UM CASO DE
OBSESSÃO
Helena P.
Blavatsky
[The Theosophist,
Vol. I No. 8, maio, 1880, pp. 207-208]
As particularidades do
caso de “obsessão” aludido na edição de abril desta revista são
apresentadas na carta a seguir de um respeitável médico inglês, que
está auxiliando a vítima: “Tomo a liberdade de me dirigir a você em
prol da humanidade, com a intenção de incitar sua compreensão e
obter todo auxílio que puder dispensar num caso de “obsessão”. Você
deverá compreender que o cavalheiro está tornando-se médium contra
sua vontade, por haver assistido a algumas sessões espíritas com a
finalidade de testemunhar “materializações”.
Desde então ele esteve
mais ou menos sujeito a uma série de perseguições pelo espírito
“controlador” e, apesar de todo seu esforço para se livrar da
influência, tem sofrido muito de modo vergonhoso e doloroso, de
muitas maneiras e sob circunstâncias penosas e desagradáveis,
especialmente pelos seus pensamentos estarem sendo forçados para
canais proibidos sem a existência de causas externas – as funções
corporais anuladas, sendo até mesmo incitado a morder a língua e
bochechas severamente, enquanto se alimenta, etc., sendo obrigado a
toda espécie de pequenos aborrecimentos que tendem a servir como
meio para o “controlador” (desconhecido) manter e estabelecer
contato. Os detalhes possuem características tão dolorosas que não
tenho como descrevê-los; mas se houver algum meio conhecido por você
para desviar esta influência, e se você achar necessário maiores
particularidades na minha descrição deste caso, eu lhe enviarei toda
informação que possuo”.
Tão pouco se conhece na
Índia a respeito da mais recente e mais surpreendente fase dos
fenômenos mediúnicos Ocidentais—a “materialização” — que uma pequena
explanação é necessária para a compreensão do caso. Em poucas
palavras, então –durante vários anos, na presença de certos médiuns
na América e Europa, freqüentemente sob boas condições
experimentais, têm sido vistas aparições de pessoas mortas que em
tudo se assemelham a um ser humano vivo. Elas caminham, escrevem
mensagens aos amigos presentes e ausentes, falam de modo audível nos
idiomas que lhes eram familiares em vida, muito embora o médium
possa desconhecer esses idiomas, e trajam as mesmas roupas que
usavam quando vivos. Foram descobertos muitos casos de
personificação fraudulenta de mortos; falsos médiuns, às vezes,
enganaram indivíduos crédulo por anos a fio; e os médiuns
verdadeiros, cujos poderes psíquicos foram aparentemente apartados
de qualquer dúvida, têm sido pegos pregando peças em alguma hora
imprópria, uma vez se tenham deixado vencer pelo amor ao dinheiro ou
à notoriedade. Ainda assim, levando-se todos esses casos em
consideração, há um resíduo de casos autênticos de materialização,
ou de tornar retratos de pessoas mortas visíveis, tangíveis, e
audíveis. Estes fenômenos maravilhosos foram tratados de diferentes
maneiras pelos investigadores. A maioria dos Espiritualistas os tem
considerado como as provas mais preciosas da sobrevivência da alma;
enquanto os Teósofos, conhecedores dos pontos de vista dos antigos
Teurgistas, e dos ainda mais antigos filósofos arianos, viam essas
coisas como, na melhor das hipóteses, decepções enganosas dos
sentidos, cheios de perigo para a natureza física e moral tanto do
médium quanto do espectador – se este último por acaso for
suscetível a certas influências psíquicas. Estes estudantes de
Ocultismo notaram que os médiuns que praticam materializações têm,
muito freqüentemente, arruinado sua saúde pelo esgotamento de suas
faculdades, e destruído sua moralidade. Eles têm repetidamente
advertido o público Espiritualista que a mediunidade é um dom
extremamente perigoso, só pode ser suportado sob grandes precauções.
E, por causa disso, eles têm recebido muitos insultos e poucos
agradecimentos. Apesar disso, o dever precisa ser cumprido a todo
custo, e o caso que agora se nos apresenta oferece um texto valioso
para um pouco mais de aconselhamento fraterno.
Não precisamos nos deter
para discutir a questão de se as denominadas formas materializadas
acima descritas são ou não a aparição dos mortos com os quais se
assemelham. Isso pode aguardar até que os fatos profundos da ciência
psíquica Oriental sejam melhor compreendidos. Também não precisamos
discutir se de fato houve alguma materialização autêntica. As
experiências em Londres de Sr. William Crookes, membro da Royal
Society, e das experiências americanas do Coronel Olcott, ambos
amplamente conhecidos e de caráter tão convincente, nos fornecem
base suficiente sobre a qual argüir. Nós aceitamos a realidade das
materializações, e tomaremos o exemplo citado pelo médico inglês
como tema para diagnóstico.
O paciente é então
descrito como tendo sido “controlado” desde quando começou a
freqüentar “círculos” onde havia materializações, e como se tendo
tornado escravo de alguns poderes malignos que o forçam a dizer e
fazer coisas dolorosas e até mesmo repugnantes, apesar de sua
resistência. Por que isto? Como pode um homem ser compelido a agir
contra sua vontade? O que é obsessão? Estas são três curtas
questões, mas extremamente difíceis de explicar a um público não
iniciado. As leis da obsessão só podem ser bem entendidas por aquele
que sondou as profundezas da filosofia indiana. A única pista que o
Ocidente possui para o segredo está contida naquela mais benéfica
das ciências, o Magnetismo ou Mesmerismo. Ela ensina a existência de
um fluido vital dentro e ao redor do ser humano; o fato de
diferentes polaridades humanas; e a possibilidade de uma pessoa
projetar este fluido ou força à vontade, sobre outra pessoa
diferentemente polarizada. A teoria do Barão de Reichenbach sobre a
Ódilo ou força Ódica, nos mostra a existência deste mesmo fluido nos
reinos mineral e vegetal, bem como no reino animal. Para completar a
cadeia de evidência, a descoberta de Buchanan sobre a faculdade
psicométrica no homem nos permite provar, com o auxílio desta
faculdade, que as pessoas são capazes de exercer uma influência
sutil sobre as casas e até mesmo sobre as localidades em que vivem,
no papel sobre o qual escrevem, na roupa que usam, na porção do Éter
Universal (o Akâsha ariano) onde existem—e que esta é uma influência
permanente, perceptível mesmo em épocas distantes daquelas em que o
indivíduo viveu e exerceu esta influência. Numa palavra, podemos
dizer que as descobertas de ciência Ocidental corroboram plenamente
as insinuações feitas pelos sábios gregos e as teorias mais
definidas de certos filósofos indianos.
Hindus e budistas
acreditam igualmente que pensamento e ação são coisas materiais, que
subsistem, que os maus e bons desejos de um homem o envolvem num
mundo de sua própria criação, que estes desejos e pensamentos
assumem formas que se tornam reais pare ele após a morte, e que
Moksha (liberação), em um caso, e Nirvana, em outro, não podem ser
atingidos até que a alma desencarnada tenha atravessado totalmente
esse mundo-sombra dos pensamentos obsessivos, e se despojado de sua
última mácula terrestre. O progresso das descobertas Ocidentais
nesta direção tem sido, e deverá sempre ser, muito gradual. Dos
fenômenos da matéria bruta à matéria mais sublime, e daí rumo aos
mistérios do espírito, árdua é a estrada que se faz necessária,
segundo os preceitos de Aristóteles. A Ciência ocidental verificou
primeiramente que nossa expiração é carregada de ácido carbônico, o
qual, em excesso, torna-se fatal à vida humana; depois, que certas
doenças perigosas são transmitidas de pessoa a pessoa por esporos
eliminados no ar pelo corpo doente; posteriormente, que o homem
projeta uma aura magnética, peculiar a si mesmo, sobre tudo e sobre
todos que encontra; e finalmente, admite agora a possibilidade de
que a perturbação física é estabelecida no Éter, no processo de
evolução do pensamento. Outro passo à frente será perceber o mágico
poder criativo da mente humana, e o fato de que a doença moral é tão
transmissível quanto a física. Então, compreender-se-á que a
“influência” das más companhias implica na degradação do magnetismo
pessoal, mais sutil que as impressões transmitidas ao olho ou ao
ouvido pelas visões e sons de uma companhia depravada. Estas últimas
podem ser repelidas evitando-se resolutamente ver ou ouvir o que é
ruim; mas o primeiro envolve o indivíduo sensitivo e penetra seu
próprio ser, se ele parar onde o veneno moral está pairando no ar.
Os livros “Animal Magnetism” de Gregory, “Researches”
de Reichenbach, e “The Soul of Things”, de Denton,
esclarecerão a maioria dessas coisas ao investigador Ocidental,
embora nenhum desses autores estabeleça a conexão do seu ramo
preferido da ciência com a fonte mãe — a Psicologia hindu.
Mantendo o presente caso
à vista, nós temos um homem altamente suscetível a impressões
magnéticas, ignorante da natureza das “materializações” e, portanto,
incapaz de se proteger contra más influências, atraídas do contato
com círculos de pessoas promíscuas onde o médium impressionável tem
sido, desde há muito, um núcleo inconsciente de magnetismos
maléficos, em que seu sistema saturou-se com as emanações dos
pensamentos e desejos remanescentes daqueles que estão vivos e
daqueles que estão mortos. O leitor é remetido a um interessante
artigo, escrito por Judge Gadgil de Baroda (veja nossa edição de
dezembro) intitulado Hindu Ideas about Communion with the
Dead (“Idéias Hindus sobre Comunhão com os Mortos”), para uma
exposição clara desta questão das almas ligadas à Terra, ou
Pisachas. “Considera-se”, diz que o autor, “que, neste estado, a
alma, privada dos meios de satisfazer [os prazeres sensuais] por
meio do seu próprio corpo físico, fica perpetuamente atormentada
pela fome, apetite e outros desejos corporais, e só consegue saciar
seu prazer de modo vicário, penetrando os corpos físicos vivos de
outras pessoas, ou absorvendo as essências mais sutis das libações e
oblações oferecidas em seu proveito”.
O que há de
surpreendente no caso de um homem polarizado negativamente, um homem
de temperamento suscetível, sendo subitamente colocado na corrente
de emanações obscenas de alguma pessoa viciosa, talvez ainda viva,
talvez morta, que absorve o veneno insidioso tão rapidamente quanto
a cal-viva absorve a umidade, até que esteja saturado com essa
coisa? Assim, um corpo suscetível absorverá o germe da varíola,
cólera, ou tifo, e bastará apenas que lembremos disto para fazermos
a analogia que a Ciência Oculta afirma ser garantida.
Pendente sobre nós,
próximo à superfície da Terra, —para usar um símile
conveniente—existe uma névoa moral vaporosa, composta das exalações
não dispersas dos vícios e das paixões humanas. Esta névoa penetra o
sensitivo até o âmago de sua alma; o seu eu psíquico absorve isto
como a esponja absorve água, ou como os eflúvios do leite fresco.
Isto lhe entorpece o senso moral, incita à atividade seus instintos
mais vis, subjuga suas boas resoluções. Assim como os eflúvios de
uma adega atordoam o cérebro, ou como o gás carbônico de uma mina
sufoca a respiração de uma pessoa, semelhantemente, esta pesada
nuvem de influências imorais leva o sensitivo para além dos limites
do autocontrole, e ele se torna “obsedado”, como o nosso paciente
inglês.
Qual o remédio a
sugerir? Nosso próprio diagnóstico não o indica? O sensitivo tem que
destruir sua sensibilidade; deve transformar a polaridade negativa
em positiva; deve tornar-se ativo em vez de passivo. Ele pode ser
auxiliado por um magnetizador que compreenda a natureza da obsessão,
e que seja moralmente puro e fisicamente saudável; deve ser um
magnetizador poderoso, um homem com enorme força de vontade. Mas a
luta pela liberdade, afinal de contas, deve ser empreendida pelo
próprio paciente. Sua força de vontade deve ser despertada. Ele tem
que expelir o veneno de seu organismo. Pouco a pouco, ele deve
recuperar o terreno perdido. Ele deve compreender que esta é uma
questão de vida ou morte, salvação ou ruína, e deve se esforçar pela
vitória, como alguém que faz um último e heróico esforço para salvar
a própria vida. Sua dieta deve ser a mais simples; ele não deve
alimentar-se de comida animal, nem tocar qualquer estimulante, nem
se permitir qualquer companhia onde haja a menor possibilidade de
lhe despertar pensamentos impuros. Deve permanecer a sós o mínimo
possível, mas sua companhia deve ser cuidadosamente escolhida. Deve
exercitar-se e permanecer bastante tempo ao ar livre; deve usar fogo
a lenha, em vez de carvão. Todo indício de que uma influência
perniciosa ainda esteja em ação no seu interior deve ser considerada
como um desafio para levá-lo a controlar seus pensamentos e a
compeli-los a demorar-se mais sobre assuntos puros, elevados,
espirituais, sob qualquer circunstância, e com a determinação de
sofrer qualquer coisa ao invés de se render. Se este homem pode
infundir-se de um tal espírito, e seu médico pode contar com a ajuda
benevolente de um magnetizador forte, saudável, de caráter puro, ele
pode ser salvo. Chegou ao nosso conhecimento um caso muito
semelhante a este e que aconteceu na América, com a exceção de que a
paciente era uma senhora; o mesmo conselho foi prescrito e seguido,
e o "demônio" obsessor foi expulso e assim permanece desde
então.
Tradução: F.G.
Revisão: E.S.