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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
A
FÉ
A fé é o
fundamento de toda prática espiritual. Portanto, é o primeiro instrumento
que deve ser desenvolvido. Isso está de acordo com o ensinamento central de
Jesus, exposto na obra Pistis Sophia,
de que a fé (pistis) é o fator
que assegura a vitória da alma em sua longa peregrinação pela terra
distante.[1]
Estamos falando da verdadeira fé e não da crença, conceito que freqüentemente
a mascara. A diferença entre fé e crença é a mesma que existe entre o
eterno e o passageiro. A fé baseia-se no eterno, nas verdades imutáveis que
independem do tempo e do espaço. Um artigo de fé, portanto, tem que ser
comum para católico e protestante, maometano e judeu, hindu e budista, etc. A
crença varia com o tempo e o espaço, depende da cultura e da religião de
cada povo, daí ser geralmente chamada de crença religiosa.
Mas, se a fé
é um fator tão importante na vida espiritual, poder-se-ia perguntar por que
os cristãos comuns não fizeram progresso considerável no caminho da perfeição,
já que a religião cristã vem preconizando a fé como virtude fundamental há
dois mil anos? Várias razões conspiram para que isso ocorra. A principal é
que a fé preconizada pela ortodoxia é uma fé passiva, na verdade uma
crença e não a verdadeira fé. O fiel é instado a crer no nome de Jesus e
que ele é o filho unigênito de Deus, que morreu na cruz para nos salvar.[2]
Essa crença, embora seja reconfortante para o coração do devoto, tem como
conseqüência a geração de um mecanismo vicioso de projeção psicológica.
O fiel acha que o Filho de Deus, com seu sacrifício, já fez tudo o que é
necessário para salvá-lo e que basta agora crer e não mais pecar, mas, se
pecar, poderá sempre arrepender-se até o último instante antes de morrer,
evitando, assim, o fogo eterno. Essa crença não leva necessariamente o fiel
a buscar sua transformação interior, a trilhar o árduo ?Caminho da Perfeição.?[3]
Só a
verdadeira fé é transformadora, pois é ativa. É aquela certeza sentida no
fundo do coração, que expressa um sentimento intuitivo das verdades eternas.
A fé do místico é inquebrantável, pois advém de suas experiências
interiores, visões ou revelações obtidas em contemplação. Nesse caso, o
indivíduo tem fé porque sabe, seu sentimento é baseado numa profunda
convicção interior que independe de seus conceitos religiosos ou filosóficos.
O místico aprende que o importante não é ter fé em Jesus, mas sim
ter fé como Jesus. Nesse caso há o compromisso de imitar o Mestre e
buscar o Reino dos Céus, até tornar-se perfeito como o Pai que está nos Céus
é perfeito.
Inicialmente
a fé se apresenta como a apreciação intuitiva de algo que não pode ser
imediatamente conhecido. É por isso que está escrito que ?A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as
realidade que não se vêem? (Hb 11:1). Geralmente associamos o
conhecimento com a memória mental. A fé, porém, seria como uma memória de
coisas que transcendem a mente, um conhecimento que está gravado no coração
e que aflora sem que a mente possa explicá-lo. Podemos conceber a fé como
sendo o resultado de uma experiência da consciência do Eu Superior que não
foi traduzida em termos da consciência do cérebro. Nesse caso, a experiência
apesar de estar fora da esfera de percepção mental da personalidade, ainda
assim é sentida, muitas vezes com grande intensidade, de uma forma alheia à
lógica, por reações emocionais que refletem as intuições de um plano
superior.[4]
Mais tarde,
quando o indivíduo entra no caminho místico e passa por expansões de consciência,
poderá, então, focalizar sua consciência nas verdades eternas e saber com
total convicção. Por isso, foi dito em Pistis Sophia, que a fé (pistis)
é a pedra fundamental para se alcançar a sabedoria (sophia).
A verdadeira
fé não é um privilégio dos místicos. Dentre as outras pessoas que também
sentem uma intensa fé poderíamos mencionar aquelas que tiveram uma experiência
perto da morte. Indivíduos que por alguma razão passam pela morte clínica
aparente, decorrente de um acidente, cirurgia, afogamento ou qualquer outra
situação, apresentam freqüentemente um mesmo padrão de experiência: uma
revisão instantânea de sua vida, a passagem rápida por algo que parece ser
um túnel escuro e a aproximação de uma forte Luz, que associam com Deus. Ao
retornarem ao seu estado de consciência normal, praticamente todas essas
pessoas expressam uma convicção inabalável na existência de Deus. Dizem
que Ele está bem próximo de nós ou mesmo no nosso interior, o tempo todo, e
que a vida continua depois da morte. Afirmam que a morte não é nada a ser
temido e que Deus nos ama e compreende qualquer que tenha sido nosso
comportamento nessa vida (experiência relatada até mesmo por aqueles que
tentaram suicídio - um pecado capital em todas as religiões). Compreendem
que o amor é a coisa mais importante na vida do homem, e que todos nós temos
uma missão na vida apesar de não estarmos certos da natureza dela.[5]
Essas experiências
de quase morte têm um impacto na vida das pessoas equivalente às visões dos
místicos e iogues avançados, favorecendo o surgimento de uma fé inabalável
em verdades universais, independente de crenças religiosas, cultura, espaço
ou tempo. Essa é a verdadeira fé, que é baseada na experiência direta. É
a fé em nossa natureza divina, no amor e na compaixão de Deus para conosco.
É a convicção de que Deus nunca abandona seus filhos, mas, ao contrário,
permanece em nossos corações o tempo todo e está sempre pronto a nos ajudar
a nos libertarmos da servidão em que nos encontramos. É a fé na justiça
divina, na lei de causa e efeito, pela qual criamos a nossa vida futura, assim
como criamos no passado as circunstâncias de nossa vida presente.
A fé na lei
de causa e efeito é o fator central no processo de autotransformação do
indivíduo. Somente quando nos conscientizamos de que somos o criador de nossa
própria vida e que, sem esforço e mudanças em nossas atitudes interiores e,
por conseguinte, no comportamento exterior, nada poderemos alcançar, é que
passamos a reorientar a nossa vida de maneira adequada, ou seja, de maneira
ativa, recusando a passividade espiritual que parece caracterizar a maior
parte dos fiéis comuns.
Jesus
ensinou-nos que se tivéssemos a verdadeira fé, ainda que pequenina como a
semente de mostarda, seríamos capazes de remover montanhas,[6]
certamente as montanhas de lixo de nossa natureza inferior. Se, por um lado, a
pequena semente da fé pode crescer e tornar-se uma grande árvore,[7]
que é o conhecimento direto das verdades eternas, a mera crença, ou fé
cega, por outro lado, não pode germinar e produzir os frutos da verdade. A
crença em dogmas e outras doutrinas impositivas não tem a força
transformadora que a verdadeira fé proporciona.
A essência
da fé, que é o conhecimento intuitivo da verdade, parece estar gravada em
nossos corações. Ela é uma sementinha que aguarda as condições propícias
para germinar e dar seus frutos. Essas condições são o gradual exercício
da ioga, o trabalho ingente dos místicos, o árduo caminho da autotransformação
trilhado pelas pessoas determinadas, além dos fatos marcantes que transformam
a vida das pessoas, tais como as experiências perto da morte.
Essa idéia
de que a essência da fé está gravada em nosso coração desde o princípio
foi muito bem explorado no Hino da Pérola[8]
e em Pistis Sophia,[9]
como indicado anteriormente. Na Epístola aos Hebreus é dito que:
?A
fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as
realidades que não se vêem. Foi por ela que os antigos deram o seu
testemunho. Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram organizados por
uma palavra de Deus. Por isso é que o mundo visível não tem a sua origem em
coisas manifestas? (Hb 11:1-3).
A epístola
continua mencionando os exemplos de Abel, Henoc, Noé e Abraão;
?Na
fé, todos estes morreram, sem ter obtido a realização da promessa, depois
de tê-la visto e saudado de longe, e depois de se reconhecerem estrangeiros e
peregrinos nesta terra. Pois aqueles que assim falam demonstram claramente que
estão à procura de uma pátria. E se lembrassem a que deixaram, teriam tempo
de voltar para lá. Eles aspiram, com efeito, a uma pátria melhor, isto é, a
uma pátria celestial? (Hb 11:13-16).
Essa convicção
profunda deve guiar todo buscador, expressando a certeza de que a Luz divina
está em seu interior e que, se devidamente invocada, a Luz virá em seu auxílio.
A Luz é o Cristo interior, e Nele devemos colocar toda nossa fé.
Mas como podemos alcançar essa fé? Buscando-a na fonte da Verdade! Como o Cristo habita no âmago de nosso coração, é lá que devemos procurar a fé, assim como a verdade e o amor. Buscar no coração significa agir sem os condicionamentos da mente, procurar orientação daquilo que chamamos de intuição, que nada mais é do que a voz do Cristo interior. Na prática, significa perguntar sempre ao coração o que é a coisa certa a fazer, em cada situação, de acordo com as leis da verdade e do amor, em vez de agirmos de acordo com o que fomos ensinados pelo nosso ambiente, nossa tradição e nossos condicionamentos. A prática meditativa ajuda abrir o canal de comunicação com nossa natureza interior.
[1] Pistis Sophia, op.cit., pg. 30.
[2] Jo 3:14-18.
[3] Pistis Sophia, op.cit., pg. 30-31.
[4] Vide The Mystical Qabalah, op.cit., pg. 146
[5] Vide R.A. Moody Jr, The Light Beyond (N.Y.: Bantan Books, 1988) e Cherie Sutherland, Dentro da Luz (Brasília: Editora Teosófica, 1998).
[6]
Mt 17:20 e Lc 17:6.
[7]
Mt 13:31; Mc 4:31; e Lc 13:19.
[8]
Anexo 2.
[9]
Anexo 3.
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