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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
II.
O LADO INTERNO DE UMA TRADIÇÃO
Os
evangelhos canônicos
Pode parecer
estranho, à primeira vista, a referência à Bíblia como uma fonte primária
da tradição esotérica, em vista da opinião corrente de que os ensinamentos
do Mestre relatados nos evangelhos eram destinados ao grande público, ?aos
muitos,? e que os ensinamentos internos ministrados aos discípulos não
foram incluídos na Bíblia, sendo transmitidos somente pela tradição oral.
Esse é um erro muito comum que precisa ser corrigido.
A palavra
?bíblia? (biblia) em grego
significa ?livros?. A Bíblia, portanto, era a expressão coloquial usada
para referir-se aos ?livros? que haviam sido escolhidos pela Igreja,
dentre os muitos evangelhos e documentos existentes, para representar o Cânon,[1]
ou seja, a expressão oficial da ?Boa Nova,? como referendada pela Igreja.
Se houve uma escolha entre diversos documentos, isso significa que alguns ou
mesmo muitos documentos foram preteridos pelas autoridades eclesiásticas,
apesar de muitos deles terem sido escritos ou compilados por autoridades tão
competentes quanto às dos ?evangelhos canônicos.? Essa escolha, ou
melhor dito, esse veto, deve-se ao fato desses documentos conterem informações
ou ensinamentos que divergiam das doutrinas preconizadas pelos bispos mais
influentes da época.[2]
O leigo
geralmente associa a palavra Bíblia aos quatro evangelhos. Na verdade, a Bíblia
contém o Antigo e o Novo Testamento, sendo esse último o relato da Boa Nova
de Jesus, o que em parte explica a idéia popular sobre a Bíblia como sinônimo
de evangelho, pois esse termo, ?evangelho? (euaggelion),
é a palavra grega que expressa a idéia de ?boa nova?.[3]
O Novo Testamento, no entanto, é composto de vinte e sete documentos, dentre
os quais os quatro evangelhos ocupam posição de destaque.
Os três
primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) são referidos como sinóticos
porque narram a vida e ministério de Jesus segundo uma ótica semelhante,
enquanto o quarto evangelho, atribuído a João, é diferente, sendo
considerado esotérico. Dentre os sinóticos, apenas um terço do conteúdo é
comum aos três. Cinqüenta por cento do material contido em Lucas é
exclusivo, trinta e quatro por cento em Mateus e dez por cento em Marcos. Daí,
admitir-se que a redação de Marcos precedeu a dos outros dois, que se
apoiaram nele no que diz respeito aos relatos sobre a vida de Jesus.
A autoria dos
evangelhos nem sempre é bem explicada aos leigos. Cada evangelho não é o
produto monolítico de um único autor. Na verdade, sabemos hoje em dia que
eles são o fruto da contribuição de vários autores, ao longo de muitos
anos, tendo passado por diferentes versões até chegar ao formato atual. A
autoria, no entanto, é atribuída ao autor que, de acordo com a tradição,
teria fornecido a primeira camada ou versão da parte principal da obra. Esses
fatos são admitidos até mesmo pelas autoridades eclesiásticas.[4]
A versão
atual do Evangelho de São João também passou por um complexo processo de
incorporação e editoração semelhante aos sinóticos. Para muitos ele
incorpora uma fonte anterior, um Evangelho de Sinais.[5]
Na Introdução da Bíblia de Jerusalém ao Evangelho segundo São João,
somos informados que:
?A
ordem na qual se apresenta o evangelho cria certo número de problemas.
É possível que essas anomalias provenham do modo como o evangelho foi
composto e editado: com efeito, ele seria o resultado de uma lenta elaboração,
incluindo elementos de diferentes épocas, bem como retoques, adições,
diversas redações de um mesmo ensinamento, tendo sido publicado tudo isso
definitivamente, não pelo próprio João, mas, após sua morte, por seus discípulos;
dessa forma, estes teriam inserido no conjunto primitivo do evangelho
fragmentos joaninos que não queriam que se perdessem, e cujo lugar não
estava rigorosamente determinado.?[6]
Os estudiosos
bíblicos concordam que a redação dos evangelhos como os conhecemos hoje,
pelo menos os de Mateus, Lucas e João, resultaram da estruturação dos
ensinamentos de Jesus na sua tradicional forma de logia e parábolas, dentro de um arcabouço do que seria a história
da vida de Jesus. Foi essencialmente essa combinação que criou toda uma série
de problemas de interpretação bíblica, que perdura até hoje. Tanto as logia
como os relatos da história do Cristo tinham uma grande importância simbólica
e, certamente, foram escritos originalmente sob inspiração. Infelizmente,
mesmo assim, as autoridades eclesiásticas querem a todo custo que o texto bíblico
seja interpretado como um relato da história de Jesus, devendo ser aceito
literalmente.
Sabemos, no
entanto, que a opinião oficial da Igreja quanto a historicidade dos
evangelhos não é a mesma apresentada internamente entre os membros mais
esclarecidos do clero. Um douto padre católico, professor de teologia, que
pediu para permanecer anônimo, escreveu ao autor, com seus comentários a uma
versão preliminar deste texto: ?a
interpretação simbólica e alegórica esteve em voga entre os Santos Padres
desde os primeiros tempos da Igreja. Não é nenhum segredo na Igreja Católica
que a Bíblia está repleta de mitos, símbolos e alegoria que precisam ser
interpretados. Já o Papa Pio XII dissera que seria preciso levar em consideração
os gêneros literários na Bíblia, somente uma pequena parte dos quais é
historiografia.?
Para o
estudante do lado esotérico da tradição cristã deve ficar claro que tanto
as parábolas e os ditados de Jesus, como a vida do Cristo devem ser
interpretados de acordo com certas chaves da milenar simbologia sagrada. Os
relatos da vida do Cristo devem ser entendidos como servindo a um propósito
ainda mais transcendente do que os dados biográficos da vida de Jesus. O fato
de a Bíblia ter sido escrita em linguagem simbólica apresenta um certo
perigo para o leitor moderno. Esse perigo reside nas traduções e adaptações
que periodicamente são feitas com o propósito de tornar a linguagem da Bíblia
mais acessível ao público. Adaptações da linguagem e das imagens
utilizadas seriam úteis se a Bíblia contivesse meramente um relato histórico
ou uma coletânea de estórias. No entanto, esse não é o caso. Traduções,
adaptações e tentativas de modernização da linguagem invariavelmente
modificam os símbolos e as alegorias dos relatos, deturpando ou obscurecendo
a mensagem velada por trás do simbolismo.
O Cristo é
um ser divino que se encontra de forma latente ou pouco ativa no coração de
cada um de nós. Cristo, porém, revelou a plenitude de sua estatura no
personagem histórico Jesus. No entanto, a grande importância da história do
Cristo, não são os poucos fragmentos da historiografia de Jesus, mas sim a
revelação dos estágios avançados da evolução da alma, que passa por
cinco grandes iniciações: nascimento, batismo, transfiguração, crucificação
e ressurreição e, finalmente, a ascensão. Esses estágios anteriormente só
eram revelados em segredo nos ritos dos Mistérios Maiores. Portanto, os
relatos da vida do Cristo oferecem um precioso mapa do tesouro para todo
aspirante que deseja seguir o Mestre. O que está sendo relatado são os
grandes marcos da vida espiritual de cada um de nós, a história viva de cada
alma que um dia chegará a se tornar um Cristo, e não simplesmente a história
de um grande personagem do passado. Uma interpretação iniciática da vida do
Cristo é apresentada no último capítulo deste livro.
A redação
final dos evangelhos tendeu a enfatizar os relatos da vida do Cristo,
minimizando a importância de seus ensinamentos. Vê-se, assim, que os
evangelhos canônicos não apresentam os ensinamentos de Jesus em sua forma
original, como também não apresentam todos
os ensinamentos do Mestre. Isso é dito, de forma alegórica, ao final do
Evangelho de João: ?Há, porém,
muitas outras coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas uma por uma,
creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam? (Jo
21:25). Não sabemos ao certo porque os evangelhos omitem muitos ensinamentos
de Jesus: se devido à ausência de registro por parte de seus discípulos, o
que não parece verossímil, em virtude da existência da tradição oral, ou
por terem sido deliberadamente excluídos, pelo fato de não serem
compreendidos pelos editores finais dos evangelhos ou, ainda, por apresentarem
contradições com a doutrina da Igreja que já estava em processo de elaboração.
Qualquer
curioso pode obter prova insofismável de que existem muitos ensinamentos
perdidos de Jesus, alguns certamente de caráter oculto, a partir de um estudo
atento do Novo Testamento.[7]
Um autor declara: ?Em comparação com
o número de vezes em que afirmam que Jesus lecionou, uma quantidade
surpreendentemente pequena de versículos menciona que lições foram essas.
Alguns escritores relatam que Jesus ensinou durante várias horas, mas não
incluem uma só palavra sobre o que foi dito.?[8]
Um exemplo flagrante é a passagem da multiplicação dos pães, em que Jesus
ensinou à multidão por grande parte do dia, mas nada é relatado sobre o que
foi dito, além do lacônico comentário de Lucas no sentido de que Jesus ?falou-lhes
do Reino de Deus? (Lc 9:11).
A maioria das
igrejas cristãs prega que a Bíblia é isenta de erros e que os autores dos
evangelhos foram divinamente inspirados;[9]
assim, todas as palavras deste livro devem ser aceitas literalmente e sem
discussão.[10]
Na Igreja Católica, um corolário dessa posição é a infalibilidade de seu
magistério. As igrejas protestantes, em sua grande maioria, encamparam a
proposição da Igreja de Roma.
Essa posição
dogmática prestou um grande desserviço à nossa herança cristã. Os leigos,
face às inúmeras contradições encontradas na Bíblia, quando lida
literalmente, desistem de interpretá-la e entendê-la,[11]
refugiando-se na premissa de que todos esses assuntos são dogmas de fé e
devem ser aceitos, até mesmo quando a razão protesta. Com isso a verdadeira
mensagem da Bíblia, que está encoberta por um véu de alegoria, foi
inicialmente colocada de lado e finalmente esquecida.[12]
Dessa forma, os ensinamentos do Mestre, com sua mensagem salvífica, foram, na
prática, relegados a segundo plano. Essa atitude perdura até os dias de hoje
como atesta um autor moderno pertencente ao clero romano: ?Uma das primeiras características da leitura cristã da Bíblia,
é considerar esta última como um livro de história, não como uma coleção
de pensamentos -- uma história cujo centro é Cristo.?[13]
Contrastando
com essa posição ortodoxa temos a opinião de um profundo estudioso da matéria,
o bispo Leadbeater da Igreja Católica Liberal:
?A
partir destes poucos (textos mal traduzidos, a Bíblia), foi edificada uma
estrutura insegura de uma doutrina desarrazoada que, examinada à luz da razão,
mostra-se imediatamente indefensável. O verdadeiro e nobre ensinamento do
Cristo está bem claro nas própria escrituras. Elas nos falam constantemente
de uma doutrina oculta que não foi revelada ao público. Há muito tem sido
costume negar isso e ostentar que o cristianismo nada contém que esteja além
do alcance do intelecto mais mediano. É seguramente uma vergonha para o
cristianismo dizer que não há nada nele para o homem que pensa.?[14]
O
primeiro passo, portanto, para que se possa resgatar os ensinamentos esotéricos
de Jesus que se encontram no Novo Testamento é estabelecer firmemente a
premissa de que tanto os relatos sobre a vida de Jesus como seus ensinamentos
devem ser interpretados, e que as chaves para essa interpretação podem ser
obtidas. Essa premissa não é uma posição moderna. Já no segundo século
de nossa era, Clemente de Alexandria, um dos mais respeitados e cultos padres
da Igreja primitiva, ensinava que devemos procurar entender a mensagem
essencial de Jesus por trás dos relatos dos evangelhos e da tradição oral:
?Sabendo
que o Salvador não ensina nada de uma maneira meramente humana, não devemos
ouvir seus pronunciamentos de forma carnal; mas com a devida investigação e
inteligência, devemos buscar e aprender o significado oculto neles.?[15]
Em outra
ocasião Clemente indicou que existe um significado secreto nos ensinamentos
de Jesus e que os mistérios da fé não devem ser divulgados a todos,
portanto, como ?essa tradição é
relatada exclusivamente àquele que percebe o esplendor da palavra, é necessário
ocultar num Mistério a sabedoria divulgada que o Filho de Deus ensinou.?[16]
Nesse
século, Geoffrey Hodson, outro grande erudito da Bíblia, produziu um estudo
monumental sobre o significado oculto das escrituras sagradas.[17]
Em suas palavras,
?Aqueles que consideram as escrituras e mitologias do mundo como uma combinação de história, alegoria e símbolo evidenciam que respostas plenas para essas e outras questões urgentes relativas à vida humana, experiências e destino estão contidas debaixo da superfície dos textos escriturais. Eles afirmam, ademais, que tais respostas são dadas plenamente ali com significados subjacentes, e que a impotência relativa do cristianismo ortodoxo de hoje na presença dos males mundiais tão evidentes é devida à insistência oficial na crença da Bíblia como revelação divina, verbal, desde o Gênesis até o Apocalipse. Se a ortodoxia estivesse disposta a examinar as escrituras como parábolas, que revelam verdades e leis espirituais, ao invés de insistir em que o texto, em sua interpretação literal, é expressão divina e, portanto, verdade absoluta, ela não estaria sujeita aos ataques que lhe são desferidos. Quando, além disso, a crença implícita na letra da Bíblia está estabelecida como essencial à salvação da alma, é intensificada uma natural repulsão da aceitação de dogmas, alguns dos quais violam o fato e a possibilidade.?[18]
Os
maiores estudiosos da Bíblia insistem que ela é uma fonte de ensinamentos
ocultos e, como todas as escrituras sagradas, deve ser interpretada de acordo
com uma simbologia milenar conhecida dos grandes seres que foram inspirados a
escrevê-las.[19]
Essas verdades sempre foram conhecidas dos sábios da tradição oculta
judaica, como indicam as palavras de Moses Maimonides, um grande talmudista e
historiador do século XII de nossa era:
?Cada
ocasião em que você encontra em nossos livros um conto cuja realidade parece
impossível, uma história que é repugnante à razão e ao bom senso, então
esteja certo de que ela contém uma imperscrutável alegoria velando uma
profunda verdade misteriosa; e quanto maior o absurdo da letra, mais profunda
a sabedoria do espírito.?[20]
Mais
contundente ainda é a admoestação do livro sagrado da sabedoria esotérica
da Cabala, o Zohar, que diz:
?Ai
... do homem que vê na Torá, isto é, na Lei, somente simples exposições e
palavras usuais! Porque, se na verdade ela somente contém isso, nós
igualmente seríamos capazes hoje de compor uma Torá muito mais merecedora de
admiração ... As narrativas da Torá são as vestimentas da Torá. Ai
daquele que toma essas vestimentas como sendo a própria Torá! ... Existem
algumas pessoas tolas que, vendo um homem coberto com uma bela roupa, não
levam sua consideração mais além e tomam a vestimenta pelo corpo, enquanto
lá existe uma coisa ainda mais preciosa, que é a alma... Os sábios, os
servidores do Rei Supremo, aqueles que habitam as alturas do Sinai, estão
ocupados exclusivamente com a alma, que á a base de todo o resto, que é a própria
Torá; e no tempo vindouro eles serão preparados para contemplar a Alma
daquela Alma (i.e. o Deus) que sopra na Torá.?[21]
O enfoque de
que a Bíblia deve ser interpretada como um repositório de alegorias sobre
assuntos espirituais, contrasta com a posição assumida por um segmento
importante dos eruditos bíblicos deste século. A tendência moderna é a
busca do Jesus histórico, iniciada por Schweitzer no início do século,[22]
impulsionada por Bultmann, um teólogo que procurou salvar o edifício da
ortodoxia das insistentes investidas da ciência e da história com sua
proposta de depurar a Bíblia de seus elementos mitológicos,[23]
e consolidada mais recentemente pelos membros do ?Seminário sobre Jesus?
que chegaram a propor uma versão do Novo Testamento, sugerindo quatro
categorias para classificar as palavras atribuídas a Jesus e concluíram,
depois de sete anos de trabalho, que provavelmente mais de oitenta por cento
das palavras atribuídas a Jesus nos evangelhos não seriam autênticas, ainda
que muitas pudessem expressar suas idéias.[24]
A busca do
Jesus histórico deve ser vista como uma saudável oscilação do pêndulo da
verdade, afastando-se da posição extremada da ortodoxia que, desde os primórdios
do estabelecimento de sua posição, insistia que a Bíblia era inexpugnável
e que devia ser interpretada literalmente, exceto quando uma interpretação mítica
era apresentada pela própria Igreja para justificar os dogmas estabelecidos.
A busca do Jesus histórico vem possibilitando o acúmulo de muitas informações
esclarecedoras sobre a cultura da Palestina helenizada do tempo de Jesus, bem
como uma pletora de dados novos sobre os relatos da Bíblia tornados possíveis
pelo novo instrumental usado pela crítica bíblica moderna, incluindo até
mesmo a forma literária dos originais gregos conhecidos.
No entanto,
como a história nos ensina, o pêndulo retificador tende a oscilar para o
outro extremo quando as resistências às mudanças são demasiado fortes,
necessitando o uso de força considerável para vencer a oposição de posições
consideradas imutáveis por vários séculos. Isso ocorreu, por exemplo, com o
movimento feminista neste século, o movimento para a dissolução dos impérios
coloniais e o movimento pela igualdade de direitos de todos os grupos raciais
e étnicos. Porém, a providência divina, em sua inexorável tendência para
a harmonia, faz com que, no seu devido tempo, as posições extremadas dêem
lugar a posições mais abrangentes e harmônicas. Assim, a busca pelo Jesus
histórico deverá passar por nova fase em que será incorporada em sua
metodologia o estudo da simbologia milenar das escrituras sagradas e
procurar-se-á encontrar a verdade sobre o ministério de Jesus e não a mera
subserviência às posições dogmáticas da Igreja.
Em seu estudo
ímpar sobre a interpretação da vida e dos ensinamentos de Jesus, Geoffrey
Hodson alerta que Jesus foi realmente um personagem histórico, e que a Bíblia
inclui alguns incidentes sobre sua vida na Palestina. Porém, esse autor
insiste que o importante não é o fato histórico, mas sim seu significado místico:
?Os
evangelhos, particularmente os sinóticos e S. João, são muito mais
documentos místicos do que históricos. Essa é a idéia que falta em todas
as exposições da estória evangélica. A ênfase é colocada erroneamente
sobre o histórico, quando deveria ser posta sobre o Jesus místico, o veículo
escolhido, o maravilhoso jovem hebreu sobre cuja vida, imperfeitamente
registrada, toda a estrutura do cristianismo está fundada. As muitas
passagens lembrando os ensinamentos profundamente esotéricos de Jesus,
inclusive o sermão da montanha, estão entre as jóias preciosas da sabedoria
que ele legou à humanidade em geral e, especialmente, a todos os aspirantes,
para os quais a história de sua vida pretende descrever a plena experiência
e realização espiritual. Assim considerada, a historicidade, ainda que seja
importante num sentido, cede lugar inteiramente ao reconhecimento da pérola
inestimável de sabedoria que o relato evangélico contém?.[25]
Tendo em
vista essas considerações, partimos da hipótese de que Jesus, seguindo a
tradição milenar dos grandes Mensageiros da Luz, incluiu em sua mensagem
todos os ensinamentos necessários para despertar os que estão mortos para o
Espírito e preparar progressivamente os peregrinos para que possam encontrar
e, finalmente, trilhar a Senda da Perfeição para, no seu devido tempo,
ingressar no Reino dos Céus. Esse trabalho em dois níveis, o ministério público
e a instrução interna dos discípulos, exigiu, por parte de Jesus, um
cuidado todo especial para que os segredos do ?Reino? não fossem
divulgados abertamente aos muitos, pois esses não estavam preparados para
recebê-los. Isso explica porque Jesus pregava ao público por meio de parábolas
e metáforas, que incluíam verdades profundas para os que têm olhos para ver
e ouvidos para ouvir.
Porém, como
efetuar essa interpretação? Algumas chaves para a interpretação das
escrituras alegóricas são conhecidas:
·
Todos os eventos registrados, supostamente históricos, também ocorrem
interiormente. Cada evento descreve uma experiência subjetiva do homem.
·
Cada pessoa que figura proeminentemente na história representa uma
condição da consciência e uma qualidade de caráter.
·
Cada estória é considerada como descrição da experiência da alma
ao passar por certas fases da sua jornada evolutiva para a Terra Prometida.
Quando os seres humanos são os heróis, a vida do homem no seu estágio
normal de desenvolvimento está sendo descrita. Quando o herói é semidivino,
a tônica é colocada sobre o progresso do Ser divino no homem depois dele ter
começado a assumir poder preponderante. Quando, entretanto, a figura central
é um Mensageiro Divino ou descendente de um aspecto da Deidade, suas experiências
narram aquelas do Eu Superior nas últimas fases da evolução do homem divino
em direção à estatura do homem perfeito.
·
Todos objetos e certas palavras têm significado simbólico especial. A
linguagem sagrada das Escolas de Mistério é formada de hierogramas e símbolos
mais do que de palavras, sendo o seu significado constante no tempo e no espaço.[26]
Assim,
cientes de que a Bíblia esconde um tesouro de informações que podem ser
desveladas com base no estudo das alegorias e símbolos conhecidos,
consideramos o Novo Testamento como uma das fontes do lado interno da tradição
cristã.
[1]
A palavra cânon vem do grego kanwn,
que significava originalmente junco ou bambu usado para medir. Mais tarde,
o sentido de medida assume uma conotação genérica de regra, preceito,
praticamente de lei. Passou a ser usada pela Igreja com o significado de
norma, regra de conduta, padrão, sendo nesse sentido que o termo
?evangelhos canônicos? era usado. Esse cânon tornou-se
particularmente importante em vista da disputa entre a nascente hierarquia
da Igreja e os grupos gnósticos, que, ao que tudo indica, estavam
aliciando um número crescente de simpatizantes com suas doutrinas e seus
evangelhos (Vide W. Schneemelcher, ed., New
Testament Apocrypha (Louisville, USA: Westminster/John Knox Press,
1991), pg. 10-12.
[2]
Uma das primeiras listas de documentos ?canônicos,? algo parecido com
o Novo Testamento atual, foi proposta pelo Bispo Irineu, de Lion, com o
beneplácito de alguns colegas, por volta de 180 d.C. Dois séculos mais
tarde, o Bispo Athanasius preparou uma lista semelhante, ratificada pelos
concílios de Hippo e de Cartago (M. Baigent, R. Leigh e H. Lincoln, Holy
Blood, Holy Grail N.Y.: Dell, 1982), pg. 318. Uma abrangente história
do ?cânon? da Igreja é apresentada no livro New
Testament Apocrypha (op.cit., pg. 34-42).
[3]
O termo ?evangelho? aparece muito pouco no Antigo Testamento e, mesmo
assim, sem nenhuma conotação técnica, sendo usado para vários tipos de
mensagens. Nas epístolas de Paulo, que são os primeiros documentos da
tradição cristã, tanto o substantivo como o verbo (euaggelizesqai)
adquiriram a conotação técnica
referente à mensagem cristã
e à sua proclamação. No Evangelho e nas Epístolas de João, nem o
substantivo nem o verbo são usados, o que para os estudiosos é mais uma
indicação de que a comunidade joanina estava fora da esfera de influência
da área missionária de Paulo. Ainda que o termo seja usado nos sinóticos,
nem sempre parece expressar exatamente a mesma coisa (Vide H. Koester, Ancient
Christian Gospels: their history and development (Philadelphia, Pa.:
Trinity Press, 1990, pg. 1-48).
[4]
Vide a introdução aos evangelhos sinóticos na Bíblia de Jerusalém, a
versão mais atualizada da Bíblia, preparada por uma grande equipe de teólogos
com o respaldo oficial e o imprimatur do Vaticano.
[5] R. Funk e R. Hoover, The Five Gospels. The search for the authentic words of Jesus (N.Y.: Macmillan, 1993), pg. 16.
[6]
Bíblia de Jerusalém (S.P.: Edições Paulinas, 1993), pg. 1981
[7]
Por exemplo, as seguintes passagens indicam que Jesus ensinava sem, no
entanto, mencionar o que ele dizia: Mt 9:35, Mt 15:34, Mt 16:21, Mc 1:21,
Mc 1:39, Mc 2:2, Mc 2:13, Mc 6:2, Mc 6:6, Mc 8:31, Lc 2:46-47, Lc 4:15, Lc
4:31, Lc 4:44, Lc 5:17, Lc 5:3, Lc 6:6, Jo 4:40-42. Outras passagens
registram umas poucas palavras, porém não todo o ensinamento de Jesus:
Mt 4:17, Mt 4:23-25, Mt 10:27, Mt 21:23-46, Mc 1:14-15, Mc 4:33-34, Mc
10:1-52, Lc 13:10-21, Lc 13:22-35, Lc 20:1-47, Jo 7:14-53, Jo 8:2-59.
[8]
M.L. Prophet e E.C. Prophet, Os
Ensinamentos Ocultos de Jesus (R.J.: Nova Era, 1997), pg. 18
[9] Essa concepção não poderia estar mais longe da verdade quando consideramos que a Bíblia sofreu inúmeras modificações ao longo dos séculos, seja por parte de editores agindo por conta própria, seja por decisões em concílios. A maior sistematização dos textos, porém, ocorreu por ocasião do Concílio de Niceia, em 325, convocado e presidido pelo imperador Constantino, em virtude de crescentes dissensões sobre questões de fé que tinham importantes implicações políticas. Graças à autoridade do imperador, que seguidamente tinha que moderar discussões entre bispos exaltados e arbitrar soluções sobre questões doutrinárias sobre as quais quase nada conhecia, foi possível selecionar aqueles textos que viriam formar a base dos evangelhos a serem incluídos na Bíblia, os quais, mais tarde, ainda sofreram modificações. ?Constantino, que tratava as questões religiosas somente do ponto de vista político, assegurou a unanimidade banindo todos os bispos que não quiseram assinar a nova profissão de fé.? (W. Nigg, The Heretics: Heresy Through the Ages (N.Y.: Dorset Press, 1962), pg. 127).
[10] Vide R.W. Funk, Honest to Jesus (Harper San Francisco, 1996), pg. 49-50
[11]
A tentativa de entendimento da Bíblia por parte dos leigos é
fato recente na história. Um corolário dos dogmas e da manipulação
da Bíblia é que a própria Igreja temia que os leigos e até mesmo o
clero ?estudasse? seus livros sagrados. O Papa Gregório I, conhecido
como Gregório o Grande, durante seu papado de 590 a 604 condenou a educação
para todos, a não ser o clero. Proibiu os leigos de lerem até mesmo a Bíblia
e mandou queimar a biblioteca de Apolo Palatino, para que
?a literatura secular não distraísse os fieis da contemplação do céu?.
Essa ojeriza da ortodoxia aos livros já havia custado à humanidade a
perda da imensa biblioteca de Alexandria, queimada pelos cristãos em 391,
com todo seu acervo de aproximadamente 700.000 papiros e milhares de
livros, incluindo as obras dos gnósticos como Basílides, Valentino e
Porfírio (Helen Ellerbe, The Dark
Side of Christian History, San Rafael, CA: Morningstar Books, 1995,
pg. 46-48). ?No princípio da
Idade Média os dominicanos tomaram a posição simplista de proibir
absolutamente a leitura da Bíblia, a não ser nas versões deformadas que
autorizavam; e todos os que não obedeciam eram afastados da Igreja.?
(Isabel Cooper-Oakley, Maçonaria e
Misticismo Medieval, S.P., Pensamento, pg. 16).
[12]
Um padre católico, escreve: ?Um
perigo, Jung alertou, é que a religião como credo perde contato com a
proximidade da experiência. Formas codificadas e dogmatizadas da experiência
religiosa original tendem a tornar-se idéias rígidas, elaboradamente
estruturadas, que tendem a esconder a experiência. Quando isso ocorre, a
religião torna-se uma atividade totalmente fora da experiência
pessoal.? John Welch, Spiritual
Pilgrims ( N.Y.: Paulist Press, 1982), pg. 79.
[13]
Monge Pierre-Ives Emery, A Meditação na Escritura, em Frei Raimundo Cintra, Mergulho
no Absoluto (S.P.: Edições Paulinas, 1982), pg. 249.
[14] A Gnose Cristã, op.cit., pg. 89.
[15]
Clemente de Alexandria, On the
Salvation of the Rich Man 5, em A. Roberts and J. Donaldson, eds., The
Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to
a.D. 325, Reprinted (Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1981), vol. II,
pg. 592.
[16]
Clemente de Alexandria, Stromata, vol. I, cap. xxi, pg. 388.
[17] Geoffrey Hodson, The Hidden Wisdom in the Holy Bible (Wheaton, Illinois: The Theosophical Publishing House, 1963), quatro volumes.
[18]
The Hidden Wisdom
in the Holy Bible, op.cit., vol. I,
pg. 6.
[19] Peter Roche de Coppens, referindo-se à linguagem da Bíblia, escreve: ?Ela é a linguagem simbólica e analógica dos Sábios, usada para descrever visões, intuições e êxtases obtidos em estados alterados de consciência, num estado de iluminação ou de consciência espiritual; ela á a língua esquecida da Mente Profunda, a linguagem das imagens, arquétipos e mitos que têm tantos significados diferentes e interpretações possíveis como existem estados de consciência, níveis de evolução e biografias pessoais.? Divine Light and Fire, op.cit., pg. 7.
[20] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg. xii.
[21] The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol I, pg. xii-xiii.
[22] Vide Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus: a Critical Study of Its Progress from Reimarus to Wrede (N.Y.: Macmillan, 1961), publicado originalmente em 1906.
[23] Rudolf Bultmann, ?New Testament and Mythology? em Kerygma and Myth (N.Y.: Harper & Row, 1961), pg. 1-44.
[24] Vide a obra editada por R. Funk e R. Hoover The Five Gospels. The search for the authentic words of Jesus (N.Y.: Macmillan, 1993).
[25] The Life of Crist from Nativity to Ascension, op.cit., pg. 315
[26] Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg 85-99.
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