6. OS INSTRUMENTOS EXTERIORES
Estudo do caminho espiritual e da vida dos místicos
Até que o homem alcance a
elevada estatura espiritual em que poderá atuar conscientemente com seu
princípio crístico, só disporá de sua mente e intelecto para entender o mundo e
seus processos. Por isso, o estudo da experiência daqueles que já trilharam o
caminho que leva à Verdade libertadora será extremamente útil tanto para
inspirar-nos quanto para nos alertar para os percalços do caminho e
instruir-nos sobre a importância dos diferentes meios para se alcançar essa
meta.
Existem muitas obras sobre a
vida espiritual que podem auxiliar o devoto. Porém, devemos ter em mente o
óbvio, ou seja, que o propósito do estudo deve ser aprender o que não
conhecemos, e não meramente deleitar o ego reiterando o que já estamos cansados
de saber com obras de autores conhecidos de nossa linha de pensamento ou de
nossa crença. A atitude de buscarmos o novo faz parte do processo de expansão
de consciência e de crescimento interior. Essa atitude também produz um
excelente efeito colateral, o desenvolvimento da verdadeira fraternidade e da
humildade, pois vamos inevitavelmente descobrir nesses livros de autores de
outras correntes que não a nossa, que o bom Deus distribui talentos e sabedoria
para todos seus filhos, não importa sua religião, nacionalidade ou status.
Tenho verificado isso repetidamente em minha própria experiência de estudante
da vida espiritual. Um dos temas que mais toca meu coração é a vida e os
ensinamentos dos místicos. Depois de ter pesquisado a vida dos místicos
cristãos, estudei livros de outras tradições e tive a agradável surpresa de
verificar que os místicos orientais e, em particular, os místicos sufis
(maometanos) também têm muito a nos ensinar.
Os místicos são os expoentes
da família humana que, em todos os tempos e todas as tradições, são consumidos
por uma paixão por satisfazer seus anseios pela verdade absoluta e a
experiência do amor total de Deus. Para alcançar sua meta fazem, aparentemente
sem esforço e de bom grado, sacrifícios que o resto da humanidade considera
descomunais. O mundo místico é extremamente diferente da vida cotidiana;
qualquer tentativa de entendimento dessa outra realidade requer uma preparação
prévia que expanda nossa capacidade de percepção. Assim como os sentidos
físicos são imprescindíveis para a percepção da realidade exterior, novas
capacidades espirituais são indispensáveis para perceber-se a realidade
interior.
Em todos os tempos e
tradições religiosas, os leigos e até mesmo boa parte dos religiosos sempre
tiveram considerável dificuldade para entender as revelações apresentadas pelos
grandes místicos. As idéias dos místicos, eivadas de paradoxos, parecem, às
vezes, infringir a lógica e o bom senso. A dificuldade de comunicação entre o
místico e o homem comum é semelhante a de uma pessoa com visão normal tentando
descrever o por de sol ou o arco-íris para um cego de nascimento. O cego, por
mais imaginativo ou inteligente que seja, não pode conceber a diferença entre
as cores e seus matizes. No caso da comunicação do místico com o leigo, o leigo
é como um cego para aquele nível de percepção em que o místico tem suas visões.
Tomemos, por exemplo, um
ensinamento em forma de poesia, do monge alemão, Ângelus Silésius:
?Se no teu centro
um Paraíso não puderes
encontrar,
não existe chance alguma
de,
algum dia, nele entrar.?
Como se vê, o místico só
encontra força para suas realizações aparentemente sobre-humanas por ter a
certeza interior de que a meta será alcançada. É como se Deus nos garantisse
que quando o buscamos já o encontramos fora das limitações do tempo e do
espaço. O místico Royce escreveu a esse respeito: ?Finitos como somos, ainda
que pareçamos perdidos na floresta ou no descampado do deserto, neste mundo do
tempo e da chance, ainda temos, como os animais perdidos ou as aves
migratórias, nosso instinto de direção. Buscamos. Isso é um fato. Buscamos uma
cidade ainda distante. No contraste com essa meta, vivemos. Mas nesse caso, já
possuímos então algo do Ser mesmo em nossa busca finita. Pois a prontidão para
buscar já é uma realização, mesmo não sendo inteiramente satisfatória.?
O misticismo pode ser visto
como o processo de preenchimento da consciência com um conteúdo espiritual
elevado que supera o obtido na experiência usual do dia-a-dia e que surge
involuntariamente do inconsciente. O conhecimento resultante não é derivado da
percepção dos sentidos, pois a vontade consciente nada tem a ver com ele, e só
pode surgir por meio de inspiração do inconsciente. Os místicos, portanto, não
são exclusivamente religiosos e nem sempre buscadores espirituais. Muitos
místicos são encontrados entre os gênios da arte e da ciência, dentre os quais
poderíamos mencionar Fidias, Rafael, Beethoven, Mozart, Goethe, Miguelangelo,
Newton e Einstein.
A evolução da vida do
místico, não importa a sua ?escola? ou tradição religiosa, costuma a acontecer
nas seguintes etapas: (a) rompimento preliminar com o mundo dos sentidos; (b)
novo nascimento e desenvolvimento da consciência espiritual em níveis elevados,
também chamado na tradição cristã de ?conversão? e (c) dependência de
realização da natureza divina em camadas cada vez mais íntimas e profundas da
consciência.
O objetivo do místico é de
se transformar de fato Naquele em cuja imagem e semelhança ele foi criado. Somente
o Ser pode conhecer o Ser. Percebemos aquilo que somos e somos aquilo que
percebemos. O caminho místico é a reconstrução de nosso ser: da ilusão do mundo
exterior, onde nos encontramos aprisionados na teia dos sentidos, para a
realidade invisível e indizível interior. Só o Real em nós pode conhecer o Real
no Todo. Por isso foi dito: ?Não sabeis que sois um templo de Deus e que o
Espírito de Deus habita em vós?? (1 Co 3:16)
Apesar da natural variedade
de experiências vividas pelos místicos, classificações tentativas foram
sugeridas por alguns estudiosos. Ao longo da Idade Média a classificação
preferida era de três estágios conhecidos como: via purgativa, via iluminativa
e via unitiva. Teresa de Ávila, em sua obra Castelo Interior ou Moradas,
fala de sete estágios. Atualmente, porém, a tendência é classificar a vida dos
místicos em cinco estágios.
1. Despertar. O despertar para a consciência da realidade divina é
geralmente abrupto e bem perceptível, sendo acompanhado de sentimentos de
intensa alegria a exaltação. Em alguns místicos pode ocorrer de forma gradativa
ao longo de vários anos. Para alguns místicos a pedra de toque é o amor divino
que os chama para uma união inefável. Apesar do despertar ser repentino
normalmente expressa a culminação de um longo período de gestação interior da
alma, que se caracteriza por intranqüilidade, insatisfação e estresse mental. O
despertar, também chamado de conversão, pode ser visto como um processo de
descentralização.
Com o nascimento biológico o
indivíduo sai de seu pequenino e confortável mundo intra-uterino, totalmente
protegido, para o mundo exterior onde passará a ser controlado por instintos
inatos de autopreservação e de expressão de sua natureza primitiva. Para ele o
universo está organizado ao redor de sua personalidade, o centro de seu mundo.
Com o crescimento, um dia virá o despertar místico. Esse significa uma
reviravolta em sua consciência individual, que passa a ser orientada para um
mundo maior, há uma expansão de consciência. Com freqüência essa mudança ocorre
de repente e torna-se uma grande revelação. Esse é o primeiro aspecto do
despertar: a pessoa emerge de um mundo menor e limitado de existência para um
mundo mais amplo e mais belo.
Na maioria dos casos, o
início dessa nova consciência ocorre de forma inesperada. Parece imposto de
fora em vez de surgir do interior. O tipo de experiência marcante do despertar,
ou conversão, depende do temperamento do futuro místico e de suas condições
sociais. Existem dois caminhos básicos para a percepção da Realidade: o aspecto
transcendente e o imanente, que também se expressam como o eterno e o temporal,
o absoluto e o dinâmico. Eles englobam as duas formas de conhecimento de Deus
que é ao mesmo tempo Ser e Vir a Ser, longe e perto. Ainda que no místico
maduro ambos os aspectos sejam vivenciados, o despertar místico sempre se dá
pela linha de menor resistência.
Para alguns a experiência
pode ser a apreensão de um esplendor externo, uma compreensão mais ampla do
universo, sem forma e inefável, que toma conta da alma, fazendo-a passar do
conhecimento deste mundo para um vago ainda que verdadeiro conhecimento do
outro mundo. O Deus Supremo é percebido como transcendendo este mundo ainda que
imanente em todas as coisas. A nota predominante dessa experiência é a glória
de um mundo transfigurado. Para outros indivíduos a pedra de toque é o amor
divino, como ocorreu com Francisco de Assis, Madame Guyon, Catarina de Gênova,
para citar uns poucos exemplos mais conhecidos. Nesses casos, o místico é estimulado
por uma realidade interior, por Deus Imanente. Enquanto os que olham para fora
percebem a revelação da Beleza Divina, os que olham para dentro são tocados
pelo Amor Divino.
2. Purgação. Para que o despertar interior surta o efeito desejado
de direcionar a alma para o caminho místico, o indivíduo deverá responder
positivamente a essa experiência. Não basta ser um espectador da Realidade. A
pessoa deve ser tomada por um ardente desejo de participar daquela vida maior
que vislumbrou. Para isso deve estar disposta a embarcar numa extenuante
mudança radical de vida. O primeiro passo desse longo e penoso caminho deve ser
o abandono de tudo aquilo que não estiver em harmonia com a realidade superior
percebida, isto é, deve renunciar a todas as ilusões, imperfeições e males de todo
tipo tão naturais no viver comum. Tendo vislumbrado a beleza ou o amor de Deus,
a alma entende que deve se purificar de tudo o que é contrário à natureza
divina. Percebe que as virtudes são os ?ornamentos do casamento espiritual?
porque aquele casamento é a união com Deus, que se adorna com o Belo e com a
Verdade. A alma compreende que deve ser purgada de toda impureza que a torna
indigna de aproximar-se do Supremo Bem. Ela deseja ardentemente fazer isso
desde o primeiro instante em que percebe o contraste entre a Luz do Bem Supremo
e sua natureza mundana maculada. A história da vida dos místicos está cheia de
exemplos do profundo senso de necessidade que impele a alma recém-desperta a
uma vida de desconforto material, geralmente de grande pobreza e dor, e
conflitos existenciais como a única maneira de substituir a ilusória
experiência deste mundo pelo conhecimento verdadeiro do mundo celestial. Porém,
esse esforço para efetuar a purgação é feito com grande alegria, pois seu
objetivo, o retorno à presença de Deus, permanece constante em sua consciência,
dando força e alento para todas suas batalhas.
Não importa se as formas de
purgação são drásticas e extenuantes as atividades a que o místico é levado,
ele reconhece que a destruição de seu antigo universo é uma parte essencial do
grande trabalho. A fase de purgação inclui invariavelmente a autodisciplina,
que não deve ser confundida com ascetismo. Esse geralmente é uma deturpação da
autodisciplina, pois envolve o abuso da capacidade física com privações e autoflagelações,
que reforçam, na verdade, o senso de separação do asceta. O ideal é uma atitude
de simplicidade austera e saudável. O misticismo cristão passou por várias
fases de ascetismo exagerado, que se iniciou com os anacoretas e cenobitas,
conhecidos como padres do deserto dos primeiros séculos, e continuou ao longo
da Idade Média.
3. Iluminação. Após o período de purificação, a experiência inicial
de elevação espiritual retorna, porém de forma mais intensa. O místico alcança
o estágio iluminativo, uma das etapas mais características da vida mística.
Quando, pela purgação, a alma se desapega das coisas próprias dos sentidos
físicos e adquire as virtudes que sente serem necessárias para aproximar-se do
Senhor, a Graça da Luz faz-se presente de forma cada vez mais profunda e
abrangente. A partir de então é como se a alma estivesse diante do Sol,
alcançou a Iluminação, um estado no qual ocorrem visões e aventuras da alma que
foram descritas por Teresa de Ávila e tantos outros místicos. Essas experiências
parecem formar um caminho dentro do caminho místico, um modo de alcançar o
objetivo final, um treinamento divino que visa fortalecer a alma e assisti-la
em sua ascensão. A iluminação constitui-se o cerne do estado contemplativo e
produz uma certa percepção do Absoluto, um senso da Presença Divina, mas não é
ainda a verdadeira união com o Um, embora seja também um estado de grande
felicidade.
O termo iluminação para essa
fase é literalmente apropriado, pois nela as experiências dos místicos são
quase sempre relacionadas com a luz. Essas experiências são descritas pelo
profeta Isaías de forma tocante: ?Não terás mais o sol como luz do dia, nem
o clarão da luz te iluminará, porque o Senhor será a tua luz para sempre, e o
teu Deus será o teu esplendor. O teu sol não voltará a pôr-se, e a tua lua não
minguará, porque o Senhor te servirá de luz eterna e os dias do teu luto
cessarão? (Is 60:19-20).
Existem três tipos de
experiências associadas com a etapa da iluminação que se repetem na vida do
místico. O primeiro é o profundo contentamento que acompanha a apreensão do
Absoluto, descrito por alguns como a ?prática da presença de Deus?: o místico,
agora purificado, ainda se percebe como uma entidade separada de Deus; ele não
está imerso em sua Origem mas a contempla. No segundo tipo, essa clareza de
visão também pode ser obtida com relação ao mundo terreno: as percepções
físicas apresentam-se de forma consideravelmente mais nítidas, a tal ponto que
o indivíduo percebe outros significados e realidades em todas as coisas
naturais. Por fim, além dessa expansão dual de consciência, há o aumento
considerável da capacidade intuitiva e de percepção transcendental. Em virtude
dessas expansões de consciência, o místico passa a ouvir em sua mente sons ou
mesmo vozes, ocorrendo às vezes diálogos entre a consciência usual e uma
inteligência interior que parece ser divina. Visões inefáveis acompanham esse
processo.
Depois de todo sofrimento da
etapa purgativa, o místico agora se deleita com a efusão do amor divino e com
os segredos daquele poderoso universo que ele compartilha com os demais seres
da natureza e com Deus. Nesse estágio, a intensidade de visão e a certeza da
percepção das coisas se combinam. As visões que o vidente traz consigo quando
retorna a sua consciência usual não são meramente impressões parciais, mas
verdades que abarcam o mundo, a vida e a conduta dos seres vivos. Essas
experiências não se restringem aos religiosos, mas são compartilhadas também
por poetas, artistas, filósofos e até mesmo cientistas. Em seus momentos de
êxtase, recebem revelações da verdade que nunca antes tinham conhecido. Nesse
estágio muitas das conquistas da ciência, da filosofia e da religião são
alcançadas pelos místicos ?iluminados? pela consciência crística. Mas o caminho
místico não termina nesse ponto, ainda que poucos consigam ir além.
4. Purgação da alma. Antes de alcançar a culminação da união com Deus, o
místico terá que passar por outra etapa purgativa, dessa vez de natureza
interior. Terá que se purificar da própria noção de ser um eu separado. Essa é
tida como a mais terrível de todas as experiências da via mística, sendo
chamada por alguns de ?dor ou morte mística?, ?purificação do Espírito? e
?noite escura da alma?. Enquanto na primeira purgação os sentidos foram
purificados e disciplinados, e as energias e interesses do indivíduo
concentrados em coisas transcendentais, agora o processo de purificação deve
ser estendido até o âmago do ser. O instinto humano para a felicidade pessoal
deve ser destruído. Deve ocorrer uma crucificação espiritual. O eu deve agora se
entregar completamente a Deus, colocando sua individualidade e sua vontade
pessoal como oferendas no altar divino.
O ingresso nessa nova etapa
toma de surpresa o místico acostumado à bem-aventurança da etapa iluminativa.
Mais uma oscilação entre a luz e a escuridão espera o viajante do árduo caminho
místico. Quando a ?noite escura da alma? ocorre, ela raramente é interrompida
por visões ou amenizada por vozes interiores. Uma de suas maiores misérias é o
fato de que o poder adquirido anteriormente do consolo da oração e da
contemplação parece inteiramente perdido. Um sentimento de impotência, vazio e
de solidão invade a alma do místico, que a partir de então se encontra imerso
num ?fogo escuro? de purificação.
Em sua obra célebre, João da
Cruz descreve esse tormento com palavras pungentes: ?No tempo das securas desta
noite sensitiva Deus opera a mudança já referida: eleva a alma, da vida do
sentido à do espírito, isto é, da meditação à contemplação, quando já não é
mais possível agir com as potências ou discorrer sobre as coisas divinas. Neste
período, padecem os espirituais grandes penas. Seu maior sofrimento não é o de
sentirem aridez, mas o receio de haverem errado o caminho, pensando ter perdido
todos os bens sobrenaturais e estar abandonados por Deus, porque nem mesmo nas
coisas boas podem achar arrimo ou gosto. Muitos se afanam então, e procuram,
segundo o antigo hábito, aplicar as potências com certo gosto em algum
raciocínio; julgam que, a não fazer assim, ou a não perceber que estão agindo,
nada fazem... Tais almas, neste tempo, se não acham quem as compreenda, deixam
o caminho, abandonando-o, ou se afrouxando.?
5. União. É nessa etapa que finalmente o místico alcança o
objetivo de todo o seu empenho. Quando a alma não espera mais nada, então ela
está pronta para a união. Foi assim com Jesus em sua experiência de sofrimento,
solidão e abandono, quando disse no Monte das Oliveiras: ?Pai, se queres,
afasta de mim este cálice! Contudo, não a minha vontade, mas a tua seja feita!?
(Lc 22:42). Nesse estágio a Vida Absoluta não é simplesmente percebida pelo
indivíduo, como na iluminação, pois agora o místico tem a experiência de ser
uno com ela. Ele sabe que alcançou a estatura da plenitude de Cristo e passa a
agir no mundo como um instrumento divino, com humildade, infinita compaixão e
sabedoria.
Agora ele alcançou a Verdade
e sabe por experiência própria que é uno com Deus. Na verdade, torna-se uma
expressão de Seu poder, de Seu amor e de Sua sabedoria, assumindo, conseqüentemente,
a responsabilidade, compartilhada por todas as outras expressões divinas, de
ajudar na salvação dos outros filhos de Deus no mundo. Ocorre então uma
transformação radical em sua postura de vida. Ele parece receber também a
energia divina para dinamizar sua vida exterior. Abandona então a atitude
passiva característica das etapas anteriores e embarca num novo período de
atividade no mundo como verdadeiro obreiro na seara do Senhor, agindo com
incomparável eficiência e habilidade em todas as tarefas necessárias para a
realização de sua missão terrena. Temos como exemplos desse extremo dinamismo,
as atividades de organização de Teresa de Ávila e João da Cruz; as atividades
de pregação de Francisco de Assis, Inácio de Loyola, Eckhart, Suso, Tauler e Fox;
de filantropia de Catarina de Gênova, Vicente de Paula, Catarina de Siena e,
recentemente, Madre Teresa de Calcutá.
Ao alcançar o ápice da
suprema realização da vida espiritual, os místicos passam a viver em duas
frentes simultaneamente: voltados para Deus e para a humanidade. Em
praticamente todos os casos conhecidos, esses grandes ativistas tiveram
primeiro que deixar o mundo como uma condição necessária para o estabelecimento
da união com aquela Vida Absoluta, pois uma mente distraída com os muitos não
pode apreender o Um. Daí ser a conhecida solidão do deserto ou da caverna uma
parte essencial da educação mística. Ele precisa galgar sozinho a montanha,
para depois retornar à planície como um plenipotenciário do Alto.
Interpretação da Bíblia
O estudo da Bíblia também oferece verdades inspiradoras. Contudo,
nossas escrituras, e mais especificamente os evangelhos, têm origem complexa, e
o processo de sua transmissão tornou a versão que conhecemos de difícil
entendimento. Uma das razões para isso é que Jesus ministrava seus ensinamentos
em aramaico e não em grego, língua em que supostamente os evangelhos foram
escritos. Como aqueles ensinamentos foram transmitidos em aramaico pelos
detentores da tradição oral durante várias décadas, alguns estudiosos acreditam
que eles foram primeiramente escritos naquela língua e só mais tarde traduzidos
para o grego.
Com base nessa versão grega,
os ensinamentos foram, mais tarde, vertidos para o latim e, finalmente, para
outras línguas modernas. Daí o surgimento de vários problemas na sua
transmissão em função da estrutura dessas línguas e dos problemas usuais de
tradução. É notório que a experiência de traduzir um documento, especialmente
de caráter místico, redunda sempre em alguma perda do significado original,
mesmo quando o tradutor é bem versado nas duas línguas. Mas, no caso da Bíblia,
temos um sério problema adicional, que é o fato de que, até o século XV, os
exemplares da Bíblia eram individualmente preparados por copistas, até que foi
inventado o método de impressão mecânica. Os copistas, geralmente monges,
naturalmente cometiam erros de transcrição e, o que é pior, às vezes,
procuravam ?ajudar? o entendimento do texto fazendo algumas ?correções? que
julgavam apropriadas. Como se isso não bastasse, existem fortes indícios de que
várias adições, modificações e subtrações foram efetuadas no Novo Testamento
para conformar o texto com decisões tomadas nos diversos concílios da Igreja.
Com isso o texto bíblico foi perdendo a pureza da prístina mensagem do
Salvador, tal como verdadeiramente registrada pelos autores dos evangelhos.
O trabalho de grande número
de estudiosos bíblicos a partir do século XIX, mostrando muitas das
incoerências dos evangelhos, conseguiu identificar, por meio da análise
lingüística, vários exemplos de interpolações e supressões que teriam ocorrido.
Essas descobertas levaram o Papa Pio XII, na encíclica DIVINO AFFLANTE SPIRITUS
(30.07.1943), a pedir a revisão das Escrituras e até mesmo da Vulgata. Essa
decisão papal causou grande celeuma entre o clero, porque a Vulgata tinha sido
proclamada, pelo Concílio de Trento, como inspirada por Deus, e o Papa Bento
XV, tinha declarado em 1920 (encíclica SPIRITUS PARACLITUS): ?A inspiração
divina atinge todas as partes da Bíblia, sem eleição nem distinção alguma, e é
impossível que o mínimo erro se tenha insinuado no texto sagrado inspirado?.
Ora, como o Concílio Vaticano I, em 1870, havia estabelecido o dogma da
infalibilidade papal (válido mesmo retroativamente), qualquer revisão bíblica
estaria infringindo o ?fato? estabelecido por Bento XV de que era impossível
existir o mínimo erro no texto sagrado inspirado.
Infelizmente não existe
nenhum exemplar conhecido da versão original do Novo Testamento. O mais antigo
manuscrito transmitindo os quatro evangelhos num único códice teria sido
escrito por volta de meados do século III. No entanto esse manuscrito não é
completo.
Os manuscritos mais antigos contendo a totalidade dos quatro evangelhos são
conhecidos como Codex Sinaiticus e Codex Vaticanus,
datados de meados do século IV. Esse fato não permite a comparação do texto
atual com o que teria sido o texto original dos evangelhos. A Igreja admite que
os evangelhos podem ter passado por três ou mais versões antes de chegar ao
texto canonizado.
As hipóteses levantadas para explicar essa lenta evolução da redação dos
evangelhos, com suas influências mútuas, são demasiadamente complexas para
serem apresentadas aqui. O importante é que o texto de cada um dos evangelhos
não foi escrito por um único autor, desde o início, sob a ?inspiração do
Espírito Santo? em sua forma final e ?sem erros,? como atesta o Papa Bento XV.
Além disso, os ensinamentos
originais em aramaico apresentavam conotações que nem sempre era possível
expressar inteiramente em outras línguas. Isso se deve ao fato de o aramaico
ser uma língua antiga e bastante sintética. Suas palavras podem comumente ter
diferentes e múltiplos significados como ocorre com suas línguas irmãs,
hebraica e árabe. Ao contrário do grego, o aramaico não tem divisões rígidas entre
meios e fins, ou entre qualidades internas e ação externa. Ambos estão sempre
presentes.
Relativamente ao aramaico, o grego só foi introduzido no oriente médio bem mais
tarde, assim, os vários significados de cada palavra em aramaico eram expressos
por duas ou mais palavras diferentes em grego. Pode-se, portanto, dizer que, em
aramaico, as palavras são ricas em significado, enquanto o grego é uma língua
rica em palavras.
Quando os lingüistas
comparam os textos bíblicos existentes em aramaico e em grego, verificam que o
texto grego invariavelmente limita o significado mais profundo e abrangente da
versão original em aramaico. Isso explica parte das dificuldades que os
cristãos têm para entender os ensinamentos do Senhor. O significado mais amplo
das palavras de Jesus foi limitado, e até mesmo distorcido em alguns casos, com
as diferentes traduções e editorações ao longo dos séculos. Esse é um sério
problema para o devoto, pois Jesus usava os diferentes significados das
palavras para despertar na alma de seus ouvintes uma sintonia com a profunda
verdade transformadora que ele procurava transmitir sob a aparência de coisas
simples. Verificamos que algumas confusões idiomáticas nas parábolas de Jesus
na Bíblia em grego, tornam-se claras para o leitor do texto em aramaico, em
vista do significado mais amplo das palavras usadas.
Felizmente ainda existe uma
versão da Bíblia em aramaico, ainda que pouco conhecida. Ela é chamada de Peshitta,
sendo ainda hoje adotada pela Igreja do Oriente, principalmente em partes da
Síria e da Armênia. A palavra peshitta em aramaico significa simples,
sincero e verdade.
Para que possamos aquilatar
as implicações da diversidade de significados das palavras em aramaico,
tomemos, por exemplo, a palavra shema, que pode significar luz, som,
nome ou atmosfera. Nas diferentes passagens em que Jesus nos orienta para orarmos ?com ou em seu shema? (geralmente traduzido como
?em meu nome?), que significado Jesus realmente queria nos passar? ?De acordo
com uma tradição do Oriente Médio, nas palavras da escritura sagrada ou nas
palavras de um profeta todos os significados possíveis podem estar presentes. O
devoto precisa considerar cada frase nas diferentes interpretações possíveis.
Além disso, o aramaico e o hebraico prestam-se a um rico e poético jogo de
palavras, com a rima interna de vogais, repetição de sons de consoantes e
frases paralelas. Esses artifícios aumentam ainda mais as possíveis traduções e
interpretações de um dado significado.?
Os exemplos de como os
diferentes significados das palavras em aramaico nos possibilitam um
entendimento mais abrangente para as passagens bíblicas são demasiado numerosos
para serem apresentados aqui. Vale a pena mencionar, porém, que a expressão
traduzida como ?Jesus filho de Deus? em aramaico era Yeshua bar Alaha,
que poderia ser traduzida mais apropriadamente como ?Jesus filho da Unidade?.
Talvez a passagem mais marcante para o cristão perceber a riqueza de
significados do aramaico seria a Oração do Senhor. O texto abaixo foi adaptado
do livreto do estudioso Neil Douglas-Klotz, ?Orações do Cosmo?
em cotação com outras versões de traduções do aramaico.
O PAI NOSSO
(do original em aramaico)
Ó Fonte da Manifestação! Alento da vida!
Pai-Mãe do Cosmo!
Faze Tua Luz brilhar
dentro de nós,
para que possamos
torná-la útil.
Ajuda-nos
a seguir nosso caminho
movidos apenas pelo
sentimento que emana de Ti.
Que nosso eu possa estar
em sintonia contigo,
para que caminhemos com
realeza com todos
os outros seres criados.
Estabelece
Teu Reino de unidade agora.
Que
Teu desejo e os nossos sejam um só,
em
toda a luz, assim como em todas as formas.
Dá-nos
o que precisamos cada dia, em pão e compreensão.
Desfaz os laços dos erros
que nos prendem,
assim como nós soltamos
as amarras que mantemos da culpa dos outros.
Não permita que a
superficialidade e a aparência das coisas do mundo nos iludam.
Mas libertá-nos de tudo
que nos aprisiona.
E não
nos deixe sermos tomados pelo esquecimento
de que de ti nasce a
vontade que tudo governa,
o poder e a força viva de
todo movimento,
e a melodia que tudo
embeleza
e de idade em idade tudo
renova.
Amém.
A riqueza do significado da
língua aramaica é um incentivo adicional para conhecermos a riqueza de nossa
tradição cristã escondida na Bíblia. Porém, não basta conhecermos e repetirmos
a Bíblia de memória, como um papagaio, dominando a letra morta, mas alheio ao
espírito que dá vida. Esse espírito está oculto na linguagem alegórica sagrada
de nossa escritura, que deve ser desvelada por todo aquele que busca a Verdade.
A dificuldade do ser humano em perceber e aceitar a verdade sempre foi
conhecida pelos sábios de todas tradições e em todos os tempos. Por essa razão
os grandes instrutores da humanidade geralmente revestem a verdade com uma
roupagem de alegoria para que seus ouvintes possam conhecer aquele nível da
verdade que estiver ao seu alcance. Uma antiga fábula judaica expressa esse
fato:
?Um dia, a Verdade
andava visitando os homens sem roupa e sem adornos, tão nua como o seu nome. E
todos que a viam viravam-lhe as costas de vergonha ou de medo e ninguém lhe
dava as boas-vindas.
Assim, a Verdade
percorria os confins da Terra, rejeitada e desprezada.
Uma tarde, muito
desconsolada e triste, encontrou a Parábola, que passeava alegremente, num
traje belo e muito colorido.
- Verdade, por que estás
tão abatida? Perguntou a Parábola.
- Porque devo ser
muito feia, já que os homens me evitam tanto!
- Que disparate! Riu
a Parábola ... Não é por isso que os homens te evitam. Toma, veste algumas das
minhas roupas e vê o que acontece.
Então a Verdade pôs
algumas das lindas vestes da Parábola e, de repente, por todos os lugares por
onde passava, era bem-vinda. Pois os homens não gostam de encarar a Verdade
nua; eles a preferem disfarçada.?
No entanto, para entender o
significado profundo da mensagem bíblica, temos, em primeiro lugar, que
conhecer a mensagem literal da Bíblia. Nesse particular os evangélicos estão
muito à frente de seus irmãos católicos. A comunidade católica sofre as
conseqüências históricas da proibição estabelecida pela Igreja, que perdurou
por muitos séculos, da leitura da Bíblia pelos leigos. Apesar de a proibição
ter sido revogada, o hábito permanece, e a Igreja Católica até hoje não
incentiva ou promove a leitura e o estudo da Bíblia por seus fiéis, como fazem
as igrejas evangélicas. O resultado é que o católico comum tem um conhecimento
muito fragmentado e superficial de seu livro sagrado. O buscador da verdade
faria bem em procurar conhecer melhor o grande tesouro de sua tradição.
Mas, se nosso objetivo é
entender o significado profundo dos ensinamentos do Senhor que se encontram na
Bíblia, precisamos aprender o espírito que está escondido por trás de sua
vestimenta externa. Muitos cristãos poderiam questionar se realmente existe um
método específico e sistemático para a sua interpretação. Apesar de estarmos
cientes das diversas passagens em que Jesus diz que aos apóstolos ele revelava
diretamente os mistérios do Reino dos Céus, enquanto ao público tudo era dito
em parábolas, não parece que o fiel moderno se deu conta de que os evangelhos
foram escritos em parábolas, ou seja, em linguagem alegórica. Portanto, sem a
devida interpretação, essas narrações serão aceitas ao pé da letra, perdendo-se
assim o ensinamento mais profundo que está escondido por trás do véu da
alegoria.
A interpretação dos textos
sagrados sempre foi considerada com reserva pela Igreja. Temia-se, com razão,
que as interpretações iriam mostrar certas incoerências entre a doutrina
oficial e a mensagem bíblica. Um exemplo dessa política foi o desaparecimento
da monumental obra de Papias, bispo de Hierápolis (Ásia Menor), que escreveu em
aproximadamente 140 d.C. um livro em cinco volumes, intitulado Interpretação
das Palavras do Senhor. Essa obra foi perdida, sendo conhecida apenas por
alguns fragmentos relatados por Eusébio e Irineu. Porém, a Igreja tinha outra
razão igualmente importante para não deixar que a obra de Papias permanecesse
em circulação: as palavras do Senhor que ele interpretou não foram retiradas
dos quatro evangelhos canônicos, pois eles ainda não existiam naquela época, ao
contrário do mito estabelecido pela Igreja de que os evangelhos teriam sido
escritos pouco tempo depois da morte de Jesus.
Mas não é somente o Novo Testamento que foi escrito em parábolas e
linguagem alegórica. O Antigo Testamento também foi redigido na mesma linguagem
sagrada, fenômeno que também ocorreu com as escrituras das outras grandes
religiões. Esse fato sempre foi conhecido pelos verdadeiros estudiosos da
tradição judaico-cristã. Por exemplo, de acordo com Moisés Maimonides, um
renomado teólogo, filósofo e talmudista judeu, que viveu no século doze: ?Cada
ocasião em que você encontra em nossos livros um conto cuja realidade parece
impossível, uma história que é repugnante à razão e ao bom senso, então esteja
certo de que eles contêm uma imperscrutável alegoria velando uma profunda
verdade misteriosa; e quanto maior o absurdo da letra, mais profunda a
sabedoria do espírito.?
Um dos mais respeitados livros da tradição da cabala judaica, o Zohar,
afirma: ?Ai do homem que vê na Tora, isto é, na Lei, somente simples exposições
e palavras usuais! Porque, se na verdade ela somente contém isso, nós
igualmente seríamos capazes hoje de compor uma Tora muito mais merecedora de
admiração ... As narrativas da Tora são as vestimentas da Tora. Ai daquele que
toma essas vestimentas como sendo a própria Tora! ... Há algumas pessoas tolas
que, vendo um homem coberto com uma bela roupa, não leva sua consideração mais
além, e toma a vestimenta pelo corpo, enquanto lá existe uma coisa ainda mais
preciosa, que é a alma... Os sábios, os servidores do Rei Supremo, aqueles que
habitam as alturas do Sinai, estão ocupados exclusivamente com a alma, que é a
base de todo o resto, que é a própria Tora; e no tempo vindouro eles serão
preparados para contemplar a Alma daquela Alma (i.e. o Deus) que sopra na
Tora.?
A Bíblia, tal como as
escrituras de outras religiões, pertence a um tipo especial de literatura, que
se pretende seja o repositório da sabedoria divina revelada por profetas e
outros mensageiros divinos. Ela foi escrita por meio de uma linguagem especial,
referida universalmente como a linguagem sagrada. Essa linguagem utiliza
símbolos, alegorias, analogias e parábolas tanto para velar quanto para revelar
a mensagem sagrada. Mas se os profetas tinham a missão de trazer a mensagem de
Deus aos homens, por que velá-la?
Os mensageiros divinos
sempre souberam que somente um pequeno percentual da população de cada país
está preparado para receber os segredos mais profundos que conferem poder. Por
essa razão Jesus alertou seus discípulos, de forma contundente, sobre os
perigos de revelar esse tipo de segredo: ?Não deis aos cães o que é santo,
nem atireis as vossas pérolas aos porcos, para que não as pisem e, voltando-se
contra vós, vos estraçalhem? (Mt 7:6). O Mestre, conhecendo a natureza
humana, ordena a seus discípulos de forma peremptória, que não divulguem os
segredos divinos que conferem poder aos homens voltados para a vida material,
para que eles não utilizem esses poderes para ?estraçalhar? seus benfeitores e
todos aqueles que possam ameaçar seus interesses egoístas.
Como esses segredos
possibilitam àqueles que os possuem a manifestação de fenômenos que podem
afetar a vida de grande número de pessoas, só podem ser revelados aos
discípulos comprometidos que foram reconhecidamente purificados de todo
egoísmo, e que são incapazes, em qualquer situação, de fazer mal aos seus
semelhantes. Esse é o sentido da segunda bem-aventurança do Sermão da Montanha:
?Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra? (Mt 5:4). Os mansos
são aqueles seres amorosos e inofensivos, capazes de atrair até mesmo os
animais que sentem essa mansuetude, como ocorria com Francisco de Assis e
outros místicos. Herdar a terra significa obter os poderes da natureza que
podem afetar a vida na terra, tanto de homens como de outros seres. Essa
herança traz consigo uma tremenda responsabilidade, tanto para os que a
transmitem como para os que a recebem. Essa é a razão dos véus usados na
linguagem sagrada.
Mas a responsabilidade dos
profetas e de seus discípulos iniciados nos mistérios da linguagem sagrada não
se restringia à dissimulação dos ensinamentos profundos que conferem poder.
Sendo seres iluminados e profundamente amorosos, eles por certo assumiam o
compromisso de envidar todo esforço, dentro dos limites permitidos pela Lei
divina, para colocar os ensinamentos libertadores à disposição daqueles que
buscam a Verdade. Isso significa que a linguagem sagrada deve velar os segredos
ao público, mas revelá-los aos buscadores da verdade que, por seus méritos, são
capazes de descobrir ou receber as chaves para a sua interpretação. Como esse
problema dual, velar e revelar, existe desde os primórdios da história humana,
os grandes sábios desde tempos imemoriais desenvolveram regras que governam a linguagem
sagrada. Não importa em que idioma ela seja escrita, as regras são sempre as
mesmas, possibilitando assim a todos os que tiverem suas chaves entender a
mensagem por trás das alegorias, mesmo com o passar do tempo e a tradução do
texto para outras línguas.
Mas, se essa linguagem
sagrada visa coibir a divulgação do sagrado a quem não está preparado para
recebê-la, como será possível o conhecimento de suas chaves pelos devotos
cristãos no momento atual?
Como a humanidade como um
todo evolui, aquilo que era mantido oculto numa determinada época, para
determinadas comunidades, com o passar do tempo torna-se progressivamente
conhecido por diferentes meios, ainda que o âmago dos segredos que conferem
poder permaneça sempre inviolável. Na era atual, algumas dessas chaves nos
foram reveladas por aqueles que as receberam de seus instrutores devidamente
credenciados. Quatro das sete chaves utilizadas pelos autores das sagradas
escrituras encontram-se disponíveis.
Elas, quando utilizadas, fazem o papel de óculos para quem ainda não
desenvolveu a visão espiritual, restaurando a clareza de visão para aquele que
antes percebia o mundo bíblico de forma turva e indistinta.
Ao longo dos séculos,
indicações sobre a interpretação bíblica foram apresentadas por diferentes
sábios. Entre os judeus, foi feito um esforço, por seus rabinos, para o
desenvolvimento de regras que permitissem a compreensão e aplicação da Lei.
Nos primórdios da tradição cristã, havia duas escolas principais de exegese e
hermenêutica bíblica: a escola de Antioquia, cujos principais mestres foram
Teófilo, João Crisóstomo e Teodoro de Mopsuécia; e a escola de Alexandria,
cujos mestres foram Cirilo, Clemente e Orígenes, como seu expoente máximo. A
escola de Alexandria ensinava o método de interpretação alegórica, que já era
usado um século antes por alguns sábios judeus como Philos de Alexandria
(primeira metade do século I d.C.). Para ela, a letra da escritura é como o
corpo, mas sem a alma o corpo é um cadáver; o sentido alegórico é a mensagem
espiritual.
Porém, a escola de Antioquia, já nos séculos III e IV, acusava esse método de
levar a um individualismo desenfreado. Essa acusação seria válida se as
interpretações alegóricas fossem feitas aleatoriamente, sem uma metodologia, o
que não era o caso, como será visto mais adiante. Os mestres de Antioquia
insistiam no método histórico que levava em consideração o contexto cultural da
tradição judaica, no qual o texto foi escrito ou dito, e o propósito a que
serviu.
Como Jesus obviamente falava
dentro do contexto histórico e cultural da tradição judaica, mas apresentava
seus ensinamentos públicos em forma de parábolas, com seus símbolos e
alegorias, os dois métodos são complementares e não antagônicos, como sugerem
muitos teólogos desde tempos idos até os dias de hoje. Quando buscamos entender
as passagens bíblicas, verificamos que o método histórico facilita o
entendimento do contexto em que os ensinamentos foram ministrados e nos
possibilita compreendermos a razão de Jesus usar certas imagens em suas pregações.
O estudo dos evangelhos no original aramaico, com seus significados
abrangentes, estaria incluído no método histórico. No entanto, o uso exclusivo
do método histórico não é suficiente para desvelar as mensagens mais profundas
escondidas na letra da escritura. Por isso o método de interpretação alegórica,
usado desde os primeiros tempos do Antigo Testamento pelos sábios judeus e
retomado pela escola de Alexandria, é o complemento necessário para a
compreensão do sentido espiritual dos ensinamentos de Jesus.
Os exegetas de Alexandria
diziam que os autores das escrituras sempre usavam palavras que, por analogia,
davam o sentido espiritual da mensagem subjacente. Por exemplo, uma montanha
era usada para representar um estado elevado de consciência. Assim, quando uma
passagem bíblica menciona que os personagens subiram a montanha (ou monte), o
que está sendo transmitido é que eles alcançaram um estado elevado de
consciência. Ao contrário, quando é dito que desceram a montanha, está sendo
indicado que retornaram ao estado normal de consciência. Para esses estudiosos,
o texto bíblico foi escrito em alegorias em que ?pessoas e incidentes tornam-se
representativos de virtudes, doutrinas ou incidentes abstratos na vida da
alma.?
Outros autores, ao longo dos séculos foram revelando progressivamente outros
aspectos da linguagem sagrada.
Geoffrey Hodson, eminente
clarividente, pesquisador e escritor que viveu no século passado, coligiu todas
as informações que obteve da literatura e de suas pesquisas meditativas ao
longo de mais de cinqüenta anos sobre a interpretação bíblica, publicando-as em
dois livros monumentais. O primeiro foi A Sabedoria Oculta na Bíblia Sagrada,
publicado em inglês pela primeira vez em 1963 em quatro volumes, e o segundo A
Vida de Cristo, publicado originalmente em 1975. Ambos foram traduzidos
para o português e oferecem as chaves e um extenso ?glossário? dos símbolos
usados nas alegorias bíblicas, bem como exemplos de sua utilização na
interpretação de textos do Antigo e do Novo Testamento. Essas chaves e os
símbolos divulgados são como tesouros escondidos no campo: aquele que os
encontrar e utilizar ficará imensamente mais rico, espiritualmente.
Essas quatro chaves para a
interpretação bíblica são resumidas a seguir e exemplificadas adiante:
1.
Tudo o que é apresentado como
ocorrendo no exterior, ocorre no interior do homem. Seu significado espiritual
é mais psicológico do que histórico.
2.
Os personagens de cada história ou
passagem representam os diferentes aspectos do ser humano, com suas qualidades,
poderes e defeitos.
3.
Cada passagem descreve uma
determinada etapa no caminho da alma em sua jornada rumo à perfeição final,
descrita como o retorno à Casa do Pai.
4.
Os nomes, números e certos objetos
mencionados têm significados simbólicos, sendo esses significados constantes ao
longo do tempo e em todas as tradições.
As mensagens relacionadas
com a transformação interior que deve ocorrer para que o ser humano possa
evoluir do estágio atual para a meta da perfeição, não significa que aquelas
passagens não tiveram uma fundamentação histórica. Ao contrário, os autores dos
livros da Bíblia procuraram aliar história com o ensinamento sagrado. Em alguns
casos, porém, as estórias relatadas foram criadas especificamente para
transmitir as verdades eternas que deveriam fazer parte do fluxo de
ensinamentos que estavam sendo ministrados. Uns poucos exemplos de
interpretação servirão para dar uma idéia de como o uso das chaves revela
ensinamentos profundos escondidos por trás da linguagem alegórica.
A passagem em Mt 21:2-11
sobre a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém montado num jumentinho é
geralmente considerada como irrelevante por muitos cristãos. Porém, quando
devidamente interpretada, revela importante ensinamento. O fato de a passagem
ser mencionada nos quatro evangelhos é indicativo de sua importância histórica.
Os judeus tradicionalmente faziam uma peregrinação ao templo de Jerusalém nas
grandes festas. Jesus foi para a comemoração da Páscoa, quando acabou sendo
preso e morto. No contexto histórico-cultural, a passagem pode ser interpretada
no sentido de que Jesus, como Messias, toma posse da cidade santa de Jerusalém.
Seria equivalente a um comentário rabínico (midrash) do texto do
capítulo 9 do profeta Zacarias, citado textualmente por Mateus. Assim como
Alexandre Magno entrou triunfalmente em Jerusalém, como libertador dos judeus,
após derrotar os persas, Jesus também é recebido como ?o Messias? por ocasião
da festa das tendas, que recorda a caminhada dos israelitas pelo deserto em
busca da terra prometida. O povo recebeu Jesus gritando hosana, que quer
dizer: ?liberta-nos.? Um exegeta tradicional diria que a passagem expressa o
desejo popular de que Jesus fosse seu libertador político e espiritual.
Na interpretação alegórica,
Jesus representa o Cristo interior em cada ser humano. Numa etapa avançada de
sua jornada, a alma estará pronta para entrar na Casa do Pai, simbolizada por
Jerusalém, a cidade sagrada. Mas, para que isso aconteça, deverá cumprir um
requisito básico, que, nesse caso, é representado pelo jumentinho. Sendo esse
animal um quadrúpede, na linguagem sagrada ele simboliza a natureza quaternária
mortal do homem exterior, ou seja, seus corpos físico, energético, emocional e
mental concreto. Mas o jumento é conhecido por duas características. A primeira
é sua tradicional intransigência e rebeldia antes de ser domado, exatamente
como a personalidade do homem. Porém, quando o animal é perfeitamente
disciplinado, torna-se dócil e inteiramente obediente a seu dono. Portanto, a
natureza exterior do homem deve se tornar inteiramente dócil, humilde e
obediente ao seu senhor, o Cristo interior, para então servir como um veículo
apropriado. A personalidade deve se tornar modesta, meiga e humilde de coração
como demonstrado por Jesus. Quando isso ocorre, o homem integral, ou seja, o
Cristo interior cavalgando a natureza animal (mortal) exterior, poderá então
entrar na cidade sagrada, o Reino de Deus. Finalmente, o júbilo e a aclamação
da multidão expressam o estado exaltado de consciência e a felicidade que são
experimentados quando ocorre a elevação de consciência libertadora (hosana)
representada pelo Reino dos Céus.
Outro exemplo marcante da
diferença entre a leitura literal e a interpretada simbolicamente refere-se à
passagem em que Jesus acalma a tempestade. Esse trecho é comum aos três
evangelhos sinóticos e encontra-se em Mt 8:23-27, Mc 4:35-41 e Lc 8:22-25. Em
Mateus, lemos: ?(Jesus) entrou no barco e os seus discípulos o seguiram. E,
nisso, houve no mar uma grande agitação, de modo que o barco era varrido pelas
ondas. Ele, entretanto, dormia. Os discípulos então chegaram-se a ele e o
despertaram, dizendo: ?Senhor, salva-nos, estamos perecendo!? Disse-lhes ele:
?Por que tendes medo, homens fracos na fé?? Depois, pondo-se de pé, conjurou
severamente os ventos e o mar. E houve uma grande bonança. Os homens ficaram
espantados e diziam: ?Quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem???
No seu sentido literal a
passagem descreve um ato milagroso, em que o Mestre, usando seus poderes
teúrgicos, acalma os ventos e o mar. Jesus certamente pode ter realizado tal
fenômeno. Porém, quando usamos as quatro chaves de interpretação descobrimos
outro aspecto da verdade libertadora. O incidente refere-se ao estágio da
evolução do homem em que a consciência crística recém desperta alterna-se com
momentos de retorno à consciência comum. O que é descrito como ocorrendo no
exterior passa-se no interior do homem. O barco representa o corpo físico, os
discípulos os diferentes aspectos da mente e Jesus o Cristo interior. A
tempestade expressa as perturbações da mente. Assim, nas palavras de Geoffrey
Hodson: ?a mente do homem se torna o verdadeiro cenário tanto da tempestade
como da intervenção milagrosa de um poder superior. Uma fase particular e muito
importante é acentuada, a saber, a do despertar espiritual e dos seus
resultados mais imediatos.? ?O barco da vida do homem exterior veleja,?
continua Hodson. ?O capitão, a mente, comanda a embarcação de acordo com as
regras estabelecidas que são suficientes para o cumprimento da sua tarefa... A
tempestade consiste dos ventos da dúvida e das ondas do desejo e o perigo com
que estes ameaçam a embarcação física do homem. Ele reconhece as incertezas e a
instabilidade de uma base puramente material de viver... A tempestade mental ganha
força quando a mente se torna determinada a encontrar estabilidade no meio da
instabilidade das ocupações terrenas... Os discípulos quando tensos representam
aspiração, determinação e despertar da intuição, e como resultado do estresse a
grande descoberta é feita. A frase chave no relato de S. Mateus é o apelo dos
discípulos: ?Senhor, salva-nos, estamos perecendo!? Quando metaforicamente esse
apelo surge do interior do coração e da mente de um homem, começa uma nova fase
evolucionária para ele.?
G. Hodson apresenta, então,
suas conclusões sobre a passagem: ?A mente formal deliberadamente se abre para
a luz e verdade das fontes profundamente interiores até então desconhecidas e
desconectadas. A manifestação do espírito no homem e seu domínio sobre a matéria
são representados pelo emergir do Senhor Cristo do sono no interior do barco.
Como ele está adormecido e aparentemente inconsciente da crise, até ser
despertado por um pedido de ajuda, assim também o poder espiritual do homem
conforma-se em seu próprio mundo, cumprindo somente a vida automática que
preserva as funções. Simbolicamente, o Cristo que dorme é despertado pelos
discípulos expostos ao perigo ao tentarem pilotar o barco numa tempestade. Os
discípulos compreendem que apenas um Ser pode salvá-los na sua grave
emergência, o divino Mestre quando desperto do sono. Ele responde a esse apelo
e demonstra completo controle sobre os elementos ar e água. Ocorre um encontro,
seguido por uma união: espírito, mente e cérebro tornam-se uma entidade de
consciência. As tempestades mentais da dúvida, da revolta contra a ignorância,
impotência e instabilidade se desvanece. Reina a paz, a verdadeira paz do
eterno.?
Um último exemplo de
interpretação, dessa vez de uma parábola, pode ser útil para que o leitor possa
descortinar o poder da interpretação sistemática da Bíblia para desvelar seus
segredos. Uma das parábolas mais conhecidas é a do grão de mostarda. ?O
Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou
no seu campo. Embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce é a maior
das hortaliças e torna-se árvore, a ponto que as aves do céu se abrigam nos
seus ramos? (Mt 13:31-32). A minúscula semente contém em si o germe de tudo
o que, no seu devido tempo, irá surgir de acordo com sua natureza última. Por
analogia, a pequenina semente representa a natureza divina no homem, tão
pequenina que é invisível. Essa sementinha deve ser enterrada na escuridão da
terra, ou seja, na natureza material do homem terreno. Assim como na natureza a
maior parte das sementes não vingam, são poucos os homens que, na era atual,
experimentam a germinação e o nascimento do Cristo interior. Como no reino
vegetal, a natureza crística no homem deverá seguir pelo processo natural de
crescimento sazonal, até tornar-se uma grande árvore, ou seja, alcançar a
estatura da plenitude de Cristo. Quando isso ocorre, as aves do céu se
abrigam nos seus ramos e, poderíamos acrescentar, alimentam-se de seus
frutos. As aves do céu simbolizam os homens e mulheres que despertaram
espiritualmente e já experimentam a alegria e esplendor dos vôos da alma. As
almas despertas têm um instinto espiritual para buscar refúgio e sustento em
seus irmãos maiores, como descrito na parábola.
A mudança de uma leitura
literal da Bíblia para uma interpretada simbolicamente, para assim buscar o
significado escondido de suas mensagens, requer disciplina e bastante prática.
As obras de Geoffrey Hodson e de outros autores ajudarão a efetuar a transição
de forma satisfatória. O resultado será um manancial de novos ensinamentos
voltados para a transformação interior, levando, no seu devido tempo, ao
nascimento do Cristo interno, a fonte da Verdade libertadora. A partir de
então, os ensinamentos ocultos da Bíblia ajudarão no crescimento do Cristo interior
até que o devoto alcance a perfeição, quando, então, metaforicamente poderá
ascender também aos Céus.
Rituais e Sacramentos
Sabemos que todos os lugares
de oração e adoração (igrejas, templos, mesquitas, capelas e oratórios) são
centros de força estabelecidos no plano físico, nos quais são criadas condições
especiais para permitir a livre passagem da energia e consciência do alto para
o plano material e do retorno das energias geradas nesse último para o plano
espiritual. ?A razão da existência da Igreja, com os seus maravilhosos sistemas
de forças e presenças angélicas, é prover uma usina, em que se possa acelerar a
evolução tanto do homem como do anjo.?
Isso significa que as igrejas cristãs, tanto as católicas como as protestantes
têm também uma função extremamente importante na economia espiritual do
planeta.
Nas igrejas católicas, os
fiéis contam com rituais e sacramentos poderosos que remontam a um longínquo
passado e que foram depois incorporados ao ritual da missa pela Igreja. No
entanto, o católico comum recebe somente uma pequena parte dos benefícios
disponíveis da missa e, principalmente, do sacramento da eucaristia, porque
desconhece o que se passa no lado invisível das cerimônias e, assim, não
coopera com o fluxo das forças que estão sendo vertidas naqueles rituais.
Aqueles poucos seres humanos
que, nas palavras de Jesus ?têm olhos para ver? (o mundo invisível), ou seja,
que desenvolveram o dom da clarividência superior, verificam que o Verbo, em
seu infinito amor e sabedoria, serve-se de uma imensa hierarquia angelical para
facilitar o trabalho de redenção do homem. Uma série de mecanismos
facilitadores, em particular aqueles que envolvem rituais, é utilizada para
esse propósito. Os anjos atuam como intermediários entre a energia divina e o
homem. As hierarquias angélicas atuam como canais para essa energia, vertendo-a
ao comando de certas palavras ou gestos de poder, fazendo com que a energia
seja distribuída em todas as direções ou seja direcionada para o coração dos
devotos que anseiam por ela.
Dois desses clarividentes
avançados já falecidos, que eram também padres da Igreja Católica Liberal,
Geoffrey Hodson e C.W. Leadbeater, registraram de forma sistemática suas visões
da energia divina e da atuação das hostes angélicas durante a cerimônia da
santa missa e da sagrada eucaristia. Vale mencionar que o bispo Leadbeater,
valendo-se de sua capacidade clarividente e, em alguns casos, do auxilio de
anjos escreveu extenso e valioso compêndio chamado A Ciência dos Sacramentos.
A presença e o ministério dos anjos nos cultos da Igreja foram descritos nestas
palavras: ?Há uma ordem de anjos ligados à Igreja Cristã, que, estando
dedicados ao serviço de Cristo e servindo como canais e conservadores de Sua
bênção e Seu poder, assistem a todos os serviços feitos em Seu nome. Cheios de
Seu amor e compaixão, procuram levar aquelas dádivas sem preço às almas dos
homens; na grande celebração do mistério do pão e do vinho, eles se apresentam
para que toda alma sedenta receba segundo as suas necessidades. Os homens nada
sabem deles nem os vêem, e assim os servidores angélicos passam despercebidos e
desconhecidos.?
No relato de Leadbeater:
?Minha atenção foi despertada pela primeira vez pela observação do efeito
produzido pela celebração da Missa em uma Igreja Católica Romana numa pequena aldeia da Sicília. No momento da consagração, a
hóstia cintilou com a mais deslumbrante alvura; converteu-se em um verdadeiro
sol aos olhos do clarividente, e, quando o padre a ergueu por cima das cabeças
dos fiéis, observei dois tipos distintos de força espiritual que dela emanavam,
o que poderia talvez ser tomado, numa comparação material, como a luz do sol e
os raios de sua coroa. Todas as coisas relacionadas com a hóstia ? o
tabernáculo, a custódia, o próprio altar, as vestes sacerdotais, o véu isolante
humeral, o cálice e a patena ? todas se achavam inteiramente impregnadas desse
poderoso magnetismo e o estavam irradiando, cada qual em seu grau.?
O sacramento da eucaristia é
o mais profundo mistério instituído por Jesus e está ao alcance de todos fiéis.
Seu poder para estimular os princípios superiores do homem são sentidos pelas
pessoas que têm um mínimo de sensibilidade. Geoffrey Hodson diz: ?A celebração
da Santa Eucaristia é um método cerimonial e sacramental de despertar, acelerar
e liberar os poderes da Divindade em toda forma de vida. Executado com
propriedade e produzindo seus resultados ideais, evoca os poderes da Santíssima
Trindade profundamente ocultos em toda forma sob sua esfera de influência, no
sacerdote, nos servidores, na congregação encarnada e desencarnada, nos santos
anjos, nos espíritos da natureza, no material, nos edifícios e seus móveis e
mesmo nos arredores naturais fora da Igreja.?
O efeito da energia divina é
especialmente concentrado naquele que recebe a comunhão, de acordo com
Leadbeater. O devoto, ao absorver a hóstia consagrada, recebe uma partícula de
luz e fogo invisível, que se convertem em energia fluídica que, por sua vez, se
espalha por todo o corpo do fiel, concentrando-se particularmente em certos
centros de força do corpo energético, conhecidos como chacras. Seu corpo
físico, como os outros corpos sutis (energético, astral e mental) e mesmo seus
corpos superiores são estimulados pelo afluxo de força conferido pela
eucaristia. O devoto que já despertou em algum grau seu corpo intuicional, ou
seja, seu princípio crístico, recebe um benefício especial com a estimulação do
Cristo interior por meio da bênção sacramental do corpo do Cristo
transubstanciado na hóstia.
A repetida participação dos
devotos nesses rituais, quer sejam evangélicos ou católicos, procurando
acompanhar o significado de cada etapa da cerimônia, promove a crescente
sintonização deles com o Plano Divino de redenção da humanidade. Quando essa
participação é acompanhada do recebimento da Santa Eucaristia, com profunda
devoção e aspiração no sentido de que o Cristo interior possa comungar com o
Cristo cósmico, a meta de alcançar a Verdade libertadora estará cada vez mais
perto. Por essa razão, o fiel deveria se lembrar durante a Missa e ao longo do
dia que o Cristo interior oculto no tabernáculo de seu coração é tão sagrado
como o Cristo invisível guardado no tabernáculo do altar.
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