LEVI.COM.BR - PAG.PRINCIPAL
CLIQUE AQUI PARA SE ASSOCIAR!
CLIQUE
AQUI
PARA SE
ASSOCIAR!
HOME TEOSOFIA PALESTRAS ASTROLOGIA NUMEROLOGIA MAÇONARIA CRISTIANISMO ESOTERICA.FM MEMBROS

O PODER TRANSFORMADOR
DO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Raul Branco


5. SEGUNDA ETAPA: A VIDA ESPIRITUAL

 

A decisão de progredirmos do objetivo mais limitado de vivermos uma vida ética para o objetivo mais ambicioso de seguirmos a vida espiritual virá naturalmente quando estivermos maduros, ou seja, quando estivermos convencidos que a vida material não atende nossas aspirações por uma vida mais plena e feliz e, portanto, nossa alma ansiar pela Presença de Deus. Porém, mesmo quando esse anseio começar a ser sentido, a tendência para a inércia, que rege grande parte de nossa vida material, fará com que encaremos nossos sentimentos de alma como uma espécie de sonho a ser lembrado com carinho, mas permanecendo simplesmente como um sonho. Essa é uma reação instintiva da personalidade, a expressão de nossa natureza inferior, procurando se proteger contra toda e qualquer mudança que possa afetar seu controle sobre a vida do indivíduo, sempre que ele começa a transferir sua atenção da vida material para a espiritual. Somente as almas determinadas, amorosas e responsáveis encontrarão força e motivação para empreender a árdua jornada da autotransformação que as levarão ao Reino, no seu devido tempo.

Uma das primeiras indicações de que o devoto está pronto para entrar na senda espiritual é sua disposição de deixar para trás seus apegos às coisas do mundo. Nossa tendência para acumular posses e desfrutá-las terá que ser revertida; deveremos buscar a simplicidade e estar atentos para ajudar nosso próximo. João da Cruz descreve a natureza do caminho espiritual e a disposição daquele que busca trilhá-lo: ?O caminho que leva ao cume do monte da perfeição, por ser estreito e escarpado, requer caminheiros livres de bagagem, pois seu peso os atrai a coisas inferiores. Só assim conseguirão superar todo obstáculo que se depara no caminho da busca de Deus. Pois ele deve ser o único objetivo de qualquer procura ou aspiração.?[22]

O derradeiro alvo da vida espiritual é passar da experiência de Deus (ter visões, ouvir sons ou vozes celestiais e receber instruções do Alto) para a união com Deus. Esse objetivo foi apresentado de forma velada ao longo do ministério de Jesus quando, em suas pregações, discorria sobre o Reino de Deus. Numa dessas ocasiões o Mestre conclamou-nos a ser ?perfeitos como o Pai que está nos céus é perfeito? (Mt 5:48). Ora, a única maneira do homem atingir a perfeição divina é tornar-se uma expressão de Deus, ou seja, é manifestar aquilo que já é desde o princípio quando foi criado à imagem e semelhança de Deus, pois ?Ele é a exata representação de meu ser? (Hb 1:3). Este objetivo não é uma quimera ou um sonho, mas uma realidade que já foi experimentada por milhares de místicos em todo o mundo e em todos os tempos. A jornada espiritual até esse estágio pode ser empreendida por vários caminhos e com a utilização de diferentes enfoques como instrumentos para nortear o rumo a ser tomado. Passar pela porta estreita para então trilhar o caminho apertado que leva ao Reino dos Céus pode ser um enfoque e a progressiva autotransformação que leva à perfeição outro.[23] No entanto, neste trabalho julgamos mais apropriado seguir uma terceira alternativa, o conhecimento da verdade. Deve ficar claro que todos os ?caminhos? nada mais são do que diferentes enfoques e ênfase em certos instrumentos para a necessária autotransformação pela qual todo devoto terá que passar para atingir o Supremo Bem.

 

Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará

A construção de nosso edifício espiritual, o templo que não é feito pelas mãos do homem, requer a utilização de materiais apropriados do plano espiritual. Não podem ser materiais frágeis e de pouca durabilidade. Tampouco podem fugir ao padrão divino de excelência e confiabilidade. Esse material superior, confiável e duradouro é a VERDADE. Quando Jesus disse: ?Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará? (Jo 8:32), ele fez uma revelação de uma profundidade tal que geralmente não suspeitamos.

Essa revelação sugere vários questionamentos. O que é a verdade? Como ela pode nos libertar? Nos libertar de que? E, talvez o mais importante, como podemos conhecê-la? Vejamos, em primeiro lugar, o objetivo mencionado por Jesus, ou seja, a libertação. O Mestre, ao que tudo indica, estava se referindo à libertação da prisão do mundo material, com suas incontáveis ilusões e sofrimentos. Essa libertação é simplesmente outra palavra para nosso conceito tradicional de Salvação, com a sua concomitante entrada no Reino de Deus. Portanto, Jesus estava nos indicando que cada um de nós é responsável por sua própria libertação ou salvação, já que para a alcançar devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para conhecermos a verdade. Ele acena com a solução, o conhecimento da verdade, mas não promete que ela nos será dada gratuitamente numa bandeja de prata. Devemos procurá-la. Dependerá de nosso esforço e dedicação encontrá-la ou não.

O ensinamento de Jesus sobre o poder libertador da verdade era mais facilmente compreendido por seus ouvintes na Palestina, porque foi proferido em aramaico, língua sintética em que cada palavra oferece uma ampla riqueza de significados. Nesse idioma, a palavra ?verdade? é serara, que tem uma conotação mais ampla que inclui o sentido de ?o que liberta e abre oportunidades,? ?o que é forte e vigoroso? e ?aquilo que age de acordo com a harmonia universal?.[24]

Muitos devotos podem achar estranho que devam procurar a verdade, já que cada uma das igrejas cristãs, dentre as quase duas mil denominações existentes, afirma que ela (e só ela) possui a verdade e que, como mediadora entre Deus e os homens, revela constantemente essa verdade aos seus fiéis e crentes. Mas se as igrejas possuem a verdade e a revelam aos seus membros, como se explica que a maior parte da cristandade ainda não alcançou a libertação e vive em conflito e sofrimento?

Existem diferentes níveis de verdades. Ainda que todas essas verdades cumpram um papel na vida do homem, somente a ?verdade última?, aquela a que Jesus se referia, é que tem o poder de libertar. As verdades apresentadas pelas igrejas, bem como pelos filósofos e estudiosos, são verdades conceituais, que atuam ao nível da mente. Porém, a verdade libertadora é bem mais profunda e abrangente, e só pode ser obtida por meio direto, por experiência própria, ao contrário das verdades conhecidas e oferecidas por agentes externos.

O conhecimento da verdade é um anseio natural do ser humano. Todos os homens estão constantemente buscando a verdade, acumulando conhecimentos de todo tipo e natureza: científicos, históricos, éticos e filosóficos, na esperança de que essas informações saciem sua sede pela verdade. Ainda que muitos desses conhecimentos nos ajudem a entender a vida e seu propósito não são suficientes para atender ao anseio mais profundo da alma. Poderíamos chamar esse nível de conhecimento de ?verdade teórica? ou ?verdade relativa?. A verdade teórica pode ser de grande utilidade para nos situar no Plano de Deus, para entendermos de onde viemos e para onde vamos. Mas somente a verdade última nos salvará.

A prática de Jesus de transmitir seus ensinamentos em frases curtas, porém com extensas e profundas implicações, como ?conhecereis a verdade e a verdade vos libertará,? é um costume milenar usado por muitos outros sábios no passado. Ela tem o propósito de nos levar a pensar e investigar todos os aspectos e as conseqüências desse ensinamento sintético até chegarmos ao seu âmago. Na Grécia antiga, por exemplo, no Templo de Delfos, importante centro de ensinamento dos Mistérios, que influenciou por muitos séculos os buscadores da verdade de uma vasta área da Europa, do oriente médio e da Ásia, essa forma de ensinar já era conhecida. No portal do templo estava escrito: ?Homem, conhece-te a ti mesmo.? E dizem os iniciados que entraram no templo, que a frase continuava do outro lado do portal: ?E conhecerás o universo.? Essa orientação do Templo de Delfos era muito semelhante à de Jesus. Os aspirantes aos Mistérios, seguindo a instrução recebida, procuravam conhecer melhor a si mesmo, buscando entender a fisiologia de seu corpo físico, bem como suas emoções, pensamentos e motivações. Mas, somente quando conseguiam conhecer sua natureza interior última, que na tradição cristã chamamos de Cristo em nós, é que finalmente compreendiam a grandiosidade do verdadeiro homem e, por analogia, conheciam o universo, a expressão do Homem Celestial.

 

Cristo em nós

A verdade salvadora, por ser uma verdade espiritual, só é revelada ao homem em Espírito. No Evangelho Segundo João encontra-se uma passagem de cunho místico em que Jesus diz: ?Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim? (Jo 14:6). Essa passagem, eminentemente alegórica, esclarece a questão que estamos procurando resolver. Nela, Jesus, o Cristo, representa também o Cristo que existe no interior de cada ser humano. O Cristo interior, Deus em nós, também referido no Antigo Testamento e no Evangelho de João como ?Eu Sou?, é o Caminho, a Verdade e a Vida. Muitos cristãos desconhecem que a expressão ?Eu Sou? foi cunhada pelos antigos cabalistas judeus em respeito ao mandamento de não invocarmos o santo nome de Deus em vão. Essa expressão foi escolhida especificamente para esse propósito porque tem o mérito de transmitir a noção de que o Absoluto não tem qualificativos que O limitam, como por exemplo ser grande, que exclui o pequeno. O Incognoscível é e permanece para todo o sempre, abrangendo tudo o que existe no mundo manifestado, mas sem ser por ele limitado, expressando a realidade de ?Eu Sou.? Ainda que essas concepções abstratas sejam de difícil entendimento, os evangelhos nos revelam que somente quando Cristo nasce em nossa consciência é que começamos a trilhar o caminho que leva ao Pai. Quando nosso coração está verdadeiramente sintonizado com o Cristo interior, nosso cérebro começa a registrar a Verdade eterna que liberta os homens da prisão da vida ilusória deste mundo. E esse Cristo, finalmente, é Vida, vida em abundância que nos transforma e conduz à Vida Eterna.

Só pelo Cristo interior é que poderemos chegar ao Pai. Essa revelação foi também compreendida e vivenciada por Paulo, como atestam suas palavras de esperança e orientação a seus discípulos: ?Meus filhos, por quem eu sofro de novo as dores do parto, até que Cristo seja formado em vós? (Gl 4:19). Obviamente, Paulo estava se referindo ao parto espiritual, ao renascimento do homem novo que passa a viver no mundo consciente de que Cristo está em seu coração. Com Cristo como nosso instrutor interior, nossa glória no Reino está assegurada (Cl 1:27). E ele permanecerá crescendo e desabrochando em nossa alma até a meta final, quando então alcançaremos ?o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo? (Ef 4:13). Pode parecer estranho que Cristo em nós deva crescer e desabrochar, mas a natureza crística existe inicialmente em todo ser humano como uma minúscula sementinha que deve germinar, ou seja, nascer em nossa consciência, para então seguir o processo de crescimento natural observado em todas as expressões divinas até alcançar a meta referida como a estatura da plenitude de Cristo.

É interessante notar que a passagem em João 14:6, no original em aramaico, possibilita um entendimento semelhante ao sugerido acima. A passagem foi traduzida como: ??Eu Sou? é o caminho, o senso de direção correta e a força da vida para trilhá-lo. A simples presença ilumina o que está à frente, liberta nossas escolhas e nos conecta com o poder da natureza. Ninguém entra em sintonia com o sopro da vida em tudo, o som e a atmosfera que criou o cosmo, a não ser por meio do sopro, do som e da atmosfera de outro ?Eu? incorporado conectado com o supremo ?Eu Sou?.?[25]

É muito comum entre católicos e protestantes, a crença de que só Cristo salva. Nossos irmãos evangélicos, geralmente mais engajados nas tarefas missionárias, costumam espalhar pelas ruas e lugares públicos cartazes dizendo que ?só Cristo salva?. Ainda que essa propaganda religiosa possa ser ressentida por não-cristãos, a maior parte dos budistas e iogues esclarecidos sabe que essa assertiva é uma verdade universal quando devidamente entendida. Os budistas compreendem que Cristo é equivalente a Buda, e os iogues e vedantinos sabem que Cristo é o Jivatma, ou o princípio divino no homem. Portanto, quando é dito que ?só Cristo salva?, uma verdade universal está sendo enunciada, ainda que numa linguagem sectária que aparentemente restringe a salvação aos cristãos.

O que os orientais sabiam há muitos milênios antes do nascimento de Jesus, é que somente quando expandimos nossa consciência para o nível de buddhi, terminologia oriental para o que os místicos cristãos chamam de princípio crístico, é que o devoto pode conhecer a verdade última, a verdade redentora. Somente quando nossa consciência é elevada ao plano crístico temos a experiência direta de sermos unos com o Todo e, portanto, unos com todos os seres. Essa verdade fundamental foi expressa por Jesus, quando ele disse: ?Eu e o Pai somos um? (Jo 10:30) e também ?Nesse dia compreendereis que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós? (Jo 14:20). Essa experiência de unidade com Deus e com todos os seres tende a repetir-se várias vezes para o místico, aumentando sua intensidade e abrangência com cada experiência. Mas a partir do momento em que o devoto passa pela primeira vez por essa experiência interior, sua vida muda radicalmente. Ele não mais se deixa levar pelas ilusões efêmeras deste mundo e procura, com todo o empenho, trilhar o caminho apertado que leva à perfeição.

Paulo, consciente do papel de nossa natureza interior, orava ao Pai em favor de seus discípulos: ?Para pedir-lhe que ele conceda, segundo a riqueza da sua glória, que vós sejais fortalecidos em poder pelo seu Espírito no homem interior, que Cristo habite pela fé em vossos corações e que sejais arraigados e fundados no amor? (Ef 3:16-17). Paulo sabia por experiência própria que o poder divino e a total sustentação do amor só podiam ser obtidos quando Cristo desperta em nossas almas, concedendo-nos a verdadeira fé em nossos corações.

Essa é a essência da experiência mística. Nas palavras de Leonardo Boff: ?A mística crística e espiritual é a dos olhos abertos e cósmica. Ela procura a unidade em todas as diferenças, na medida em que um fio divino perpassa o Universo, a consciência e a ação humana, para uni-los para frente e para cima, na perspectiva da suprema síntese com Deus, ômega da evolução e da criação.?[26]

Chegamos, então, ao ponto central da revelação do Senhor (Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará): o conhecimento da unidade do homem com Deus é a verdade que liberta. Porém, não é o conhecimento teórico da unidade que nos salva, porque, se assim fosse, ao lermos o que foi escrito acima, ou nos muitos livros que abordam esse tema, já estaríamos salvos. O conhecimento da verdade que Jesus mencionou é o direto, e não o intelectivo, ou indireto, por meios externos. Somente quando expandimos nossa consciência ao nível do princípio divino interior é que esse conhecimento-experiência é obtido, portanto, só Deus no interior do homem salva. Outra vez lembramos Paulo em sua linguagem característica: ?Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova? (2 Co 5:17).

Mas o que é o Cristo interno? Onde ele se encontra? Como ele atua? Sabemos que o ser humano tem um componente mortal e outro imortal. A totalidade do ser é descrita por Paulo, de forma simplificada, como corpo, alma e espírito (1 Ts 5:23). Como um místico, certamente ele tinha conhecimento de que a parte mortal, referida como o corpo, compreendia, na verdade, a totalidade da personalidade, formada pelo corpo físico e outros três corpos de natureza sutil: o corpo energético, o emocional e o mental concreto. A parte imortal é a expressão da Trindade Divina, é Deus imanente no homem, sendo comumente chamada de Eu Superior. Deve ficar claro que tudo o que falamos e escrevemos sobre a Divindade não passa de ideação, uma aproximação realizada por nossa mente na tentativa de conceber o incognoscível.

Ainda que muitas representações dos princípios do homem sejam feitas, para fins didáticos, apresentando-os em ordem ascendente como se estivessem dispostos em diferentes andares de um edifício, na realidade, esses princípios estão ordenados de dentro para fora. O mais sutil e elevado permeia todos os outros, mas está isolado na parte mais interior, como se fosse o ponto central de uma esfera,[27] e os outros princípios, do mais sutil ao mais denso situam-se progressivamente ao redor do ponto central, com o mais sutil sempre permeando o mais denso. O princípio mais denso, nosso corpo físico, fica como uma casca no exterior.

As funções do princípio crístico foram estudadas por grandes santos, iogues e clarividentes ao longo dos séculos. As percepções no plano crístico estão envoltas numa beleza, luminosidade, paz e bem-aventurança absolutamente indescritíveis. Enquanto o místico ou iogue está com sua consciência naquele plano, ele participa da glória divina, experimenta a mais profunda felicidade de toda sua vida, deslumbra-se com a unidade da vida em que todos os seres se apresentam interconectados e interdependentes, comprova o calor ardente do amor divino incondicional e sem limites e aprende verdades inefáveis que nem sempre podem ser repetidas àqueles que ainda não passaram por essa experiência, como afirmou Paulo: ?Sei que esse homem ? se no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe! ? foi arrebatado até o paraíso e ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem repetir? (2 Co 12:4). No entanto, quando o místico termina a experiência e retorna ao estado de consciência usual de vigília, verifica que suas visões e sentimentos, agora expressos por intermédio da mente e refletidos no cérebro físico, são percepções esmaecidas e distantes da grandiosidade experimentada diretamente no plano crístico. É como se a visão inicial tivesse sido coberta por uma série de véus (a matéria dos planos intervenientes entre o crístico e o material) que obscurecem e tiram a nitidez do que foi visto inicialmente. Por isso, tudo aquilo que nos é dito sobre as experiências no plano crístico representa uma mera caricatura da grandiosidade do que realmente ocorre naquele plano. Jacob Boehme, um dos maiores místicos cristãos, indica sua frustração ao tentar descrever suas visões:

?A linguagem terrena é totalmente insuficiente para descrever o que há de alegria, felicidade e encanto nas maravilhas internas de Deus. Até mesmo se a Virgem eterna as pintasse para nossas mentes, a construção humana seria fria e escura demais para ser capaz de expressar mesmo uma chispa dela em sua linguagem.?[28]

Mesmo para aqueles que ainda não receberam a graça de uma experiência mística, ou seja, para aqueles em que o Cristo interior ainda está dormente e não suficientemente ativo em sua consciência, ele, ainda assim, exerce importantes funções em nossa vida. O princípio crístico parece ter várias funções, sendo a mais simples a da compreensão. A mente não é o instrumento pelo qual o homem compreende, mas o instrumento que combina todas as impressões do mundo exterior e da memória, passando-as ao princípio crístico para sua interpretação e compreensão. Outra função é a inteligência, que está de certa forma ligada à compreensão. A inteligência é muitas vezes confundida com o intelecto. Este último é responsável pelo acúmulo de informações que o intelectual, ou erudito, junta em sua mente. A inteligência é a capacidade de compreender o significado do conhecimento adquirido. A pessoa inteligente sabe tirar inferências das informações acumuladas e demonstra ser sábio, ou seja, capaz de navegar no oceano da vida com um aparente instinto para fazer a coisa certa no momento apropriado. Perceber a verdadeira natureza das coisas é uma das características da inteligência.

O princípio crístico também tem a função do discernimento, que é de grande importância na vida espiritual. O discernimento nos permite distinguir o real do ilusório; o mais importante do menos importante; o certo do errado; o verdadeiro do falso; o útil do inútil. O devoto que busca seguir a Deus, ainda que vivendo em nosso mundo de ilusões, se tiver desenvolvido o discernimento, sabe sempre distinguir o caminho a tomar e as armadilhas a evitar.

Um corolário do desenvolvimento do discernimento é a capacidade para determinar prioridades na vida. O homem comum tem dificuldade para estabelecer uma hierarquia de prioridades, não só na vida espiritual, mas até mesmo na vida mundana. Muitas vezes dedica considerável tempo e energia às coisas de somenos importância dando pouca ou nenhuma atenção àquelas que são realmente significativas. Essa característica se reflete em todos os aspectos da vida, a ponto de algumas empresas de consultoria gerencial recomendarem a seus clientes que treinem seus executivos a preparar toda manhã uma lista das atividades que devem ser realizadas durante o dia e, então, começarem pelas mais importantes. Esses consultores verificaram em seus estudos que a tendência dos executivos é fazer justamente o oposto, realizar primeiro o que é menos importante, pois, geralmente essas tarefas são as mais fáceis, ficando as mais importantes para depois, se houver tempo.

Verificamos que a inteligência e o discernimento operam de forma similar. A luz do Cristo interior, quando atua sobre os problemas da vida diária, expressa a inteligência; quando é lançada sobre os problemas fundamentais da vida para identificar as ilusões, expressa o discernimento. Na literatura espiritual, é dito que a primeira qualificação para se trilhar a senda é o discernimento.[29] Mas, se por um lado o discernimento possibilita-nos identificar as ilusões e falsidades do mundo manifestado, ele também revela as realidades que geralmente se acham encobertas pelas inúmeras ilusões da vida diária.

Obviamente, essa capacidade para discernir o real só é demonstrada pelas pessoas altamente espiritualizadas, nas quais o princípio crístico está atuando de forma consciente. Quando essas pessoas alcançam intuitivamente a visão do real, elas não podem mais ser abaladas ou dissuadidas por argumentos em contrário. Elas agem assim porque conhecem a verdade de forma direta e incontroversa, ainda que muitas vezes não consigam explicar a razão dessa certeza, pelo fato de a mente não ter sido responsável por esse conhecimento, mas sim a intuição (outra palavra para o princípio crístico).

Essa função do princípio crístico possibilita-nos fazer a distinção entre fé e crença. A fé deriva-se do conhecimento direto da verdade, que é sempre a mesma, não importa a religião, tradição ou cultura a que pertença o indivíduo. A crença, ao contrário, expressa o que as pessoas passam a acreditar em virtude do que lhes é dito por uma autoridade, por isso a crença varia de acordo com a religião de cada um. Quando Jesus censurava seus discípulos pelo fato de terem pouca fé (Mt 14:31; 17:20; 21:21), ele estava indicando que eles ainda não tinham desenvolvido suficientemente o princípio crístico, a fonte da verdadeira fé.

Os verdadeiros santos e místicos, por terem desenvolvido seu princípio divino interior, apresentam certas características comuns: agem ao longo da vida com uma certeza e confiança que o homem comum não possui e demonstram uma profunda sabedoria, sabendo intuitivamente o que deve ser feito e o que deve ser dito em todas as ocasiões. Os místicos, tendo experimentado o amor total e incondicional de Deus e conhecendo a unidade que existe entre todas as células do grande organismo que é a humanidade, o corpo místico de Cristo, agem sempre com bondade e compaixão para com todos os seres, sem distinção de classe ou crença, incluindo até mesmo os animais sob seu manto amoroso. Ainda que compassivos e sempre dispostos a ajudar as pessoas, não impõem suas idéias e não exigem obediência cega, porque sabem que todos foram criados por Deus com livre arbítrio para trilhar seu próprio caminho, sendo, portanto, em última análise, responsáveis por si mesmos. A história indica que muitos dos verdadeiros santos e místicos não tiveram uma educação formal, alguns não sabiam nem mesmo ler. No entanto, por meio de seu princípio crístico desenvolvido, eram capazes de beber diretamente da fonte da sabedoria, tornando-se instrutores e guias de seus irmãos mais letrados.

Pelo fato da consciência crística ser uma função de um princípio superior, para ser refletida em nossa consciência cerebral, ela deve utilizar um princípio intermediário como veículo, qual seja, da mente ou do corpo emocional, dependendo do propósito em vista. De acordo com o temperamento da pessoa, a preponderância de um ou outro caminho será notada. Nas pessoas mais emocionais, o princípio crístico tende a se manifestar especialmente como intenso amor ou como um sentimento de compaixão para com a dor do outro. Para essas pessoas, a linha de menor resistência para alcançar a Verdade é a devoção. Esses devotos podem se tornar místicos.

Para as pessoas voltadas para o intelecto, o princípio crístico tende a se expressar como uma visão abrangente e penetrante dos problemas fundamentais da vida. Ainda que a atuação do princípio divino superior possa inicialmente desenvolver mais o amor ou o conhecimento, dependendo do temperamento do indivíduo, com o tempo a outra expressão será desenvolvida também, mostrando-se as duas conjuntamente como sabedoria.

 

Despertar Cristo em nós ou crer em Cristo?

Para os cristãos ortodoxos, acostumados com a interpretação literal da Bíblia e esquecidos das inúmeras menções feitas por Paulo a respeito do ?Cristo em nós?, a afirmação de que somente com o despertar do Cristo interior pode-se conhecer a verdade libertadora parece chocar-se com a doutrina central do cristianismo, qual seja, a de que a salvação vem por intermédio da crença em Jesus. A importância da crença em Cristo é tão fundamental que os membros da maioria das igrejas protestantes se autodenominam crentes e os católicos, por sua vez, são referidos como fiéis. As diversas passagens bíblicas, principalmente no Evangelho de João, em que são feitas menções sobre a crença, parecem reforçar essa postura.

Por essa razão, a verdadeira natureza da crença precisa ser melhor examinada. Existem cerca de duas mil igrejas cristãs, e cada uma delas afirma categoricamente ser a verdadeira representante da igreja de Cristo, parecendo, assim, haver um impasse quanto à real crença em Cristo. Cada denominação enfatiza que a verdadeira crença em Cristo é aquela por ela expressa, e que os membros das outras igrejas são hereges e até mesmo apóstatas. É chocante verificar como alguns representantes dessas denominações chegam a acusar membros de outras religiões, às vezes até mesmo cristãs, de serem agentes do demônio, posto que se recusam a aceitar a ?única? verdade revelada, a deles. È difícil entender como esses intolerantes conciliam as acusações sistemáticas que fazem às demais pessoas que não compartilham de suas crenças específicas com o ensinamento explícito de Jesus de não julgarmos nosso próximo. Será que aboliram de sua crença a aceitação da regra de ouro, de fazer ao próximo o que gostariam que os outros fizessem a eles? Será que gostariam de ser chamados de agentes do demônio? Como essa atitude que caracteriza maldade e desamor se coaduna com os ensinamentos do Mestre de que ?É pelo fruto que se conhece a árvore? (Mt 12:33) e ?A boca fala daquilo de que o coração está cheio? (Mt 12:34)?

Contrastando com essa atitude de intransigência exacerbada de alguns supostos cristãos, há felizmente religiosos, embora poucos, que tiveram uma real experiência de Deus em seu interior e demonstram uma compreensão amorosa para com as diferentes crenças, em sintonia com o exemplo do Salvador. Padre Marcelo Barros, um monge católico expressa sua opinião particular de que ?Jesus trouxe algo de novo: o que todas as religiões buscavam e propunham, ele revela que não vem pela religião. Que nenhuma religião salva. ?A lei não salva?. Nem o judaísmo que era a sua nem nenhuma outra. Deus dá seu amor e sua graça universalmente e, como já diz o termo, ?gratuitamente?. Todo mundo é chamado a essa realidade na solidariedade e no amor ao próximo. Essa revelação divina tem raízes no primeiro testamento, mas Jesus trouxe algo novo. Essa intimidade com Deus como um papai (Abba) ou mamãe amorosa com a qual cada pessoa pode livremente se relacionar, no íntimo do coração, é novo.?[30]

Um dos objetivos deste trabalho é oferecer o instrumental específico para superar a intolerância religiosa que tanto mal vem causando no seio da grande família cristã. O instrumento específico que garante o entendimento da mensagem de amor abrangente do Mestre e extirpa pela raiz os germes da intolerância é a meditação contemplativa apresentada mais adiante. Esse recurso vem sendo testado com sucesso por inúmeros grupos de meditação, incluindo não só pessoas de diferentes igrejas cristãs, mas também membros de outras crenças religiosas. Nas palavras dos dirigentes da Comunidade Mundial de Meditação Cristã: ?A meditação, como um caminho de tolerância e compaixão, constrói uma ponte do espírito entre pessoas de crenças diferentes, entre ricos e pobres e, ainda, entre aqueles que estão sofrendo com conflitos e divisões. As grandes angústias e aflições da sociedade moderna requerem profunda resposta contemplativa.?[31]

Se não é possível alcançar-se um consenso entre os membros das diferentes igrejas cristãs quanto a crença em Cristo que garanta a salvação, a questão proposta como tema de investigação para esta seção (?despertar Cristo em nós ou crer em Cristo??) pode parecer ainda mais abstrusa. No entanto, o cristão responsável deveria pensar duas vezes antes de declarar que as duas proposições são mutuamente contraditórias, pois nesse caso, se for provado que uma proposição é verdadeira a outra será falsa. Mas, como ambas encontram-se na Bíblia, não importa qual seja a falsa, esse impasse seria um desastre porque significaria que algumas partes da Bíblia não são verdadeiras. Ora, sabemos que a Bíblia contém a Palavra Divina e uma parte da verdade não pode ir contra outra parte da mesma verdade. Como Jesus nos ensinou, ?Todo reino dividido contra si mesmo acaba em ruína e nenhuma cidade ou casa dividida contra si mesma poderá subsistir? (Mt 12:25).

Só nos restam duas alternativas: ou ambas proposições são verdadeiras quando devidamente interpretadas, ou algumas partes da Bíblia que se contradizem não fazem parte do texto original divinamente inspirado, tendo sido acrescentadas posteriormente. No caso em pauta, estamos inteiramente convencidos que ambas proposições são verdadeiras, mas, como a linguagem bíblica é alegórica, precisamos interpretá-las devidamente para entender as jóias da sabedoria divina que sempre estiveram ao nosso alcance, mas que permanecem como tesouros escondidos no campo por nossa incapacidade para desenterrá-los. Uma vez interpretadas essas passagens vamos verificar que não são contraditórias mas perfeitamente compatíveis.

Na seção anterior verificamos que a verdade última que nos liberta da prisão da matéria é o conhecimento de que somos unos com o Pai celestial e, conseqüentemente, unos com todos os seres. O conhecimento vivencial da unidade, portanto, é a verdade suprema que estabelece o Reino no coração do devoto. Seu corolário, é que a fraternidade entre os homens, pelo fato de cada um ser uma expressão de Deus na terra, é um pré-requisito para alcançarmos a experiência de união com Deus.

Se o conhecimento-experiência da unidade é o supremo bem, seu oposto, a separatividade, o desconhecimento da unidade que nos leva a ver-nos como separados, será logicamente o supremo mal. Ao longo da Bíblia encontramos inúmeras passagens falando da eterna luta entre a luz e as trevas, entre Deus e o demônio, entre Espírito e matéria. No entanto, não damos a devida atenção ao fato de que essa luta cósmica também expressa a oposição intrínseca e fundamental entre a experiência da unidade e a falta dela. Tudo aquilo que reforça a tendência para a separação entre os homens vai contra o desígnio de Deus. Cada vez que discriminamos uma pessoa pelo fato de ter uma cor de pele diferente, por pertencer a outra nacionalidade, a outra classe social ou a outra religião ou igreja, estamos fazendo o trabalho do maligno e não o trabalho de Deus. No caminho espiritual o objetivo a ser alcançado é a inclusão de um número cada vez maior de irmãos dentro de nosso conceito da família humana, até que ele venha a abarcar todos indivíduos sem nenhuma exclusão, inclusive os pecadores, e os que professam uma crença diferente da nossa.

Esse ponto é de crucial importância na vida espiritual, pois as forças que trabalham para a divisão são as forças do mal, que são extremamente poderosas, e muitas vezes entorpecem e distorcem a mente das pessoas religiosas, tanto de leigos como da hierarquia clerical. O religioso convencido de que a Palavra divina salva, procura se engajar no trabalho missionário. Mas quando encontra obstáculos, fica convencido de que a oposição vem necessariamente do maligno e não de possíveis falhas em seu exemplo de vida amorosa. Inflamado pelo zelo, acaba se tornando um fanático que está disposto a tudo, inclusive a matar os ?infiéis? que se recusarem a receber a Palavra que ele acredita que os salvará. Acham que os fins justificam os meios, atitude muito comum na vida mundana. Porém, no mundo espiritual os meios são também fins em si mesmo, por que, para nos tornarmos perfeitas expressões do Amor (a finalidade de nossa vida), devemos adotar como meio uma vida amorosa.

O exemplo de vida de Jesus foi uma constante demonstração de que todos os homens são igualmente amados por Deus e não são por Ele discriminados mesmo quando a sociedade assim o faz. Por isso Jesus foi visto compartilhando suas refeições com notórios pecadores e os odiados coletores de impostos, os publicanos (Mt 9:11), apresentou como exemplo de atitude compassiva o comportamento de um samaritano (considerado pela maioria dos judeus como impuros) em contraste com a atitude ?legalista? de um sacerdote e um levita (Lc 10:30-37), e mencionou que não havia encontrado em Israel ninguém que tivesse tanta fé como a demonstrada pelo centurião romano que lhe solicitou curar à distância seu servo (Mt 8:10).

Se os ensinamentos e o exemplo do Mestre deixam explícito que todos os seres são filhos de Deus e, portanto, estão amorosamente incluídos na família humana, como é possível que muitos de seus seguidores pratiquem exatamente o oposto: a separação, a desunião e a exclusividade? O Salvador jamais iria apoiar qualquer discriminação entre pessoas por motivo de suas crenças, seja dentro ou fora do cristianismo, e muito menos perseguições religiosas e, pior ainda, ?guerras santas? visando a exterminação de qualquer grupo caracterizado como ?herege? pelas igrejas dominantes. A abominação das ?guerras santas?, conseqüência lógica do fanatismo religioso, deixou um rastro sinistro de milhões de mortos ao longo dos séculos, como os massacres dos albigenses e da população de Constantinopla, no século XIII, ordenados pelo papa Inocente III, com a seguinte justificativa: ?todo aquele que tentar estabelecer uma visão pessoal de Deus que conflite com o dogma da Igreja deve ser queimado sem piedade.?[32]

Selecionamos, a seguir, algumas passagens do Novo Testamento mais comumente citadas pelos cristãos ortodoxos para dar suporte à ênfase que colocam na mera crença em Jesus e no nome dele como forma de salvação. Procuraremos depois evidenciar que, ao contrário, essas passagens estão em perfeita harmonia com a idéia do despertar do Cristo interior como forma de alcançar-se o conhecimento da verdade redentora.

?Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem em seu nome? (Jo 1:12).

?Vendo os sinais que fazia, muitos creram em seu nome? (Jo 2:23).

?Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna? (Jo 3:16).

?Quem nele crê não é julgado; quem não crê, já está julgado, porque não creu no Nome do Filho único de Deus? (Jo 3:18).

?Quem crê no Filho tem vida eterna. Quem recusa crer no Filho não verá vida? (Jo 3:36).

?Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome, e o que crê em mim numa mais terá sede? (Jo 6:35).

?Aquele que crê em mim conforme a palavra da Escritura: de seu seio jorrarão rios de água viva? (Jo 7:38).

?Disse-vos que morrereis em vossos pecados, porque se não crerdes que EU SOU, morrereis em vossos pecados? (Jo 8:24).

?Quem crê em mim, ainda que morra, viverá? (Jo 11:25).

?Enquanto tendes a luz, crede na luz, para vos tornardes filhos da luz? (Jo 12:36).

?Quem crê em mim não é em mim que crê, mas em quem me enviou? (Jo 12:44).

?Eu, a luz, vim ao mundo para que aquele que crê em mim não permaneça nas trevas? (Jo 12:46).

?Quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas? (Jo 14:12).

?Por meio de seu nome, receberá a remissão dos pecados todo aquele que nele crer? (At 10:43).

?Quem nele crê não será confundido... Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Mas como poderiam invocar aquele em quem não creram?? (Rm 10:11,13-14).

?Qual é a extraordinária grandeza do seu poder para nós, os que cremos, conforme a ação do seu poder eficaz? (Ef 1:19).

?Deus nos deu a vida eterna e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho não tem a vida. Eu vos escrevi tudo isto a vós que credes no nome do Filho de Deus? (1 Jo 5:11-13).

Cumpre notar inicialmente que a aceitação literal dessas passagens pode nos levar a algumas conclusões curiosas. Talvez a mais surpreendente para o buscador não-cristão é que o cristianismo é de todas as religiões a que oferece a fórmula mais fácil de salvação. A salvação estaria assegurada a todos os que crêem em Cristo ou em Seu nome. Deixando de lado o problema relacionado com as sutilezas da crença específica de cada denominação cristã, procuremos examinar as conseqüências dessa tese. Percebe-se que o cristão típico não é nem pior nem melhor do que as demais pessoas com quem convivemos socialmente, quer sejam religiosos ou não. Ou seja, ele é geralmente egoísta, mesquinho, orgulhoso, prepotente, materialista e oportunista tanto quanto os outros. Porém, mesmo com todos esses sérios defeitos, aquele que crê em Cristo será salvo, enquanto os outros, que crêem em Buda, em Brahma, em Alá, em Xangô ou somente na matéria, não serão salvos. Será que Deus tem a mesma atitude mesquinha dos homens que só estendem a generosidade de suas bênçãos e benesses aos seus amigos e aos que concordam com ele? Como poderíamos justificar essa predileção atribuída a Deus por uma pequena parte de seus filhos, já que Jesus indicou que toda a humanidade faz parte de seu rebanho: ?Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil? (Jo 10:16)? Como explicar esse tratamento discriminatório por parte de nosso Bom Pastor, que sabemos ser absolutamente justo e misericordioso, e que por isso nos ensinou a amar até nossos inimigos, porque assim estaríamos amando a todos de forma incondicional como o ?Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos? (Mt 5:45)?

Será que Jesus realmente pregou que basta crer nele ou essa é uma interpretação posterior de algumas correntes de seus seguidores? Por que ele iria nos instar a sermos perfeitos como o Pai que está nos céus é perfeito, se a crença em Seu nome fosse suficiente para a nossa salvação? Por que ele nos disse que quando conhecermos a verdade, a verdade nos libertará? Por que os místicos cristãos procuram se purificar e transformar com um zelo que nos parece excessivo, apesar de já crerem sobejamente em Cristo? Esses questionamentos parecem indicar que existe um significado mais profundo em todas essas passagens que escapa ao entendimento numa leitura meramente literal. Isso não deveria ser surpresa, posto que Jesus indicou repetidamente que somente a seus discípulos falava as verdades do Reino de forma direta, enquanto ao povo, ou seja, a nós leitores de suas pregações, tudo era dito em parábolas, ou seja, em linguagem simbólica ou alegórica. Paulo torna isso explícito ao dizer que a letra mata e só o Espírito por trás da letra é que dá vida (2 Co 3:6). Portanto, devemos procurar ir além das palavras e entender a mensagem mais profunda que está escondida nessas passagens.

Ainda assim, sabemos que muitos católicos e evangélicos relutam em considerar a possibilidade de que essas passagens precisam ser interpretadas. Ponderam que a linguagem é tão direta que não precisa nenhuma interpretação. Essa atitude é compreensível, pois alguns psicólogos sugerem que o religioso convicto evita se aprofundar no estudo dos dogmas de sua religião, com receio de abalar os fundamentos de sua crença, nem sempre alicerçados na razão. O cristão típico está convencido de que sua crença já lhe garantiu a salvação sem que precise mudar a sua vida. Conseqüentemente, qualquer incursão mais profunda nos fundamentos de sua religião traz em si o perigo de constatar que precisa fazer muito mais do que o pouco que está fazendo atualmente. Porém, como cada ser humano é diferente, cabe a cada um se perguntar se seu comprometimento com a verdade é mais forte do que seu temor de descobrir que a verdade pode demandar muito mais de sua vida religiosa.

Mas, se ainda assim o católico ou evangélico insistir em que as passagens antes citadas devem ser aceitas literalmente, ele estará se colocando na posição desconfortável de ter que aceitar que ele próprio não crê suficientemente em Cristo. Mas que absurdo, diriam esses cristãos. Qual a razão dessa conclusão estapafúrdia? Ora, diríamos, se todas essas passagens devem ser aceitas literalmente, então só nos resta concluir que nenhum católico ou crente, inclusive padres e pastores, bispos e toda a alta hierarquia eclesiástica, crê verdadeiramente em Cristo, porque ?de seu seio não está jorrando rios de água viva?, conforme é dito em Jo 7:38; tampouco está fazendo as obras que Cristo fazia, como está assegurado aos crentes em Jo 14:12 e; finalmente, ainda tem sede e, portanto, bebe água, o que não aconteceria como está garantido em Jo 6:35: ?quem crê em mim nunca mais terá sede.? Confrontados com essa evidência, os cristãos tradicionais provavelmente iriam contestar que essas partes das passagens são obviamente simbólicas. Mas se elas são obviamente simbólicas, como podem ter certeza de que as outras passagens não são simbólicas também? Não seria mais prudente aceitar o que o próprio Salvador nos disse, ou seja, que ao povo Ele ensinava por parábolas, e que esses ensinamentos alegóricos foram registrados na Bíblia?

O testemunho dos grandes santos e místicos poderá ser de grande valia nessa questão, pois eles estão fora de qualquer suspeita quanto à profundidade de sua fé e de seu comprometimento em seguir a Cristo. Os místicos nos legaram um maravilhoso acervo de suas experiências com a contemplação que leva à união com Deus. Como arautos da verdade que conheceram diretamente por revelação divina, fizeram afirmações que às vezes nos chocam, pois chamam nossa atenção para a realidade da responsabilidade última por nossa própria vida e salvação, que preferimos ignorar. Uma dessas revelações, diretamente pertinente ao tema apresentado aqui, é atribuída ao monge místico Ângelus Silésius:

?Ainda que Cristo venha a nascer mil vezes em Belém?,

Mas não dentro de ti, tu permanecerás miserável,

A cruz no Gólgota procuras em vão

A menos que, dentro de ti, ela seja erguida outra vez.?

Esse místico afirma de forma clara e direta que a vida de Cristo, como está relatada nos evangelhos, não deve ser entendida simplesmente como um fato histórico, limitado no tempo e no espaço. Ao contrário, a vida de Cristo simboliza também o caminho eternamente válido que deve ser trilhado por todo aquele que realmente almeja alcançar o Reino dos Céus. Portanto, não basta a crença no nascimento de Jesus Cristo em Belém, mesmo que ele venha a ser repetido mil vezes, para que minha alma possa se libertar da prisão da matéria em que me encontro. O Cristo Salvador deve nascer também em meu interior para que eu deixe de ser um miserável sofredor e torne-me um bem-aventurado filho da luz. Eu também preciso crucificar minha natureza material para que venha ressurgir, ou renascer, como um homem novo glorificado em Cristo, para então, e só então, ascender ao Reino de Deus. É preciso subir o Gólgota, a elevação de consciência em que nossa natureza material será crucificada, para que nossa natureza divina possa ressuscitar com toda sua glória. Afinal, a palavra gólgota significa caveira, ou crânio. Portanto, é dentro de nossa cabeça simbolicamente, no interior de nossa mente, que devemos aceitar a responsabilidade por seguir a Cristo, tomando nossa cruz todos os dias (Lc 14:27).

Mas, se Cristo precisa nascer em nós, como devemos entender todas as passagens antes citadas? Infelizmente, a maior parte das passagens bíblicas relacionadas com a ?crença? em Cristo acabou sofrendo uma deturpação no processo de tradução do grego para o latim, e dessa língua para o português. No original grego, o verbo traduzido como crer era Pistebw (pistevo), que significa ?ter fé?. No entanto, foi traduzido para o latim como credere e daí para o português como ?crer.? Ainda que a diferença entre ter fé e crer possa parecer pequena, ela é imensa no seu sentido espiritual.

Como mencionamos na seção anterior, a verdadeira fé, equivalente a uma certeza inquebrantável resultante da experiência direta, só ocorre quando o Cristo interior está desperto e atuante no indivíduo. Jesus repreendeu diversas vezes seus discípulos por sua pouca fé ou falta de fé, ou seja, por não terem desenvolvido suficientemente o Cristo interior. A crença, no entanto, depende de nossa cultura e religião e reflete nossa confiança nas autoridades que nos ensinaram o que e como devemos crer. A fé vem de dentro e a crença de fora.

Devemos lembrar que a maior parte das passagens citadas relacionadas com a crença em Deus encontra-se no Evangelho Segundo João. Esse evangelho é considerado como um evangelho espiritual de natureza mística. O teor de suas passagens é tal que parte das comunidades cristãs nos primeiros tempos não o aceitou inicialmente. Ainda que certos historiadores e até mesmo alguns teólogos tenham objeções específicas sobre seu texto, os místicos sentem uma afinidade natural para com ele, pois ele reflete o tipo de revelação interior obtida pelos místicos avançados. Isso significa que sua linguagem é especialmente alegórica e expressa estados de consciência exaltados obtidos por aqueles filhos diletos que alcançam a união com o Pai celestial.

As chaves para a interpretação bíblica serão apresentadas de forma sistemática mais adiante. Porém, para entendermos as passagens em consideração, é mister adiantar que tudo o que é apresentado como ocorrendo no exterior, ocorre também no interior do ser humano. Portanto, o Jesus histórico que pregou na Palestina há dois mil anos atrás simboliza também o Cristo no coração de todos os seres, em todos os tempos.

Quando Cristo despertar em nossos corações e sua luz começar a brilhar em nosso interior teremos certamente fé na luz, para nos tornarmos filhos da luz (Jo 12:36). Quando tivermos a fé oriunda da comunhão com Cristo em nós, poderemos realizar as obras que ele fazia (Jo 14:12), porque então será Ele quem estará agindo através de nós. É nesse sentido que a todos os que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem (têm fé) em seu nome (Jo 1:12). Quem recebe a Graça da união final com o Senhor em sua consciência, sabe, sem a menor sombra de dúvida, que ele é também um filho de Deus, como foi dito claramente: ?Eu sou teu Pai, e Eu te amo tal como meu filho, Jesus? (Jo 17:26). Lembramos, ademais, que, na linguagem simbólica, a palavra ?nome? tem geralmente o sentido de ?poder?. Portanto, crer, ou melhor, ter fé no nome de Cristo, significa ter fé no poder de Cristo, o poder do Verbo, que é o poder divino atuando no mundo e em todo aquele que alcançou a união com o Pai.

Paulo diz-nos que: Quem nele crê (tem fé) não será confundido (Rm 10:11). Ora, sabemos que quando o Cristo interior está desperto em nós não mais seremos confundidos com argumentos ou meias-verdades, porque teremos finalmente alcançado o conhecimento direto da verdade. Finalmente, quando a nossa fé em Cristo estiver em seu ápice, o que só ocorre na última etapa do caminho místico com a união com o Bem Amado, não mais teremos sede das verdades espirituais, pois estaremos bebendo diretamente da Fonte da Verdade. Com isso nos tornaremos instrumentos perfeitos do Senhor na Terra e passaremos a atuar como dispensadores da Verdade e do Amor divinos, portanto, alegoricamente de nosso seio, ou seja, de nosso coração, jorrarão rios de água viva (Jo 7:38), simbolizando os ensinamentos salvadores de origem divina e a Graça que estaremos ministrando em nome (com o poder) do Senhor.

Podemos concluir que a doutrina cristã de que devemos ter fé em Cristo e em seu nome não é contrária à proposição de que devemos despertar o Cristo em nós. Ao contrário, somente quando despertamos Cristo em nós é que realmente desenvolvemos a verdadeira e profunda fé em Cristo e não a mera crença superficial que não reflete o amor e a luz de Cristo em nossa vida diária. Essa verdade foi tornada explícita por Jesus, ainda que em linguagem velada como quase todas as passagens da Bíblia, ao censurar seus discípulos por sua pouca fé. Essa mesma conclusão será obtida de outra passagem com profundas implicações para nossa vida espiritual: ?Não sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?? (1 Co 3:16). Se cada um de nós é um templo de Deus e o Espírito de Deus habita em nós, por que não agimos divinamente a todo o momento e em todas circunstâncias? A resposta é óbvia: porque ainda não despertamos Cristo em nós e preferimos virar nossas costas para nossa herança divina insistindo em continuar prisioneiros da ilusão de que somos separados de nosso Pai celestial.

 

A busca da verdade

Agora que temos uma primeira noção da santa revolução que ocorrerá em nossa vida quando alcançarmos a Verdade, o próximo passo é investigarmos como alcançar essa verdade libertadora. Um dos ingredientes fundamentais da vida espiritual é o anseio insopitável pelo conhecimento de Deus, geralmente referido como aspiração ardente. Essa aspiração nos dará forças para buscarmos a verdade com todo nosso coração até que nos seja possível saciar esse anseio de nossa alma. Na Bíblia e na literatura mística são feitas menções sobre a importância da busca. No Antigo Testamento é dito: ?Se me procurares com todo o teu coração me encontrarás? (Dt 4:29). Paulo, falando aos atenienses, indica que os homens foram colocados na terra ?Para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos? (At 17:27-28).

Jesus nos instou a buscarmos o Reino, asseverando que todo aquele que busca acha (Lc 11:10). Porém, a busca da verdade, que, em última instância, é a busca de Deus, deve ser feita com maior empenho e determinação do que a que fazemos pelas coisas deste mundo. O primeiro passo nessa busca é que para encontrar a verdade o buscador deve viver em sintonia com a verdade, ou seja, agir e falar em todas as circunstâncias de forma absolutamente verdadeira. As inúmeras menções de Jesus sobre a hipocrisia dos fariseus, que cuidavam mais das aparências do que da motivação de suas ações, deve alertar-nos para a sinceridade de nosso coração em tudo o que fizermos e dissermos.

A Igreja reconhece a importância da busca da verdade no caminho espiritual. No parágrafo introdutório da ?Carta Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão)?, apresentada em 1998, o Papa João Paulo II pontifica: ?A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si mesmo.?

Todo o ministério de Jesus estava voltado para despertar em nós o anseio e a necessidade de retornarmos à Casa do Pai e nos ensinar o caminho que leva ao Reino. Isso não quer dizer que só poderemos alcançar a meta quando conhecermos as implicações de todos os ensinamentos de Jesus, e tivermos aplicado-os em nossa vida. Como sugerimos anteriormente, o Mestre utilizava um método de instrução que visava apresentar o instrumental da transformação interior que leva ao Reino, sob diferentes enfoques. Com isso, aqueles que querem seguir o Mestre podem optar pelo método que melhor atenda ao seu momento espiritual e temperamento.

Em que pese a diversidade de caminhos que levam ao Reino, podemos distinguir um certo ritmo ou procedimento para a jornada que reflete o ritmo cíclico da vida. Verificamos que desde os astros no céu até os minúsculos átomos, passando por todos os seres vivos, tudo é regido por ciclos de expansão e de contração, de ida e de vinda, de expiração e inspiração, de sístole e diástole. A vida do ser humano também é regida por ciclos, tanto no seu aspecto mundano como espiritual. Nos principais sistemas do corpo humano esse princípio está presente: no respiratório com a inalação e a exalação, no circulatório com o sangue arterial e o venoso, no nervoso com os nervos aferentes e eferentes, no digestivo com a ingestão e a excreção. A busca da verdade também reflete o ritmo cíclico da vida. Inicialmente a verdade será buscada no exterior, ou por meio de instrumentos externos. Numa segunda etapa, o fluxo da vida nos levará a buscar a verdade no interior. Ambas as fases, ou enfoques, são necessárias, mostrando-nos que as duas têm um efeito complementar dentro da totalidade do sistema divino.

Na psicologia e na vida mística esse ritmo cíclico também foi constatado. Um dos mais inspirados pesquisadores da mente humana do século passado, o psicólogo Carl G. Jung, sugeriu que o propósito do ser humano é alcançar a individuação, que pode ser entendida como o desenvolvimento de todo o potencial do homem e sua integração como um ser maduro e realizado. A individuação seria alcançada por meio de duas fases, que correspondem basicamente às duas etapas da vida do ser humano, sendo a primeira caracterizada pela expansão da personalidade e sua adaptação ao mundo exterior e a segunda pela introversão, quando ele se adapta aos ditames da vida interior. Esse contraste de expansão para o exterior e subseqüente movimento para o interior no processo de individuação foi comparado por um monge da ordem carmelita, John Welch,[33] que era também psicólogo, com o processo da busca de Deus apresentado por Teresa de Ávila na sua monumental obra: Castelo Interior ou Moradas[34]. Aquele monge sugere que as três primeiras moradas descritas por Teresa de Ávila, alcançadas por meio de orações em que se usa palavras ou pensamentos, equivaleriam à busca de Deus por meios externos. As três últimas moradas são alcançadas com a oração do silêncio, equivalendo ao meio interior na busca de Deus. A quarta morada seria uma etapa de transição entre as duas etapas fundamentais.

A busca da verdade libertadora, que só é encontrada no Cristo interior, também segue o mesmo processo cíclico, envolvendo um procedimento de busca com instrumentos externos e internos. Ainda que em alguns casos essas duas etapas de busca no exterior e no interior possam ocorrer separadas no tempo, em outros elas ocorrem simultaneamente, cada uma delas exercendo uma ação nitidamente complementar sobre a outra. Deve ficar claro que os instrumentos que descrevemos como exteriores também atuam no interior do homem promovendo sua transformação interior. Porém, o fator que inicia o processo ocorre no exterior do devoto. Os meios exteriores são: (1) o estudo da experiência daqueles que conseguiram conhecer a verdade libertadora, experiência essa descrita na literatura sobre a vida espiritual e a vida dos místicos; (2) aprendizado do sentido interior dos ensinamentos do Salvador por meio da interpretação bíblica com as chaves apropriadas; (3) a ajuda dos rituais e sacramentos da Igreja. Esses três instrumentos são extremamente poderosos e serão apresentados em ordem de subtilização crescente.


 

Voltar


PESQUISAR EM LEVIR.COM.BR

GLOSSÁRIO
TEOSÓFICO
HOME TEOSOFIA PALESTRAS ASTROLOGIA NUMEROLOGIA MAÇONARIA CRISTIANISMO ESOTERICA.FM MEMBROS
WWW.LEVIR.COM.BR © 1996-2024 - LOJA ESOTÉRICA VIRTUAL - FALE CONOSCO: levir@levir.com.br - whatsapp: 11-99608-1994