8. O CRISTIANISMO PRIMITIVO E O MUNDO MODERNO
Nossa breve jornada pelo
cristianismo primitivo não foi motivada por saudosismo, nem pela intenção
fundamentalista de resgatar o que poderia ser considerado como os ensinamentos
mais fidedignos do Mestre, e muito menos por uma tentativa de restabelecer a
verdadeira história dos primeiros tempos da tradição cristã. Importou-nos, sim,
a relevância do cristianismo original para os dias de hoje. Estamos absolutamente
convencidos de que os ensinamentos essenciais de Jesus são tão relevantes e
contundentes para nossa sociedade moderna como foram para os primeiros
seguidores do Caminho. Seu resgate poderia ser considerado como uma obra da
Providência Divina.
Em nosso mundo cristão
falamos com freqüência sobre a Providência Divina e o Plano Divino sem dar
muita consideração a como eles são arquitetados e executados. Para a maior
parte dos cristãos parece haver uma idéia inocente e romântica de que Deus,
ainda que onipresente, está sempre pessoalmente ocupado com todos os detalhes
de Seu plano, realizando todos os acertos de rota e executando todas as ações
relacionadas com o que chamamos de Providência Divina. Apesar de Deus ser
incognoscível e Seu mundo ser impenetrável para nossas mentes, existem indícios
de que a imagem corrente a respeito da ação divina em nosso mundo não passa de
mais uma ingenuidade dos homens a respeito do Pai Celestial.
A Bíblia revela-nos que a
primeira ação de Deus foi a criação do céu e da terra (Gn 1:1). Mas, é preciso
entender o que significa Deus na Bíblia, antes se ter uma aproximação do
entendimento da criação. A palavra hebraica traduzida como Deus era elohim,
um termo coletivo que expressa a totalidade dos grandes arcanjos criadores,
referidos na tradição da cabala judaica como sephiroth. Portanto, o que
chamamos de Deus atua em nosso mundo, desde o princípio, por meio dessa
coletividade de excelsos seres criadores. Isso significa que toda ação divina,
desde a criação do mundo até os atos bem mais simples das graças concedidas aos
humanos na vida diária, é realizada por uma grande hierarquia de seres
celestiais. Os seres humanos ao completar sua missão em nosso mundo, alcançando
a perfeição, também ingressam nessa hierarquia que é referida como a Comunhão
dos Santos, a irmandade dos grandes seres que alcançaram a união com Deus e
comprometeram-se a ajudar na libertação de seus irmãos que ainda vivem como
prisioneiros da ilusão na Terra. O instrutor supremo dessa irmandade é Cristo,
que, por um mistério que desafia nosso entendimento, também atua no interior de
nossa alma. Ele prometeu nos proteger ao longo do caminho até atingirmos a
meta: ?Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos!? (Mt 28:20).
São esses auxiliares divinos
que, em nome da Autoridade Suprema, zelam pelo progresso da humanidade
procurando guiá-la dentro dos ditames estabelecidos pela lei de causa e efeito
e em conformidade com a liberdade concedida aos seres humanos por meio do livre
arbítrio. Nossos divinos benfeitores, conhecendo as forças cósmicas inerentes
aos grandes ciclos e percebendo com sua presciência as tendências das
principais correntes de civilização na Terra, procuram inspirar e ajudar
aqueles indivíduos que estão engajados em atividades que podem favorecer o
progresso da humanidade. Podemos imaginar, portanto, que o avanço do mundanismo
e da intolerância nos últimos séculos deve ter ensejado atividades corretoras
de nossos guias celestiais, na forma de idéias e movimentos voltados para
reverter a crescente tendência materialista da vida moderna, que reforça o
egoísmo e aprofunda o senso de separação entre os seres humanos. Por meio de
movimentos práticos e idéias seminais, a hierarquia divina procura orientar o
homem para uma vida mais fraterna, pautada na justiça, verdade e amor, para que
o ideal supremo da unidade possa ser compreendido e vivenciado por um número
cada vez maior de pessoas. Essas transformações parecem precursoras da esperada
Era de Aquário que, nas palavras de um estudioso, ?já começou com uma liberação
de poder cósmico e imagens arquetípicas. Essa liberação de poder está
lentamente abrindo seu caminho ?para baixo?, produzindo uma radical reviravolta
em todas as instituições e formas culturais que vinham se desenvolvendo durante
a Era de Peixes.?
Para corrigir as injustiças
acumuladas e consolidadas ao longo dos séculos de autoritarismo, desmandos e
prepotência das autoridades seculares e religiosas, almas íntegras e justas
foram levadas a criar um número crescente de movimentos para reverter essas
injustiças. Para contrapor o egoísmo do homem comum e principalmente das
autoridades constituídas milhares de almas mais evoluídas foram inspiradas a
levar adiante atividades altruístas e assistenciais. Para superar a ignorância
em todos os níveis, que inibe o entendimento humano dos processos naturais e
divinos em nosso mundo, almas iluminadas ofereceram novas concepções e idéias
para explicar as leis e os processos que regem a vida. Se observarmos
atentamente poderemos identificar algumas tendências nesses movimentos.
Esses movimentos de caráter
político e social parecem remontar aos ideais da Revolução Francesa,
sintetizados no lema: ?Liberdade, Igualdade e Fraternidade.? A ênfase inicial
do processo transformador da sociedade moderna foi em direção à liberdade,
tanto de pensamento como política. Em seguida surgiram os movimentos voltados
para a promoção do direito natural de igualdade política e social, mais tarde
estendido para a igualdade de oportunidades. Os avanços na aceitação e vivência
da fraternidade no seio da família humana foram mais lentos, provavelmente
indicando a necessidade de transformações interiores ainda mais profundas para
a vivência da verdadeira fraternidade. Um dos movimentos precursores da fraternidade
foi a Sociedade Teosófica, fundada em 1875, tendo como seu primeiro objetivo,
?formar um núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de
raça, credo, sexo, casta ou cor.?
A conquista da independência
dos Estados Unidos da América, no século XVIII, iniciou o processo de desmonte
dos impérios coloniais, ao longo dos séculos XIX e XX. A concessão de
independência às ex-colônias, ainda que geralmente sob pressão de movimentos
revolucionários locais, foi um grande passo na promoção da liberdade. O
processo de descolonização do mundo moderno foi fruto de muita luta, sangue,
suor e lágrimas. Os movimentos revolucionários pela independência foram
inicialmente considerados anárquicos e subversivos pelas autoridades
constituídas, até que o direito à autodeterminação passou a ser reconhecido
internacionalmente.
A restrição ao poder do mais
forte de impor sua vontade a outros povos por meio da força das armas foi uma
grande conquista para a paz. Essa conquista, na verdade, reflete o cansaço das grandes
potências depois das guerras européias do século XIX, seguidas pela Primeira
Guerra Mundial, que levou à criação da Liga das Nações. Esse Organismo,
infelizmente, não conseguiu impedir a eclosão da Segunda Grande Guerra, em
1939, mas serviu de base para a criação da Organização das Nações Unidas, em
1945, mais forte e atuante, após o termino daquele sangrento e inútil conflito,
que ceifou milhões de vidas. Outros organismos internacionais de cunho regional
foram mais tarde estabelecidos.
Uma maneira nova de ver o
mundo de forma holística e sistêmica, como uma coletividade, ou mesmo como uma
aldeia global, está se tornando corriqueira entre os povos e muitos líderes
mundiais. Dentro desse contexto, é de especial importância para o progressivo
estabelecimento da união dos povos de nosso planeta a experiência bem sucedida
da União Européia, que começou modesta como uma união dos produtores de carvão
e aço na Europa Ocidental do pós-guerra, crescendo em escopo e número de países
integrantes. Atualmente inclui 25 países com diferentes sistemas de governo e
consideráveis desníveis de desenvolvimento econômico e social. Seu poder agregador
é considerável, haja visto seu crescimento ao longo das últimas décadas e seus
laços com ex-colônias, principalmente na África.
A história humana, sendo um
registro das etapas iniciais do processo evolutivo, sempre esteve pautada por
injustiças. As estruturas governamentais autoritárias e muitas vezes
despóticas, na maior parte dos países até o século XVIII, ofereciam pouca
latitude para avanços na concessão de justiça para todos. Com a progressiva
débâcle da maioria das monarquias autocráticas no mundo ocidental e a
instituição de sistemas políticos de cunho democrático, o caminho foi aberto
para um lento e laborioso progresso que visa corrigir algumas das injustiças
mais gritantes. Assim, o sufrágio universal com a inclusão até de trabalhadores
e pessoas sem propriedade fundiária, seguido do sufrágio das mulheres e
minorias étnicas, religiosas e raciais, abriu o caminho para a participação de
todos os indivíduos no processo político. Todas essas conquistas também foram
obtidas com grandes sacrifícios, como no caso da eliminação da segregação
racial oficial nos Estados Unidos e na África do Sul, para citar dois exemplos
mais conhecidos.
As atividades assistenciais
sempre estiveram presentes na sociedade humana, mas no mundo atual ganharam uma
dimensão inaudita. Uma conseqüência natural da compaixão, essas atividades
podem ser encontradas hoje tanto a nível internacional como nacional, geridas
por governos ou entidades privadas de cunho filantrópico. Vários organismos
especializados da ONU, como o Alto Comissariado para Refugiados, UNICEF, UNIDO,
FAO, Organização Mundial para a Saúde, e tantas outras entidades, vêm
contribuindo de forma positiva para a melhoria das condições das populações
carentes em todo o mundo. Outros organismos internacionais importantes são o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e os bancos de desenvolvimento
regionais, como o Banco Interamericano. Muitos governos centrais e também
governos estaduais e locais criaram programas assistenciais em benefício de
suas populações carentes.
Mas as atividades
assistenciais não estão restritas à esfera pública. Muitas entidades foram
estabelecidas pela iniciativa privada e seu número não pára de crescer. As
primeiras entidades de âmbito internacional, atuando em paralelo com a ONU
foram chamadas de Organizações Não-Governamentais, ou ONGs. Essa denominação é
hoje utilizada até mesmo para as entidades de cunho nacional ou local, atuando
em diferentes áreas, sem fins lucrativos. Entidades assistenciais
internacionais como a Cruz Vermelha, Médicos sem Fronteira e CARE alcançaram
renome e respeitabilidade em todo o mundo, principalmente por seu trabalho em
áreas de conflito.
Um fato extremamente
alvissareiro, indicativo de que um processo mundial de transformação interior
está em curso, é o fato de que o egoísmo está perdendo espaço no coração do
homem comum, pois é notório que um número crescente de pessoas de todos os
níveis sociais estão se engajando em trabalhos assistenciais como voluntários
em uma infinidade de atividades voltadas para atender as necessidades das
camadas mais carentes da sociedade. O Brasil é um dos líderes mundiais em
número de pessoas trabalhando como voluntários. As igrejas sempre tiveram um
papel ativo na assistência aos pobres. Os franciscanos têm, desde sua origem,
uma vocação especial para o trabalho com os pobres e oprimidos. Algumas ordens
foram estruturadas para atender doentes e moribundos. O maravilhoso trabalho de
Madre Teresa de Calcutá e de sua Ordem das Missionárias da Caridade, é
reconhecido em todo o mundo e chegou a receber o Prêmio Nobel da Paz.
Em paralelo com esses
trabalhos assistenciais, as principais igrejas e correntes religiosas vêm
promovendo encontros ecumênicos e diálogos inter-religiosos, visando quebrar as
barreiras erguidas e consolidadas por tantos séculos de sectarismo. O diálogo
inter-religioso oferece o potencial de demonstrar que toda a família humana tem
uma filiação divina comum, como alertado por Cristo quando nos disse: ?Tenho
ainda outras ovelhas que não são deste redil: devo conduzi-las também; elas
ouvirão a minha voz; então haverá um só rebanho, um só pastor? (Jo 10:16).
As palavras proféticas do Salvador esclarecem que, na medida em que os seres
humanos conseguirem ouvir a voz do Cristo interior, as barreiras religiosas
separativas virão por terra e todos os seres passarão a ser tratados como
membros da grande família humana, vivendo sob a proteção do Pai celestial.
Hoje é comum em várias
partes do mundo os encontros ecumênicos organizados fora das instituições
religiosas. Exemplo disso ocorre no Brasil onde um notável esforço para
promover encontros ecumênicos e diálogos inter-religiosos se concretiza no
?Encontro Anual para a Nova Consciência? que há treze anos vem acontecendo em Campina Grande, PB, durante o período do carnaval. Membros das mais diversas tradições
religiosas participam desse grande evento, num espírito de verdadeira
fraternidade e compreensão, aprendendo uns com os outros num clima de respeito
e amor. Nessa congregação o termo ?tolerância religiosa? foi descartado, pois
foi julgado ultrapassado por ser pejorativo. Os participantes aprendem por
experiência própria que tolerar denota um sentimento de superioridade para com
os irmãos de outras religiões. Em vez da tolerância religiosa, o objetivo
ecumênico passa a ser amar e respeitar todos demais irmãos, independentemente
das aparentes diferenças externas e de crença. Os participantes não cessam de
se maravilhar com os exemplos de sabedoria e amor incondicional demonstrado por
representantes das mais variadas religiões e tradições. Posto que o foco de
nosso estudo é a tradição cristã, vale a pena mencionar dois dos mais
conhecidos e estimados representantes do cristianismo nesses encontros. O
primeiro é o querido Pastor Nehemias Marien, da Igreja Presbiteriana do Rio de
Janeiro; amado por todos, é um modelo de suavidade, compreensão e amor.
Normalmente é referido como ?a mãe?, tal o amor incondicional que transmite a
todos os que dele se acercam. O segundo é o Padre Marcelo Barros, um sábio
ativista e promotor do diálogo entre religiões, que vive de acordo com o que
prega. Dentro desse espírito, promove há vários anos no mosteiro beneditino de
Goiás Velho do qual é prior, rituais de diferentes religiões, de segunda a
sábado, sendo que no domingo realiza a missa católica. Não conheço maior
exemplo de coerência com o objetivo de promover a unidade entre todos os
membros da família humana com total respeito por cada indivíduo, independente
de sua crença.
O espírito de fraternidade e
senso de justiça, levou algumas correntes no seio da rígida Igreja Católica a
ousar promover uma ?teologia da libertação?, visando atender preferencialmente
os pobres, os oprimidos e os segmentos marginalizados da população. Apesar da
resistência e até mesmo perseguição sofrida por parte da hierarquia clerical,
grande número de membros do clero em toda a América Latina, principalmente os
mais jovens, mostra simpatia pela teologia da libertação. Vários programas
foram organizados, dentro e fora da igreja, em sintonia com o objetivo central
da doutrina da libertação.
Dentre esses programas podemos mencionar a Pastoral da Criança e a Pastoral da
Terra que trouxeram benefícios a muitos milhares de crianças carentes e
trabalhadores sem terra no Brasil.
Esses movimentos, dentro e
fora das igrejas cristãs, estão em sintonia com os ideais de renovação das
estruturas arcaicas e do formalismo religioso observado no cristianismo
original. Os exemplos mencionados de membros da hierarquia clerical pregando o
respeito a todas as crenças religiosas, e vivendo de acordo com suas pregações,
são exemplos bem conhecidos mas não os únicos. Na verdade, uma brisa primaveril
parece estar varrendo o ar estagnado por muitos séculos dentro das hierarquias
clericais, promovendo mudanças ainda que seguidamente resistidas pelo
conservadorismo das estruturas eclesiásticas rígidas. Esse amor ao próximo, de
forma incondicional como nos foi ensinado por Jesus, contrasta com a triste
prática de grande parte dos fiéis e crentes da maioria das igrejas cristãs, que
continua a pensar que todos os que não aceitam suas crenças estão sob o jugo do
demônio e só poderão ser salvos quando renunciarem a essas crenças supostamente
demoníacas e aceitarem a Palavra ou abraçarem Jesus.
Essas atitudes de miopia
espiritual e paroquialismo religioso podem levar ao fanatismo religioso, a
milenar fonte de perseguições e guerras religiosas que ceifaram milhões de
vidas em nome de Deus. Infelizmente essa atitude separatista continua forte em
muitas igrejas, alimentada por interpretações literais da Bíblia, como a
passagem: ?Pensais que vim para estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos
digo, mas a divisão. Pois doravante, numa casa com cinco pessoas, estarão
divididas três contra duas e duas contra três? (Lc 12:51-52 e semelhante em
Mt 10: 34-36). A interpretação literal da passagem citada, apresenta Jesus como
um semeador de discórdia no mundo, promovendo a divisão até mesmo entre os
membros da mesma família. Como essa imagem está totalmente em desacordo com o
espírito de amor encarnado em Jesus, o leitor é convidado, mais uma vez, a buscar
nas chaves da interpretação bíblica apresentadas anteriormente um entendimento
mais profundo e libertador da mensagem do Salvador. A passagem não se refere a
uma situação exterior na sociedade e na família, mas sim uma realidade no
interior de todo homem que busca o conhecimento da verdade. A casa representa o
corpo físico do ser humano. As cinco pessoas que habitam essa ?casa? são a
alma, o Cristo interior e o espírito, de um lado, e a mente concreta e as
emoções, de outro. O Cristo interior realmente promove, numa primeira etapa, a
divisão entre a natureza material do homem e sua natureza superior, procurando
transferir o comando da personalidade usurpadora para a natureza espiritual
interior. Mais tarde, quando o centro de gravidade da vida do homem estiver
definitivamente no mundo espiritual, o objetivo passará a ser a integração de toda
a natureza humana, para que o Cristo interior possa, finalmente, entrar
triunfalmente na cidade sagrada, montado no burrinho da natureza material
inteiramente domesticada.
As idéias, na forma de
doutrinas, especulações filosóficas e teorias científicas, também contribuíram
para promover o entendimento da unidade da vida e colocar a materialidade em
sua devida perspectiva. Os avanços da ciência em várias áreas foram aos poucos
minando os conceitos sobre a suposta realidade incontestável da matéria. As doutrinas
materialistas finalmente entraram em colapso quando os cientistas provaram que
a matéria pode ser transformada em energia e vice-versa. Einstein, ao enunciar
sua teoria da relatividade, mostrou que todo o mundo manifestado é composto de
energia, estabelecendo assim uma ponte com os místicos e grandes videntes que
sempre disseram que Deus é energia. Com os avanços da física moderna, um número
crescente de cientistas está chegando à conclusão de que as teorias científicas
modernas estão convergindo e, em muitos casos, comprovando as observações dos
místicos e iogues de todos os tempos, como indicado no livro seminal de Fritjof
Capra, O Tao da Física, cujo subtítulo é, apropriadamente: Um
paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental.
Experiências com fotografias
holográficas abriram um novo campo para especulações sobre a ?realidade?,
levando a um dos mais intrigantes paradoxos da ciência moderna, sugerido pelo
renomado físico David Bohm, de que o mundo em que vivemos pode ser um mundo holográfico,
ou seja, um mundo virtual, confirmando assim o que os antigos sábios já diziam,
que o mundo é uma ilusão, é maya. ?A holografia é um método de
fotografia sem lentes no qual o campo ondulatório da luz espalhada por um
objeto é registrado numa chapa sob a forma de um padrão de interferência.
Quando o registro fotográfico ? o holograma ? é exposto a um feixe de luz
coerente, como um laser, o padrão ondulatório original é regenerado. Uma
imagem tridimensional aparece.?
Uma característica especial do holograma é que qualquer parte da fotografia
holográfica, ainda que diminuta, pode reproduzir a totalidade da imagem
original. As experiências do neurocirurgião Karl Pribram, levaram-no a propor
uma teoria holográfica do processamento cerebral, em 1971, com revolucionárias
conseqüências para o entendimento do cérebro e das percepções exteriores
obtidas pelos seres humanos.
Passando da física para a
biologia e as geociências, a noção de interdependência ecológica teve
considerável penetração junto ao grande público, tornando o tema da preservação
ambiental de interesse tanto dos especialistas como do cidadão comum. A grande
implicação para o progresso espiritual da humanidade oferecida pela ecologia é
a conscientização de que tudo o que existe em nosso planeta é interdependente
com todos os seres, processos e fenômenos. ?O efeito borboleta?, segundo o qual
tudo está relacionado, a tal ponto que até mesmo as batidas das asas das
borboletas em nossas florestas podem, por exemplo, contribuir para a formação
de furacões no outro lado do planeta, foi uma forma emblemática usada por
alguns pesquisadores para expressar a interdependência do todo. A ecologia
profunda, na qual as atividades do ser humano são inseridas no contexto da
cadeia alimentar e do equilíbrio ecológico em seu sentido dinâmico, foi uma das
contribuições mais significativas da ciência para o entendimento da unidade da
vida.
Os movimentos renovadores,
quer de forma consciente ou inconsciente, são fundamentados na unidade da vida
e na interdependência de tudo o que existe. Segundo esse entendimento, as
partes deficientes da grande família humana e do abrangente organismo da mãe
natureza não podem ser ignoradas para que o todo possa prosseguir seu curso de
forma saudável e harmônica. A ecologia profunda possibilitou o entendimento de
que o progresso econômico e social só poderia continuar de forma sustentável se
fosse realizado em harmonia com o meio ambiente.
Enfim, todos esses
movimentos estão promovendo de forma prática o entendimento da unidade de tudo
o que existe, agindo sobre aspectos deficientes do todo para que a harmonia do
conjunto não seja afetada. Esses movimentos e idéias têm um fator em comum:
enfocam a realidade e apresentam a unidade ?de fora para dentro?. A unidade da
vida pode ser deduzida, pode ser concluída, pode até mesmo ser observada numa
certa escala, porém com o ser humano sendo mantido como um observador externo.
A contribuição dos
ensinamentos essenciais do cristianismo primitivo é que ele nos leva a
comprovar a unidade da vida, a unidade com o todo e com todos os seres, a
partir de dentro. O místico que desperta o Cristo interior e avança na via
mística até alcançar a união com Deus, tem a experiência interior da unidade.
Ele deixa de ser um ?observador? externo e experimenta essa unidade
diretamente, de uma forma que não pode ser facilmente explicada, pois
transcende nossa mente e nossa experiência diária, precisando ser vivenciada
diretamente para ser compreendida.
Portanto, o cristianismo
primitivo, juntamente com outras tradições espirituais que buscam a união com a
Fonte de tudo o que existe, é especialmente relevante para a vida moderna. No
mundo ocidental, o cristianismo original é a peça chave que está faltando para
aglutinar e complementar os principais movimentos progressistas do mundo
moderno voltados para a paz, para a assistência aos necessitados, para o
respeito às minorias, para o diálogo inter-religioso e para a preservação do
meio ambiente. A experiência mística é o complemento natural dos atuais
movimentos renovadores sociais e das observações da ciência de ponta.
Ao término de uma jornada o
caminhante está em condições de avaliar o terreno percorrido, a meta alcançada
e as implicações de sua realização. Nossa breve jornada pelo cristianismo
primitivo mostrou-nos que os ensinamentos do divino Mestre são atemporais, ou
seja, são tão válidos hoje como eram nos tempos em que Jesus percorria a Palestina. O legado do divino Mestre inclui um instrumental
diversificado e extremamente poderoso, capaz de ajudar todo aquele que o
utiliza, não importa seu nível de progresso na senda. Tanto aqueles que aspiram
uma vida mais harmônica e feliz como os que anseiam pela experiência de Deus,
encontrarão o que estão buscando. A meta de todo aquele que decide entrar pela
porta estreita e seguir o caminho apertado é entrar no Reino e alcançar a
iluminação. O Mestre nos assegura que alcançaremos esse objetivo quando
conhecermos a verdade que liberta. Sabemos, também, que essa verdade obtida com
o despertar do Cristo interior é a constatação, a experiência vivencial, de que
Deus está em nós e, mais ainda, que cada um de nós e Ele somos um.
Mas, para que a luz divina
possa iluminar a nossa vida, precisamos ativar figurativamente o acionador
dessa fonte de luz, ou seja, precisamos dar nosso consentimento à ação divina.
Como nosso Pai celestial nos criou com a capacidade do livre arbítrio, devemos
dar nosso consentimento a cada passo do caminho para a progressiva realização
do Plano Divino em nós. Uma das passagens mais tocantes da Bíblia retrata esse
aspecto do relacionamento do homem com Deus: ?Eis que estou à porta e bato;
se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com
ele, e ele comigo? (Ap 3:20). Nosso Cristo interior anuncia que está sempre
aguardando de forma humilde e paciente, à porta de nossa consciência. Ele bate
insistentemente e nos chama. Mas, como ele nos fala com a Voz do Silêncio,
temos que desenvolver nossa audição espiritual para perceber Seu chamado. A
seguir, nos será dado decidir se queremos ou não abrir a porta de nosso
coração. Uma porta representa uma barreira para a entrada naquele recinto. A
barreira que devemos remover para não mais impedir o acesso do Salvador ao
nosso coração representa o nosso egoísmo com seus apegos ao mundo material. Quando
nos desapegarmos e verdadeiramente nos entregarmos ao Senhor, estaremos abrindo
a porta de nossa consciência para que o Bem Amado possa se revelar a nós. Essa
revelação salvadora é simbolizada pela ceia, ou comunhão, prometida.
Uma das conclusões mais
importantes de nossa jornada foi a comprovação de que cada ser humano é o
responsável último por sua própria salvação. A Graça e a Verdade são colocadas
à nossa disposição como um banquete divino, mas cabe a nós colocarmos os
alimentos espirituais em nosso prato, para ingeri-los e digeri-los. Na vida
espiritual não é possível o uso de prepostos ou procuradores, como fazemos no
mundo material, em que seguidamente contratamos especialistas para resolverem
os problemas difíceis ou trabalhosos que enfrentamos. No caminho espiritual
podemos obter ajuda, e seguidamente ela nos é concedida, mas essa ajuda tem o
caráter de uma sugestão, orientação ou oportunidade, permanecendo conosco a
responsabilidade de tomar as medidas necessárias. Algumas tradições sugerem que
trilhamos o caminho espiritual na companhia do resto da família humana. Alguns
irmãos mais experientes estão a nossa frente e servem como guias e instrutores.
Outros estão no mesmo estágio evolutivo em que nos encontramos, e caminham ao
nosso lado trocando experiências num espírito fraterno. Outros ainda são almas
mais novas e seguem nossos passos. Para esses devemos estar sempre prontos a
estender nossa mão amiga e oferecer um exemplo de conduta amorosa, sábia e
íntegra como a melhor ajuda para que eles, por sua vez, possam fazer progresso
na senda.
O entendimento de que somos
responsáveis por nossa própria salvação coloca em perspectiva outra noção
ingênua de muitos cristãos, a saber, de que Cristo e seus santos deveriam se
compadecer do sofrimento da humanidade e enviar suas graças curadoras para
todos os males que assolam a família humana. Ainda que Cristo, movido pela
compaixão, tenha efetuado inúmeras curas ditas milagrosas, durante seu
ministério na Palestina, seu principal objetivo era, é e sempre será, promover
a salvação de toda a família humana. A divina compaixão vai além da compaixão
emotiva de curto prazo dos seres humanos comuns, que se preocupam mais em
aliviar as dores do que em curar as doenças. O Salvador, com sua visão de longo
prazo, sabedoria infinita e a mais profunda e verdadeira compaixão, estava mais
preocupado em promover a saúde espiritual permanente dos seres humanos do que
em aliviar temporariamente as dores e consolar os sofredores, pois sabia que as
pessoas curadas milagrosamente de qualquer sofrimento, a menos que venham a
mudar radicalmente de vida, voltarão a sofrer no futuro como conseqüência de
seus atos insensatos. O divino médico nos legou um receituário para superarmos
o sofrimento de forma permanente: ?entrarmos pela porta estreita da
auto-responsabilidade e seguirmos o caminho apertado da autotransformação até
alcançarmos a verdade libertadora na união com Deus?.
Na medida em que nos
conscientizamos das leis divinas e dos processos evolutivos, devemos estar
atentos para a responsabilidade que pesará sobre nossos ombros na medida em que
formos desenvolvendo a luz de Cristo em nós. Passo a passo, nossa inteligência, intuição, compaixão, memória, visão e audição espirituais, presciência e muitos outros
poderes serão desenvolvidos. Mas, com cada graça recebida aumentará também
nossa responsabilidade. A verdade é um tesouro divino, cuja beleza nos extasia
e cujo poder nos liberta. Porém, no mundo divino, como no humano, o aumento de
poder resulta em aumento de responsabilidade, como indicado pela parábola dos
talentos e reiterado de forma explícita na passagem: ?Àquele a quem muito se
deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado?
(Lc 12:48). O ser humano é um instrumento de Deus na Terra, podendo optar por
ser útil na seara do Senhor ou agir como um parasita, que só retira benefícios
da vida sem nada retornar. Como aspirantes a discípulos do Mestre, devemos
estar cientes de nossa responsabilidade para atuar na seara do Senhor.
Nossa responsabilidade deve
ser exercida em duas frentes. Primeiramente assumindo a responsabilidade por
nossa própria salvação. Mas, como somos parte de um todo, como somos células
dentro do grande organismo da família humana, também somos responsáveis pela
salvação de nossos irmãos. Esse entendimento deve nos levar a uma atitude sábia
perante a vida e não sectária ou doutrinária. Nossa maior contribuição para a
libertação do mundo deve ser nossa própria libertação e iluminação, que é
obtida pela autotransformação. Em lugar de procurarmos evangelizar e converter
nossos irmãos com crenças diferentes, devemos oferecer um exemplo de vida
amorosa e sábia. Para que esse compromisso esteja sempre em nosso coração
podemos repetir, sempre que possível, a frase imortalizada pelo Apóstolo Paulo:
?Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim? (Gl 2:20). Para
tornar mais viva a revolução transformadora de Cristo operando em nós e em
todos os seres, podemos complementar essa afirmação com uma invocação impessoal
para que a natureza de Cristo se manifeste não só em nós mas em todo o mundo e
em todos os seres, da seguinte forma:
?Já não sou eu que vivo, mas
é Cristo que vive em mim,
E se manifesta como
luz, paz e amor.
Que brilhe a luz!
Que reine a paz!
Que o amor envolva
todos os seres!?
Brasília,
outubro de 2004. |