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OS
ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
Esse Hino, atribuído a Bardesanes, influente poeta do gnosticismo
cristão do século II, oferece uma excepcional oportunidade para percebermos
a profundidade do misticismo nos primórdios de nossa tradição interna. O
Hino apresenta um comovente relato da peregrinação da alma, que culmina com
a sua ?salvação?, representada pela aquisição da ?pérola? (a gnosis),
e o conseqüente retorno ao reino da Casa do Pai, num estreito paralelo com a
parábola do Filho Pródigo. Deixemos que a mensagem celestial de esperança
penetre em nossos corações, pois a estória que será narrada é a história
de nossa vida.
?Quando eu era criancinha, demasiado novo para falar e morava no
Reino da Casa de meu Pai, deleitando-me na riqueza e no esplendor daqueles que
me nutriam, meus pais me enviaram do oriente, nosso lar, numa missão,
equipado com suprimentos para a jornada. Das riquezas de nossos tesouros eles
me deram um grande carregamento, mas que era leve, para que eu pudesse carregá-lo
sozinho.
A carga consistia de ouro das terras altas, prata dos grandes tesouros,
jóias de esmeraldas da Índia e ágatas de Kushan.
E cingiram-me com diamantes. Retiraram
a minha veste cravejada de jóias e adornada de ouro que, por seu amor, haviam
feito para mim, e meu manto de púrpura, confeccionado na minha exata medida.
E fizeram um pacto comigo, gravando-o em meu coração para que eu não
pudesse esquecê-lo, dizendo isto: ?Se tu fores ao Egito e dali trouxeres a
pérola que se encontra no meio do mar, envolta pela serpente voraz, então
colocarás outra vez a veste cravejada de jóias e, por cima, o manto que
tanto aprecias e serás um herdeiro de nosso reino, juntamente com teu irmão,
o segundo em nossa hierarquia.
Deixei o Oriente e parti acompanhado de dois guias,
pois o caminho era difícil e perigoso e eu era jovem para uma tal
viagem. Atravessei as fronteiras
de Maishan, o lugar de encontro dos mercadores orientais, cheguei à Terra de
Babel e entrei pelas muralhas de Sarbug.
Continuei e, chegando ao Egito, meus acompanhantes separaram-se de mim.
Incontinente procurei a serpente, estabelecendo-me próximo de sua
morada, aguardando a ocasião em que ela ficasse sonolenta e fosse dormir,
para então tirar-lhe a pérola. Como
estava sozinho e me mantinha à parte, parecia um estranho para meus
companheiros de hospedagem. Entretanto, lá eu vi um homem livre, meu parente
da terra da Alvorada, um jovem formoso e bem favorecido, filho de Nobres. Ele
veio e juntou-se a mim.
Fi-lo meu parceiro predileto, um parceiro para minhas jornadas. Como
constante companheiro alertou-me sobre os egípcios, para que evitasse
misturar-me com os impuros. Pois,
havia me vestido como eles, para que não pudessem imaginar que eu era
estrangeiro e tinha vindo de longe para apossar-me da pérola e pudessem assim
incitar a serpente contra mim.
Mas por alguma razão, eles souberam que eu não era de seu país.
Com suas artimanhas, apresentaram-se a mim e ofereceram-me seus
alimentos para comer. Ao prová-los,
esqueci-me que era filho de um Rei e tornei-me um servo do rei deles.
Esqueci completamente a pérola para a qual meus Pais me haviam enviado
e, com o peso de seus alimentos, mergulhei num sono profundo.
Meus Pais percebiam tudo aquilo que estava acontecendo, e ficaram
ansiosos. Foi feita então uma
proclamação em nosso Reino: que todos se apresentassem rapidamente no Pórtico.
E então os reis e chefes de Partia e todos os nobres do Levante
decidiram que eu não deveria ficar no Egito. Escreveram-me uma carta e nela
todos os nobres assinaram seu nome:
"De parte de teu pai, o Rei dos Reis, de tua mãe, Senhora do
Levante, e de nosso segundo, teu irmão, ao nosso filho no Egito, saudações!
Acorda e desperta de teu sono. Ouve as palavras de nossa carta! Lembra-te que
és filho de um rei; vê a quem serviste em tua escravidão. Pensa outra vez
sobre a pérola, a razão pela qual viajastes ao Egito. Lembra-te de tua veste
gloriosa e de teu esplêndido manto, para que possas outra vez vesti-los e usá-los
como ornamentos, e para que teu nome possa ser lido no Livro dos Heróis, e
com nosso sucessor, teu irmão, possas ser herdeiro em nosso reino.?
A carta, que o Rei havia lacrado com sua mão direita, era como um
mensageiro contra a ameaça dos filhos de Babel e dos rebeldes demônios do
Labirinto. Ela voou na forma de uma águia, a rainha de todas as aves; voou até
pousar ao meu lado, transformando-se num discurso inteiro. Com sua voz e o som
de sua asas, levantei-me, despertando de meu sono profundo. Tomei-a, beijei-a,
parti seu lacre e a li. As palavras de minha carta estavam redigidas como as
que estavam escritas em meu coração.
Lembrei-me naquele momento que eu era filho de rei e que minha alma,
nascida livre, tinha saudade daqueles da mesma natureza. Lembrei-me novamente
da pérola, pela qual eu havia sido enviado em missão ao Egito. E comecei a
cativar a terrível e ruidosa serpente. Encantei-a para dormir, cantando para
ela o nome de meu Pai, o nome de nosso segundo e o de minha mãe, a Rainha do
Oriente.
Apoderei-me, então, da pérola e parti em direção à casa de meu
Pai. Retirei as vestimentas sujas e impuras, deixando-as em seu país de
origem. Dirigi-me para o caminho pelo qual havia vindo, a estrada que leva à
Luz de nossa casa, o Oriente. No caminho, encontrei diante de mim a mensagem
que havia me despertado. E assim como ela havia me despertado com sua voz,
agora me orientava com sua luz que brilhava à minha frente; com sua voz
vencia meu temor, e com seu amor me conduzia. Eu segui adiante... Vislumbrava,
às vezes, as vestes reais de seda, brilhando diante de mim. Segui adiante;
passei pelo Labirinto; deixei a Terra de Babel à esquerda; e cheguei a
Maishan, o lugar de encontro dos mercadores, que se localiza na costa.
Meus pais enviaram-me a Veste de Glória que eu havia despido e o Manto
que a cobria. Enviaram-nos das alturas de Hyrcânia, pelas mãos de seus
distribuidores de tesouros, pois que, por sua lealdade, a eles podiam ser
confiados. Sem me lembrar de seu
esplendor, pois a havia deixado na Casa de meu Pai na minha infância, ao vê-la,
imediatamente a Veste pareceu-me como a imagem de mim mesmo.
Percebi nela todo o meu ser e, por meio dela, reconheci-me e
percebi-me. Pois, apesar de termos sido originados da mesma unidade, éramos
parcialmente divididos e, no entanto, éramos também unos em semelhança.
Também, os tesoureiros que a haviam trazido do alto para mim, vi que eram
dois seres, mas havia uma única forma em ambos, um único símbolo real
consistindo de duas metades. E traziam meu dinheiro e minha riqueza em suas mãos
e deram-me minha recompensa.
A gloriosa veste reluzente, enfeitada com brilhante esplendor de cores:
com ouro, pérolas e também com pedras preciosas de diferentes cores. Para
realçar sua grandeza estava cingida com diamantes. (Além disso) a Imagem do
Rei dos Reis estava estampada inteiramente nela; pedras de safiras tinham sido
afixadas na gola com lindo efeito.
Percebi, que movimentos de gnosis
abundavam em toda sua extensão, e que estava se preparando como que para
falar. Ouvi o som de sua música, que sussurrava ao descer: ?Sou eu que
pertence àquele que é mais forte do que todos os seres humanos e para o qual
fui indicada pelo próprio Pai. E percebi em mim como minha estatura aumentava
com sua atividade?.
E (agora), com seus movimentos reais, ela vinha em minha direção,
como que apressada nas mãos de seus doadores, para que eu pudesse (tomá-la
e) recebê-la. E de minha parte, também, meu amor instava-me a correr ao seu
encontro e tomá-la. Estendi-me para recebê-la; com sua beleza colorida
vesti-me e enrolei-me em meu manto de cores resplandecentes.
Vestido dessa forma, ascendi ao Portal das Boas Vindas e da Reverência.
Inclinei minha cabeça e prestei homenagem à glória do Pai que a havia
enviado, cujas ordens eu havia cumprido, e que, de sua parte, também havia
feito o que prometera. Ele recebeu-me com alegria, e fiquei com Ele em seu
Reino, e todos seus súditos estavam cantando hinos com vozes reverentes. Ele
permitiu-me também ser levado à corte do Rei em sua companhia, para que com
a pérola eu pudesse comparecer diante do Rei.?
A estória começa quando uma alma demasiado nova para falar (exercer
seus poderes) é enviada, por seus pais, do mundo espiritual para o mundo
material, numa missão que representa a grande peregrinação da alma. O
oriente é onde nasce a luz do sol físico e, no sentido figurativo, é a
origem da Luz espiritual primordial. A alma é enviada com suprimentos para a
jornada, que são a substância de todos os planos pelos quais o peregrino
deve passar. As riquezas do tesouro do pai, jóias e metais preciosos,
referem-se aos poderes espirituais, que possuem grande valor e nenhum peso,
podendo ser carregados facilmente pela alma. O ouro das terras altas simboliza
a mais elevada sabedoria espiritual e a prata a compreensão espiritual; o
diamante, a pedra mais preciosa, simboliza a essência espiritual do universo
e sua expressão no homem como coragem intrépida e vontade indomável (a
pedra mais dura que risca todas as outras); a safira representa a sabedoria.[2]
Para encetar a viagem o jovem deve retirar sua veste real e seu manto
de púrpura. Temos aqui a descrição do processo involutivo, a penosa descida
do espírito à matéria. A alegoria da retirada das vestes espirituais
refere-se à desativação dos poderes espirituais no espírito encarnante que
deve recobrir-se com roupagens cada vez mais grosseiras, culminando na colocação
de vestes que, por suas vibrações pesadas, são consideradas como impuras, o
corpo astral e o físico.
Segue-se, então, o curioso pacto feito por seus pais, que é gravado
no coração do peregrino, no âmago de seu ser, para que nunca mais possa ser
esquecido. Esse pacto simboliza a missão do homem no mundo, que encerra a
promessa de seu retorno triunfal às glórias celestiais. O conhecimento
interior desse pacto explica a insatisfação latente que aflora no homem em
determinados momentos, quando experimenta um sentimento de carência, uma
saudade inexplicável que o persegue, até que entende que as coisas externas
deste mundo não atendem aos profundos anseios da alma. Começa, então, a
busca do verdadeiro tesouro, quando se dá a compreensão de que vivemos em
desterro neste mundo distante.
O pacto envolve a ida ao Egito, onde deverá recuperar a pérola
preciosa que se encontra escondida no meio do mar, guardada pelas forças da
matéria, simbolizadas pela terrível serpente. Essa pérola representa a gnosis,
termo grego que significa conhecimento, porém não um conhecimento qualquer,
mas o conhecimento último da Realidade, que é vivencial e não
meramente intelectual.
O mar é o símbolo tradicional do plano emocional, onde se produzem as
paixões e os desejos. A serpente, sobre a qual quase nada é dito no Hino,
simboliza a tremenda força telúrica que, como desejo sexual, é a força da
procriação, mas que quando sublimada e dirigida para o alto torna-se o poder
da criação espiritual. Insinuada como um monstro terrível, a serpente é na
verdade o fogo serpentino, chamado no oriente de kundalini,
que deve ser despertada e elevada cuidadosamente até o centro da cabeça,
onde se encontra com a força espiritual que desce pelo chacra
coronário para conferir a iluminação ou gnosis,
simbolizada pela pérola.
O curioso é que o prêmio por
essa realização extremamente difícil é o retorno ao estado inicial. Em
paralelo com outras tradições, percebe-se aqui que os universos passam por
infindáveis ciclos de manifestação e retração. Em cada ciclo a consciência
divina desce progressivamente à matéria, num processo de involução,
seguido por uma etapa evolutiva em que vai se sutilizando, desprendendo-se
progressivamente do jugo da matéria, até manifestar plenamente sua natureza
divina original.
O nobre filho parte do Oriente, da terra da luz, acompanhado de dois
guias. Esses, são provavelmente
aqueles seres divinos chamados de Arcanjos, Elohim ou Sefirotes cuja missão
é facilitar a descida da emanação das Mônadas dos planos da plenitude
celestial até o corpo físico.
Segue-se um relato da passagem do jovem por diferentes lugares. A
denominação desses locais deve corresponder à realidade histórico-geográfica
da época em que o hino foi escrito e vela o seu significado interno.
Atravessar as fronteiras de Maishan significa a passagem da alma pelos limites
do mundo celestial, ou a ponte entre o mundo espiritual e o material, chamada
no oriente de anthakarana, e na
Cabala referida como a sephira
Tiphereth. É nesta esfera que
os seres de luz se ?misturam? com os seres materiais, o lugar de encontro
dos mercadores orientais. Esse local, ou melhor dito, plano de consciência,
parece simbolizar o ponto de transição entre a mente superior e a inferior,
onde os conceitos abstratos são cambiados por conceitos concretos utilizados
neste mundo. Chegam, então, à Terra de Babel, que tradicionalmente expressa
a confusão dos sons, ou seja, das vibrações do plano dos desejos, das emoções
e das paixões. Entram pelas
muralhas de Sarbug, também referida como o Labirinto, simbolizando os
inextricáveis meandros da Providência, que determina o destino dos homens,
provavelmente uma alusão ao plano etérico em que uma complexa rede de ligações
energéticas determina a conformação e as tendências dos corpos humanos. Ao
chegarem ao Egito, símbolo do corpo físico, seus acompanhantes, tendo
cumprido sua missão, retornam a seu mundo de origem.
Nosso aventureiro estabelece-se numa hospedaria, ou seja, no corpo físico
em que veio ao mundo (para os gnósticos, o corpo humano era considerado como
uma hospedaria da alma, expressando a idéia da impermanência). Ele parece um
estranho aos seus companheiros, pois, enquanto o peregrino estiver consciente
de sua missão divina, apesar de estar vestido como os egípcios (encarnado),
será de alguma forma diferente dos outros, na medida em que seu comportamento
e suas motivações estarão pautados por interesses que não são deste
mundo. O viajante, porém, alia-se a um ?homem livre, filho de nobres da
terra da Alvorada?. Esse, ?jovem formoso e bem favorecido,? representa o
guia, ou instrutor espiritual, que sempre aparece quando o peregrino está em
busca do supremo tesouro, e sua orientação e ajuda são inestimáveis para
que o buscador possa realizar sua missão.
O nobre amigo do nosso herói aconselha-o a não se misturar com os
impuros. Os egípcios, porém, com suas artimanhas, apresentam-se ao viajante
e oferecem-lhe seus alimentos. No caso, mais do que alimentos físicos,
trata-se de alimentos para as emoções e as paixões, para o orgulho e a ambição,
que mantêm a mente constantemente direcionada para atividades ligadas às
coisas deste mundo. Com isso, o filho do Rei esquece-se de sua missão e
torna-se súdito do rei local, ou seja, passa a atender aos interesses
materiais, mergulhando num profundo esquecimento das coisas espirituais.
Seus Pais percebiam tudo o que se passava e ficaram ansiosos. A
ansiedade dos Pais é um véu, pois sabiam desde o início a natureza difícil
da missão de seu filho e o longo tempo que deveria durar. Porém, chegado o
momento apropriado na longa jornada da alma, que só a providência divina
conhece, a corte divina envia uma mensagem em que cada membro da hierarquia
celeste assina seu nome. Assinar o nome significa colocar seus poderes à
disposição do destinatário.
A carta lembra uma referência similar existente no livro Voz do Silêncio,[3]
onde é dito que o guia é a voz interior, a expressão da consciência
divina, que só pode ser percebido quando há total silêncio interior e,
portanto, quando o indivíduo não mais está voltado para as coisas do mundo.
A carta voa como uma águia e, ao pousar ao lado do destinatário,
transforma-se num discurso. A águia, a ave mais poderosa que voa em direção
ao sol (o Logos) e desce para tomar pequenos quadrúpedes como presa (a
personalidade quaternária), simboliza a natureza divina no homem que é
enviada como mensageiro ao peregrino na terra distante. A águia representa o
Cristo interior, a intuição espiritual, que ao pousar traz a verdade
espiritual para o plano da mente concreta. Esse é um lindo simbolismo para a
mensagem enviada pelo Pai e a corte celestial que, na realidade, já se
encontra no interior da alma, no âmago do ser. O vôo representa a elevação
de consciência que permite a percepção do mundo sutil além dos interesses
mundanos.
A graça divina permite que o atribulado aventureiro possa ouvir a voz
do silêncio, a mensagem da carta, e assim ele se levanta, despertando de seu
sono profundo. O buscador regozija-se com a dádiva recebida, a lembrança de
sua verdadeira natureza, e agradece a seus Pais, beijando a carta, ou seja,
absorvendo a mensagem de seu Eu Superior à sua consciência usual. O beijo é
usado com freqüência na linguagem sagrada para expressar a união, nesse
caso a união da consciência superior (a mensagem do plano intuitivo
simbolizado pela águia) com a consciência inferior (o jovem peregrino). O
viajante percebe, então, que a carta já estava escrita em seu coração
desde o princípio. Ela é a mensagem da Vida Una, que reverbera nos planos
sutis desde o princípio da manifestação. Essa idéia é também expressa
por Paulo: ?Nossa carta sois vós,
carta escrita em nossos corações, reconhecida e lida por todos os homens.
Evidentemente, pois, uma carta de Cristo, entregue ao nosso ministério,
escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de
pedra, mas em tábuas de carne, nos corações!?
(II Cor 3, 2-3)
Ao receber a mensagem da carta, o buscador desperta e parte para
cumprir sua missão. A estória não dá maiores detalhes sobre como é obtido
o tesouro, além da informação de que o jovem começou ?a
cativar a serpente, encantando-a para dormir, cantando para ela o nome de seu
Pai?. Está implícito o poder dos nomes sagrados da divindade, usados
na Cabala como mantras. O peregrino invoca o nome do Pai, da Mãe e de toda a
hierarquia celestial, mobilizando toda a força divina dos Arcanjos para
despertar e utilizar os tremendos poderes da serpente adormecida, a kundalini,
elevando-a até a cabeça onde ocorre a iluminação libertadora, a gnosis,
simbolizada pela pérola. Esse processo tem um estreito paralelo com a Cabala,
em que a consciência é elevada pelo pilar central, usando a força
armazenada na base, na sephira Yesod,
valendo-se então da intermediação do redentor
Tipheret, para finalmente alcançar
a sephira oculta, Daath, que significa Conhecimento, ou seja, gnosis.
Uma vez
obtida a pérola preciosa, o peregrino está livre do Egito e parte em direção
à casa do Pai, deixando para trás as vestimentas impuras. Isso parece
indicar que, tendo obtido a iluminação, o buscador liberta-se do mundo da
matéria e, simbolicamente, descarta seus corpos grosseiros. Caso deseje mais
tarde voltar numa missão de misericórdia para ajudar outros buscadores
adormecidos no Egito, poderá adquirir veículos, ou vestimentas, apropriados
para esse tipo especial de missão que, apesar de serem idênticos aos usados
pelos moradores da terra, não são sujos nem impuros, pois foram
especialmente confeccionados para o nobre, agora um Mestre de Compaixão e
Sabedoria.
Nosso herói retorna pelo caminho pelo qual viera.
A direção do oriente simboliza a direção de onde vem a luz,
portanto, a alma dirige-se para as alturas espirituais, o que também
significa, voltar-se para o seu interior.
Ocorre agora uma aparente contradição. O herói encontra, no caminho
diante de si, a mensagem que o havia despertado. É como se houvesse um
segundo encontro com a mensagem. Como o herói está liberto das limitações
do corpo físico, agora pode perceber o que se encontra no recôndito de seu
ser. A expansão de consciência, que inicialmente despertou a sua audição
sutil, agora desperta também a sua visão espiritual. Essa parece ser a tendência
da maior parte dos aspirantes na Senda, primeiramente a audição espiritual
é desperta e só mais tarde a visão. Segue adiante, portanto, reconfortado
pela voz amorosa do mestre interior e por visões diáfanas das vestes reais
do mundo celestial. A Voz é o aspecto feminino de poder, e a Luz, o
masculino, que guia, controla e ordena. A
Voz e a Luz também podem ser interpretadas como sendo a Verdade Eterna, como
nas Odes de Salomão.[4]
Ele vê as vestes mas ainda não pode vesti-las, pois não entrou no mundo da
luz.
A crescente expansão de consciência que nosso nobre experimenta é
descrita como uma viagem. Assim, é dito que ele deixa para trás o Labirinto
e a Terra de Babel, chegando a Maishan, o lugar de intercâmbio entre os
mundos espiritual e material. Uma
vez transposto esse limite, expresso como ?a costa? onde se localiza a
Maisham simbólica, aparecem os distribuidores do tesouro portando a Veste de
Glória que havia sido deixada na casa do Pai.
Mais uma surpresa: a veste se parece como a imagem dele mesmo.[5]
O reencontro consigo mesmo, o reconhecimento de sua imagem primordial e a união
com ela significam o verdadeiro momento da salvação.
O fato de a veste parecer-se com seu dono é de grande importância em
todas as tradições esotéricas. O conhecimento de nossa verdadeira natureza
só pode ser realmente obtido através da gnosis,
quando então percebemos todas as implicações de sermos a centelha divina
interior, unos com o Pai e, portanto, com todos os seres.
Os tesoureiros apresentam-se como dois seres com uma única forma,
representando a verdade oculta de que, no mundo da manifestação, toda
unidade apresenta-se de forma dual. Cada ser de luz é completo trazendo em si
os dois aspectos da totalidade, masculino e feminino, força e forma. Os dois
tesoureiros também representam o Mestre instrutor, que até então havia
guiado ocultamente o jovem nobre, e o Grande Hierofante que concede a Iniciação,
ou seja, a Veste de Luz que simboliza a iluminação suprema.
Os fiéis depositários dos tesouros do Rei finalmente entregam a
recompensa prometida ao herói, a veste gloriosa. A veste cravejada de jóias,
os tesouros espirituais, tem estampada a Imagem do Rei dos Reis, ou seja, é
uma expressão do Supremo. Ele, então, percebe que ?movimentos
de gnosis abundavam em toda a
extensão (da veste) que estava se preparando como que para falar.? A
consciência da unidade faz com que a gnosis
suprema seja concedida, desvelando a verdade sobre todas as coisas diretamente
à mente.
Pelas palavras da veste fica
claro que o conquistador recebeu a iniciação final que o torna um
super-homem, um Mestre de Compaixão e Sabedoria. Isso é confirmado pelo
Nobre que diz: ?E percebi em mim como minha estatura aumentava com sua
atividade.?
O próximo passo é a cerimônia de posse da veste, que simboliza o grande esplendor que deve ser a cerimônia de iniciação de um Mestre. A beleza colorida da veste e o manto de cores resplandecentes expressam o fato de que ao tornar-se Uno com o Todo, o Adepto tem a seu alcance os poderes dos sete raios, simbolizados pela profusão de cores. Finalmente o vencedor coloca a veste de luz e o manto de poder, ascende ao ?Portal das Boas Vindas e da Reverência?, onde inclina-se e presta homenagem à glória do Pai. Esse o recebe com alegria, da mesma forma como o Pai agiu na parábola do filho pródigo, e todos os súditos do Reino participam das comemorações, pois mais um Filho de Deus, ou um raio do Sol Espiritual, retornou à fonte depois de cumprida sua missão.
[1]
A versão aqui apresentado é uma tradução cotejada dos textos dos
livros The Gnostic Religion, de
Hans Jonas, The Other Bible, de
Willis Barnstone, The Hymn of the
Robe of Glory, de G.R.S. Mead e
The Gnostic Scriptures, de
Bentley Layton. As diferenças
existentes entre as versões em inglês desses quatro autores explicam-se,
em parte, pelo fato de existirem originais em grego e siríaco, que
apresentam algumas diferenças. Os comentários são uma adaptação de um
artigo de nossa autoria intitulado O
Hino da Veste de Glória ou Hino da Pérola, publicado em TheoSophia,
de julho de 1997.
[2]
Vide Geoffrey Hodson, The Hidden
Wisdom in the Holy Bible, vol. I, pg. 181/183.
[3]
H.P. Blavatsky, A Voz do Silêncio,
( Editora Pensamento)
[4]
?Ascendi à luz como se na
carruagem da Verdade, a Verdade guiava e me levava.
Ela me carregou sobre golfos e abismos e me agüentou na subida de
gargantas e vales. Ela
tornou-se para mim um porto de salvação e colocou-me nos braços da vida
eterna.? (Ode 38, 1-3)
[5]
A idéia de que a Veste é sua imagem também foi expressa por
Paulo: ?E nós todos que, com a
face descoberta, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos
transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação
do Senhor, que é Espírito.? (II Cor 3,18)
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