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O PODER TRANSFORMADOR
DO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Raul Branco


4. PRIMEIRA ETAPA: A VIDA ÉTICA

 

Estabelecendo a fundação

A ética é geralmente confundida com a moral, e por boas razões, pois até mesmo os especialistas de filosofia moral não estão inteiramente de acordo sobre a repartição do sentido entre os dois termos: moral e ética.[19] A maior parte dos filósofos, porém, sugere que ética, do grego ethos, é a morada social do homem, a estrutura de seu comportamento social construída ao longo do tempo. Ético é tudo o que ajuda a tornar mais harmonioso o ambiente humano em suas dimensões material, psicológica e espiritual. Moral, do latim mores, expressa as tradições e costumes de um povo, com seu sistema de valores. Cada cultura tem seu código moral. A moral deve ajustar-se, com o passar do tempo, às mudanças de valor da sociedade, para renovar-se em sintonia com a mais alta ética.

A construção da ética superior deve começar necessariamente por sua fundação. Para ser sólida, a fundação deve estar sobre a rocha, sempre que possível. Num sentido figurativo, a rocha sólida que constitui a base dos ensinamentos do Mestre deve, necessariamente, representar algum fundamento, alguma lei básica e imutável que tudo governa no mundo e cuja função seja promover o retorno à harmonia da vida no mundo. Qual seria esse fundamento de seu ministério? Podemos identificar alguma lei ou princípio harmonizador que está por trás de todos os fenômenos físicos, químicos, biológicos, psicológicos e espirituais?

Se procurarmos atentamente na Bíblia e em outros textos inspirados da tradição cristã, vamos verificar que essa lei que está por trás de todos os fenômenos no mundo é a lei de causa e efeito. No oriente ela é chamada de lei do carma, e ocupa um lugar central em todos os ensinamentos espirituais. A lei da causação universal, como é também chamada, é conseqüência natural da unidade de tudo o que existe no mundo, pois, se tudo vem de Deus e tem um papel no Plano Divino, tudo deve estar intimamente ligado e inter-relacionado. Para entendermos a unidade da vida, podemos considerar a Terra como um gigantesco organismo vivo do qual somos células, ignorantes de nossa unidade e interdependência como as células do corpo humano. Mas a ignorância da interdependência celular não isenta cada unidade da responsabilidade pelo cumprimento de seus deveres no conjunto do organismo. As falhas de uma unidade são sentidas pelo organismo como um todo e, conseqüentemente, afetam na mesma medida a célula que iniciou o movimento perturbador.

Em todos os planos e todas as áreas de nosso mundo, os efeitos seguem suas causas e, no devido tempo, retornam à sua fonte. Os cientistas identificaram essa lei que rege a natureza física, enunciada pela primeira vez em 1682, pelo físico Isaac Newton, sendo conhecida como a terceira lei de Newton: ?A toda ação corresponde uma reação igual em sentido contrário.? Por essa razão, a natureza na Terra, os planetas e as estrelas são também regidos pela inexorável lei da causação universal. Visto sob outro ângulo, a lei de causa e efeito é o inter-relacionamento de tudo o que existe no mundo. Esse inter-relacionamento sempre existiu, não tendo começo nem fim.

A lei de causa e efeito é particularmente importante na vida do homem. Tudo está regido por ela. Se comermos em demasia (a causa), sentiremos dor de barriga ou engordaremos (o efeito). Se pisarmos num caco de vidro andando descalços iremos cortar o pé e sentir dor. Mas as relações de causa e efeito não se limitam aos aspectos físicos de nossa vida. Os aspectos morais e psicológicos de nossa interação com o mundo também são regidos pela lei de retribuição universal. Os mandamentos de todas as religiões, instando o homem a não fazer o mal a seus semelhantes, são expressões naturais da ?lei.? A lei de retribuição fará com que a conseqüência do mal que causamos aos outros seja experimentada por nós, mais cedo ou mais tarde. O mesmo ocorre com o bem que fazemos: fazer o bem aos outros é semearmos felicidade para nós. Nesse sentido, a lei de retribuição universal poderia ser considerada, de forma simplificada, como um boomerang cósmico: tudo retorna ao seu ponto de origem, com a mesma natureza e intensidade.

Obviamente, Jesus deu uma posição de destaque para a operação da lei de causa e efeito em seu ministério, como se comprova em diversas passagens dos evangelhos. Uma dessas passagens relacionada à lei da causação universal, é muitas vezes entendida como se referindo à lei mosaica: ?Porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da lei, sem que tudo seja realizado? (Mt 5:18). Como a lei mosaica, além da revelação dos dez mandamentos recebidos de Jeová no Monte Sinai, havia incorporado um grande número de preceitos tradicionais do povo judeu, Jesus não iria afirmar que essas leis dos homens, mutáveis como são, jamais seriam alteradas ou omitidas, até que se passem o céu e a terra. No entanto, a lei de causa e efeito, sendo uma lei cósmica que rege toda manifestação, é eterna e imutável. Tudo será realizado, ou seja, todos efeitos serão experimentados por seu causador. O fato de a lei mosaica incorporar vários costumes judaicos que não foram prescritos por Jeová é tornado explícito nos evangelhos, como por exemplo: ?Sabeis muito bem desprezar o mandamento de Deus para observar a vossa tradição? (Mc 7:9); ?E vós, por que violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?? (Mt 15:3).

Em Mateus encontramos várias passagens relacionadas à justiça divina, dentre as quais destacamos: ?Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu irmão ?cretino? estará sujeito ao julgamento do sinédrio; aquele que lhe chamar ?louco? terá de responder na geena de fogo? (Mt 5:22). ?Não julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos? (Mt 7:1-2). ?Eu vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão contas no dia do julgamento? (Mt 12:36). Na primeira passagem, as referências ao tribunal, ao sinédrio e à geena de fogo são alegorias que usam a linguagem e as instituições do povo hebreu naquela época para caracterizar a operação da justiça divina, tanto neste mundo como no outro (a geena de fogo dos judeus, por exemplo, tornou-se mais tarde o inferno dos cristãos). No caso do alerta contra nosso costume de julgar os outros, a lei do retorno é tornada clara: não julgueis para não serdes julgados. Também é mencionado que a retribuição será feita na mesma natureza e intensidade da ação inicial: com a medida com que medis sereis medidos. Jesus deixa claro que absolutamente nada escapa à lei, pois não só as palavras injuriosas serão objeto de retribuição da lei, mas até mesmo toda palavra inútil.

Uma das mais claras formulações da lei do retorno na Bíblia é feita por Paulo: ?Não vos iludais: de Deus não se zomba. O que o homem semear, isso colherá: quem semear na sua carne, na carne colherá corrupção; quem semear no espírito, do espírito colherá a vida eterna. Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo, colheremos? (Gl 6:7-9). Paulo chama atenção para o fato de que não há um limite temporal para colhermos o que plantamos. Ainda que a justiça divina possa tardar, de acordo com a nossa perspectiva temporal terrena, chegará o momento em que receberemos a justa medida de nossas boas ações e de nossos erros.

Em muitas tradições religiosas, inclusive na judaico-cristã, a lei de causa e efeito é geralmente chamada de justiça divina. Essa terminologia tende a levar o cristão a conceber o carma não como a operação de uma lei universal impessoal, mas como a retribuição a ser efetuada por uma divindade pessoal. Uma conseqüência desse entendimento distorcido da operação da justiça universal, como sendo efetuada pessoalmente por Deus, é a tendência natural de muitos devotos de procurarem fazer propiciações a Deus, com orações e intermináveis promessas para mudar as conseqüências de suas ações passadas sempre que a pesada, ainda que justa, mão da lei do carma faz-se sentir em suas vidas. Esse entendimento desvirtuado da lei dificulta o amadurecimento dos indivíduos.

Um empecilho adicional para o amadurecimento do devoto é o entendimento literal, portanto distorcido, de algumas passagens bíblicas, como por exemplo: ?Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá? (Mt 7:7-8). Muitos invertem a relação Deus/homem, achando que Deus é um servo do homem, sempre a disposição para lhes conceder tudo o que venha a desejar. Na verdade, esse trecho deve ser entendido em conexão com a passagem em João: ?Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós o tereis? (Jo 15:4-5). O requisito explícito para obtermos de Deus tudo o que quisermos é permanecermos nele, é estarmos em sintonia com Sua Vontade. Para isso suas palavras devem permanecer em nós, ou seja, nossa vida deve ser guiada por Seus ensinamentos e Seu exemplo de vida aqui na Terra. Quando isso ocorre, transcendemos nossa natureza humana egoísta e tornamo-nos instrumentos perfeitos para a expressão da Vontade Divina neste mundo. Nesse caso, com toda razão, tudo o que o dedicado servo pedir a seu Senhor lhe será concedido. É nesse sentido também, que todo devoto sinceramente voltado para a busca da verdade, ao bater simbolicamente à porta do Mestre interior, vai verificar que ela será aberta, pois o fato de buscar já assegura o sucesso da obra, no seu devido tempo. Conseqüentemente, os pedidos de luz e de ajuda para encontrar forças para vencer as provações sempre serão atendidos, o que é bem diferente da expectativa de muitos fiéis de que Deus venha a alterar nossas contas pendentes com a justiça universal.

O ser humano foi colocado por Deus na escola da vida provido de discernimento e de livre-arbítrio para efetuar seu aprendizado, como indicado por Paulo: ?Discerni tudo e ficai com o que é bom? (1 Ts 5:21). Para isso ele deve assumir a responsabilidade por seus atos. Conseqüentemente deve estar preparado para colher a conseqüência de suas ações. Somente quando o homem torna-se inteiramente consciente da responsabilidade última por sua vida é que passa a vigiar suas ações, palavras e pensamentos. Quando isso ocorre, ele passa a construir sua vida de forma responsável e inteligente; a partir de então estará fazendo rápido progresso rumo ao Reino dos Céus.

 

A lei: garantia da justiça divina e da perfeição do homem

Alguns dos ouvintes de Jesus devem ter ponderado, como muitos cristãos nos dias de hoje, que a justiça divina não era certa, ou que pelo menos era demasiada lenta, para que Jesus dissesse: ?E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve? (Lc 18:7-8). Ainda que a justiça divina possa tardar no conceito temporal dos homens, que gostariam de ver uma retribuição quase que instantânea, ela chegará impreterivelmente. O efeito deve seguir a causa, assim como o dia segue a noite, porque a lei transcende o tempo e o espaço. A justiça sempre será feita no seu devido tempo. Aparentemente, no entanto, alguns homens desonestos, corruptos e cruéis parecem escapar da justiça dos homens e da de Deus durante toda a vida. Ainda que isso possa realmente ocorrer em alguns casos, um outro fato assegura que, no seu devido tempo, a justiça será feita. Esse fato é a reencarnação, uma realidade conhecida e aceita pela maior parte dos povos antigos, inclusive pelos judeus.

Dentre as diferentes seitas judaicas, somente os saduceus não acreditavam na reencarnação. Os fariseus, essênios e cabalistas aceitavam a reencarnação, geralmente referida como ressurreição. De acordo com o historiador judeu Flávio Josefo (37-103 d.C.), em sua obra História dos Hebreus, os fariseus tinham uma crença um tanto curiosa, pois, para eles as almas imortais eram julgadas após a morte do corpo físico, sendo recompensadas ou castigadas segundo foram em sua vida terrena. Segundo eles, as almas dos ímpios eram retidas prisioneiras nesse outro mundo, enquanto as almas dos justos voltavam à terra para progredir rumo à perfeição.

O termo bíblico usado para referir-se à reencarnação é ?ressurreição?. Para os judeus, a palavra ressurreição pode ser entendida como ressurgir, regressar ou levantar-se do lugar onde se estava deitado, retornar ao ponto de partida. Na Septuaginta (Antigo Testamento traduzido para o grego) e no Novo Testamento, o termo grego usado é palingenesia (palis = de novo; gênesis = nascimento). Os cristãos ortodoxos que acreditam na ?ressurreição da carne? deveriam ponderar como sua crença se conforma com o ensinamento de Paulo de que ?a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorruptibilidade? (1 Co 15:50), ensinamento também registrado por João: ?O Espírito é que vivifica, a carne para nada serve? (Jo 6:63).

O ser humano não é seu corpo físico. Esse corpo é apenas sua roupagem de carne, o instrumento de experimentação no mundo físico usado pelo verdadeiro homem, a alma. Essa roupagem física é usada pela alma até que venha a ser descartada, como faz o homem com suas roupas estragadas ou velhas e sem utilidade. O homem, à semelhança das plantas sazonais, nasce, cresce e, ao fim da estação, morre, para renascer no ciclo seguinte da semente que deixou para trás. Esse é o sentido do carma, a vida continua e nada é jamais perdido na vida do ser humano. É por isso que Paulo dizia: ?Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo, colheremos? (Gl 6:9). A lei não tem nenhuma limitação temporal. Se as circunstâncias da vida não permitirem que venhamos a colher os frutos de nossas boas ações ou pagar o preço de nossos erros na atual encarnação, todas essas ações, positivas e negativas, permanecerão registradas no arquivo divino indelével, para serem relembradas e recompensadas na ocasião propícia, ainda que isso possa demandar várias encarnações, ou alguns milhares de anos.

Essas verdades já eram conhecidas pelos antigos judeus. O salmista contrasta a imutabilidade do Senhor com a constante mudança dos homens: ?Eles perecem, mas tu permaneces, eles todos ficam gastos como roupas, tu os mudarás como veste, eles ficarão mudados, mas tu existes, e teus anos jamais findarão!? (Sl 102:27-28). Os corpos físicos dos homens são apresentados nessa passagem, como na tradição oriental, como vestimentas do espírito que habita no homem, que de tempos em tempos são trocadas. A reencarnação representa a periódica mudança exterior, após a passagem do homem pelo Xeol (o Hades dos hebreus), com a morte do corpo físico.

A reencarnação é um elemento imprescindível no Plano Divino. Nosso ideal último de perfeição registrado pelo próprio Mestre na famosa injunção: ?Deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito? (Mt 5:48), só poderá ser alcançado se tivermos um número considerável de oportunidades para cursar a escola da vida, já que o currículo para graduação na perfeição é extenso e, com freqüência, temos que repetir a mesma matéria várias vezes até aprender aquela virtude com maestria. O eterno processo evolutivo, governado pelas leis dos ciclos e de causa e efeito, fará com que toda alma retorne à escola da vida, por muitas e muitas vezes, para continuar seu progresso, retomando a vida do ponto em que havia alcançado anteriormente, tanto no que se refere a dons desenvolvidos como a fraquezas e vícios. É nesse sentido que o homem é o criador de seu próprio microcosmo, criando as condições que terá que enfrentar no futuro por meio de suas ações, palavras e pensamentos no presente.

A concepção teológica de que Deus nos dá situações inteiramente diferentes na vida, e que mesmo assim todos devem obter o mesmo resultado, ou seja, a perfeição numa única vida, é um atentado à inteligência e ao bom-senso. Procuremos imaginar Deus criando todo o Universo, levando para isso mais de doze bilhões de anos, promovendo um complexo processo evolutivo em nossa Terra, envolvendo periódicos movimentos tectônicos, dramáticas transformações geológicas e progressivas transformações da flora e da fauna por mais de quatro bilhões de anos, para que tivéssemos agora condições excepcionais para a vida humana. Depois de construir laboriosamente esse imenso cenário cósmico, esse Deus sábio, implementando Seu Plano grandioso e complexo com infinita paciência, estabelece para o homem, a obra prima de toda a criação, a meta de alcançar a perfeição. Imaginemos agora, que depois de todo esse imenso e lento trabalho, por razões que escapam ao nosso entendimento, Deus de repente se tornasse impaciente e exigisse que seus filhos alcançassem a perfeição numa única vida, apesar de todas as diferenças de oportunidades que seriam dadas a eles. Poderíamos conceber agora que Deus, movido pela divina compaixão, já que Deus é amor incondicional, condenasse todos seus filhos amados que falhassem nessa dificílima missão a sofrer tormentos excruciantes e inconcebíveis num inferno eterno? Esse Deus só pode ser concebido por mentalidades desinformadas ou até mesmo doentias, que vicejam em indivíduos alienados dos verdadeiros ensinamentos do Mestre de amor.

As diferentes encarnações nada mais são do que a operação da lei dos ciclos, ditada pela necessidade da lei de causa e efeito, para que todos os efeitos sejam experimentados por seu causador original. Se não houvesse reencarnação não seria possível a operação da justiça divina assegurando que a retribuição ocorra sempre na mesma intensidade e natureza da causa original. Alguns teólogos alegam que a justiça divina será realizada depois desta vida, no céu ou no inferno. Mas, como criaram um céu e um inferno eternos, criaram também uma eterna injustiça teológica (não divina), pois nem a intensidade nem a natureza original serão respeitadas nesse céu ou inferno. Ora, se o inferno é eterno, um erro que tivesse resultado num sofrimento de duração limitada para nosso próximo, seria castigado com um sofrimento eterno, o que seria uma intensidade infinitamente maior do que o efeito causado, o que iria contra a justiça divina. Além disso, a natureza do prêmio ou do castigo não seria respeitada, pois esses seriam concedidos num ?lugar? diferente das condições terrenas. Os judeus já sabiam que o castigo no inferno não era eterno, como indicado na passagem: ?O Senhor é compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor; ele não vai disputar perpetuamente e seu rancor não dura para sempre? (SL 103:8-9). A palavra ?disputar? seria mais apropriadamente traduzida como ?repreender?, e ?rancor? como ?ira?. A ira e a repreensão do Senhor referem-se à operação da lei do carma por meio da reencarnação.

O carma e a reencarnação são componentes intimamente ligados da lei dos ciclos, pela qual o grande Plano Divino segue seu curso em nosso planeta. Se a única justiça existente fosse a dos homens, o mundo seria um caos insuportável, regido pela lei da selva que prioriza sempre o mais forte. Mas a justiça divina opera por meio da lei de causa e efeito, sem nenhum limite temporal em virtude das reencarnações periódicas das almas ao longo dos milênios, até que, após incontáveis eras, o Plano Divino seja consumado na harmonia e perfeição do Reino de Deus na Terra, com toda a humanidade fazendo parte da grande Comunhão dos Santos.

Um número crescente de pessoas vem passando por experiências que confirmam, ao menos para elas, terem vivido outras vidas no passado. Em alguns casos essas experiências ocorrem naturalmente, como resultado de uma memória subliminar que permite, geralmente a crianças e jovens que reencarnaram poucos anos depois de sua morte, recordarem-se com grande detalhe de sua vida anterior. Mas a maior fonte de informação tem sido obtida em estados alterados de consciência em que são feitas regressões a vidas passadas. Alguns médicos e sensitivos desenvolveram técnicas que permitem essas regressões com resultados terapêuticos surpreendentes, pois identificam a razão de certos desvios comportamentais possibilitando sua cura.[20]

Dentre os estudiosos da técnica de terapia de vidas passadas destaca-se o Dr. Ian Stevenson, professor de pós-graduação em psiquiatria na Universidade de Virgínia, que constatou mais de oitocentos casos de evidência reencarnacionista. Outro eminente estudioso é o Dr. Brian Weiss, diretor de psiquiatria do Mount Sinai Medical Center de Miami. Apesar de seu ceticismo inicial, o Dr. Weiss verificou que pacientes induzidos a viagens astrais (fora do corpo) relatavam situações contrárias às suas crenças religiosas. No caso desses pesquisadores, as conclusões sobre a realidade da reencarnação foi um corolário da prática de regressão utilizada como instrumento terapêutico, geralmente sob hipnose, para tratamento e cura de diversas patologias e problemas de ordem física, emocional ou comportamental que resistiram a outras terapias convencionais.

Mas, se a reencarnação é uma realidade, duas perguntas precisam ser respondidas: (1) existe alguma menção dela na Bíblia? e (2) por que a Igreja afirma que ela não existe? Essas são perguntas inteiramente pertinentes que merecem ser devidamente exploradas.

A Bíblia contém várias referências à reencarnação, algumas claras e outras veladas. No Antigo Testamento, encontramos a passagem em que Jeová afirma: ?Sou um Deus ciumento, que pune a iniqüidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam meus mandamentos? (Ex 20:5-6). Se essa passagem for tomada em seu sentido literal, estaria descrevendo a ação de um monstro cruel e sanguinário, que, para saciar sua sede de vingança, persegue seus inimigos até a quarta geração. Essa não pode ser de forma alguma a caracterização do Pai celestial. Dois grandes profetas de Israel, Jeremias e Ezequiel, esclareceram que os filhos não pagam pela iniqüidade dos pais e nem os pais pelos erros dos filhos (Je 31:29 e Ez 18:20). Portanto, quando Jeová afirma ser um Deus zeloso que visita a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta gerações, o entendimento literal da passagem é impossível, pois estaria em contradição com os esclarecimentos daqueles profetas e iria contra a justiça e misericórdia divinas.

No seu sentido alegórico, porém, os que odeiam a Jeová são aqueles que não cumprem seus mandamentos. Além disso, Jeová representa a operação impessoal da lei de causa e efeito. A punição ou recompensa concedida (simbolicamente até a quarta ou a milésima geração) refere-se realmente às reencarnações daquela alma, até que a justiça divina tenha sido alcançada, pois para o carma não há limitação temporal. A referência bíblica ao castigo dos filhos do pecador tem uma razão esotérica para isso. Como cada homem é o criador de sua própria vida, por meio da lei de causa e efeito, sua futura encarnação pode apropriadamente ser concebida como sendo seu ?filho?. A vida continua sempre! As tendências observadas em cada pessoa são expressões das tendências adquiridas em vidas passadas. Tudo tem sua origem no tempo e no espaço.

Temos no Antigo Testamento, no Livro da Sabedoria de Salomão, uma das passagens mais claras e explícitas sobre a realidade da reencarnação como era entendida e aceita pelos judeus: ?Eu era um jovem de boas qualidades, coubera-me, por sorte, uma boa alma; ou antes, sendo bom, entrara num corpo sem mancha? (Sb 8-19-20). De acordo com a atual doutrina da Igreja, Deus cria uma alma nova por ocasião da geração de cada ser humano, entendido como o corpo físico. Se essa doutrina fosse a expressão da realidade, como a pessoa que ainda estava em gestação, ou em processo de nascimento, já poderia ser caracterizada como tendo boas qualidades para então merecer uma boa alma? Como seria possível, na segunda parte da passagem, que a pessoa fosse caracterizada como sendo boa, para então entrar num corpo sem mancha, a não ser que já tivesse vivido antes?

Outra alusão à reencarnação é encontrada em Jeremias, quando o Senhor dirige-se a ele dizendo: ?Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei, Eu te constituí profeta para as nações? (Je 1:5). Se Jeremias já era conhecido do Senhor antes da concepção, então a doutrina da Igreja que a alma é criada por Deus no momento da concepção é falsa. Jeremias foi escolhido para ser profeta em virtude de suas realizações em outras vidas, que o tornaram capacitado para uma nova missão, importante e difícil.

Talvez a mais direta passagem bíblica sobre a reencarnação seja aquela referente à vinda de Elias (profeta judeu que, no século IX a.C., foi elevado ao céu num carro de fogo e que deveria retornar, no seu devido tempo como precursor do Messias) referida por Malaquias (Ml 3:23-24) como aquele que viria para preparar o caminho do Senhor: ?Eis que vos enviarei Elias, o profeta, antes que chegue o Dia do Senhor, grande e terrível.? A promessa de Jeová deixa claro que a reencarnação era conhecida e aceita pelos judeus, para que Elias fosse enviado à Terra mais uma vez, obviamente com um novo corpo físico e uma nova personalidade, nesse caso como João Batista. Uma promessa divina dessa monta só seria feita para um propósito muito específico e importante: ?Eis que vou enviar o meu mensageiro para que prepare um caminho diante de mim? (Ml 3:1).

A realização da promessa de Jeová é finalmente anunciada a Zacarias, sacerdote do Templo, por um anjo do Senhor, dizendo que sua mulher, Isabel, iria lhe dar um filho (Lc 1:12), apesar de ambos serem bem idosos. O anjo anuncia, ademais, que esse filho iria converter muitos dos filhos de Israel ao Senhor: ?Ele caminhará à sua frente, com o espírito e o poder de Elias? (Lc 1:17). Na seqüência dessas profecias, Jesus confirma que João Batista era a reencarnação de Elias. ?Os discípulos perguntaram-lhe: ?Por que razão os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro?? Respondeu-lhes Jesus: ?Certamente Elias terá de vir para restaurar tudo. Eu vos digo, porém, que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do homem irá sofrer da parte deles.? Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista? (Mt 17:10-13).

Numa outra ocasião, Jesus perguntou a seus discípulos: ?Quem dizem os homens ser o Filho do homem? Disseram:?Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros ainda, que é Jeremias ou um dos profetas?? (Mt 16:13-14). Nenhuma das respostas aventou a possibilidade de Jesus ser o Filho de Deus, mas sim um dos grandes profetas da antiguidade, mostrando que a crença na reencarnação era comum naquele tempo e que Jesus era tido como um grande mestre mas não como um ser divino. Também não existe nenhuma indicação de que Jesus teria condenado ou procurado corrigir a opinião das pessoas, deixando entender que ele poderia ser a reencarnação de um dos profetas. Como instrutor da verdade, se a reencarnação fosse uma doutrina falsa, Jesus certamente teria aproveitado a oportunidade para corrigir esse erro.

Várias outras passagens indicam a aceitação da reencarnação (Lc 1:13-17; Mt 17:9-13; Jo 3:1-15; Mc 8:27-30, Lc 9:18-20), porém, como essa era uma doutrina corrente, Jesus geralmente referia-se a ela de forma indireta, sabendo que o povo entenderia seu significado. Um caso em pauta é a história do cego de nascença: ?Ao passar, ele viu um homem, cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram: ?Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?? Jesus respondeu: ?Nem ele nem seus pais pecaram, mas é para que nele sejam manifestadas as obras de Deus?? (Jo 9:1-3). Jesus, para quem o passado e o futuro eram como um livro aberto, respondeu que nem aquele homem nem seus pais haviam pecado para que a retribuição cármica se fizesse sentir nele. A afirmação de que a cegueira era para que se manifestassem as obras de Deus deve ser entendida como a expressão inexorável da lei de retribuição, que pode tardar, mas que será sentida no seu devido tempo, na mesma vida ou numa outra encarnação. Obviamente, o bebê não poderia ter cometido um pecado grave no útero da mãe para merecer nascer cego. A manifestação das obras de Deus, referida por Jesus, foi uma forma velada de afirmar simbolicamente que a justiça divina estava se manifestando naquele ser desde seu nascimento, o que só poderia ocorrer se o pecado tivesse sido cometido numa encarnação anterior. E o povo entendeu perfeitamente, pois não houve perguntas adicionais.

A parábola dos talentos (Mt 25:14-30) é mais um exemplo bíblico da operação da lei do carma no contexto de diferentes encarnações. Sua interpretação literal levaria o cristão a acreditar que Deus é parcial e arbitrário, pois não distribui igualmente seus bens, os talentos mencionados na parábola, aos seus servos. Para uma interpretação espiritual da parábola, precisamos, em primeiro lugar, ter em mente que a divindade (o senhor da história), ainda que apresentada como uma entidade pessoal, na verdade representa a operação das leis universais impessoais que regem a manifestação de nosso mundo. Portanto, ?o senhor? está sendo perfeitamente justo ao entregar a cada um dos três servos quantias diferentes: cinco, dois e um talento, ?a cada um de acordo com a sua capacidade.? Em cada encarnação, cada ser humano recebe sua bagagem cármica estritamente de acordo com sua capacidade, ou seja, de acordo com os méritos acumulados em vidas anteriores. Se o processo evolutivo não funcionasse dessa forma, fica difícil explicar como surgem os gênios da humanidade (das artes, da matemática, das ciências etc.), que desde criança demonstram talentos excepcionais, que não podem ser explicados meramente em função do ambiente em que vivem. Esses dons extraordinários das crianças-prodígio só podem ser explicados pela reencarnação, pois, em cada vida, o ser humano continua seu processo evolutivo do ponto em que havia chegado em sua encarnação anterior. Por exemplo, Mozart compôs aos 5 anos uma sinfonia e aos 11, duas óperas; Beethoven era um músico de talento aos 10 anos; Paganini, o maior violinista que existiu, deu, aos 9 anos, um notável concerto em Gênova; Lizst, deu aos 9 anos seu primeiro concerto e aos 14 compôs uma ópera; Michelangelo, aos 8 anos conhecia todos os segredos da arte; William Sidis, aos 2 anos lia e escrevia, aos 4 falava 4 línguas, aos 10 resolvia os mais complexos problemas de geometria, fazendo uma conferência notável sobre a Quarta Dimensão.

Mas, como Jesus já tinha alertado em outra ocasião, ?Àquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado? (Lc 12:48). A grande lei espera que cada um de nós retorne à família humana ou mesmo à natureza os benefícios recebidos e de acordo com o que lhe foi concedido. Para aqueles que dão o seu devido retorno, a lei, que é a expressão de Deus, concederá o prêmio de receber, na próxima encarnação, os dons e qualidades desenvolvidos até então, bem como maiores oportunidades, para que possam continuar a atuar na seara do Senhor com responsabilidades cada vez maiores. O carma é, portanto, o sustentáculo do processo evolutivo.

Mas, se a reencarnação é mencionada na Bíblia, por que a Igreja não aceita essa verdade reconhecida por todas as outras grandes tradições espirituais? A resposta a esse enigma requer uma incursão nos meandros da política teológica da Igreja durante os primeiros séculos da história do cristianismo.

Paradoxalmente, a condenação da doutrina da reencarnação pela Igreja ocorreu de forma circunstancial e indireta. Ela foi conseqüência de uma solução política desastrada para a controvérsia que perdurou por vários séculos devido ao estabelecimento da doutrina da divindade de Jesus. A definição da natureza divina de Cristo, apesar de estabelecida no Concílio de Nicéia (325 d.C.), continuou a encontrar resistência em muitas correntes de opinião dentro da Igreja, principalmente na Europa, sendo geralmente referida como a questão ariana. Essa controvérsia criou problemas políticos de diferentes naturezas para vários papas e imperadores. O Imperador Justiniano, em particular, tentou em várias ocasiões encontrar uma solução para a disputa. Finalmente, no Segundo Concílio de Constantinopla, convocado pelo próprio Imperador, em 553, apesar do boicote do Papa Virgílio e de grande parte dos bispos ocidentais (somente 165 bispos participaram, sendo 159 da Igreja Oriental), foi reiterada a condenação do ?arianismo,? como queria o Imperador. Essa vitória foi obtida por meio da condenação das doutrinas defendidas por três teólogos mortos há muitos anos, conhecida como a condenação dos escritos dos Três Capítulos. Dentre esses estudiosos estava Orígenes, profundo conhecedor da tradição cristã, respeitado por todos que conheciam suas obras. Como se não bastasse a condenação de seus escritos, Orígenes foi então excomungado quase três séculos após sua morte.[21]

Uma razão adicional para que Orígenes fosse condenado é o fato dele ter feito inimigos dentro da hierarquia clerical ao criticar as alterações efetuadas nas Escrituras. Ele indicou que ocorreram sérios desvios textuais nas cópias das Escrituras, pelo descuido de alguns escribas, pela audácia perversa de certos exegetas e até mesmo por adições ou supressões arbitrárias. Uma triste conseqüência dessa condenação para o cristianismo é o fato de que entre os escritos condenados de Orígenes estava a doutrina da pré-existência da alma, implícita na reencarnação. A partir de então a Igreja sustenta a doutrina ilógica de que com a geração de cada ser humano, subentendido como sendo o corpo mortal, Deus cria uma alma imortal.

Uma importante razão pela qual a Igreja Romana não corrigiu mais tarde a decisão absurda do Segundo Concílio de Constantinopla exigida pelo Imperador Justiniano, foi a prática estabelecida da ?venda de indulgências?, que criou uma considerável fonte de renda para os cofres do Vaticano. Um nobre ou um comerciante abastado que comprasse uma indulgência tinha a sua ?salvação? garantida pelo papa. Ora, se a doutrina da reencarnação fosse re-instituída oficialmente, não seria mais possível a venda das indulgências, pois seria do conhecimento de todos que as almas devem retornar à Terra em novos corpos, em condições determinadas pela lei da retribuição universal, para que a justiça divina fosse cumprida e o indivíduo tivesse a oportunidade de progredir rumo à meta final da vida: a perfeição.

Apesar da reencarnação ser condenada oficialmente pela Igreja, um número crescente de padres e pastores já ousa se manifestar em particular ou mesmo em público no sentido de que a reencarnação é uma realidade e que foi ensinada por Jesus, e como tal aceita pela maioria dos seguidores do Mestre durante os dois primeiros séculos de nossa era. Esperamos que a Igreja, que em anos recentes tem mostrado crescentes sinais de abertura, venha a reconhecer a situação de incoerência a que foi levada pelo ato insensato do Imperador Justiniano, sob protesto do Papa Virgílio, e volte a aceitar essa lei universal ensinada por Jesus, que é tão importante para o nosso entendimento da justiça divina.

 

A regra de ouro

Ainda que o devoto possa estar convencido de que a lei de causa e efeito é de fundamental importância para plasmar sua vida futura, da mesma forma como o presente é a conseqüência de seus atos, palavras e pensamentos no passado, nem sempre fica claro como esse conhecimento pode ser usado de forma prática para orientar sua vida atual. O Divino pedagogo, sabendo das dificuldades usuais da mente humana em traduzir conhecimento geral em ação prática, legou-nos uma norma infalível para orientar nosso comportamento diário. Ela é conhecida na tradição cristã como ?a regra de ouro.?

Entre os maravilhosos ensinamentos do Mestre apresentados no Sermão da Montanha, encontra-se o fundamento da ética superior, o padrão que deve orientar a vida de todo aquele que deseja melhorar sua vida e ser feliz. Essa regra, ainda que aparentemente simples, resume a essência de tudo aquilo que o homem deve fazer para, no seu devido tempo, tornar-se um verdadeiro discípulo: ?Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas? (Mt 7:12). Temos aqui a referência à Lei, a nossa conhecida lei da retribuição, que serviu de fundamento para os ensinamentos dos Profetas. No Antigo Testamento, essa regra foi formulada em sua forma negativa: ?Não faças a ninguém o que não queres que te façam? (Tb 4:15). A norma proposta pelo profeta Tobias reflete o grau evolutivo do povo judeu naquela época. A ênfase do ensinamento divino focava-se em não praticar o mal. Mas, ainda que essa norma seja necessária para a vida do homem em sociedade, para a vida espiritual não é suficiente simplesmente não fazer o mal. O discípulo do Senhor tem que aprender a fazer o bem. Esses dois estágios também foram identificados em outras tradições; por exemplo, o Senhor Buda ao ser solicitado a resumir seus ensinamentos, disse: ?Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem.? Vemos, portanto, que o enfoque proposto por Jesus representa um considerável avanço na formulação da ética superior dentro da tradição judaica.

A orientação para fazermos aos outros o que queremos que os outros nos façam, está fundamentada na lei de causa e efeito, pois nossas ações para com as pessoas que nos cercam resultarão, no seu devido tempo, em ações semelhantes direcionadas a nós. Jesus formula essa regra de ouro de forma eminentemente prática. Sabendo que as pessoas, tanto no tempo em que ele pregou como nos dias de hoje, estão essencialmente voltadas para o cuidado de si mesmas, ele estabelece que o padrão do nosso comportamento para com os outros deve ser exatamente aquele que gostaríamos de receber dos outros. O nosso egoísmo é, nesse caso, usado como um instrumento para nos tornar altruísta.

Em vez de meramente nos instar a evitar as negatividades, o Mestre nos direciona sutilmente para o desenvolvimento das virtudes, pois essas são antídotos naturais contra os vícios e as fraquezas. Portanto, se quisermos que os outros sejam honestos em seus negócios conosco, devemos ser honestos com eles; se quisermos que os outros sejam sinceros conosco, devemos ser verdadeiros com eles; se quisermos que sejam pacientes e compreensivos conosco, devemos ser pacientes e compreensivos com eles; se quisermos que sejam bondosos e amáveis conosco, devemos ser bondosos e amáveis com eles. Temos aí a fórmula simples e prática que almejávamos para guiar nossa vida diária.

Mesmo nas situações mais delicadas de nossa vida, teremos sempre orientação confiável ao seguirmos a regra de ouro. Talvez, um bom exemplo seja o das situações em que julgamos ter sofrido uma injustiça. Alguém fez ou falou algo que nos parece ofensivo. O que gostaríamos que os outros fizessem conosco se a situação fosse invertida? Muitas vezes estamos irritados ou desatentos e não temos realmente o propósito de magoar os outros. Por que não mostrarmos a compreensão e paciência que gostaríamos de receber dos outros quando estamos tensos e irritados?

Lembremo-nos, também, de que não só as ações dos outros podem nos causar sofrimento, mas que, muitas vezes, sofremos pela inação de nosso próximo. A falta de atenção que os outros podem mostrar para com nossos momentos difíceis na vida, o desprezo quando a ajuda é necessária, a desconsideração para com nosso sofrimento ou necessidade óbvia, todas essas omissões também são resolvidas pela regra de ouro. Jesus nos alertou de forma enfática para o pecado da omissão quando disse: ?Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas omitis as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade? (Mt 23:23). Não basta nos preocuparmos com os pequenos detalhes prescritos para a nossa vida diária, devemos estar atentos às coisas mais importantes que se esperam de um verdadeiro cristão: a justiça (até nos pensamentos), a compaixão e a responsabilidade para com nossos deveres e compromissos.

Nossa vigilância deve ir além dos atos e palavras, para incluir também nossos pensamentos. Como gostaríamos que os outros pensassem a nosso respeito: reforçando as negatividades ou fraquezas que por ventura possamos ter e assumindo que temos motivações ou interesses escusos? A mente do homem é a maior fábrica de intrigas que existe no mundo. Ainda que possa parecer que nossos pensamentos estão restritos ao âmbito de nossa cabeça e não atingem as pessoas, isso é um erro. Os pensamentos, como tudo o que ocorre e existe no mundo, são vibrações que se espalham pelo meio ambiente mental, afetando, ainda que de forma sutil, as pessoas a quem se referem. Além disso, o pensamento é a etapa de gestação de uma futura palavra ou ação. Por essa razão Jesus nos ensinou que: ?A boca fala daquilo que o coração está cheio? (Mt 12:34). Por todas essas razões, também devemos pensar a respeito dos outros como gostaríamos que pensassem a nosso respeito.

Porém, um ensinamento só afeta nossa vida quando é colocado em prática. Jesus foi muito enfático sobre esse ponto ao dizer: ?Todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha. Por outro lado, todo aquele que ouve essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado a um homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande sua ruína!? (Mt 7:24-27). A casa representa a natureza exterior do homem. Quer o homem seja sensato ou insensato, as tentações e provações, simbolizadas pela chuva, enxurradas e os ventos, irão minar a resistência da alma. Porém, se sua vida exterior estiver alicerçada na rocha da prática dos ensinamentos do Mestre, ele não se deixará abater e permanecerá firme em meio a todas as provações. No entanto, o cristão que aprende os ensinamentos sem colocá-los em prática, estará alegoricamente construindo sua vida sobre a areia e, mais cedo ou mais tarde, entrará em colapso moral e grande será a ruína de sua alma.

Para que a regra de ouro possa realmente orientar todos os passos de nossa vida, temos que a tornar operacional, lembrando-nos dela a todo instante ou pelo menos de manhã e em outros momentos pré-estabelecidos. É importante, também, meditarmos periodicamente sobre como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos na posição de cada um de nossos filhos, nosso companheiro(a) de vida, nossos pais, amigos, colegas de trabalho, chefe, subordinados, empregados domésticos, atendentes de lojas etc. Essa consideração da posição do outro, do ponto de vista ou interesse das pessoas que nos cercam, é extremamente importante. Se realmente adotarmos essa postura, procurando imaginar-nos na posição do outro, teremos dado um passo gigantesco na vida espiritual, pois estaremos quebrando a rígida estrutura do egoísmo que até então governava nossas vidas. Muito rapidamente vamos verificar que, por termos mudado a nossa atitude interior, nossa vida exterior vai mudar também. A cordialidade, sinceridade, compreensão e empatia que estaremos devotando aos outros, retornará para nós na forma de um ambiente de harmonia, paz e crescente felicidade.

Na medida em que nossa rotina diária passar a ser regida pela regra de ouro, poderemos aprofundar e consolidar a ética superior em nossa vida por meio de um estudo meditativo sobre o âmago dos ensinamentos do Mestre: o Sermão da Montanha. Os ensinamentos apresentados no Sermão, que compreende os capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de Mateus, provavelmente não foram todos apresentados num único dia e no mesmo lugar. Pela sua extensão e abrangência, é mais provável que seja uma coletânea de ensinamentos, em linguagem mais direta, dados aos discípulos quando estavam num estado elevado de consciência (na montanha), e que foram transmitidos ao longo do ministério de Jesus, tendo sido, contudo, reunidos em um só lugar por Mateus. Tanto assim que nos outros evangelhos eles não estão reunidos num só lugar nem são apresentados em sua totalidade. Aquele que for capaz de entender todas as implicações desses ensinamentos e praticá-los já terá assegurado a sua condição de discípulo do Mestre.

A prática da regra de ouro mudará radicalmente nossa atitude frente à vida. Passaremos a ser mais responsáveis em nossos relacionamentos e, com isso, criaremos um ambiente mais harmônico ao nosso redor. Mas esse conhecimento transformador não deveria ser restrito àqueles que buscam as verdades um tanto esquecidas de nossa tradição cristã. Dado seu potencial para promover a paz e a harmonia social, deveria ser incluído, juntamente com o meio ambiente, no currículo de nossas escolas. Assim como a disseminação das noções básicas de higiene aos diferentes segmentos da população diminuiu consideravelmente a incidência de doenças infecto contagiosas na sociedade moderna, a disseminação do conhecimento da lei de causa e efeito e de sua implementação prática por meio da regra de ouro como parte do currículo escolar em todos os níveis, muito contribuiria para a criação de um ambiente social mais justo e harmônico.

Porém, não basta estarmos conscientes da lei divina e decidirmos que nossa vida passará a ser orientada por ela. Sabemos que os hábitos adquiridos tornam-se uma segunda natureza e são difíceis de mudar. Na prática, tudo parece conspirar para que retornemos à velha atitude egoísta de desconsiderar o interesse dos outros. Para garantirmos o sucesso da mudança do homem velho no homem novo de que fala Paulo, teremos que montar uma estratégia como fazem os administradores profissionais.

Uma vez tomada a decisão sobre o objetivo a ser alcançado e sobre o método a ser empregado para a sua realização, torna-se necessário estabelecer um sistema de monitoramento do progresso diário do empreendimento. Esse sistema de monitoramento de nossa vida pode ser efetuado por meio da revisão diária, também chamada de ?exame de consciência? na tradição cristã. Para isso devemos dedicar uns 5 a 10 minutos, de preferência no final do dia, para efetuarmos uma revisão objetiva de nosso comportamento para com os outros, verificando em que ocasiões nossas ações, palavras e pensamentos foram guiados pela regra de ouro e as outras ocasiões em que os velhos hábitos levaram a melhor. Podemos estar certos de que, por algum tempo, ainda estaremos sob a influência de nossa atitude de miopia egoísta anterior. Mas, se detectarmos os tipos de situações em que isso acontece, bem como a motivação que nos leva a agir assim, aos poucos iremos eliminando cada uma das situações em que tendemos a deixar que nosso lado sombra leve a melhor. Mas isso só poderá ser feito se o processo de monitoramento da revisão diária tornar-se uma rotina.


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