justiça, que ninguém pode evitar ou deter; seu coração
é o Amor e seu fim a Paz e a Perfeição última. Obedecei!?[5]
O carma, no
entanto, não é meramente um conceito exótico oriental, mas uma lei
universal que figura claramente na tradição cristã, geralmente
referida como justiça divina e, às vezes, como a vingança de Deus,
seguindo a tendência antropomórfica da Bíblia. São copiosas as
passagens a esse respeito no Antigo Testamento; eis aqui alguns
exemplos:
?Iahweh
fará justiça ao seu povo, e terá piedade dos seus servos.? (Dt
32:36)
?Iahweh
é justo, ele ama a justiça, e os corações retos contemplarão sua
face.? (Sl 11:7)
?O
homem misericordioso faz bem a si mesmo, o homem cruel destroi sua própria
carne.? (Pr 11:17)
?Quem
estabelece a justiça viverá, quem procura o mal morrerá.? (Pr
11:19)
?Se
o justo aqui na terra recebe o seu salário, quanto mais o ímpio e o
pecador.? (Pr 11:31)
?Do
fruto de sua boca o homem sacia-se com o que é bom, e cada qual
receberá a recompensa por suas obras.? (Pr 12:14)
?(Iahweh)
não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas
por ouvir dizer. Antes, julgará os fracos com justiça, com eqüidade
pronunciará uma sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a
terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará
o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o
cinto dos seus rins.? (Is 11:3-5)
?Porei
o direito como regra e a justiça como nível.? (Is 28:17)
?Iahweh,
ó Deus das vinganças, aparece, ó Deus das vinganças! Levanta-te,
ó juiz da terra, devolve o merecido aos soberbos!? (Sl 94:1-2)
As referências
no Novo Testamento têm uma linguagem própria, e algumas vezes o
sentido da justiça retributiva está implícito na passagem,
precisando ser devidamente interpretado: eis algumas:
?O
machado já está posto à raiz das árvores e toda árvore que não
produzir bom fruto será cortada e lançada ao fogo.? (Mt 3:10)
?Porque
em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será
omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja
realizado.? (Mt 5:18)
?Todo
aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no
tribunal; aquele que chamar ao seu irmão ?Cretino!? estará
sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar ?Louco?
terá de responder na geena de fogo.? (Mt 5:22)
?Guardai-vos
de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por
eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto ao vosso Pai que
está nos céus.? (Mt 6:1)
?Não
julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que
julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos.?
(Mt 7:1-2)
?Tudo
aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles, pois esta é a Lei e os Profetas.? (Mt 7:12)
?Eu
vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão
contas no dia do Julgamento.? (Mt 12:36)
?E Deus não
faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que
os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.?
(Lc 18:7-8)
?Viu um
homem, cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ?Rabi,
quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?? Jesus
respondeu: ?Nem ele nem seus pais pecaram mas é para que nele sejam
manifestadas as obras de Deus?.? (Jo 9:1-3)
Nessas passagens a lei do retorno é descrita como inexorável, ainda
que lenta na concepção dos homens que geralmente esperam uma
retribuição quase que instantânea. O efeito deve seguir a causa,
assim como o dia segue a noite, porque a lei transcende o tempo e o
espaço. A justiça virá no seu devido tempo. E esse tempo pode ser
alguns anos ou, muito depois, noutra encarnação, como indica a última
passagem sobre o cego de nascença. Jesus explica que não foram seus
pais nem aquele homem que pecou, ou seja, a personalidade naquela
encarnação, pois já era cego ao nascer. A afirmação de que a
cegueira era a manifestação das obras de Deus, deve ser entendida
como a inexorável lei do carma, por pecados cometidos noutra encarnação.
Paulo exorta
os romanos (Rm 12:19) a não fazerem justiça com suas próprias mãos,
para não incorrerem em carma, mas deixá-la a cargo de Deus, como
pregava a tradição judaica (Lv 19:18 e Dt 32:35). Em Hebreus essa
orientação é reiterada: ?A
mim pertence a vingança, eu é que retribuirei!? (Hb 10:30).
Uma das mais claras e diretas indicações da justiça retributiva é
enunciada em Gálatas:
?Não
vos iludais: de Deus não se zomba. O que o homem semear, isso colherá:
quem semear na sua carne, na carne colherá corrupção; quem semear
no espírito, do espírito colherá a vida eterna. Não desanimemos na
prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo,
colheremos? (Gl 6:7-9).
A lei do carma, deve ser entendida não só no seu sentido de
instrumento da justiça divina, mas também como a expressão da
compaixão do Pai que procura instruir o homem rumo a uma vida de
retidão. Como as conseqüências de atos negativos implicam
necessariamente em sofrimento, os homens, aos poucos, aprendem a
associar causa e efeito e, assim, a afastar-se do mal.[6]
Esse aprendizado, no entanto, é bastante lento, pois na maior parte
das vezes as pessoas não conseguem entender que as violências que
sofrem, as doenças que de repente as acometem, os entes queridos que
perdem, enfim, toda uma série de eventos dolorosos que acontecem sem
nenhuma razão aparente são conseqüências de atos cometidos muitos
anos atrás ou mesmo em vidas anteriores. Como os ajustes cármicos são
efetuados sempre de forma natural, ou seja, por meios decorrentes de
circunstâncias perfeitamente normais, podem, às vezes, demandar um
tempo considerável para ocorrer.
Deve ficar
claro, no entanto, que carma não é fatalidade. Não é algo como
destino que não admite interferência. Ao contrário, cada um de nós
tem a obrigação de interferir em seu carma, ou seja, de criar as
condições mais favoráveis possíveis para a sua vida futura. Como
diariamente efetuamos dezenas de ações, dizemos centenas de palavras
e produzimos milhares de pensamentos, a cada instante o nosso carma
está sendo modificado. Ele pode ser imaginado como a resultante da
atuação de uma infinidade de vetores de força atuando de forma dinâmica
e contínua. Portanto, o carma de cada indivíduo está constantemente
sendo ajustado e reajustado; nossas pendências cármicas podem ser
modificadas por nossas ações no presente. Assim, podemos amenizar ou
até mesmo cancelar certos débitos cármicos com boas ações na vida
atual.
É por isso
que Jesus nos advertiu: ?Assume
logo uma atitude conciliadora com o teu adversário, enquanto estás
com ele no caminho, para não acontecer que o adversário te entregue
ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e, assim, sejas lançado na
prisão. Em verdade te digo: dali não sairás, enquanto não pagares
o último centavo.? (Mt 5:25-26). O juiz e o oficial de justiça
representam a Lei da retribuição divina. A prisão é o corpo físico,
onde seremos confinados, vida após vida, enquanto não pagarmos até
o último centavo figurativo de nossos débitos cármicos.
A reencarnação
é outro aspecto da realidade Divina que opera juntamente com a lei do
carma. Esse era um dos ensinamentos reservados que Jesus ministrava a
seus discípulos, como era feito tradicionalmente nas Escolas de Mistérios.
A lógica nos leva a entender que a reencarnação é uma necessidade
para que se cumpra o propósito de Deus. Como poderia haver evolução,
como o homem poderia alcançar a perfeição para a qual Jesus nos
conclama (Deveis ser perfeitos
como o vosso Pai celeste é perfeito. Mt 5:48), se só houvesse
uma única oportunidade de vida no mundo para alcançarmos esse
objetivo? Como o Pai celestial, que ama todos seus filhos, sejam eles
pobres ou ricos, santos ou pecadores, poderia esperar a perfeição,
numa única vida, da grande legião de almas que nasce com deficiências
mentais e em ambientes de ódio, ignorância e miséria? As condições
difíceis em que muitas pessoas se encontram ao nascer refletem seu
carma de vidas anteriores. Todas nossas boas ações, palavras e
pensamentos são inexoravelmente contabilizadas pela justiça divina,
fazendo com que, vida após vida, nossas condições e oportunidades
sejam cada vez mais propícias para nos aproximarmos paulatinamente da
meta de união com o Pai, a suprema perfeição e bem-aventurança.
A realidade
da reencarnação era conhecida dos iniciados judeus ao tempo de
Jesus, em especial da comunidade dos essênios e dos cabalistas.
Algumas passagens da Bíblia indicam essa realidade, como a já citada
do cego de nascença. A passagem citada do Livro da Sabedoria de Salomão,
no AT, não deixa dúvida que os judeus esclarecidos sabiam da
preexistência da alma: ?Eu era um jovem de boas qualidades, coubera-me, por sorte, uma boa alma;
ou antes, sendo bom, entrara num corpo sem mancha? (Sb 8:19-20).
Em Êxodo,
temos uma passagem em que Iahweh diz: ?Sou um Deu ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos
até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também
ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e
guardam meus mandamentos? (Ex 20:5-6). Tomada literalmente, essa
passagem estaria descrevendo a atitude de um monstro sanguinário, que
persegue seus inimigos até a quarta geração, o que não pode ser o
caso com o Pai celestial. O sentido alegórico é que os filhos das
gerações futuras são, na verdade as futuras reencarnações do
indivíduo, que recebe a conseqüência de seus atos, a justiça de
Iahweh. Essa retribuição cármica tanto pode ser desagradável como
benéfica e não é limitada pelo tempo, podendo ocorrer na mesma vida
da pessoa ou numa encarnação futura.
No Novo
Testamento uma passagem bastante explícita sobre a reencarnação
refere-se a vinda de Elias: ?Os
discípulos perguntaram-lhe: ?Por que razão os escribas dizem que
é preciso que Elias venha primeiro?? Respondeu-lhes Jesus:
?Certamente Elias terá de vir para restaurar tudo. Eu vos digo, porém,
que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao contrário, fizeram
com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem irá
sofrer da parte deles.? Então os discípulos entenderam que se
referia a João Batista.? (Mt 17:10-13). Noutra ocasião Jesus
perguntou a seus discípulos: ?Quem
dizem os homens ser o Filho do Homem? Disseram: ?Uns afirmam que é
João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou
um dos profetas?.? (Mt 16:13-14). Nessa passagem fica claro
que o povo da época acreditava na reencarnação e que para muitos
Jesus era tido como a reencarnação de um dos grandes profetas
judeus.
Como Deus é amor, a operação de todas as leis divinas é, em sua essência última, uma expressão do amor. Isso também se dá com o carma. Podemos interpretá-lo de forma mais abrangente como a maneira compassiva da ação de Deus como Supremo Instrutor. Todas as situações de nossa vida, que são conseqüências de ações anteriores, são exatamente o que mais precisamos, no momento, para prosseguirmos em nosso processo de aprendizado. Todas as pessoas com quem temos relacionamentos difíceis ou mesmo tumultuados são, na verdade, agentes do carma, os instrutores divinos que estão inconscientemente nos ajudando a aprender alguma lição que se tornou indispensável para o nosso progresso.
[1]
Annie Besant, Um Estudo Sobre o Karma (S.P., Pensamento), pg. 21
[2]
Dhammapada, caminho da lei
(S.P.: Pensamento, 1993), pg. 19.
[3]
Para maior aprofundamento ler: O
Caminho da Auto-Transformação, op.cit., pg. 32.
[4]
O Poder da Sabedoria,
op.cit., pg. 44.
[5]
E. Arnold, A Luz da Ásia (S.P.,
Pensamento), pg. 180-81
[6]
Um corolário da lei do carma é a responsabilidade de cada homem
por sua própria vida. ?Cada homem é seu próprio absoluto legislador, o dispensador de glória
ou escuridão para si mesmo; o decretador de sua vida, sua
recompensa, sua punição.? M. Collins, O
Idílio do Lótus Branco (S.P.: Pensamento), pg. 83
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