5. SEGUNDA ETAPA: A VIDA ESPIRITUAL
A decisão de progredirmos do
objetivo mais limitado de vivermos uma vida ética para o objetivo mais
ambicioso de seguirmos a vida espiritual virá naturalmente quando estivermos
maduros, ou seja, quando estivermos convencidos que a vida material não atende
nossas aspirações por uma vida mais plena e feliz e, portanto, nossa alma
ansiar pela Presença de Deus. Porém, mesmo quando esse anseio começar a ser
sentido, a tendência para a inércia, que rege grande parte de nossa vida
material, fará com que encaremos nossos sentimentos de alma como uma espécie de
sonho a ser lembrado com carinho, mas permanecendo simplesmente como um sonho.
Essa é uma reação instintiva da personalidade, a expressão de nossa natureza
inferior, procurando se proteger contra toda e qualquer mudança que possa afetar
seu controle sobre a vida do indivíduo, sempre que ele começa a transferir sua
atenção da vida material para a espiritual. Somente as almas determinadas,
amorosas e responsáveis encontrarão força e motivação para empreender a árdua
jornada da autotransformação que as levarão ao Reino, no seu devido tempo.
Uma das primeiras indicações
de que o devoto está pronto para entrar na senda espiritual é sua disposição de
deixar para trás seus apegos às coisas do mundo. Nossa tendência para acumular
posses e desfrutá-las terá que ser revertida; deveremos buscar a simplicidade e
estar atentos para ajudar nosso próximo. João da Cruz descreve a natureza do
caminho espiritual e a disposição daquele que busca trilhá-lo: ?O caminho que
leva ao cume do monte da perfeição, por ser estreito e escarpado, requer
caminheiros livres de bagagem, pois seu peso os atrai a coisas inferiores. Só
assim conseguirão superar todo obstáculo que se depara no caminho da busca de
Deus. Pois ele deve ser o único objetivo de qualquer procura ou aspiração.?
O derradeiro alvo da vida
espiritual é passar da experiência de Deus (ter visões, ouvir sons ou vozes
celestiais e receber instruções do Alto) para a união com Deus. Esse objetivo
foi apresentado de forma velada ao longo do ministério de Jesus quando, em suas
pregações, discorria sobre o Reino de Deus. Numa dessas ocasiões o Mestre
conclamou-nos a ser ?perfeitos como o Pai que está nos céus é perfeito?
(Mt 5:48). Ora, a única maneira do homem atingir a perfeição divina é tornar-se
uma expressão de Deus, ou seja, é manifestar aquilo que já é desde o princípio
quando foi criado à imagem e semelhança de Deus, pois ?Ele é a exata
representação de meu ser? (Hb 1:3). Este objetivo não é uma quimera ou um
sonho, mas uma realidade que já foi experimentada por milhares de místicos em
todo o mundo e em todos os tempos. A jornada espiritual até esse estágio pode
ser empreendida por vários caminhos e com a utilização de diferentes enfoques
como instrumentos para nortear o rumo a ser tomado. Passar pela porta estreita
para então trilhar o caminho apertado que leva ao Reino dos Céus pode ser um
enfoque e a progressiva autotransformação que leva à perfeição outro.
No entanto, neste trabalho julgamos mais apropriado seguir uma terceira
alternativa, o conhecimento da verdade. Deve ficar claro que todos os
?caminhos? nada mais são do que diferentes enfoques e ênfase em certos
instrumentos para a necessária autotransformação pela qual todo devoto terá que
passar para atingir o Supremo Bem.
Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará
A construção de nosso
edifício espiritual, o templo que não é feito pelas mãos do homem, requer a
utilização de materiais apropriados do plano espiritual. Não podem ser
materiais frágeis e de pouca durabilidade. Tampouco podem fugir ao padrão
divino de excelência e confiabilidade. Esse material superior, confiável e
duradouro é a VERDADE. Quando Jesus disse: ?Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará? (Jo 8:32), ele fez uma revelação de uma profundidade
tal que geralmente não suspeitamos.
Essa revelação sugere vários
questionamentos. O que é a verdade? Como ela pode nos libertar? Nos libertar de
que? E, talvez o mais importante, como podemos conhecê-la? Vejamos, em primeiro
lugar, o objetivo mencionado por Jesus, ou seja, a libertação. O Mestre, ao que
tudo indica, estava se referindo à libertação da prisão do mundo material, com
suas incontáveis ilusões e sofrimentos. Essa libertação é simplesmente outra
palavra para nosso conceito tradicional de Salvação, com a sua concomitante
entrada no Reino de Deus. Portanto, Jesus estava nos indicando que cada um de
nós é responsável por sua própria libertação ou salvação, já que para a
alcançar devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para conhecermos a
verdade. Ele acena com a solução, o conhecimento da verdade, mas não promete
que ela nos será dada gratuitamente numa bandeja de prata. Devemos procurá-la.
Dependerá de nosso esforço e dedicação encontrá-la ou não.
O ensinamento de Jesus sobre
o poder libertador da verdade era mais facilmente compreendido por seus
ouvintes na Palestina, porque foi proferido em aramaico, língua sintética em
que cada palavra oferece uma ampla riqueza de significados. Nesse idioma, a
palavra ?verdade? é serara, que tem uma conotação mais ampla que inclui
o sentido de ?o que liberta e abre oportunidades,? ?o que é forte e vigoroso? e
?aquilo que age de acordo com a harmonia universal?.
Muitos devotos podem achar
estranho que devam procurar a verdade, já que cada uma das igrejas cristãs,
dentre as quase duas mil denominações existentes, afirma que ela (e só ela)
possui a verdade e que, como mediadora entre Deus e os homens, revela
constantemente essa verdade aos seus fiéis e crentes. Mas se as igrejas possuem
a verdade e a revelam aos seus membros, como se explica que a maior parte da
cristandade ainda não alcançou a libertação e vive em conflito e sofrimento?
Existem diferentes níveis de
verdades. Ainda que todas essas verdades cumpram um papel na vida do homem,
somente a ?verdade última?, aquela a que Jesus se referia, é que tem o poder de
libertar. As verdades apresentadas pelas igrejas, bem como pelos filósofos e
estudiosos, são verdades conceituais, que atuam ao nível da mente. Porém, a
verdade libertadora é bem mais profunda e abrangente, e só pode ser obtida por
meio direto, por experiência própria, ao contrário das verdades conhecidas e
oferecidas por agentes externos.
O conhecimento da verdade é
um anseio natural do ser humano. Todos os homens estão constantemente buscando
a verdade, acumulando conhecimentos de todo tipo e natureza: científicos,
históricos, éticos e filosóficos, na esperança de que essas informações saciem
sua sede pela verdade. Ainda que muitos desses conhecimentos nos ajudem a
entender a vida e seu propósito não são suficientes para atender ao anseio mais
profundo da alma. Poderíamos chamar esse nível de conhecimento de ?verdade
teórica? ou ?verdade relativa?. A verdade teórica pode ser de grande utilidade
para nos situar no Plano de Deus, para entendermos de onde viemos e para onde
vamos. Mas somente a verdade última nos salvará.
A prática de Jesus de
transmitir seus ensinamentos em frases curtas, porém com extensas e profundas
implicações, como ?conhecereis a verdade e a verdade vos libertará,? é
um costume milenar usado por muitos outros sábios no passado. Ela tem o
propósito de nos levar a pensar e investigar todos os aspectos e as
conseqüências desse ensinamento sintético até chegarmos ao seu âmago. Na Grécia
antiga, por exemplo, no Templo de Delfos, importante centro de ensinamento dos
Mistérios, que influenciou por muitos séculos os buscadores da verdade de uma
vasta área da Europa, do oriente médio e da Ásia, essa forma de ensinar já era
conhecida. No portal do templo estava escrito: ?Homem, conhece-te a ti mesmo.?
E dizem os iniciados que entraram no templo, que a frase continuava do outro
lado do portal: ?E conhecerás o universo.? Essa orientação do Templo de Delfos
era muito semelhante à de Jesus. Os aspirantes aos Mistérios, seguindo a
instrução recebida, procuravam conhecer melhor a si mesmo, buscando entender a
fisiologia de seu corpo físico, bem como suas emoções, pensamentos e
motivações. Mas, somente quando conseguiam conhecer sua natureza interior
última, que na tradição cristã chamamos de Cristo em nós, é que finalmente
compreendiam a grandiosidade do verdadeiro homem e, por analogia, conheciam o
universo, a expressão do Homem Celestial.
Cristo em nós
A verdade salvadora, por ser
uma verdade espiritual, só é revelada ao homem em Espírito. No Evangelho Segundo João encontra-se uma passagem de cunho místico em que Jesus diz: ?Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por
mim? (Jo 14:6). Essa passagem, eminentemente alegórica, esclarece a questão
que estamos procurando resolver. Nela, Jesus, o Cristo, representa também o
Cristo que existe no interior de cada ser humano. O Cristo interior, Deus em
nós, também referido no Antigo Testamento e no Evangelho de João como ?Eu Sou?,
é o Caminho, a Verdade e a Vida. Muitos cristãos desconhecem que a expressão ?Eu
Sou? foi cunhada pelos antigos cabalistas judeus em respeito ao mandamento de
não invocarmos o santo nome de Deus em vão. Essa expressão foi escolhida
especificamente para esse propósito porque tem o mérito de transmitir a noção
de que o Absoluto não tem qualificativos que O limitam, como por exemplo ser
grande, que exclui o pequeno. O Incognoscível é e permanece para todo o sempre,
abrangendo tudo o que existe no mundo manifestado, mas sem ser por ele limitado,
expressando a realidade de ?Eu Sou.? Ainda que essas concepções abstratas sejam
de difícil entendimento, os evangelhos nos revelam que somente quando Cristo
nasce em nossa consciência é que começamos a trilhar o caminho que leva ao Pai.
Quando nosso coração está verdadeiramente sintonizado com o Cristo interior,
nosso cérebro começa a registrar a Verdade eterna que liberta os homens da
prisão da vida ilusória deste mundo. E esse Cristo, finalmente, é Vida, vida em
abundância que nos transforma e conduz à Vida Eterna.
Só pelo Cristo interior é
que poderemos chegar ao Pai. Essa revelação foi também compreendida e
vivenciada por Paulo, como atestam suas palavras de esperança e orientação a
seus discípulos: ?Meus filhos, por quem eu sofro de novo as dores do parto,
até que Cristo seja formado em vós? (Gl 4:19). Obviamente, Paulo estava se
referindo ao parto espiritual, ao renascimento do homem novo que passa a viver
no mundo consciente de que Cristo está em seu coração. Com Cristo como nosso
instrutor interior, nossa glória no Reino está assegurada (Cl 1:27). E ele
permanecerá crescendo e desabrochando em nossa alma até a meta final, quando
então alcançaremos ?o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da
plenitude de Cristo? (Ef 4:13). Pode parecer estranho que Cristo em nós
deva crescer e desabrochar, mas a natureza crística existe inicialmente em todo
ser humano como uma minúscula sementinha que deve germinar, ou seja, nascer em
nossa consciência, para então seguir o processo de crescimento natural
observado em todas as expressões divinas até alcançar a meta referida como a
estatura da plenitude de Cristo.
É interessante notar que a
passagem em João 14:6, no original em aramaico, possibilita um entendimento
semelhante ao sugerido acima. A passagem foi traduzida como: ??Eu Sou? é o
caminho, o senso de direção correta e a força da vida para trilhá-lo. A simples
presença ilumina o que está à frente, liberta nossas escolhas e nos conecta com
o poder da natureza. Ninguém entra em sintonia com o sopro da vida em tudo, o
som e a atmosfera que criou o cosmo, a não ser por meio do sopro, do som e da
atmosfera de outro ?Eu? incorporado conectado com o supremo ?Eu Sou?.?
É muito comum entre
católicos e protestantes, a crença de que só Cristo salva. Nossos irmãos
evangélicos, geralmente mais engajados nas tarefas missionárias, costumam
espalhar pelas ruas e lugares públicos cartazes dizendo que ?só Cristo salva?.
Ainda que essa propaganda religiosa possa ser ressentida por não-cristãos, a
maior parte dos budistas e iogues esclarecidos sabe que essa assertiva é uma
verdade universal quando devidamente entendida. Os budistas compreendem que
Cristo é equivalente a Buda, e os iogues e vedantinos sabem que Cristo é o
Jivatma, ou o princípio divino no homem. Portanto, quando é dito que ?só Cristo
salva?, uma verdade universal está sendo enunciada, ainda que numa linguagem
sectária que aparentemente restringe a salvação aos cristãos.
O que os orientais sabiam há
muitos milênios antes do nascimento de Jesus, é que somente quando expandimos
nossa consciência para o nível de buddhi, terminologia oriental para o
que os místicos cristãos chamam de princípio crístico, é que o devoto pode
conhecer a verdade última, a verdade redentora. Somente quando nossa
consciência é elevada ao plano crístico temos a experiência direta de sermos
unos com o Todo e, portanto, unos com todos os seres. Essa verdade fundamental
foi expressa por Jesus, quando ele disse: ?Eu e o Pai somos um? (Jo
10:30) e também ?Nesse dia compreendereis que estou em meu Pai e vós em mim
e eu em vós? (Jo 14:20). Essa experiência de unidade com Deus e com todos
os seres tende a repetir-se várias vezes para o místico, aumentando sua
intensidade e abrangência com cada experiência. Mas a partir do momento em que
o devoto passa pela primeira vez por essa experiência interior, sua vida muda
radicalmente. Ele não mais se deixa levar pelas ilusões efêmeras deste mundo e
procura, com todo o empenho, trilhar o caminho apertado que leva à perfeição.
Paulo, consciente do papel
de nossa natureza interior, orava ao Pai em favor de seus discípulos: ?Para
pedir-lhe que ele conceda, segundo a riqueza da sua glória, que vós sejais
fortalecidos em poder pelo seu Espírito no homem interior, que Cristo habite
pela fé em vossos corações e que sejais arraigados e fundados no amor? (Ef
3:16-17). Paulo sabia por experiência própria que o poder divino e a total
sustentação do amor só podiam ser obtidos quando Cristo desperta em nossas
almas, concedendo-nos a verdadeira fé em nossos corações.
Essa é a essência da
experiência mística. Nas palavras de Leonardo Boff: ?A mística crística e
espiritual é a dos olhos abertos e cósmica. Ela procura a unidade em todas as
diferenças, na medida em que um fio divino perpassa o Universo, a consciência e
a ação humana, para uni-los para frente e para cima, na perspectiva da suprema
síntese com Deus, ômega da evolução e da criação.?
Chegamos, então, ao ponto
central da revelação do Senhor (Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará): o conhecimento da unidade do homem com Deus é a verdade que liberta.
Porém, não é o conhecimento teórico da unidade que nos salva, porque, se assim
fosse, ao lermos o que foi escrito acima, ou nos muitos livros que abordam esse
tema, já estaríamos salvos. O conhecimento da verdade que Jesus mencionou é o
direto, e não o intelectivo, ou indireto, por meios externos. Somente quando
expandimos nossa consciência ao nível do princípio divino interior é que esse
conhecimento-experiência é obtido, portanto, só Deus no interior do homem
salva. Outra vez lembramos Paulo em sua linguagem característica: ?Se alguém
está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez
uma realidade nova? (2 Co 5:17).
Mas o que é o Cristo
interno? Onde ele se encontra? Como ele atua? Sabemos que o ser humano tem um
componente mortal e outro imortal. A totalidade do ser é descrita por Paulo, de
forma simplificada, como corpo, alma e espírito (1 Ts 5:23). Como um místico,
certamente ele tinha conhecimento de que a parte mortal, referida como o corpo,
compreendia, na verdade, a totalidade da personalidade, formada pelo corpo
físico e outros três corpos de natureza sutil: o corpo energético, o emocional
e o mental concreto. A parte imortal é a expressão da Trindade Divina, é Deus
imanente no homem, sendo comumente chamada de Eu Superior. Deve ficar claro que
tudo o que falamos e escrevemos sobre a Divindade não passa de ideação, uma
aproximação realizada por nossa mente na tentativa de conceber o incognoscível.
Ainda que muitas
representações dos princípios do homem sejam feitas, para fins didáticos,
apresentando-os em ordem ascendente como se estivessem dispostos em diferentes
andares de um edifício, na realidade, esses princípios estão ordenados de
dentro para fora. O mais sutil e elevado permeia todos os outros, mas está isolado
na parte mais interior, como se fosse o ponto central de uma esfera,
e os outros princípios, do mais sutil ao mais denso situam-se progressivamente
ao redor do ponto central, com o mais sutil sempre permeando o mais denso. O
princípio mais denso, nosso corpo físico, fica como uma casca no exterior.
As funções do princípio
crístico foram estudadas por grandes santos, iogues e clarividentes ao longo
dos séculos. As percepções no plano crístico estão envoltas numa beleza,
luminosidade, paz e bem-aventurança absolutamente indescritíveis. Enquanto o
místico ou iogue está com sua consciência naquele plano, ele participa da
glória divina, experimenta a mais profunda felicidade de toda sua vida,
deslumbra-se com a unidade da vida em que todos os seres se apresentam
interconectados e interdependentes, comprova o calor ardente do amor divino
incondicional e sem limites e aprende verdades inefáveis que nem sempre podem
ser repetidas àqueles que ainda não passaram por essa experiência, como afirmou
Paulo: ?Sei que esse homem ? se no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o
sabe! ? foi arrebatado até o paraíso e ouviu palavras inefáveis, que não é
lícito ao homem repetir? (2 Co 12:4). No entanto, quando o místico termina
a experiência e retorna ao estado de consciência usual de vigília, verifica que
suas visões e sentimentos, agora expressos por intermédio da mente e refletidos
no cérebro físico, são percepções esmaecidas e distantes da grandiosidade
experimentada diretamente no plano crístico. É como se a visão inicial tivesse
sido coberta por uma série de véus (a matéria dos planos intervenientes entre o
crístico e o material) que obscurecem e tiram a nitidez do que foi visto
inicialmente. Por isso, tudo aquilo que nos é dito sobre as experiências no
plano crístico representa uma mera caricatura da grandiosidade do que realmente
ocorre naquele plano. Jacob Boehme, um dos
maiores místicos cristãos, indica sua frustração ao tentar descrever suas
visões:
?A linguagem terrena é totalmente insuficiente para descrever o que há de
alegria, felicidade e encanto nas maravilhas internas de Deus. Até mesmo se a
Virgem eterna as pintasse para nossas mentes, a construção humana seria fria e
escura demais para ser capaz de expressar mesmo uma chispa dela em sua
linguagem.?
Mesmo para aqueles que ainda
não receberam a graça de uma experiência mística, ou seja, para aqueles em que
o Cristo interior ainda está dormente e não suficientemente ativo em sua
consciência, ele, ainda assim, exerce importantes funções em nossa vida. O
princípio crístico parece ter várias funções, sendo a mais simples a da
compreensão. A mente não é o instrumento pelo qual o homem compreende, mas o
instrumento que combina todas as impressões do mundo exterior e da memória,
passando-as ao princípio crístico para sua interpretação e compreensão. Outra
função é a inteligência, que está de certa forma ligada à compreensão. A
inteligência é muitas vezes confundida com o intelecto. Este último é
responsável pelo acúmulo de informações que o intelectual, ou erudito, junta em
sua mente. A inteligência é a capacidade de compreender o significado do
conhecimento adquirido. A pessoa inteligente sabe tirar inferências das
informações acumuladas e demonstra ser sábio, ou seja, capaz de navegar no
oceano da vida com um aparente instinto para fazer a coisa certa no momento
apropriado. Perceber a verdadeira natureza das coisas é uma das características
da inteligência.
O princípio crístico também
tem a função do discernimento, que é de grande importância na vida espiritual.
O discernimento nos permite distinguir o real do ilusório; o mais importante do
menos importante; o certo do errado; o verdadeiro do falso; o útil do inútil. O
devoto que busca seguir a Deus, ainda que vivendo em nosso mundo de ilusões, se
tiver desenvolvido o discernimento, sabe sempre distinguir o caminho a tomar e
as armadilhas a evitar.
Um corolário do
desenvolvimento do discernimento é a capacidade para determinar prioridades na
vida. O homem comum tem dificuldade para estabelecer uma hierarquia de
prioridades, não só na vida espiritual, mas até mesmo na vida mundana. Muitas
vezes dedica considerável tempo e energia às coisas de somenos importância
dando pouca ou nenhuma atenção àquelas que são realmente significativas. Essa
característica se reflete em todos os aspectos da vida, a ponto de algumas
empresas de consultoria gerencial recomendarem a seus clientes que treinem seus
executivos a preparar toda manhã uma lista das atividades que devem ser
realizadas durante o dia e, então, começarem pelas mais importantes. Esses
consultores verificaram em seus estudos que a tendência dos executivos é fazer
justamente o oposto, realizar primeiro o que é menos importante, pois,
geralmente essas tarefas são as mais fáceis, ficando as mais importantes para
depois, se houver tempo.
Verificamos que a
inteligência e o discernimento operam de forma similar. A luz do Cristo
interior, quando atua sobre os problemas da vida diária, expressa a
inteligência; quando é lançada sobre os problemas fundamentais da vida para
identificar as ilusões, expressa o discernimento. Na literatura espiritual, é
dito que a primeira qualificação para se trilhar a senda é o discernimento.
Mas, se por um lado o discernimento possibilita-nos identificar as ilusões e
falsidades do mundo manifestado, ele também revela as realidades que geralmente
se acham encobertas pelas inúmeras ilusões da vida diária.
Obviamente, essa capacidade
para discernir o real só é demonstrada pelas pessoas altamente
espiritualizadas, nas quais o princípio crístico está atuando de forma
consciente. Quando essas pessoas alcançam intuitivamente a visão do real, elas
não podem mais ser abaladas ou dissuadidas por argumentos em contrário. Elas agem assim porque conhecem a verdade de forma direta e incontroversa, ainda
que muitas vezes não consigam explicar a razão dessa certeza, pelo fato de a
mente não ter sido responsável por esse conhecimento, mas sim a intuição (outra
palavra para o princípio crístico).
Essa função do princípio
crístico possibilita-nos fazer a distinção entre fé e crença. A fé deriva-se do
conhecimento direto da verdade, que é sempre a mesma, não importa a religião,
tradição ou cultura a que pertença o indivíduo. A crença, ao contrário,
expressa o que as pessoas passam a acreditar em virtude do que lhes é dito por uma
autoridade, por isso a crença varia de acordo com a religião de cada um. Quando
Jesus censurava seus discípulos pelo fato de terem pouca fé (Mt 14:31; 17:20;
21:21), ele estava indicando que eles ainda não tinham desenvolvido
suficientemente o princípio crístico, a fonte da verdadeira fé.
Os verdadeiros santos e
místicos, por terem desenvolvido seu princípio divino interior, apresentam
certas características comuns: agem ao longo da vida com uma certeza e
confiança que o homem comum não possui e demonstram uma profunda sabedoria,
sabendo intuitivamente o que deve ser feito e o que deve ser dito em todas as
ocasiões. Os místicos, tendo experimentado o amor total e incondicional de Deus
e conhecendo a unidade que existe entre todas as células do grande organismo
que é a humanidade, o corpo místico de Cristo, agem sempre com bondade e
compaixão para com todos os seres, sem distinção de classe ou crença, incluindo
até mesmo os animais sob seu manto amoroso. Ainda que compassivos e sempre
dispostos a ajudar as pessoas, não impõem suas idéias e não exigem obediência
cega, porque sabem que todos foram criados por Deus com livre arbítrio para
trilhar seu próprio caminho, sendo, portanto, em última análise, responsáveis
por si mesmos. A história indica que muitos dos verdadeiros santos e místicos
não tiveram uma educação formal, alguns não sabiam nem mesmo ler. No entanto,
por meio de seu princípio crístico desenvolvido, eram capazes de beber
diretamente da fonte da sabedoria, tornando-se instrutores e guias de seus
irmãos mais letrados.
Pelo fato da consciência
crística ser uma função de um princípio superior, para ser refletida em nossa
consciência cerebral, ela deve utilizar um princípio intermediário como
veículo, qual seja, da mente ou do corpo emocional, dependendo do propósito em vista. De acordo com o temperamento da pessoa, a preponderância de um ou outro caminho será
notada. Nas pessoas mais emocionais, o princípio crístico tende a se manifestar
especialmente como intenso amor ou como um sentimento de compaixão para com a
dor do outro. Para essas pessoas, a linha de menor resistência para alcançar a
Verdade é a devoção. Esses devotos podem se tornar místicos.
Para as pessoas voltadas
para o intelecto, o princípio crístico tende a se expressar como uma visão abrangente
e penetrante dos problemas fundamentais da vida. Ainda que a atuação do
princípio divino superior possa inicialmente desenvolver mais o amor ou o
conhecimento, dependendo do temperamento do indivíduo, com o tempo a outra
expressão será desenvolvida também, mostrando-se as duas conjuntamente como
sabedoria.
Despertar Cristo em nós ou crer em Cristo?
Para os cristãos ortodoxos,
acostumados com a interpretação literal da Bíblia e esquecidos das inúmeras
menções feitas por Paulo a respeito do ?Cristo em nós?, a afirmação de que
somente com o despertar do Cristo interior pode-se conhecer a verdade
libertadora parece chocar-se com a doutrina central do cristianismo, qual seja,
a de que a salvação vem por intermédio da crença em Jesus. A importância
da crença em Cristo é tão fundamental que os membros da maioria das igrejas
protestantes se autodenominam crentes e os católicos, por sua vez, são
referidos como fiéis. As diversas passagens bíblicas, principalmente no
Evangelho de João, em que são feitas menções sobre a crença, parecem reforçar
essa postura.
Por essa razão, a verdadeira
natureza da crença precisa ser melhor examinada. Existem cerca de duas mil
igrejas cristãs, e cada uma delas afirma categoricamente ser a verdadeira
representante da igreja de Cristo, parecendo, assim, haver um impasse quanto à
real crença em Cristo. Cada denominação enfatiza que a verdadeira crença em
Cristo é aquela por ela expressa, e que os membros das outras igrejas são
hereges e até mesmo apóstatas. É chocante verificar como alguns representantes
dessas denominações chegam a acusar membros de outras religiões, às vezes até
mesmo cristãs, de serem agentes do demônio, posto que se recusam a aceitar a
?única? verdade revelada, a deles. È difícil entender como esses intolerantes
conciliam as acusações sistemáticas que fazem às demais pessoas que não
compartilham de suas crenças específicas com o ensinamento explícito de Jesus de
não julgarmos nosso próximo. Será que aboliram de sua crença a aceitação da
regra de ouro, de fazer ao próximo o que gostariam que os outros fizessem a
eles? Será que gostariam de ser chamados de agentes do demônio? Como essa
atitude que caracteriza maldade e desamor se coaduna com os ensinamentos do
Mestre de que ?É pelo fruto que se conhece a árvore? (Mt 12:33) e ?A
boca fala daquilo de que o coração está cheio? (Mt 12:34)?
Contrastando com essa
atitude de intransigência exacerbada de alguns supostos cristãos, há
felizmente religiosos, embora poucos, que tiveram uma real experiência de Deus
em seu interior e demonstram uma compreensão amorosa para com as diferentes
crenças, em sintonia com o exemplo do Salvador. Padre Marcelo Barros, um monge
católico expressa sua opinião particular de que ?Jesus trouxe algo de novo: o
que todas as religiões buscavam e propunham, ele revela que não vem pela
religião. Que nenhuma religião salva. ?A lei não salva?. Nem o judaísmo que era
a sua nem nenhuma outra. Deus dá seu amor e sua graça universalmente e, como já
diz o termo, ?gratuitamente?. Todo mundo é chamado a essa realidade na
solidariedade e no amor ao próximo. Essa revelação divina tem raízes no
primeiro testamento, mas Jesus trouxe algo novo. Essa intimidade com Deus como
um papai (Abba) ou mamãe amorosa com a qual cada pessoa pode livremente
se relacionar, no íntimo do coração, é novo.?
Um dos objetivos deste
trabalho é oferecer o instrumental específico para superar a intolerância
religiosa que tanto mal vem causando no seio da grande família cristã. O
instrumento específico que garante o entendimento da mensagem de amor
abrangente do Mestre e extirpa pela raiz os germes da intolerância é a
meditação contemplativa apresentada mais adiante. Esse recurso vem sendo
testado com sucesso por inúmeros grupos de meditação, incluindo não só pessoas
de diferentes igrejas cristãs, mas também membros de outras crenças religiosas.
Nas palavras dos dirigentes da Comunidade Mundial de Meditação Cristã: ?A
meditação, como um caminho de tolerância e compaixão, constrói uma ponte do
espírito entre pessoas de crenças diferentes, entre ricos e pobres e, ainda,
entre aqueles que estão sofrendo com conflitos e divisões. As grandes angústias
e aflições da sociedade moderna requerem profunda resposta contemplativa.?
Se não é possível
alcançar-se um consenso entre os membros das diferentes igrejas cristãs quanto
a crença em Cristo que garanta a salvação, a questão proposta como tema de
investigação para esta seção (?despertar Cristo em nós ou crer em Cristo??)
pode parecer ainda mais abstrusa. No entanto, o cristão responsável deveria
pensar duas vezes antes de declarar que as duas proposições são mutuamente
contraditórias, pois nesse caso, se for provado que uma proposição é verdadeira
a outra será falsa. Mas, como ambas encontram-se na Bíblia, não importa qual
seja a falsa, esse impasse seria um desastre porque significaria que algumas
partes da Bíblia não são verdadeiras. Ora, sabemos que a Bíblia contém a
Palavra Divina e uma parte da verdade não pode ir contra outra parte da mesma
verdade. Como Jesus nos ensinou, ?Todo reino dividido contra si mesmo acaba
em ruína e nenhuma cidade ou casa dividida contra si mesma poderá subsistir?
(Mt 12:25).
Só nos restam duas
alternativas: ou ambas proposições são verdadeiras quando devidamente
interpretadas, ou algumas partes da Bíblia que se contradizem não fazem parte
do texto original divinamente inspirado, tendo sido acrescentadas
posteriormente. No caso em pauta, estamos inteiramente convencidos que ambas
proposições são verdadeiras, mas, como a linguagem bíblica é alegórica,
precisamos interpretá-las devidamente para entender as jóias da sabedoria
divina que sempre estiveram ao nosso alcance, mas que permanecem como tesouros
escondidos no campo por nossa incapacidade para desenterrá-los. Uma vez
interpretadas essas passagens vamos verificar que não são contraditórias mas
perfeitamente compatíveis.
Na seção anterior
verificamos que a verdade última que nos liberta da prisão da matéria é o
conhecimento de que somos unos com o Pai celestial e, conseqüentemente, unos
com todos os seres. O conhecimento vivencial da unidade, portanto, é a verdade
suprema que estabelece o Reino no coração do devoto. Seu corolário, é que a
fraternidade entre os homens, pelo fato de cada um ser uma expressão de Deus na
terra, é um pré-requisito para alcançarmos a experiência de união com Deus.
Se o
conhecimento-experiência da unidade é o supremo bem, seu oposto, a
separatividade, o desconhecimento da unidade que nos leva a ver-nos como
separados, será logicamente o supremo mal. Ao longo da Bíblia encontramos
inúmeras passagens falando da eterna luta entre a luz e as trevas, entre Deus e
o demônio, entre Espírito e matéria. No entanto, não damos a devida atenção ao
fato de que essa luta cósmica também expressa a oposição intrínseca e
fundamental entre a experiência da unidade e a falta dela. Tudo aquilo que
reforça a tendência para a separação entre os homens vai contra o desígnio de
Deus. Cada vez que discriminamos uma pessoa pelo fato de ter uma cor de pele
diferente, por pertencer a outra nacionalidade, a outra classe social ou a
outra religião ou igreja, estamos fazendo o trabalho do maligno e não o
trabalho de Deus. No caminho espiritual o objetivo a ser alcançado é a inclusão
de um número cada vez maior de irmãos dentro de nosso conceito da família
humana, até que ele venha a abarcar todos indivíduos sem nenhuma exclusão,
inclusive os pecadores, e os que professam uma crença diferente da nossa.
Esse ponto é de crucial
importância na vida espiritual, pois as forças que trabalham para a divisão são
as forças do mal, que são extremamente poderosas, e muitas vezes entorpecem e
distorcem a mente das pessoas religiosas, tanto de leigos como da hierarquia
clerical. O religioso convencido de que a Palavra divina salva, procura se
engajar no trabalho missionário. Mas quando encontra obstáculos, fica
convencido de que a oposição vem necessariamente do maligno e não de possíveis
falhas em seu exemplo de vida amorosa. Inflamado pelo zelo, acaba se tornando
um fanático que está disposto a tudo, inclusive a matar os ?infiéis? que se recusarem
a receber a Palavra que ele acredita que os salvará. Acham que os fins
justificam os meios, atitude muito comum na vida mundana. Porém, no mundo
espiritual os meios são também fins em si mesmo, por que, para nos tornarmos
perfeitas expressões do Amor (a finalidade de nossa vida), devemos adotar como
meio uma vida amorosa.
O exemplo de vida de Jesus
foi uma constante demonstração de que todos os homens são igualmente amados por
Deus e não são por Ele discriminados mesmo quando a sociedade assim o faz. Por
isso Jesus foi visto compartilhando suas refeições com notórios pecadores e os
odiados coletores de impostos, os publicanos (Mt 9:11), apresentou como exemplo
de atitude compassiva o comportamento de um samaritano (considerado pela
maioria dos judeus como impuros) em contraste com a atitude ?legalista? de um
sacerdote e um levita (Lc 10:30-37), e mencionou que não havia encontrado em
Israel ninguém que tivesse tanta fé como a demonstrada pelo centurião romano
que lhe solicitou curar à distância seu servo (Mt 8:10).
Se os ensinamentos e o
exemplo do Mestre deixam explícito que todos os seres são filhos de Deus e,
portanto, estão amorosamente incluídos na família humana, como é possível que
muitos de seus seguidores pratiquem exatamente o oposto: a separação, a
desunião e a exclusividade? O Salvador jamais iria apoiar qualquer
discriminação entre pessoas por motivo de suas crenças, seja dentro ou fora do
cristianismo, e muito menos perseguições religiosas e, pior ainda, ?guerras
santas? visando a exterminação de qualquer grupo caracterizado como ?herege?
pelas igrejas dominantes. A abominação das ?guerras santas?, conseqüência
lógica do fanatismo religioso, deixou um rastro sinistro de milhões de mortos
ao longo dos séculos, como os massacres dos albigenses e da população de
Constantinopla, no século XIII, ordenados pelo papa Inocente III, com a
seguinte justificativa: ?todo aquele que tentar estabelecer uma visão pessoal
de Deus que conflite com o dogma da Igreja deve ser queimado sem piedade.?
Selecionamos, a seguir,
algumas passagens do Novo Testamento mais comumente citadas pelos cristãos
ortodoxos para dar suporte à ênfase que colocam na mera crença em Jesus e no
nome dele como forma de salvação. Procuraremos depois evidenciar que, ao
contrário, essas passagens estão em perfeita harmonia com a idéia do despertar
do Cristo interior como forma de alcançar-se o conhecimento da verdade
redentora.
?Mas a todos que o
receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem em seu nome? (Jo 1:12).
?Vendo os sinais que fazia, muitos
creram em seu nome? (Jo 2:23).
?Pois Deus amou tanto o mundo, que
entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha
vida eterna? (Jo 3:16).
?Quem nele crê não é julgado; quem
não crê, já está julgado, porque não creu no Nome do Filho único de Deus? (Jo 3:18).
?Quem crê no Filho tem vida eterna.
Quem recusa crer no Filho não verá vida?
(Jo 3:36).
?Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
nunca mais terá fome, e o que crê em mim numa mais terá sede? (Jo 6:35).
?Aquele que crê em mim conforme a
palavra da Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva? (Jo 7:38).
?Disse-vos que morrereis em vossos
pecados, porque se não crerdes que EU SOU, morrereis em vossos pecados? (Jo 8:24).
?Quem crê em mim, ainda que morra,
viverá? (Jo 11:25).
?Enquanto tendes a luz, crede na luz,
para vos tornardes filhos da luz? (Jo
12:36).
?Quem crê em mim não é em mim que
crê, mas em quem me enviou? (Jo
12:44).
?Eu, a luz, vim ao mundo para que
aquele que crê em mim não permaneça nas trevas? (Jo 12:46).
?Quem crê em mim fará as obras que
faço e fará até maiores do que elas?
(Jo 14:12).
?Por meio de seu nome, receberá a
remissão dos pecados todo aquele que nele crer? (At 10:43).
?Quem nele crê não será confundido...
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Mas como poderiam
invocar aquele em quem não creram??
(Rm 10:11,13-14).
?Qual é a extraordinária grandeza do
seu poder para nós, os que cremos, conforme a ação do seu poder eficaz? (Ef 1:19).
?Deus nos deu a vida eterna e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho não tem a vida. Eu vos escrevi
tudo isto a vós que credes no nome do Filho de Deus? (1 Jo 5:11-13).
Cumpre notar inicialmente
que a aceitação literal dessas passagens pode nos levar a algumas
conclusões curiosas. Talvez a mais surpreendente para o buscador não-cristão é
que o cristianismo é de todas as religiões a que oferece a fórmula mais fácil
de salvação. A salvação estaria assegurada a todos os que crêem em Cristo ou em
Seu nome. Deixando de lado o problema relacionado com as sutilezas da crença
específica de cada denominação cristã, procuremos examinar as conseqüências
dessa tese. Percebe-se que o cristão típico não é nem pior nem melhor do que as
demais pessoas com quem convivemos socialmente, quer sejam religiosos ou não.
Ou seja, ele é geralmente egoísta, mesquinho, orgulhoso, prepotente,
materialista e oportunista tanto quanto os outros. Porém, mesmo com todos esses
sérios defeitos, aquele que crê em Cristo será salvo, enquanto os outros, que
crêem em Buda, em Brahma, em Alá, em Xangô ou somente na matéria, não serão
salvos. Será que Deus tem a mesma atitude mesquinha dos homens que só estendem
a generosidade de suas bênçãos e benesses aos seus amigos e aos que concordam
com ele? Como poderíamos justificar essa predileção atribuída a Deus por uma
pequena parte de seus filhos, já que Jesus indicou que toda a humanidade faz
parte de seu rebanho: ?Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil?
(Jo 10:16)? Como explicar esse tratamento discriminatório por parte de nosso
Bom Pastor, que sabemos ser absolutamente justo e misericordioso, e que por
isso nos ensinou a amar até nossos inimigos, porque assim estaríamos amando a
todos de forma incondicional como o ?Pai que está nos céus, porque ele faz
nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e
injustos? (Mt 5:45)?
Será que Jesus realmente
pregou que basta crer nele ou essa é uma interpretação posterior de algumas correntes
de seus seguidores? Por que ele iria nos instar a sermos perfeitos como o Pai
que está nos céus é perfeito, se a crença em Seu nome fosse suficiente para a
nossa salvação? Por que ele nos disse que quando conhecermos a verdade, a
verdade nos libertará? Por que os místicos cristãos procuram se purificar e
transformar com um zelo que nos parece excessivo, apesar de já crerem
sobejamente em Cristo? Esses questionamentos parecem indicar que existe um
significado mais profundo em todas essas passagens que escapa ao entendimento
numa leitura meramente literal. Isso não deveria ser surpresa, posto que Jesus
indicou repetidamente que somente a seus discípulos falava as verdades do Reino
de forma direta, enquanto ao povo, ou seja, a nós leitores de suas pregações,
tudo era dito em parábolas, ou seja, em linguagem simbólica ou alegórica. Paulo
torna isso explícito ao dizer que a letra mata e só o Espírito por trás da
letra é que dá vida (2 Co 3:6). Portanto, devemos procurar ir além das palavras
e entender a mensagem mais profunda que está escondida nessas passagens.
Ainda assim, sabemos que
muitos católicos e evangélicos relutam em considerar a possibilidade de que
essas passagens precisam ser interpretadas. Ponderam que a linguagem é tão
direta que não precisa nenhuma interpretação. Essa atitude é compreensível,
pois alguns psicólogos sugerem que o religioso convicto evita se aprofundar no
estudo dos dogmas de sua religião, com receio de abalar os fundamentos de sua
crença, nem sempre alicerçados na razão. O cristão típico está convencido de
que sua crença já lhe garantiu a salvação sem que precise mudar a sua vida.
Conseqüentemente, qualquer incursão mais profunda nos fundamentos de sua
religião traz em si o perigo de constatar que precisa fazer muito mais do que o
pouco que está fazendo atualmente. Porém, como cada ser humano é diferente,
cabe a cada um se perguntar se seu comprometimento com a verdade é mais forte
do que seu temor de descobrir que a verdade pode demandar muito mais de sua
vida religiosa.
Mas, se ainda assim o
católico ou evangélico insistir em que as passagens antes citadas devem ser
aceitas literalmente, ele estará se colocando na posição desconfortável de ter
que aceitar que ele próprio não crê suficientemente em Cristo. Mas que absurdo, diriam esses cristãos. Qual a razão dessa conclusão estapafúrdia?
Ora, diríamos, se todas essas passagens devem ser aceitas literalmente, então
só nos resta concluir que nenhum católico ou crente, inclusive padres e
pastores, bispos e toda a alta hierarquia eclesiástica, crê verdadeiramente em
Cristo, porque ?de seu seio não está jorrando rios de água viva?,
conforme é dito em Jo 7:38; tampouco está fazendo as obras que Cristo fazia,
como está assegurado aos crentes em Jo 14:12 e; finalmente, ainda tem sede e,
portanto, bebe água, o que não aconteceria como está garantido em Jo 6:35: ?quem
crê em mim nunca mais terá sede.? Confrontados com essa evidência, os
cristãos tradicionais provavelmente iriam contestar que essas partes das
passagens são obviamente simbólicas. Mas se elas são obviamente
simbólicas, como podem ter certeza de que as outras passagens não são
simbólicas também? Não seria mais prudente aceitar o que o próprio Salvador nos
disse, ou seja, que ao povo Ele ensinava por parábolas, e que esses ensinamentos
alegóricos foram registrados na Bíblia?
O testemunho dos grandes
santos e místicos poderá ser de grande valia nessa questão, pois eles estão
fora de qualquer suspeita quanto à profundidade de sua fé e de seu
comprometimento em seguir a Cristo. Os místicos nos legaram um maravilhoso
acervo de suas experiências com a contemplação que leva à união com Deus. Como
arautos da verdade que conheceram diretamente por revelação divina, fizeram
afirmações que às vezes nos chocam, pois chamam nossa atenção para a realidade
da responsabilidade última por nossa própria vida e salvação, que preferimos
ignorar. Uma dessas revelações, diretamente pertinente ao tema apresentado
aqui, é atribuída ao monge místico Ângelus Silésius:
?Ainda que Cristo venha a
nascer mil vezes em Belém?,
Mas não dentro de
ti, tu permanecerás miserável,
A cruz no Gólgota
procuras em vão
A menos que, dentro
de ti, ela seja erguida outra vez.?
Esse místico afirma de forma
clara e direta que a vida de Cristo, como está relatada nos evangelhos, não
deve ser entendida simplesmente como um fato histórico, limitado no tempo e no
espaço. Ao contrário, a vida de Cristo simboliza também o caminho eternamente
válido que deve ser trilhado por todo aquele que realmente almeja alcançar o
Reino dos Céus. Portanto, não basta a crença no nascimento de Jesus Cristo em
Belém, mesmo que ele venha a ser repetido mil vezes, para que minha alma possa
se libertar da prisão da matéria em que me encontro. O Cristo Salvador deve
nascer também em meu interior para que eu deixe de ser um miserável sofredor e
torne-me um bem-aventurado filho da luz. Eu também preciso crucificar minha
natureza material para que venha ressurgir, ou renascer, como um homem novo
glorificado em Cristo, para então, e só então, ascender ao Reino de Deus. É
preciso subir o Gólgota, a elevação de consciência em que nossa natureza
material será crucificada, para que nossa natureza divina possa ressuscitar com
toda sua glória. Afinal, a palavra gólgota significa caveira, ou crânio.
Portanto, é dentro de nossa cabeça simbolicamente, no interior de nossa mente,
que devemos aceitar a responsabilidade por seguir a Cristo, tomando nossa cruz
todos os dias (Lc 14:27).
Mas, se Cristo precisa
nascer em nós, como devemos entender todas as passagens antes citadas?
Infelizmente, a maior parte das passagens bíblicas relacionadas com a ?crença?
em Cristo acabou sofrendo uma deturpação no processo de tradução do grego para
o latim, e dessa língua para o português. No original grego, o verbo traduzido
como crer era Pistebw (pistevo), que significa ?ter fé?. No entanto, foi traduzido
para o latim como credere e daí para o português como ?crer.? Ainda que
a diferença entre ter fé e crer possa parecer pequena, ela é imensa no seu
sentido espiritual.
Como mencionamos na seção
anterior, a verdadeira fé, equivalente a uma certeza inquebrantável resultante
da experiência direta, só ocorre quando o Cristo interior está desperto e
atuante no indivíduo. Jesus repreendeu diversas vezes seus discípulos por sua
pouca fé ou falta de fé, ou seja, por não terem desenvolvido suficientemente o
Cristo interior. A crença, no entanto, depende de nossa cultura e religião e
reflete nossa confiança nas autoridades que nos ensinaram o que e como devemos
crer. A fé vem de dentro e a crença de fora.
Devemos lembrar que a maior
parte das passagens citadas relacionadas com a crença em Deus encontra-se no
Evangelho Segundo João. Esse evangelho é considerado como um evangelho
espiritual de natureza mística. O teor de suas passagens é tal que parte das
comunidades cristãs nos primeiros tempos não o aceitou inicialmente. Ainda que
certos historiadores e até mesmo alguns teólogos tenham objeções específicas sobre
seu texto, os místicos sentem uma afinidade natural para com ele, pois ele
reflete o tipo de revelação interior obtida pelos místicos avançados. Isso
significa que sua linguagem é especialmente alegórica e expressa estados de
consciência exaltados obtidos por aqueles filhos diletos que alcançam a união
com o Pai celestial.
As chaves para a interpretação
bíblica serão apresentadas de forma sistemática mais adiante. Porém, para
entendermos as passagens em consideração, é mister adiantar que tudo o que é
apresentado como ocorrendo no exterior, ocorre também no interior do ser
humano. Portanto, o Jesus histórico que pregou na Palestina há dois mil anos
atrás simboliza também o Cristo no coração de todos os seres, em todos os
tempos.
Quando Cristo despertar em
nossos corações e sua luz começar a brilhar em nosso interior teremos
certamente fé na luz, para nos tornarmos filhos da luz (Jo 12:36).
Quando tivermos a fé oriunda da comunhão com Cristo em nós, poderemos realizar
as obras que ele fazia (Jo 14:12), porque então será Ele quem estará agindo
através de nós. É nesse sentido que a todos os que o receberam deu o poder
de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem (têm fé) em seu nome (Jo 1:12).
Quem recebe a Graça da união final com o Senhor em sua consciência, sabe, sem a
menor sombra de dúvida, que ele é também um filho de Deus, como foi dito claramente:
?Eu sou teu Pai, e Eu te amo tal como meu filho, Jesus? (Jo 17:26).
Lembramos, ademais, que, na linguagem simbólica, a palavra ?nome? tem
geralmente o sentido de ?poder?. Portanto, crer, ou melhor, ter fé no nome de
Cristo, significa ter fé no poder de Cristo, o poder do Verbo, que é o poder
divino atuando no mundo e em todo aquele que alcançou a união com o Pai.
Paulo diz-nos que: Quem
nele crê (tem fé) não será confundido (Rm 10:11). Ora, sabemos que quando o
Cristo interior está desperto em nós não mais seremos confundidos com
argumentos ou meias-verdades, porque teremos finalmente alcançado o
conhecimento direto da verdade. Finalmente, quando a nossa fé em Cristo estiver
em seu ápice, o que só ocorre na última etapa do caminho místico com a união com
o Bem Amado, não mais teremos sede das verdades espirituais, pois estaremos
bebendo diretamente da Fonte da Verdade. Com isso nos tornaremos instrumentos
perfeitos do Senhor na Terra e passaremos a atuar como dispensadores da Verdade
e do Amor divinos, portanto, alegoricamente de nosso seio, ou seja, de nosso
coração, jorrarão rios de água viva (Jo 7:38), simbolizando os
ensinamentos salvadores de origem divina e a Graça que estaremos ministrando em
nome (com o poder) do Senhor.
Podemos concluir que a doutrina
cristã de que devemos ter fé em Cristo e em seu nome não é contrária à
proposição de que devemos despertar o Cristo em nós. Ao contrário, somente
quando despertamos Cristo em nós é que realmente desenvolvemos a verdadeira e
profunda fé em Cristo e não a mera crença superficial que não reflete o amor e
a luz de Cristo em nossa vida diária. Essa verdade foi tornada explícita por
Jesus, ainda que em linguagem velada como quase todas as passagens da Bíblia,
ao censurar seus discípulos por sua pouca fé. Essa mesma conclusão será obtida
de outra passagem com profundas implicações para nossa vida espiritual: ?Não
sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós??
(1 Co 3:16). Se cada um de nós é um templo de Deus e o Espírito de Deus habita
em nós, por que não agimos divinamente a todo o momento e em todas circunstâncias?
A resposta é óbvia: porque ainda não despertamos Cristo em nós e preferimos
virar nossas costas para nossa herança divina insistindo em continuar
prisioneiros da ilusão de que somos separados de nosso Pai celestial.
A busca da verdade
Agora que temos uma primeira
noção da santa revolução que ocorrerá em nossa vida quando alcançarmos a
Verdade, o próximo passo é investigarmos como alcançar essa verdade
libertadora. Um dos ingredientes fundamentais da vida espiritual é o anseio
insopitável pelo conhecimento de Deus, geralmente referido como aspiração
ardente. Essa aspiração nos dará forças para buscarmos a verdade com todo nosso
coração até que nos seja possível saciar esse anseio de nossa alma. Na Bíblia e
na literatura mística são feitas menções sobre a importância da busca. No
Antigo Testamento é dito: ?Se me procurares com todo o teu coração me
encontrarás? (Dt 4:29). Paulo, falando aos atenienses, indica que os homens
foram colocados na terra ?Para que procurassem a divindade e, mesmo se às
apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um
de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos? (At 17:27-28).
Jesus nos instou a buscarmos
o Reino, asseverando que todo aquele que busca acha (Lc 11:10). Porém, a busca
da verdade, que, em última instância, é a busca de Deus, deve ser feita com
maior empenho e determinação do que a que fazemos pelas coisas deste mundo. O
primeiro passo nessa busca é que para encontrar a verdade o buscador deve viver
em sintonia com a verdade, ou seja, agir e falar em todas as circunstâncias de
forma absolutamente verdadeira. As inúmeras menções de Jesus sobre a hipocrisia
dos fariseus, que cuidavam mais das aparências do que da motivação de suas
ações, deve alertar-nos para a sinceridade de nosso coração em tudo o que
fizermos e dissermos.
A Igreja reconhece a
importância da busca da verdade no caminho espiritual. No parágrafo
introdutório da ?Carta Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão)?, apresentada
em 1998, o Papa João Paulo II pontifica: ?A fé e a razão constituem como que as
duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da
verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a
verdade e, em última análise, de O conhecer, para que, conhecendo-O e amando-O,
possa chegar também à verdade plena sobre si mesmo.?
Todo o ministério de Jesus
estava voltado para despertar em nós o anseio e a necessidade de retornarmos à
Casa do Pai e nos ensinar o caminho que leva ao Reino. Isso não quer dizer que
só poderemos alcançar a meta quando conhecermos as implicações de todos os
ensinamentos de Jesus, e tivermos aplicado-os em nossa vida. Como sugerimos
anteriormente, o Mestre utilizava um método de instrução que visava apresentar
o instrumental da transformação interior que leva ao Reino, sob diferentes
enfoques. Com isso, aqueles que querem seguir o Mestre podem optar pelo método
que melhor atenda ao seu momento espiritual e temperamento.
Em que pese a diversidade de
caminhos que levam ao Reino, podemos distinguir um certo ritmo ou procedimento
para a jornada que reflete o ritmo cíclico da vida. Verificamos que desde os
astros no céu até os minúsculos átomos, passando por todos os seres vivos, tudo
é regido por ciclos de expansão e de contração, de ida e de vinda, de expiração
e inspiração, de sístole e diástole. A vida do ser humano também é regida por
ciclos, tanto no seu aspecto mundano como espiritual. Nos principais sistemas
do corpo humano esse princípio está presente: no respiratório com a inalação e
a exalação, no circulatório com o sangue arterial e o venoso, no nervoso com os
nervos aferentes e eferentes, no digestivo com a ingestão e a excreção. A busca
da verdade também reflete o ritmo cíclico da vida. Inicialmente a verdade será
buscada no exterior, ou por meio de instrumentos externos. Numa segunda etapa,
o fluxo da vida nos levará a buscar a verdade no interior. Ambas as fases, ou
enfoques, são necessárias, mostrando-nos que as duas têm um efeito complementar
dentro da totalidade do sistema divino.
Na psicologia e na vida
mística esse ritmo cíclico também foi constatado. Um dos mais inspirados
pesquisadores da mente humana do século passado, o psicólogo Carl G. Jung,
sugeriu que o propósito do ser humano é alcançar a individuação, que pode ser
entendida como o desenvolvimento de todo o potencial do homem e sua integração
como um ser maduro e realizado. A individuação seria alcançada por meio de duas
fases, que correspondem basicamente às duas etapas da vida do ser humano, sendo
a primeira caracterizada pela expansão da personalidade e sua adaptação ao
mundo exterior e a segunda pela introversão, quando ele se adapta aos ditames
da vida interior. Esse contraste de expansão para o exterior e subseqüente
movimento para o interior no processo de individuação foi comparado por um
monge da ordem carmelita, John Welch,
que era também psicólogo, com o processo da busca de Deus apresentado por
Teresa de Ávila na sua monumental obra: Castelo Interior ou Moradas.
Aquele monge sugere que as três primeiras moradas descritas por Teresa de
Ávila, alcançadas por meio de orações em que se usa palavras ou pensamentos,
equivaleriam à busca de Deus por meios externos. As três últimas moradas são alcançadas
com a oração do silêncio, equivalendo ao meio interior na busca de Deus. A
quarta morada seria uma etapa de transição entre as duas etapas fundamentais.
A busca da verdade
libertadora, que só é encontrada no Cristo interior, também segue o mesmo processo
cíclico, envolvendo um procedimento de busca com instrumentos externos e
internos. Ainda que em alguns casos essas duas etapas de busca no exterior e no
interior possam ocorrer separadas no tempo, em outros elas ocorrem
simultaneamente, cada uma delas exercendo uma ação nitidamente complementar
sobre a outra. Deve ficar claro que os instrumentos que descrevemos como
exteriores também atuam no interior do homem promovendo sua transformação
interior. Porém, o fator que inicia o processo ocorre no exterior do devoto. Os
meios exteriores são: (1) o estudo da experiência daqueles que conseguiram
conhecer a verdade libertadora, experiência essa descrita na literatura sobre a
vida espiritual e a vida dos místicos; (2) aprendizado do sentido interior dos
ensinamentos do Salvador por meio da interpretação bíblica com as chaves
apropriadas; (3) a ajuda dos rituais e sacramentos da Igreja. Esses três
instrumentos são extremamente poderosos e serão apresentados em ordem de
subtilização crescente.
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