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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
Capítulo
24
RITUAIS
E SACRAMENTOS
Os
rituais internos da tradição cristã
Jesus, como
todo hierofante, instituiu alguns rituais secretos, visando facilitar a
expansão de consciência de seus discípulos. Além da menção da
instituição do batismo e da eucaristia (Mt 26:26-28; Mc 14:22-25; Lc
22:14-20; Jo 6:52-59), um importante registro que temos desses rituais na
Bíblia é a curta e enigmática menção do hino cantado por Jesus e seus
discípulos: ?Depois de terem cantado o hino, saíram para o monte das Oliveiras?
(Mt 26:30 e Mc 14:26).
Esse ritual
foi parcialmente preservado num documento apócrifo conhecido como Atos
de João e, mais tarde, publicado como O
Hino de Jesus.[1]
No rito do Hino, os discípulos
aparecem num círculo, segurando as mãos uns dos outros. Jesus entoava
invocações no centro da roda e seus discípulos respondiam ?Amém?,
movendo-se em círculo.
O poder do
Hino pode ser aquilatado por algumas estrofes: ?Glória a Ti, Pai! Glória a Ti, Verbo! Glória a Ti, Graça! Glória a
Ti, Espírito! Glória a Ti, Sagrado Um! Glória a Tua Glória!?[2]
e o rito continuava com seu ritmo envolvente, conduzindo os participantes
a elevados níveis de consciência. No Hino encontram-se declarações de
caráter esotérico tal como: ?E
agora responde ao Meu dançar! Veja a ti mesmo em Mim que falo; e vendo o
que faço, guarda silêncio sobre os Meus Mistérios.?[3]
E uma afirmação que antecipa descobertas psicológicas de Jung nesse
século: ?Se tivesses sabido como
sofrer, terias o poder de não sofrer. Conhece (pois) o sofrimento, e
terás o poder de não sofrer.?[4]
Outro
importante ritual oficiado por Jesus é descrito nos evangelhos canônicos
de forma tão velada que é geralmente interpretado como um ?milagre?.
Trata-se da assim chamada ressurreição de Lázaro. Se tomarmos a
passagem em João (Jo 11:1-43) veremos que todo o relato assume um
caráter curioso devido ao comportamento aparentemente bizarro de Jesus
face às notícias sobre Lázaro.[5]
É dito que
Lázaro estava ?doente? e que suas irmãs, Maria e Marta, mandaram
avisar a Jesus sobre o fato. De forma surpreendente, Jesus demonstra um
aparente desinteresse pelo estado de saúde de seu discípulo amado e
disse: ?Essa doença não é
mortal, mas para a glória de Deus, para que, por ela, seja glorificado o
Filho de Deus?. Depois disso Jesus permaneceu mais dois dias no
local onde se encontrava e só depois decidiu ir para o povoado de
Lázaro, na Judéia. Disse então a seus discípulos: ?Nosso
amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo?. E os discípulos ficaram
confusos, pois parecia-lhes que Jesus falara da morte de Lázaro como se
fora apenas um sono. Então Jesus falou claramente:
?Lázaro morreu?. Vamos para
junto dele! Tomé, surpreendentemente, diz aos outros discípulos: ?Vamos também nós, para morrermos com ele!? Como explicar o
anseio dos discípulos por morrer com Lázaro, a não ser que essa
?morte? fosse algo extremamente desejável?
Ao
chegar, Jesus encontrou Lázaro já sepultado havia quatro dias. Então,
disse Marta a Jesus: ?Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria
morrido?. Jesus respondeu: ?Teu irmão ressuscitará?. Jesus mandou
então que retirassem a pedra do sepulcro e gritou em voz alta:
?Lázaro, vem para fora!? O morto saiu, com os pés e mãos enfaixados
e com o rosto recoberto com um sudário.
Para aqueles
familiarizados com os rituais esotéricos, esse aparente milagre é a
forma alegórica de descrever o ofício de um elevado rito de mistério no
qual o iniciado entra em transe por três dias, aparentando estar morto.
Ao fim do terceiro dia, o hierofante, nesse caso Jesus, usando palavras de
poder, desperta-o de seu transe. Em outra passagem, Jesus refere-se a esse
profundo mistério quando diz: ?Destruí
este templo, e em três dias eu o levantarei? (Jo 2:19).
Compreende-se, portanto, porque Tomé queria também passar por aquela
?morte?.
O fato da
maior parte das referências aos mistérios de Jesus encontrarem-se nos
evangelhos gnósticos não significa que os padres da igreja dos primeiros
séculos desconhecessem os mistérios. Alguns eram até mesmo iniciados
neles. Existem inúmeras referências veladas nas epístolas de Paulo, o
grande iniciado, usando a linguagem técnica dos mistérios, como por
exemplo: ?Como bom arquiteto,
lancei o fundamento, outro constrói por cima? (1 Co 3:10); ?É
realmente de sabedoria que falamos entre os perfeitos, sabedoria que não
é deste mundo nem dos príncipes deste mundo, votados à destruição.
Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus, antes dos
séculos, de antemão destinou para a nossa glória? (1 Co 2:6-7).[6]
Alguns
discípulos de Valentino, na segunda metade do século II, diziam ter
recebido dele os ensinamentos secretos de Paulo, os ?mistérios
profundos? que o apóstolo ministrava somente a uns poucos discípulos
escolhidos, em segredo.[7]
Vale mencionar que, dentre os tópicos da ?sabedoria
de Deus, misteriosa e oculta,? de que fala Paulo, encontram-se
ensinamentos sobre a reencarnação. Esse era um conceito corrente, aceito
por boa parte dos povos da época de Jesus, em especial pelos essênios,
grupo a que Jesus pertencia. A Cabala, o ensinamento esotérico dos
judeus, que Jesus dominava, pressupõe o conceito de mudança ou movimento
da alma de um veículo para outro. É interessante notar que os fariseus
aceitavam a reencarnação de uma forma curiosa, ou seja, que os justos
voltavam à Terra assumindo outros corpos, para se aproximarem cada vez
mais da perfeição, enquanto os iníquos não tinham a mesma
oportunidade. O conceito de reencarnação era aceito entre os primeiros
cristãos, até ser decretado em concílio como um conceito herético.
Nesse sentido, diz-nos o bispo Leadbeater da Igreja Católica
Liberal:
?Jerônimo
fala da crença na passagem da alma de um corpo a outro como presente no
início do cristianismo. Orígenes, o maior de todos os padres da Igreja,
sustentava-a forte e claramente, e é significativo que afirmasse não
tê-la tomado de Platão, mas que ela lhe fora ensinada por São Clemente
de Alexandria que, por sua vez, aprendeu-a de Panteno, um discípulo de
homens apostólicos. Assim, temos uma afirmação clara de que a doutrina
da reencarnação veio dos próprios apóstolos. Era um dos Mistérios da
Igreja primitiva ensinado somente àqueles que eram dignos, que tinham
ingressado no círculo interno de sua organização e haviam comprovado
ser membros bons e confiáveis, aptos a receber em confiança os
ensinamentos internos.?[8]
Com relação
aos sacramentos é dito no Evangelho de Felipe que Jesus instituiu cinco e
não sete sacramentos: ?O Senhor
fez tudo num mistério, um batismo, uma crisma, uma eucaristia, uma
redenção e uma câmara nupcial.?[9]
A igreja romana manteve a mesma conotação iniciática para os três
primeiros sacramentos em seus rituais. Assim, os sacramentos ministrados
pela Igreja: batismo, crisma e eucaristia, ainda hoje, conferem certo grau
de expansão de consciência a todos aqueles que os recebem no estado de
espírito apropriado.
Os dois
últimos sacramentos, no entanto, foram totalmente desvirtuados. O
sacramento da redenção, conhecido na igreja primitiva como apolytrosis, a última etapa preparatória para o sacramento supremo
da câmara nupcial, foi transformado na penitência, mais conhecida dos
católicos como confissão. O significado original desse sacramento era a
redenção da alma, quando o iniciado morria para o mundo e ressurgia
liberto de todas as correntes de apego, inclusive da noção de um eu
separado. A ?ressurreição de Lázaro?, mencionada anteriormente,
parece ser uma alegoria desse sacramento. A igreja romana, numa gritante
contradição com os ensinamentos de Jesus a respeito da lei de causa e
efeito, conferiu a seus prelados o suposto poder de perdoar os pecados por
meio da ?confissão?.
No sacramento
da câmara nupcial, os discípulos avançados alcançavam a iluminação
quando a alma devidamente purificada, referida como virgem, unia-se ao
supremo esposo, o Cristo interior. Esse sacramento, mencionado claramente
na literatura gnóstica, especialmente no Evangelho de Felipe, também é
referido na Bíblia, de forma mais velada, na parábola do banquete
nupcial (Mt 22:1-14) e na parábola das dez virgens (Mt 25:1-13). Esse
sacramento também pode ser conferido internamente, como parece ocorrer
com os místicos que alcançam as alturas espirituais. Jan van Ruysbroeck,
um dos maiores místicos católicos, escreveu, no século XIV, em Adornos
do Casamento Espiritual, que Cristo é nosso noivo e Ele nos convida a
vir a Ele.[10]
A igreja
transformou esse elevado sacramento esotérico na cerimônia externa do
matrimônio. Assim, as palavras de Jesus: ?o
que ligares na terra será ligado nos céus? (Mt 16:19), que se
referia ao ritual esotérico de união em consciência da alma com o
Espírito, foram usadas de forma indevida para o ritual exotérico da
união matrimonial, criando um sofrimento desnecessário a milhões de
casais, ao longo dos séculos, pois, quando se separavam, eram perseguidos
pelo sentimento de culpa de estarem infringindo uma lei divina.
A Igreja
Católica também instituiu dois outros sacramentos: a unção e a ordem,
com isso estendendo suas atribuições e controle às atividades mais
importantes da vida do ser humano, do nascimento à morte. A unção, ou
melhor dito, a extrema unção, tem um paralelo com rituais semelhantes em
outras tradições. Com o sacramento da ordem ficava instituída a
sucessão apostólica na ordenação dos prelados.
Os cinco sacramentos internos de Jesus apresentam um estreito paralelo com os cinco estágios da vida mística e com as cinco grandes iniciações, como será visto no capítulo 27. Os discípulos só recebiam os sacramentos depois de um extenso trabalho preparatório, pois um sacramento eqüivale a um aporte energético de alta voltagem, que só podia ser recebido com segurança quando os veículos do postulante estivessem devidamente purificados.
[1]
Ver G.R.S. Mead, O Hino de Jesus (Brasília: Editora Teosófica, 1994)
[2]
O Hino de Jesus,
op.cit., pg. 33.
[3]
Os poetas seguidamente entram em sintonia com a verdade maior,
expressando-a em suas poesias. Um caso em pauta com o Hino de Jesus
são os poemas de T.S. Elliot: ?O
ponto imóvel do mundo que gira, que não é carne nem deixa de ser
carne, que não é pausa nem movimento. E não o chame de fixidez,
onde passado e futuro estão unidos. Exceto pelo ponto, o ponto
imóvel, não haveria dança, e há somente a dança.? Citado em
O Paradigma Holográfico,
op.cit., pg. 28.
[4]
O Hino de Jesus,
op.cit., pg. 38-39.
[5]
O nome de Lázaro parece ser uma abreviatura de um antigo nome hebreu Eleazar,
que significa ?ajuda de
Deus?.
[6]
Para outras referências aos mistérios em Paulo vide: Gl 2:20; 1 Co
2:12; 1 Co 3:1-2; 1 Co 3:16-17; Ef 3:3-4; Cl 1:27.
[7]
Vide Clemente de Alexandria, Stromata,
op.cit., 7,7.
[8]
C.W. Leadbeater, A Gnose Cristã (Brasília: Editora Teosófica, 1994), pg. 162.
[9]
Evangelho de Felipe,
op.cit., pg. 150.
[10] John of Ruysbroeck, The Adornment of the Spiritual Marriage, The Sparkling Stone , The Book of Supreme Truth (reprint) (Kila, Montana: Kessinger Publishing), pg. 10.
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