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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
Conhecimento
de si mesmo
Desde a mais
remota antigüidade, os grande mestres sempre instaram o homem a
buscar o conhecimento de si mesmo. Essa instrução foi tornada
particularmente famosa na Grécia antiga com a inscrição no portal
de entrada do Templo de Delfos, que dizia: Homem,
conhece-te a ti mesmo. Dizem alguns iniciados que entraram no
Templo que, do lado interno do portal, a inscrição continuava: E
conhecerás o universo.
A tradição
cristã, continuadora da eterna tradição de sabedoria, não poderia
adotar uma postura diferente. Na extensa literatura do cristianismo
primitivo constatamos a ênfase especial dada aos mitos da peregrinação
da alma em que os ensinamentos sobre os princípios do homem figuram
como parte central do relato. No Evangelho de Tomé, documento apócrifo
de grande importância, redescoberto entre os textos da Biblioteca de
Nag Hammadi, encontramos três aforismos que se reportam a essa questão:
(3)
Quando conhecerdes a vós mesmos, então sereis conhecidos e sabereis
que sois filhos do Pai Vivo. Mas se não conhecerdes a vós mesmos,
então estareis na pobreza e sereis essa pobreza.
(67)
Jesus disse: ?Quem conhece o Todo com sua mente, mas priva-se (do
conhecimento) de seu verdadeiro Eu, está privado do Todo.?
(84)
Jesus disse: ?Nos dias em que vedes vossa semelhança, vós vos
rejubilais. Mas, quando virdes vossas imagens, que no princípio
estavam convosco, que não morrem nem se manifestam, o quanto tereis
de suportar!?[1]
Esses
aforismos têm profundas implicações. No primeiro é dito que o
conhecimento de si mesmo implica num reconhecimento da filiação com
o Pai Supremo. O reconhecimento de nossa filiação divina deixa implícito
que nossa herança é divina e, enquanto não a reivindicarmos,
viveremos na pobreza. No segundo, é indicado que, apenas com o
conhecimento intelectivo das coisas do Universo, sem um conhecimento
da natureza interior de si mesmo, o indivíduo está se condenando a
alienar-se do Todo. É o conhecimento da natureza divina do homem que
oferece a chave para o verdadeiro conhecimento do Todo, como nos
assegura a Lei Hermética das correspondências (?assim
em baixo como em cima?), já que o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus (o Todo).
No aforismo
84, nossas imagens podem ser de três tipos: a imagem física
refletida num espelho ou, nos tempos modernos, nas nossas fotografias;
a nossa imagem social através de pessoas muito semelhantes a nós ou
de descrições, orais ou escritas, a nosso respeito; e, finalmente, a
imagem psíquica e a aura, que começam a ser vistas quando o indivíduo
conquista as primeiras etapas da clarividência. Essas semelhanças
geralmente trazem júbilo, principalmente as da última categoria,
pois o indivíduo tende a associar essas visões com uma conquista
espiritual. Porém, quando virmos nossas imagens primordiais, nossos
arquétipos, enfim, Deus em nosso interior, o enorme contraste entre o
que deveríamos ser, de acordo com nosso modelo divino, e a maculada
realidade de nossa atual realização espiritual, teremos então um
imenso pesar pela nossa fraqueza e nosso apego às futilidades e às
ilusões da vida do mundo. Nessa ocasião teremos realmente de
suportar um imenso peso em nossa consciência.
Diz-se que,
ao final de cada vida, o indivíduo passa em revista, de forma
extremamente rápida, todos os eventos, palavras e pensamentos de sua
presente existência, tendo então noção de seus erros e das
oportunidades perdidas. É dito também que grande parte da dor
sentida nos estados após a morte referem-se ao pesar e arrependimento
pelos erros cometidos. Quanto maior será, então, nosso pesar quando
tivermos não só o pleno conhecimento de nossos erros e fraquezas,
mas também pelo que deixamos de fazer frente ao modelo de perfeição
pelo qual seremos medidos, que reflete a missão que Deus nos
outorgou.
Em outro
documento apócrifo, Jesus deixa claro que tipo de conhecimento
devemos procurar, quando diz: ?Pois
aquele que não conhece a si mesmo não sabe nada, mas aquele que
conheceu a si próprio alcançou simultaneamente o conhecimento sobre
a Profundidade do Todo.?[2]
Esse ensinamento do Mestre, que também foi registrado em outros
textos não-canônicos,[3]
reflete inteiramente a mensagem do Oráculo de Delfos, ligando a
natureza do conhecimento interior com o conhecimento do Universo pela
extensão das correspondências.
Mas por que o
conhecimento de si mesmo é fundamental no caminho espiritual? A
resposta pode parecer desconcertante: o conhecimento de si mesmo é o
próprio caminho espiritual. É por essa razão que esse conhecimento
é incluído como uma das regras do caminho, senão vejamos: a meta,
como foi visto, é a união em consciência com Deus, simbolizada pelo
retorno à Casa do Pai. Como Deus é nossa essência última, o
conhecimento de nossa natureza divina facilita essa expansão de
consciência, que por sua vez possibilita um conhecimento mais
profundo de nossa natureza última. O método, por sua vez, é a metanoia, a transformação
de nossos conteúdos mentais, das ilusões e negatividades do homem
comum para o estado de consciência de nossa natureza superior. Isso só
pode ser feito quando conhecemos nossa natureza inferior e os
mecanismos que mantêm nossa consciência aprisionada às coisas deste
mundo. Os doze mecanismos transformadores que serão examinados na seção
AS CHAVES DO REINO DOS CÉUS visam facilitar o conhecimento de nossa
verdadeira natureza.
Quando
conhecemos nossos princípios inferiores e superiores podemos mapear
uma estratégia para superar ou reorientar os primeiros e ativar os últimos.
Assim, o caminho da autotransformação demanda o conhecimento de
nosso inconsciente, seja subconsciente ou supraconsciente. Nesse ponto
parece haver um impasse: o pleno conhecimento e contato com o Eu
Superior depende de conhecermos o eu inferior e transformá-lo num
aliado na busca do seu irmão de Luz. Porém, para conhecermos o eu
inferior precisamos da ajuda do Eu Superior. Esse aparente paradoxo
pode ser superado, como será visto posteriormente.
No
inconsciente encontram-se as raízes de nossas limitações, de cada
defeito e de cada falha de caráter. Para trilharmos o Caminho da
Perfeição que leva à União com Deus, precisamos superar todas as
fraquezas que nos tolhem os passos. Naturalmente só podemos trabalhar
aqueles defeitos que conhecemos, daí a importância do
autoconhecimento.
O
autoconhecimento é especialmente necessário para que possamos
desvelar nosso inconsciente, onde estão armazenadas as informações
sobre o passado, tanto da infância como de outras vidas. Essas
informações oferecem a chave para o entendimento e, portanto, a
superação dos condicionamentos limitadores. A psicologia moderna,
principalmente depois das reflexões de Jung sobre a ?sombra? e o
?inconsciente?, permite-nos entender que todos os traumas e
frustrações da infância, resultantes de situações não resolvidas
ou não compreendidas, são armazenados pelo indivíduo em seu
inconsciente sob a forma de mecanismos de defesa, os condicionamentos,
que passarão a comandar nossas reações aos estímulos do mundo
exterior. Como disse Jung:
?A
sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a
personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar
consciência desta realidade sem despender energias morais. Mas nesta
tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos
obscuros da personalidade, tais como existem na realidade. Este ato é
a base indispensável para qualquer tipo de autoconhecimento e,
por isso, via de regra, ele se defronta com considerável resistência.?[4]
O trabalho
pioneiro de Jung, teve como uma de suas fontes de inspiração os
escritos gnósticos e os de seus sucessores, os alquimistas.[5]
A partir dessas elucidações, outros autores apresentaram de forma
mais acessível ao grande público o conceito da sombra, chamado por
alguns de ?eu inferior?, juntamente com os conceitos de imagem e máscara
que geram os mecanismos de defesa das pessoas.
Imaginemos a
verdade como uma luz intensa que brilha no âmago de nosso ser. Antes
de ser percebida pela consciência, isto é, antes de deixar uma
imagem em nosso cérebro, essa luz deve passar através de todos
nossos veículos, do mais sutil ao mais denso. Cada veículo funciona
como um conjunto de filtros que obscurece e distorce progressivamente
a luz original, fazendo com que a imagem última a ser refletida no cérebro
seja, na maioria das vezes, um mero arremedo quase irreconhecível da
imagem inicial projetada pela fonte de luz.
O processo de
autoconhecimento implica na identificação de todos os filtros de
nossos veículos (material, astral e mental) para que possam ser
trabalhados e purificados, a fim de que possa diminuir e, por fim,
terminar o obscurecimento e a distorção da realidade. Para que esse
processo de purificação seja efetivo, e seus resultados possam ser
sentidos onde são mais necessários, é preciso que, após a etapa
inicial de purificação generalizada dos aspectos mais grosseiros e
gritantes da personalidade, o esforço seja então especialmente
direcionado para os pontos de distorção, que nem sempre são
conhecidos pelo homem.
O processo de
identificação e aceitação de nossas fraquezas pode ser entendido
como um desnudamento. Quando aceitamos retirar a capa protetora de
nossas falsas defesas, procedemos a um desvelar de nossa verdadeira
natureza. Essa nudez pode causar uma vergonha inicial, mas será o
marco de uma nova era em nossa vida. Temos na história de Adão e Eva
um exemplo alegórico desse fato. Quando foram expulsos do paraíso
tornaram-se conscientes de que estavam despidos. Ora, se enquanto eles
viviam no paraíso não eram conscientes de sua nudez, isso significa
que a nudez frente à realidade é o próprio paraíso.
Esse conceito
ajuda-nos a entender duas passagens aparentemente paradoxais do
Evangelho de Tomé. Na primeira, ao ser perguntado como eram seus discípulos,
Jesus disse: ?Eles são como
crianças que se estabeleceram num campo que não é seu. Quando os
donos do campo chegam, dizem: ?Devolvam-nos nosso campo.? As crianças
se despirão perante os donos para que eles possam receber de volta o
campo, entregando-o a eles.? Na segunda, ao ser perguntado por
seus discípulos quando se revelaria a eles para que pudessem vê-lo,
Jesus respondeu: ?Quando vocês
se despirem sem sentir vergonha e tomarem suas vestes, colocando-as
sob seus pés, como criancinhas, e pisarem
sobre elas, então vocês
verão o filho daquele que vive, e não terão medo.?[6]
O
desnudamento é indicado por Jesus, em primeiro lugar, como a característica
que define seus discípulos e, em seguida, como o fato que lhes
permitirá ver o Mestre em sua natureza real. As vestes que as
criancinhas retiram quando chegam os donos do campo são os envoltórios
da natureza inferior, as máscaras e as negatividades que as crianças,
como os iniciados, em sua inocência, descartam sem o menor sentimento
de vergonha, pois é algo que não lhes pertence. Assim, o requisito
indicado por Jesus para que os discípulos possam ter a revelação de
sua natureza real é despirem as máscaras e as negatividades e
pisarem sobre elas, simbolizando a renúncia a essas vestes
inferiores, para que, sem esses impedimentos, a natureza do Cristo
possa ser revelada.
A identificação
dessas distorções é difícil e muitas vezes dolorosa. Significa
encarar algumas características pouco lisonjeiras do nosso caráter.
Exige um questionamento constante do porquê de nosso comportamento,
ou seja, de nossas motivações. Significa buscar a razão pela qual
nossas reações são diferentes de nossos atos premeditados. É
preciso entender por que algumas de nossas ações não estão
respaldadas por nossos verdadeiros sentimentos.[7]
Torna-se
necessário, portanto, identificar as distorções provocadas pelos
nossos condicionamentos inconscientes. A literatura gnóstica dos
primeiros séculos de nossa era, especialmente a obra Pistis
Sophia, muito contribuiu para o entendimento dos condicionamentos.
No mito de Sophia eles são apresentados como sendo emanações da
personalidade egoísta que se manifestam como nossos desejos e paixões
materiais. Cada vez que repetimos um movimento para a gratificação
dos sentidos, por exemplo, estamos reforçando uma tendência que, aos
poucos, transforma-se numa virtual segunda natureza, agindo com
vontade própria independente de nossa razão.
As piores
distorções, no entanto, são aquelas advindas dos mecanismos de
defesa. Esses são as imagens idealizadas e as máscaras que criamos
na tentativa de proteger-nos dos embates dolorosos do mundo exterior.
Essas idealizações são aqueles aspectos de nosso eu inferior que
provocam as reações negativas que procuramos evitar.
Para
compreender melhor esse mecanismo, podemos usar um paralelo com o
mundo material. Assim como o nosso sistema solar pode ser imaginado
como uma imensa esfera com o sol em seu centro e o átomo como uma
esfera infinitesimal com o núcleo em seu centro, o ser humano poderia
ser concebido como uma esfera, que tem seu Eu Superior, a natureza
divina, em seu centro, cercado por uma extensa camada que seria o seu
eu inferior e, finalmente, recoberto por uma casca protetora que
chamaremos de máscara. Os primeiros sinais de consciência dão-se ao
nível daquilo que interpretamos como sendo ?eu?, que é a camada
externa, as imagens idealizadas, que no seu conjunto compõem a máscara.
A
?imagem? advém de uma falsa conclusão ou generalização sobre a
vida. A somatória das imagens estabelecidas por cada pessoa ao longo
da infância e da juventude constitui a ?máscara? que o indivíduo
constrói. Essa máscara é uma auto-imagem idealizada, com a qual o
indivíduo tenta apresentar um quadro ideal ou perfeito do que imagina
que ele deveria ser para conseguir a aprovação ou amor dos pais
inicialmente e, mais tarde, de todos aqueles com quem interage no
mundo. A máscara é, portanto, a defesa que estabelecemos em busca de
proteção para assim nos tornarmos invulneráveis aos embates da
vida.[8]
Infelizmente,
porém, as imagens incorporadas em nossa máscara em vez de servirem
de proteção real contra nossas frustrações são, na verdade,
mecanismos retro-alimentadores de nosso sofrimento existencial. A máscara
é como um cobertor curto para nos proteger do frio: se cobrimos os pés
deixamos os ombros de fora e vice-versa. Quanto mais estamos na
defensiva, procurando escapar de possíveis críticas, mágoas ou
sentimentos de rejeição, mais limitamos o alcance de nossos
sentimentos e, portanto, de nossa capacidade de dar e receber amor, de
nos comunicarmos com os outros, de darmos expressão à criatividade e
de nos aventurarmos na vida. Existem três máscaras básicas, ou três
atitudes fundamentais face à vida: a máscara do amor, a do poder e a
da serenidade, que refletem de forma distorcida os três temperamentos
básicos (amor, vontade e sabedoria) do ser humano.
Algumas
pessoas acham que se forem amadas todos os problemas serão
resolvidos. A pessoa com essa máscara tenta, por meio de seu
comportamento amoroso e subserviente, conquistar a atenção e a
demonstração de amor dos outros. Na tentativa de obter aprovação,
simpatia, proteção e segurança, que seriam demonstrações de amor,
essas pessoas procuram atender a todas as demandas dos outros, sejam
elas razoáveis ou não. Como não podem conviver com nenhuma
demonstração de rejeição ou mesmo de insatisfação dos outros, não
ousam defender positivamente seus desejos ou necessidades.[9]
A fraqueza e o desamparo demonstrados pelas pessoas que vestem a máscara
do amor não são genuínos, daí caracterizarem-se como mecanismos de
defesa, ou máscaras.
O indivíduo
com uma atitude primordialmente intelectiva frente à vida, geralmente
adota a máscara da serenidade, aparentando que tudo vai bem. Nas
palavras de uma estudiosa: ?A
máscara da serenidade é uma tentativa de fugir das dificuldades e
vulnerabilidades da vida humana parecendo ser sempre totalmente sereno
e distanciado. De fato, o que a pessoa realmente persegue é a distorção
da serenidade, que significa retraimento, indiferença, fuga à vida,
não envolvimento, distanciamento mundano e cético ou falso
distanciamento espiritual. A falsa concepção da máscara da
serenidade é que os problemas desaparecem desde que sejam negados.?[10]
O resultado dessa máscara, como de todas as máscaras, é uma dupla
frustração: o indivíduo não consegue captar as demonstrações de
amor que no fundo está buscando e aumenta seus problemas de
relacionamento, fazendo com que as pessoas se afastem cada vez mais
dele.
A máscara do
poder é a que se mostra mais agressiva das três. Ainda que todos os
mecanismos de defesa busquem exercer o controle e, portanto, o poder
sobre o mundo exterior, a máscara do poder é especialmente propícia
à criação de rixas e animosidades com as outras pessoas. O indivíduo
com essa máscara é excessivamente crítico e ?procura
exercer controle sobre a vida e sobre os outros, parecendo sempre
totalmente independente, agressivo, competente e dominador. Através
da falsa redução da vida a uma luta pelo domínio, a máscara do
poder é uma tentativa de fugir da vulnerabilidade da impotência
sentida na infância.?[11]
A máscara do poder geralmente leva a pessoa a ser voluntariosa e
agressiva.
Mas como
criamos nossas máscaras? Todo indivíduo traz em sua bagagem cármica
uma gama de tendências ou predisposições que geralmente são
ativadas na infância. Nos primeiros anos de vida, a criança
necessita do aconchego e proteção dos pais e espera uma constante
demonstração de afeto e carinho. Todas as frustrações decorrentes
de sua busca por amor e afeto paternos são processadas em sua mente
de forma emotiva, não racional, e arquivadas inicialmente no
consciente, refluindo depois para o inconsciente. Como o bebê e a
criança ainda não têm capacidade para interpretar de forma madura
esses acontecimentos e colocá-los em sua devida perspectiva, suas reações
são necessariamente imaturas, mas nem por isto deixam de criar
imagens e estabelecer mecanismos de defesa.
A criança
parece ser insaciável, sempre quer mais, achando que o mundo foi
feito para ela, e que a mãe e o pai devem estar sempre a sua disposição
para gratificar seus desejos e sua necessidade de aconchego e amor.
Essa é a sôfrega busca da felicidade pelo pequenino ser que está
sendo introduzido à realidade da vida. Porém, apesar do seu amor aos
filhos, os pais são, como todos os demais seres humanos, imperfeitos
em seu entendimento da natureza humana e, principalmente, em sua
capacidade de demonstrar amor e atenção. Dessa forma, a reação dos
pais em certas circunstâncias pode fazer com que a criança
interprete uma negativa ou uma censura como indicação de que seu pai
ou sua mãe não gostam mais dela.
Sendo um
escudo protetor fabricado pelo homem para camuflar e proteger seu eu
inferior, a máscara geralmente costuma ser negada pelas pessoas que não
a conhecem ou não querem reconhecê-la, pois julgam-na cômoda. Como
o objetivo da máscara é justamente esconder as negatividades da
natureza inferior, sem que haja a identificação e a retirada
consciente dessa barreira, o trabalho de autotransformação não pode
atingir a raiz do problema.
Jesus sempre
condenou a falsidade e a hipocrisia, exemplificada no comportamento
dos fariseus e levitas. Porém, os ensinamentos do Mestre não eram
voltados exclusivamente para situações momentâneas de sua época,
mas eram dirigidos a seus seguidores de todos os tempos. Por isso,
devemos buscar no âmago de nosso ser toda falsidade que por ventura
possamos abrigar. Sabemos, no entanto, que a falsidade da máscara não
é uma decisão consciente do indivíduo. A máscara é um
condicionamento arquivado nas profundezas do inconsciente, que vem à
tona como uma reação a certas situações do cotidiano. Antes que o
indivíduo se dê conta já falou ou agiu de acordo com a sua programação
inconsciente. Essa é uma das principais razões porque o indivíduo
precisa de muita coragem, humildade e trabalho ingente para
identificar a máscara, compreender que a proteção que oferece é efêmera
e implica em altos custos para a saúde emocional, e que deve ser
retirada para que o indivíduo possa participar da vida de forma saudável
e responsável.
Os mecanismos
de defesa não só dificultam o reconhecimento das falhas do eu
inferior como, em alguns casos, obstruem a manifestação de certos
aspectos do Eu Superior. Isso será mais facilmente compreendido se
examinarmos a concepção que temos de Deus. A imagem do Pai Celestial
feita pelo adulto é geralmente uma decorrência da característica
mais marcante que guarda de seus genitores. Se essa imagem for de pai
e mãe amorosos, compreensivos e protetores, a tendência será
estender essa impressão para o Supremo Pai-Mãe da humanidade. Nesse
caso, a imagem de Deus será a de uma autoridade condescendente
propensa a atender todas as vontades.
No caso de
crianças com pais autoritários e severos, essa percepção será
transferida para Deus, a autoridade suprema, a quem passarão a temer,
procurando ilogicamente se esconder do Pai Celestial, por medo de
serem castigadas por suas faltas. Como todos nós estamos cientes de
termos cometido muitos pecados, a insegurança sobre o seu perdão
leva-nos a temer mais do que amar a Deus. Essa atitude de medo
de Deus e de insegurança sobre o outro mundo faz com que o indivíduo
erga barreiras protetoras para mantê-lo afastado daquela Deidade que
teme. Como o Eu Superior é a expressão de Deus no íntimo de nosso
ser, a conseqüência, nesse caso, é o impedimento do livre fluxo de
todas as energias superiores. A personalidade acaba controlando tanto
ou mais a expressão do Eu Superior do que a do eu inferior.
A identificação
e subseqüente demolição dessas barreiras à livre expressão da
energia espiritual espontânea requer um esforço consciente, muita
coragem e determinação por parte do indivíduo, porque ele se sentirá
inicialmente desnudo, desprotegido e desamparado. A tendência da
personalidade é resistir a essa abertura, porque ela nos torna vulneráveis
às imagens que guardamos da autoridade paterna e de Deus quando éramos
jovens, imaturos e indefesos. Quando esse despojamento do ego ocorre,
o homem torna-se aberto e sensível como uma criança, o que lembra as
palavras de Jesus: ?Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo
algum entrareis no Reino dos Céus? (Mt 18:3). Uma vez decidida
e permitida a abertura, ainda que cautelosamente a princípio, o indivíduo
passará a experimentar uma vida muito mais rica, dando expressão a
seus verdadeiros sentimentos e facilitando uma interação mais saudável
com as pessoas em sua vida.
Um importante
corolário do autoconhecimento é a possibilidade de utilização
consciente de nosso imenso potencial criativo. Sabemos que o ser
humano é altamente criativo. Porém, geralmente, associamos a
capacidade criadora a coisas materiais, artísticas ou intelectuais.
No entanto, a maior obra do homem é a sua própria vida. Vimos
anteriormente que, pela inexorável operação da Lei de Causa e
Efeito, todos nossos pensamentos, ações, palavras, sentimentos,
intenções e desejos, conscientes e inconscientes, geram conseqüências
diretamente associadas à causa inicial. Por isso, nossa vida atual
nada mais é do que a conseqüência de nosso poder criativo no
passado, ainda que em grande parte ativado de forma inconsciente.
Nossa vida é uma resultante matemática precisa de todos os vetores
de força que atuaram no passado e estão atuando no presente.
A grande
oportunidade para todo aquele que procura trilhar a Senda da Perfeição
é a certeza de que pode mudar, passando a atuar de forma consciente
na criação de sua realidade.[12]
Porém, a imensa maioria dos seres humanos são criadores inconscientes,
deixando que seu eu inferior, movido pelo egoísmo e o orgulho, seja o
agente criador. Para por um fim a esse processo de criação negativa
inconsciente, o buscador deve identificar todos os conteúdos
negativos de seu inconsciente, fazendo-os aflorar ao consciente, onde
podem ser compreendidos e, então, trabalhados. Com isso a energia que
anteriormente permanecia reprimida ou manifestava-se de forma
distorcida pode ser liberada e direcionada para seus propósitos
originais construtivos.
Além da
identificação das negatividades e distorções inconscientes o
processo de criação na Senda inclui a ativação do Eu Superior como
agente criador consciente. Como nossa essência última é divina,
temos em nosso interior tudo o que precisamos para alcançar nossas
metas no Caminho da Perfeição. Quando devidamente invocado, o Eu
Superior, que é o Cristo, pode fazer fluir a energia divina do Amor,
da Sabedoria e do Poder que passam a trabalhar nossos veículos de
manifestação, até que alcancemos, nas palavras de Paulo, ?o
estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo?
(Ef 4:13). Portanto, nossos desejos, aspirações e pensamentos podem
ser usados de forma criativa para modelar o novo homem, que será, a
partir de então, um agente consciente das forças do amor e da paz no
mundo.
A referência
no Credo dos Apóstolos, de que Jesus, após a morte, desceu aos
infernos, ressuscitou dos mortos e ascendeu ao céu, deve ser
entendida como o caminho de todos os filhos de Deus rumo à libertação
final. Primeiro devemos morrer para o mundo das falsidades da máscara,
a seguir, descer aos infernos onde estão armazenados os arquivos de
nossa natureza inferior, ressuscitando do mundo dos mortos, isso é,
dos condicionamentos aprisionadores, para só então ascendermos ao céu
de nossa natureza superior. Por isso Jesus disse: ?Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará? (Jo 8:32).
O papel e a
importância relativa dos três ?eus?, ou níveis de consciência
(o eu adulto, o eu inferior e o Eu Superior), podem ser visualizados
de forma alegórica na Figura 2 como sendo os três andares de uma
casa de forma piramidal que simboliza o ser humano integral. O eu
adulto paramentado com suas máscaras vive no andar térreo, o andar
de nossa interface com o mundo exterior, onde são recebidas as
pessoas com quem interagimos na vida diária, sejam elas nossos
familiares, amigos ou desconhecidos. Esse pavimento, composto de vários
aposentos, que são as imagens idealizadas para as diferentes situações
de nossa vida cotidiana, é, geralmente, o único a que o eu tem
acesso consciente. Os dois outros andares, o porão subterrâneo, onde
se encontra escondida a nossa criança imatura, e o andar de cima,
onde vive o Eu Superior, são invisíveis, tanto para nós mesmos como
para as outras pessoas.
A maioria das pessoas passa a maior parte de sua vida circunscrita ao andar térreo. Elas vivem presas à máscara, governadas pelos condicionamentos inconscientes oriundos do eu inferior, simbolizados na Figura 2 pelos cabos que conectam as caixas armazenadas no subsolo. Essas caixas simbolizam as energias distorcidas e estagnadas das negatividades. As inspirações do Eu Superior passam geralmente despercebidas em virtude das paredes espessas que isolam a consciência do homem comum vivendo no mundo de ilusão da máscara.
Para que a pessoa possa crescer espiritualmente, ela precisa abrir
canais de comunicação com sua natureza divina que vive no andar
superior. Porém, a vida espiritual está cheia de paradoxos: para
subir é preciso antes descer, para alcançar a luz é preciso antes
passar pela escuridão, para alcançar o superior é preciso antes
conhecer o inferior.[13]
Assim, o homem deve aprender que, para poder se banhar na luz do andar
superior de sua ?casa?, ele deve antes passar pelos corredores
sombrios e labirínticos do porão de sua natureza inferior. O pior é
que além de sombrios e tortuosos, estes caminhos subterrâneos estão
atulhados de todo tipo de velharia empoeirada, que bloqueia a
passagem. Esses objetos velhos são nossas memórias carregadas de
energia emocional, que foram guardadas no inconsciente, mas não
totalmente esquecidas, pois são elas que ativam nossos mecanismos de
defesa e de negatividades. Esse mecanismo de resposta é simbolizado
pelos cabos ligando as caixas do porão ao coração (centro de consciência)
do eu adulto no andar térreo.
Isso
significa que para alcançar a plenitude da luz da natureza superior,
o buscador terá que retirar tudo aquilo que atravanca seu caminho
pelos subterrâneos do inconsciente da natureza inferior. Todo o
material arquivado no inconsciente terá que ser levado para o andar térreo
e submetido, com muita compreensão e compaixão, ao crivo da razão
do eu adulto. Por isso, o processo é longo e laborioso, mas, à
medida que o material for sendo trabalhado, os corredores da natureza
inferior serão desbloqueados e, para nossa surpresa, irão adquirindo
uma certa luminosidade que nos facilitará encontrar a próxima etapa
do caminho até a porta estreita e escondida de comunicação com o
andar superior. A outra surpresa é que a limpeza dos corredores
subterrâneos do inconsciente promoverá, simultaneamente, uma
transformação saudável do andar térreo.
Com a
continuação desse trabalho de verdadeira purificação, chegará o
dia em que conseguiremos abrir a porta do andar superior, de onde
promana a luz divina. Ainda no limiar da luz, perceberemos extasiados
a beleza e a grandiosidade da natureza divina, que, em nossa consciência
dual, atribuiremos a Ele, ao Cristo interior que nos aguarda
pacientemente. Com o tempo, seremos convidados a entrar nesse recinto
de luz e a comungar com o Cristo e, mais tarde, a nos unirmos a Ele,
quando então nos será revelado o segredo supremo de que ?Eu
e o Pai somos Um?, terminando, então a ilusão da
separatividade para todo o sempre.
Assim como o
andar subterrâneo de nossa casa está ligado ao térreo por uma
imensa rede de cabos que transmitem os comandos da natureza inferior,
pela lei das correspondências, podemos criar uma rede de comunicação
de nossa natureza divina com nosso eu adulto. Esse trabalho é feito
pela meditação sistemática e profunda.[14]
Essa comunicação vai progressivamente neutralizando a ligação com
as trevas que, pela ignorância, criamos ao longo de nossas vidas. O
objetivo final do trabalho duplo de contato com a luz superior e de
regeneração de nossa natureza inferior é a integração dos três
?eus? num todo harmônico, agora sob o comando da natureza
superior. Quando isso ocorre, a interação com o mundo é feita sem máscaras
nem reações negativas, pois a criança imatura foi reeducada e
integrada no adulto, possibilitando que todos atos, palavras e
sentimentos sejam expressões da verdade e do amor divinos.
Apesar da linguagem dessas considerações e elaborações psicológicas ser moderna seus fundamentos podem ser encontrados em linguagem simbólica em alguns documentos apócrifos dentre os quais Pistis Sophia. A atribuição da autoria do Evangelho de Tomé e do Livro de Tomé, o Contendor, ao ?irmão gêmeo? de Jesus, oferece uma chave para o entendimento desses processos. No primeiro versículo do Evangelho de Tomé encontramos: ?Todo aquele que entender estas palavras não experimentará a morte.? Isso significa que quem alcançar a gnosis reveladora obterá, consequentemente, o conhecimento da imortalidade da alma, com a qual associará o seu verdadeiro ser. Porém, alcançar a gnosis suprema significa fundir-se na Luz do Alto, ou seja, unir-se ao Cristo interior. Portanto, quando isso ocorre, a pessoa pode ser legitimamente considerada como ?irmão gêmeo? de Jesus. Podemos chegar a essa conclusão examinando atentamente a passagem no Livro de Tomé, o Contendor: ?Como foi dito que você é meu gêmeo e meu verdadeiro companheiro, examine-se a si mesmo para compreender quem você é ... Eu sou o conhecimento da verdade. Se você me acompanhar, ainda que não compreenda (isso), já passou a conhecer, e será chamado ?aquele que conhece a si mesmo.? Pois, quem não se conheceu, nada conheceu; mas quem se conheceu alcançou ao mesmo tempo conhecimento sobre as profundezas de todas as coisas.?[15]
[1]
Evangelho de Tomé,
em J. Robinson, ed., The Nag Hammadi Library (Harper San Francisco, 1980), pg. 126-138.
[2]
O Livro de Tomé, o Contendor,
em The Nag Hammadi Library,
op.cit., pg. 201.
[3]
Vide, por exemplo O Diálogo do Salvador, em The
Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 249.
[4]
C.G. Jung, Aion: Estudos
sobre o Simbolismo do Si-mesmo (Petrópolis, Editora Vozes),
pg. 6.
[5] Jung declara em sua autobiografia: ?Apesar da supressão da heresia gnóstica, ela continuou a florescer ao longo da Idade Média sob a aparência da alquimia? (pg. 97). ?As experiências dos alquimistas eram, em certo sentido, minhas experiências, e seu mundo era meu mundo. A possibilidade de uma comparação com a alquimia e a cadeia intelectual ininterrupta até o gnosticismo deu substância à minha psicologia? (pg. 205). Em C.G. Jung, Memories, Dreams, Reflections (N.Y., Vintage Books, 1963).
[6]
Evangelho de Tomé, The Nag Hammadi Library, op.cit., versículos 21 e 37, pg. 129-130.
[7]
Vide Não Temas o Mal,
op.cit., pg. 24-25.
[8]
Vide interessantes considerações sobre este tema em Susan
Thesenga, O Eu Sem Defesas
(S.P., Cultrix, 1997), pg. 126 e seg., e em Eva Pierrakos, O Caminho da autotransformação, op.cit., pg. 37 e seg.
[9]
Não Temas o Mal,
op.cit., pg. 94.
[10]
O Eu Sem Defesas,
op.cit., pg. 132-33.
[11]
O Eu Sem Defesas,
op.cit., pg. 131-2.
[12]
Nossa capacidade de criação consciente é descrita por H.P.
Blavatsky: ?Assim como
Deus cria, também o homem pode criar. Dando-se uma certa
intensidade de vontade, as formas criadas pela mente tornam-se
subjetivas. Alucinações, elas são chamadas, embora para o seu
criador elas sejam tão reais como qualquer outro objeto visível
o é para os demais. Dando-se uma concentração mais intensa e
mais inteligente dessa vontade, a forma se torna concreta, visível,
objetiva; o homem aprendeu o segredo dos segredos; ele é um mago.?
Isis Sem Véu (S.P.:
Pensamento), vol. I, pg. 150.
[13] Alguns místicos relatam a experiência de que quando encontram uma barreira para chegar à Presença Divina ascendendo a planos superiores, devem então reverter o processo procurando descer e mergulhar em sua própria natureza inferior. Vide: John Pordage, Sophia: The Graceful Eternal Virgin of Holy Wisdom (Londres, 1675), citado em Theosophic Correspondence of Louis Claude de Saint-Martin (Exeter, 1863), pg. 92-93. Outro místico descrevendo os caminhos misteriosos da alma diz: ?Mas a maneira como a alma ascende do mundo interno para o eterno, é notável e maravilhosa. Ela não pode mover-se por si só nem mesmo um grau: a mesma Mão do Poder que a levou para baixo para ver as maravilhas de Deus nas profundidades [da natureza humana], deve agora carregá-la para o alto para ver Suas maravilhas nas alturas acima.? Thomas Bromley, The Way to the Sabbath of Rest, or the Soul?s Progress in the Work of the New Birth, citado por Arthur Versluis, em TheoSophia: Hidden Dimensions of Christianity (NY: Lindsfarne Press, 1994), pg. 205.
[14] O escopo da meditação será examinado em maior profundidade no capítulo 21. Uma meditação especial é sugerida no Anexo 1 para o conhecimento de si mesmo que, se feita com paciência e determinação, por algum tempo, poderá abrir novas perspectivas para a vida de cada um.
[15]
Livro de Tomé, o Contendor,
em The Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 189.
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