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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
A
contemplação
Segundo
alguns autores, o retorno à pratica da contemplação no cristianismo
pode ser imputado ao Abade Saudreau, que em 1896 editou sua obra Os Graus da Vida Espiritual, baseada principalmente nos livros não
expurgados de João da Cruz. Em suas obras, João da Cruz ensinava que a
contemplação começa com ?a noite do sentido?, que é o período de
transição entre as atividades e percepções mentais do indivíduo e a
inspiração espiritual direta, durante a qual se tornam quase
impossíveis os pensamentos comuns da vida devocional. A ?noite da
percepção? é um processo espiritual de amadurecimento, em que a
emotividade e sentimentalidade da vida devocional começam a ser colocados
de lado, em favor de um relacionamento mais maduro com Deus. Tudo o que
tem que ser feito nesse estado é permanecer em repouso, procurando não
pensar, entregando-se à Graça de Deus.[1]
Na obra A
Chama Viva do Amor,[2]
João da Cruz descreve detalhadamente a transição da devoção
sentimental para a intimidade com Deus. Quando a alma começa a ter
dificuldade para proceder a análises discursivas e a atos de volição
devocional, essa pode ser a indicação de que um novo relacionamento pode
ser encetado com o Pai. Para isso devemos abandonar as antigas práticas e
entregarmo-nos a Deus sem demandas e em silêncio. Começa então um
período de descanso em Deus, em que nada parece acontecer. A alma se
entrega a Deus, sentindo uma profunda paz. Esse período, que alguns
consideram de uma certa aridez espiritual, pode durar algumas semanas ou
vários meses, mas se a verdadeira renúncia for feita, com total entrega
e fé na graça divina, mais cedo ou mais tarde o buscador encontrará o
Bem Amado, não como imaginava que Ele fosse, mas como Ele é na
realidade.
O estudo das
obras dos grandes místicos será de grande utilidade para todo aquele que
estiver buscando o aprofundamento da vida espiritual. Esses autores, tendo
penetrado na Luz, deleitando-se na bem-aventurança da união com Deus,
experimentado o inexpressável, prestaram um grande serviço à humanidade
ao tentar divulgar o que nos espera nos caminhos rarefeitos das alturas
espirituais. A linguagem deles é eminentemente mística e poética,
fadada a tocar o coração de todo buscador. Nas palavras de Richard Rolle,
grande místico cristão:
?A
contemplação é um maravilhoso deleite do amor de Deus, e essa alegria
é uma forma de venerar a Deus que não pode ser descrita. E essa
incrível veneração ocorre dentro da alma, e em virtude da transbordante
alegria e doçura, ela sobe à boca e, então, o coração e a voz
combinam-se em uníssono, e corpo e alma comprazem-se no Deus Vivo.?[3]
Outra obra de
grande impacto no misticismo dos últimos seis séculos, conhecida de
Teresa de Ávila e João da Cruz, tem o título provocador de A Nuvem do Não-Saber. É obra anônima de autor inglês,
provavelmente um monge, escrita no século XIV. O autor procura transmitir
sua experiência prática de que o conhecimento de Deus não pode ser
obtido por intermédio de idéias e da reflexão intelectual. Sabendo que
os leitores da época estavam mais interessados justamente nas práticas
intelectuais, o autor faz um ingente esforço para esclarecer que este
não é o caminho indicado para se chegar ao verdadeiro conhecimento
divino. Esse conceito é transmitido de forma bastante clara na
apresentação da obra:
?O
conhecimento de Deus é um saber que nunca sai de certa escuridão: sempre
fica na nuvem, não sai nunca das nuvens. Tudo permanece de certo modo
confuso e indefinido, embora se tenha a certeza de estar mesmo em
comunicação com o Deus verdadeiro. Os que querem aprender o caminho da
oração mais profunda não devem ficar desnorteados por não conseguirem
sair da nuvem. Se ficarem preocupados pelas idéias e pelas reflexões,
nunca chegarão ao verdadeiro conhecimento, não alcançarão os níveis
mais altos da oração.?[4]
Consciente da
prática tradicional da piedade cristã de sua época e da suspeita com
que os místicos sempre foram tratados, aquele autor procura alertar logo
de início que sua obra era dirigida para uma minoria de buscadores que
não se satisfaziam mais com as práticas de oração tradicionais. Sua
obra é um tratado sobre a contemplação, descrevendo as práticas
preliminares e a perplexidade inicial do meditador que, ao buscar Deus com
a mente repleta de conceitos teológicos sobre o Ser Divino, ao penetrar
fundo em seu coração, através de aparentes nuvens, encontra o Nada, ou
o Vazio, que aos poucos reconhece como sendo o Todo, a Plenitude de todo o
saber e de todo o amor, que é a Vida.
A Nuvem do Não-Saber foi de importância capital para um grupo de monges americanos que, a partir da década de 70, procurou resgatar a antiga tradição contemplativa, apresentando suas técnicas preparatórias em linguagem e abordagem modernas. Esses monges trapistas, no mosteiro de St. Joseph, em Spencer, Massachusetts, sob a coordenação dos frades William Menninger e Basil Pennington, passaram a realizar uma série de programas de treinamento sobre o que chamaram de ?oração de centralização.? Dada sua grande aceitação por clérigos e leigos, o método passou a ser difundido, e vários centros foram criados para ensiná-lo, dentre os quais destaca-se, nos Estados Unidos, o Mosteiro de St. Benedict, no Colorado, sob a direção de Thomas Keating. Vários livros foram escritos divulgando o método.[5] Esse método, que tem por objetivo aprofundar o relacionamento com Deus, foi desenvolvido a partir dos antigos métodos contemplativos da tradição cristã, sendo apresentado numa forma mais sistemática, que procura colocar uma certa ordem e regularidade nas práticas que levam ao silêncio interior. Durante a prática, nossa única intenção deve ser consentir a presença e a ação de Deus em nosso interior. Essa prática é apresentada de forma resumida no Anexo 1.
[1] Vide Open Mind Open Heart, op.cit., pg. 26-27.
[2]
João da Cruz, Obras Completas (Petrópolis: Vozes, 1996), pg. 823-930.
[3] Richard Rolle, The Forms of Living (N.Y.: Paulist Press, 1988), pg. 182.
[4]
Anônimo, A Nuvem do Não-saber
(S.P., Editora Paulinas), pg. 7.
[5] Livros de Thomas Keating: Crisis of Faith, Crisis of Love; Invitation to Love; The Mystery of Christ; livros de William Meninger: The Loving Search for God; The Process of Forgiveness, todos da Editora Continuum, de Nova York.
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