OS ENSINAMENTOS DE JESUS
E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
Raul Branco
(Membro da Sociedade Teosófica pela Loja Brasília, de Brasília-DF)
Um dos aspectos marcantes dos dias de hoje, é um interesse crescente pela vida espiritual. Porém, o buscador moderno é mais participativo e procura aliar a razão à fé, o conhecimento à doutrina.
Algumas perguntas que espelham esta nova tendência são: "Os ensinamentos que Jesus ministrava em particular a seus discípulos permanecem ocultos? O Reino dos Céus é uma realidade do outro mundo ou pode ser alcançado aqui e agora? Quais são os três níveis de entendimento da Bíblia? As chaves para a interpretação das parábolas de Jesus são conhecidas?"
Estes e outros temas são examinados de forma clara e sistemática no livro Os Ensinamentos de Jesus e a Tradição Esotérica Cristã, de Raul Branco, publicado pela Editora Pensamento e lançado no dia 11 de dezembro, na sede da Sociedade Teosófica, em Brasília, pelo autor.
Tanto o cristão tradicional como as pessoas que estão buscando respostas para seus anseios espirituais em outras tradições, como o budismo, a yoga, a vedanta e a teosofia, agora não precisam mais buscar longe o que está perto. O que muitos não sabem é que os ensinamentos internos que Jesus ministrava a seus discípulos foram, em grande parte, incorporados à Bíblia, embora sob o véu de uma linguagem alegórica, sendo também preservados em vários documentos pouco conhecidos do público. Esses ensinamentos, devidamente interpretados, estão agora ao nosso alcance neste precioso livro
A primeira preocupação do autor é examinar as fontes da tradição esotérica cristã. A grande meta proposta por Jesus, alcançar o Reino dos Céus, é discutida, tanto do ponto de vista tradicional como sob a visão esotérica. É neste ponto que o leitor ficará especialmente tocado. O autor apresenta várias chaves para a interpretação dos textos da Bíblia e usa estas chaves para interpretar as parábolas sobre o Reino, como a Parábola do Filho Pródigo, que esotericamente retrata a peregrinação da alma por esta terra distante em que vivemos até nosso retorno à Casa do Pai.
Mas o autor não se limita meramente a apontar a meta do Reino. Apresenta, de forma bastante sistemática, o acervo de experiências da tradição cristã, cotejada com o das tradições orientais, sobre o que fazer para entrar no Reino. A ênfase do livro é a parte prática: o método de "renascimento" ensinado por Jesus. Os fundamentos do caminho espiritual são discutidos juntamente com os primeiros passos e as regras do caminho. O ponto alto do livro são os doze instrumentos usados para efetuar a mudança interior, chamados de "as chaves do Reino dos Céus". Para completar, o autor apresenta uma síntese do caminho espiritual na tradição cristã, incluindo uma interpretação esotérica de como a vida do Cristo retrata de forma simbólica os marcos desse caminho.
Raul Branco é um estudioso da tradição cristã e das tradições orientais, tendo publicado o livro Pistis Sophia, Os Mistérios de Jesus, (Bertrand Brasil, 1997), bem como vários artigos sobre a vida espiritual. Em suma, este é um livro extremamente valioso, bem documentado, escrito numa linguagem clara e acessível, que está fadado a tocar o coração de todo buscador espiritual.
O livro pode ser adquirido nas boas livrarias ou diretamente da Editora Pensamento, pelo e.mail: pensamento@snet.com.br
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(Apresentamos, com a denominação acima, o índice, o prefácio e a introdução do livro; temos a intenção de despertarem nossos leitores o interesse por aspectos de nossa tradição religiosa que,costumeiramente, não recebem o destaque merecido, e que podem nos trazer uma outra
compreensão da mesma, além da possibilidade de novas vivências espirituais).
ÍNDICE
PREFÁCIO
I. INTRODUÇÃO
A postura
necessária para o estudo dos ensinamentos esotéricos
II. O LADO INTERNO DE UMA TRADIÇÃO
1. Existe um lado interno na tradição
cristã
2. As fontes primárias da tradição
interna
- Os Evangelhos Canônicos
- Os documentos apócrifos
- A tradição oral
- A vida dos místico
- Os grupos esotéricos
III. A META: O REINO DOS CÉUS
3. O Significado do Reino para a Ortodoxia
- O Reino na tradição judaica
- O Reino para a Igreja
4. Uma visão esotérica do Reino nos ensinamentos de
Jesus
IV. O PROCESSO DE RETORNO À
CASA DO PAI
5. A lei das correspondências
6. Alegorias, Mitos e Símbolos
7. A Parábola do Filho Pródigo
8. A Peregrinação da Alma
V. O MÉTODO
9. A Porta Estreita e o Caminho Apertado
10. A transformação da mente
- O enfoque de Jesus
11. Os Primeiros Passos
- O despertar
- A busca da felicidade
- A busca do Caminho
- Aspiração ardente
12. As Regras do Caminho
- A Unidade da vida
- Natureza cíclica da manifestação
- O objetivo do processo da manifestação
- O livre-arbítrio
- A justiça divina
- Conhecimento de si mesmo
VI. AS CHAVES DO REINO DOS
CÉUS
13. O instrumental transformador na
tradição cristã
14. A Fé
15. Amor a Deus
16. Vontade
17. Purificação
18. Renúncia
19. Discernimento
20. Estudo
21. Oração-Meditação
- Contemplação
22. Lembrança de Deus
23. Atenção
24. Rituais e Sacramentos
- Rituais internos e externos
- Os rituais internos da tradição cristã
- Símbolos e teurgia
25. Prática das Virtudes
- Caridade
- Humildade
- Paciência
- Contentamento
- Equilíbrio e moderação
VII. TRILHANDO O CAMINHO
26. Transformação, integração e
união
27. A Vida do Cristo como o Caminho
EPÍLOGO
Anexo 1. Exercícios e práticas
espirituais
Anexo 2. O Hino da Pérola
Anexo 3. Pistis Sophia
Anexo 4. Glossário
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Níveis de consciência do
homem
Figura 2. O Eu Superior, o adulto consciente e o eu
inferior
Figura 3. Selo de Salomão: Símbolo da natureza integrada
do homem
Figura 4. O Cálice: Símbolo da natureza integral do
homem
PREFÁCIO
Comecei a pesquisar os ensinamentos internos do cristianismo primitivo por estar
convencido de que Jesus não poderia ter omitido de suas instruções uma metodologia para
o caminho espiritual, à semelhança dos métodos conhecidos nas principais tradições
orientais. Essas tradições têm atraído milhares de cristãos sinceros mas desiludidos
com o receituário do cristianismo tradicional. A riqueza do material encontrado,
geralmente pouco conhecido, foi tão surpreendente que resolvi sistematizá-lo e
apresentá-lo sob a forma de livro.
Ao mergulhar no estudo das tradições orientais, principalmente do budismo, da ioga, da
vedanta e de sua versão moderna, a teosofia, descobri que o lado esotérico da tradição
cristã tem todos os ingredientes das formas esotéricas dessas outras, e que a devoção
realmente caminha de mãos dadas com a razão. Em vista dos ensinamentos transformadores
que capacitam a união do buscador com o Supremo Bem, poder-se-ia dizer que esta
tradição seria a ioga cristã, bem pouco conhecida dos cristãos, porque é derivada dos
ensinamentos reservados de Jesus. Lembramos que ioga é um termo sânscrito que significa
união, mas que é usado também, por extensão, para transmitir de forma sistemática a
metodologia que visa promover a união da natureza exterior do homem com sua natureza
interior.
Como o esoterismo cristão é muito rico e a literatura existente muito extensa, o foco
deste trabalho foi direcionado para o ponto central dos ensinamentos esotéricos de Jesus,
ou seja, a busca do Reino de Deus. Procuraremos elucidar esse tema sobre o qual todo o
ministério de Jesus foi baseado, explorando o caminho que leva ao Reino, bem como o
método e o instrumental facilitador que capacitam a entrada pela porta estreita e o
trilhar do caminho apertado.
O mais surpreendente, como será visto a seguir, é que a essência dos ensinamentos mais
profundos de Jesus sempre esteve expressa na Bíblia e em outros documentos sem ser
devidamente percebida. É como se as jóias mais preciosas da mensagem bíblica estivessem
escondidas debaixo de nossos olhos sob a aparência de coisas sem maior importância.
Dentre essas preciosidades negligenciadas do esoterismo cristão poderíamos mencionar:
"Eu e o Pai somos Um," "Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará," "Já não sou eu que vivo mas é Cristo que vive em mim,"
"Quem não nascer de novo não poderá entrar no Reino dos Céus," "Vinde a
mim as criancinhas," "Se o grão de trigo que cai na terra não morrer,
permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto."
Esses exemplos e muitos outros evidenciam que os ensinamentos esotéricos de Jesus foram
preservados em dois segmentos: no primeiro, encontram-se as proposições, instruções e
acontecimentos da vida do Salvador, que estão descritos na Bíblia e em diversos
documentos apócrifos; no outro, estão os detalhamentos dessas instruções, com as
explicações de suas razões e as técnicas e métodos para o aprimoramento da vida
espiritual. Essas instruções e explanações que não se encontram na Bíblia ou nos
documentos apócrifos foram passadas de boca a ouvido, naquilo que se chama de tradição
oral, ou mesmo por intermédio de outros métodos que serão abordados posteriormente.
Este livro é em grande parte um trabalho de reconstituição dos diferentes aspectos
desses ensinamentos.
Quando buscamos sintonia com o Mestre em nossas meditações, depois de algum tempo, a
confusão inicial cede lugar à simplicidade essencial da mensagem divina, facilitando-nos
a tarefa de desenterrar a tradição interna que desconhecíamos. Os objetivos da mensagem
salvífica de Jesus começam a aclarar-se, seus métodos de transmissão de instruções
fazem-se presentes, e seus ensinamentos surgem como jóias preciosas escondidas sob o véu
da alegoria.
Vivemos na ilusão da separatividade, alimentados pelo egoísmo e pelo orgulho, pensando
que criamos de forma separada e independente alguma coisa. A realidade, no entanto, é que
cada ser humano é tão somente uma célula no grande organismo da humanidade. Como tal, a
mente de cada um nada mais é do que um aspecto da mente universal, também chamada de
inconsciente coletivo ou mente divina. Dentro da mente divina, a verdade está eternamente
presente em sua forma essencial, embora seja apresentada de diferentes maneiras, pelos
inumeráveis aspectos individuais desse grande Todo. Verifiquei que, quanto mais procurava
estudar e meditar sobre os ensinamentos de Jesus, mais livros e idéias sobre o assunto
iam aparecendo. Percebi que muitas outras almas já haviam decifrado e interpretado boa
parte dos ensinamentos do Salvador. Minha tarefa, portanto, foi grandemente facilitada,
pois foi possível coligir a essência do que já estava escrito e aproveitar parte do que
ainda estava no mundo mental, a espera de ser expresso. Como é natural, minhas
deficiências literárias, intelectuais e espirituais explicam as falhas que serão
encontradas ao longo do texto.
(...)
As citações bíblicas são apresentadas em itálico, sendo usada a versão da
Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas.
O leitor ansioso em obter uma visão de conjunto do livro, antes de mergulhar nos detalhes
explicativos e operacionais do processo de transformação interior do homem velho no
homem novo, poderá ler a Introdução, o Anexo 1, "Exercícios e práticas
espirituais," e os capítulos 4, "Uma visão esotérica do Reino nos
ensinamentos de Jesus," 8, "A peregrinação da alma," 13, "O
instrumental da tradição cristã," 26, "Transformação, Integração e
União" e 27, "A Vida do Cristo como o Caminho." Uma vez efetuada essa
leitura seletiva, esperamos que o verdadeiro buscador da tradição cristã tenha a
motivação necessária para efetuar, não mais uma leitura, mas um estudo atento do texto
completo.
INTRODUÇÃO
O cristão dedicado e
sincero, que procura seguir a orientação do Mestre de tomar a sua cruz e segui-lo, pode
se questionar como é possível que o entusiasmo da cristandade dos três primeiros
séculos, que seguia Jesus com amor e fervor apesar das perseguições implacáveis que
ceifaram a vida de milhares de mártires naqueles tempos, possa ter arrefecido e se
transformado, para grande parte daqueles que se dizem cristãos, numa mera afiliação
religiosa pró-forma sem o envolvimento de seu coração. As causas dessa mudança
qualitativa da religiosidade do cristão são complexas, mas podem ser em boa parte
imputadas ao fato de que a maioria das igrejas atuais distanciaram-se dos ideais
originais, retornando ao comportamento de obediência a rituais externos e a práticas
religiosas mecânicas que Jesus havia tão duramente criticado nos fariseus e levitas.
São poucos os cristãos no mundo de hoje que procuram realmente entender os ensinamentos
de Jesus e, um menor número ainda, seguir o Mestre.
Com o passar dos séculos, a mensagem central de Jesus foi progressivamente desvirtuada e
acabou sendo esquecida. Em vez de buscarmos o Reino dos Céus aqui e agora, colocamos a
nossa esperança num paraíso distante, talvez no outro mundo. Porém, se meditarmos
profundamente sobre a essência dos ensinamentos de Jesus, deixando de lado nossas idéias
pré concebidas, chegaremos à conclusão de que somos o próprio filho pródigo e que
algum dia retornaremos à Casa do Pai, que é o Reino dos Céus, voltando ao estágio de
pureza prístina original de um Filho de Deus, tornando-nos, então, um Cristo (1) e podendo dizer, por experiência
própria, que "Eu e o Pai somos um" (Jo 10:30). Paulo demonstra estar em
sintonia com essa realidade ao dizer: "Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim" (Gl 2:20). Esse entendimento do potencial ilimitado do homem e o
conhecimento da herança divina podem ser obtidos através do estudo e da vivência do
lado esotérico de nossa tradição, que permaneceu esquecido e negligenciado por tantos
séculos.
O primeiro passo para usufruirmos a herança divina é a decisão de reivindicá-la. Para
isso temos que nos desvencilhar dos condicionamentos limitativos impostos por muitos
séculos de apatia intelectual e de ausência do exercício da vontade. A verdade sempre
esteve ao nosso alcance, mas, por várias razões, deixamos escapar a oportunidade de
percebê-la. Podemos, no entanto, reverter esta situação porque o momento atual é
extremamente propício para o despertar espiritual. Felizmente, os ensinamentos
esotéricos da tradição cristã não foram totalmente perdidos. Eles podem ser
recuperados, compreendidos e, se devidamente vivenciados, podem mudar a nossa vida,
permitindo que alcancemos "O estado de Homem Perfeito, a medida da estatura
da plenitude de Cristo" (Ef 4:13).
O primeiro passo neste estudo dos ensinamentos de Jesus é deixar claro que o
cristianismo, em sua essência última, não é uma instituição mas sim uma convicção
interior. Essa convicção, a verdadeira fé, deve guiar a conduta de seus seguidores rumo
à meta final, o Reino, deixando um rastro de boas obras ao longo do caminho trilhado.
Um aspecto pouco conhecido da natureza cíclica da manifestação é o de que, em cada
final de século, a Providência Divina aumenta o fluxo de energias espirituais para
estimular o progresso da humanidade. Ocorrem também ciclos maiores, como ciclos milenares
e ciclos envolvendo as grandes eras. A humanidade está vivendo agora um momento muito
especial, a confluência de três ciclos, o centenário, o milenar e o de transição da
era de peixes para a era de aquário. Isso pode ser notado pelas pessoas mais sensitivas.
O resultado dessa ação energética inusitada se faz sentir no mundo das idéias e do
comportamento humano. Nesta virada do terceiro milênio, estamos vivendo um momento
extremamente propício para tornar conhecidas as coisas ocultas. Por isso esforçamo-nos
para fazer com que os ensinamentos de Jesus entesourados em documentos raros, ao alcance
apenas de um limitado círculo de estudiosos, sejam postos à disposição dos cristãos
sinceros que ainda não conhecem a inteireza de sua mensagem.
Como não podia deixar de ser, essas energias afetaram de forma positiva a vida espiritual
do planeta. As estruturas religiosas foram induzidas a alargar seus horizontes para
abranger outros grupos e outras etnias. Em virtude da invasão chinesa, que forçou um
êxodo de grandes proporções da comunidade monástica tibetana, o budismo tibetano
passou a ser conhecido e praticado por centenas de milhares de pessoas em quase todo mundo
ocidental, quebrando um milênio de isolamento no Tibete. O sofrimento do povo tibetano
foi transmutado em benefício dos buscadores da verdade em todo o mundo, com a tradução
das obras dos mestres budistas daquele país e o estabelecimento de centros de ensino do Dharma
em vários países do oriente e do ocidente.
Até a rígida e arcaica Igreja de Roma mostrou sinais de abertura. Atendendo aos clamores
dos fiéis que há muito se sentiam alienados com os serviços religiosos em latim, uma
drástica reforma litúrgica foi implementada, permitindo que a missa fosse conduzida na
língua de cada povo e com maior participação dos fiéis. O sacerdote, que anteriormente
oficiava boa parte da missa de costas para o público, passa agora a voltar-se de frente
para os fiéis numa tentativa de quebrar barreiras e promover a comunicação. (2)
Porém, a iniciativa conciliadora mais importante do Vaticano foi o movimento ecumênico.
Depois de muitos séculos de disputas fratricidas a Igreja de Roma, numa demonstração
saudável de humildade, tomou a iniciativa de promover o contato com grupos dissidentes
dentro da grande tradição cristã, bem como com outras religiões (3). A mudança de atitude foi, em grande parte, motivada
pelo relativo esvaziamento das igrejas católicas, face ao rápido crescimento das seitas
protestantes e de outros movimentos, como o espiritismo e as religiões ou filosofias
orientais. Esse processo ecumênico, ainda que tímido e cauteloso, em virtude dos ânimos
acirrados por séculos de disputas, muitas vezes sangrentas, promove pontos de união e
minimiza os de separação.
Esse ecumenismo tem-se mostrado, no entanto, eminentemente externo. Mais importante ainda,
com imensas perspectivas de vir a provocar mudanças radicais, inclusive ao nível da
espiritualidade das massas de fiéis em todo o mundo, seria um ecumenismo interior,
entendido como uma abertura que leve em consideração todos os aspectos da natureza
humana. Os cultos de praticamente todas as igrejas cristãs tradicionais, antes e depois
da Reforma, baseiam-se num acirramento do aspecto emocional do homem. As liturgias,
cânticos, romarias e atos devocionais baseiam-se numa fé emotiva e cega. A questão da
verdadeira fé é de grande importância e será examinada posteriormente, pois ela é um
dos instrumentos fundamentais do processo transformador da ioga cristã.
Mas a emoção é apenas um dos aspectos interiores do homem. O caminho que leva ao Reino
dos Céus requer a integração de todos os aspectos do ser humano. Isso significa que a
emotividade religiosa tem que abrir espaço para a razão, a fim de que as duas, emoção
e razão, possam ser integradas e transcendidas, no seu devido tempo, pela intuição.
Isso só ocorre quando o Cristo interior tem condições de despertar no âmago de nossos
corações e, progressivamente, assenhorar-se do comando de nossas vidas. Esse processo de
integração, ou ecumenismo interior, é a essência dos ensinamentos internos de Jesus.
Assim como o aumento da intensidade das energias espirituais neste século se fez sentir
ao nível das idéias, dos movimentos e das instituições existentes, com mais razão
ainda se fez sentir na alma das pessoas. Milhões de indivíduos em todo mundo passaram a
sentir o chamado do alto. Esse chamado, sempre sutil, procura por diversos meios fazer com
que o homem entenda que sua meta é o Reino e que, para atingi-la, torna-se necessário um
progressivo desapego do mundo material. A forma como os homens geralmente sentem esse
chamado é através da insatisfação com sua vida, mesmo quando estão aparentemente
fazendo as coisas certas e vivendo uma vida ética. Essa divina insatisfação deslancha
um processo de busca, que, inicialmente, é confuso, pois o homem não consegue
identificar exatamente o que está procurando. Busca livros e outras formas de auto-ajuda,
dentro e fora de sua tradição; procura ouvir todo tipo de palestra sobre temas
espirituais, enfim; procura por todos os meios saciar sua terrível sede da verdade.
Muitos dos que batem às portas das igrejas voltam desapontados com o receituário
prescrito pelos seus sacerdotes e pastores. Podemos identificar três áreas principais de
insatisfação com a ortodoxia: os dogmas, a conceituação do homem como pecador e de
Deus como justiceiro e, finalmente, as práticas espirituais sugeridas.
Os dogmas de fé sempre constituíram-se em obstáculos para o crescente segmento pensante
da cristandade. Enquanto o domínio da Igreja de Roma era total sobre seus fiéis, o medo
era geralmente suficiente para manter os fiéis e até mesmo os intelectuais em linha.
Porém, neste último século, com os grandes avanços na educação das massas e a
liberdade de pensamento exercida sem as antigas inibições religiosas, o conflito entre
dogma e razão vem levando um número crescente de cristãos a assumir uma posição de
coerência com seus sentimentos mais íntimos. Infelizmente, isto tem também levado
muitos a rechaçarem, juntamente com os dogmas, toda a doutrina cristã e os ensinamentos
corretos da Igreja.
A segunda área de conflito com a doutrina ortodoxa já era sentida de forma latente há
muitos séculos, como uma repulsa instintiva ao conceito do Deus justiceiro apresentado
pelo Antigo Testamento, em sua interpretação literal, que foi encampado pela ortodoxia
cristã. Conceber Deus como um Ser sujeito a ataques de fúria que precisam ser aplacados
por diversas formas de sacrifícios e holocaustos fere a consciência daqueles que não se
recusam a pensar e constitui-se numa verdadeira heresia. A máxima heresia nesse sentido
é a proposição de que o Filho de Deus foi oferecido em sacrifício para propiciar o
perdão de Deus pelos pecados dos homens, conhecida como doutrina da expiação vicária.
Felizmente, em nosso século, com os avanços da psicologia moderna e o entendimento do
lado sombra do ser humano, o cristão começou a entender porque sempre se sentiu
incomodado por sua caracterização como vil pecador. Jung mostrou que as
negatividades inerentes ao nosso processo de aprendizado terreno devem ser entendidas e
superadas pela compreensão e amor e não pelo temor de um Deus implacável que castiga
nossas falhas e fraquezas com os tormentos do fogo eterno. (4)
Finalmente, muitos dos cristãos que ainda se mantêm fiéis à Igreja mostram seu
descontentamento com as práticas espirituais tradicionais da ortodoxia e, em alguns
casos, com o significado deturpado dado a elas. A missa, o terço, as romarias e as outras
práticas disponíveis aos leigos contrastam com as práticas de outras tradições que,
aos poucos, se tornaram conhecidas no Ocidente. Esse descontentamento não se restringe
aos católicos mas é sentido, também pelos fiéis das seitas evangélicas e protestantes
com sua conhecida inflexibilidade em questões doutrinárias.
Apesar de muita resistência interna, a poderosa energia crística atuando nesta época de
transição parece ter rachado, em alguns lugares, a espessa muralha do conservadorismo.
Assim, algumas aberturas, como o movimento carismático e os movimentos de jovens e de
casais da igreja católica resultaram em entusiástica resposta dos leigos e de parte do
clero. Também a divulgação, por iniciativa de alguns padres e monges, de certas
práticas meditativas e contemplativas, parcialmente inspiradas nos modelos orientais,
tiveram excelente acolhida. Porém, para a grande massa dos buscadores, a Igreja
permaneceu uma instituição rígida, distante, indiferente e até mesmo alienada das
necessidades espirituais de seus fiéis.
O resultado tem sido um progressivo desapontamento dos fiéis com a ortodoxia religiosa
cristã e conseqüente êxodo para outros movimentos e tradições não cristãos ou fora
dos cânones ortodoxos. Isso explica porque o espiritismo, o budismo, o hinduísmo, a ioga
e outros movimentos religiosos e filosóficos no Brasil tiveram tão boa acolhida entre os
cristãos insatisfeitos com a postura ortodoxa de sua tradição. Isso ocorre porque,
nesses movimentos ou tradições, o buscador encontra práticas espirituais sólidas e
doutrinas que não agridem a razão.
As tradições budista e da ioga têm exercido grande atração sobre os buscadores
ocidentais. Ambas podem ser mais acertadamente consideradas como tradições filosóficas
do que religiosas. Seus aspectos doutrinários são extremamente atraentes, englobando
conceitos filosóficos e cosmológicos de abrangência e grandeza que fascinam os
estudiosos livres de preconceitos. Porém, o ponto que exerce maior atração parece ser a
prática espiritual dessas tradições voltadas para a libertação do sofrimento. Dentre
essas práticas destaca-se a meditação, com todas suas modalidades e etapas.
Até mesmo alguns padres e monges cristãos, como Thomas Merton (5)
e William Johnston, (6) depois de estudarem o budismo, procuraram introduzir suas práticas meditativas
nos meios cristãos. Johnston, preocupado com o desinteresse crescente dos fieis pelas
práticas devocionais tradicionais (rosário, via sacra e novenas), e verificando a
firmeza milenar das práticas budistas, tal como observou no Japão, desabafa:
"A velha contemplação cristã
destinava-se a uma elite - os franciscanos, os jesuítas, os dominicanos e as pessoas de bem.
Mas o pobre leigo, o cidadão de segunda classe, ficava com as contas de seu rosário. De
ora em diante, não é preciso que seja assim. Assim como a liturgia ampliou-se para
abranger a todos, também o mesmo pode dar-se com a contemplação. O muro infame que
separava o cristianismo popular do cristianismo monástico pode ser derrubado de forma a
que todos possamos ter as nossas visões, alcançar o nosso samadhi." (7)
A diferença radical de enfoque para a vida espiritual entre a tradição budista e a
cristã pode ser aquilatada pela maneira como caracterizam seus membros. Os budistas
geralmente se auto denominam "praticantes," no sentido de serem praticantes do dharma,
do corpo de ensinamentos do Senhor Buda. Os cristãos, por sua vez, são normalmente
caracterizados como "fieis," refletindo o fato de serem supostamente fieis à
sua crença no corpo doutrinário da Igreja. Enquanto uns praticam os ensinamentos de seu
mestre, outros simplesmente crêem passivamente nos dogmas de sua crença, desconhecendo,
em geral, os ensinamentos de seu Salvador.
Dentro desse contexto de crescente insatisfação com as práticas cristãs ortodoxas e a
constatação de que existem alternativas atraentes nas outras tradições, a
apresentação das doutrinas e práticas espirituais do lado interno da tradição cristã
assume especial importância. Felizmente, quando conseguimos desvelar os ensinamentos
esotéricos de Jesus, verificamos que as práticas do cristianismo primitivo nada deixam a
desejar às outras tradições orientais tão em voga atualmente. Este livro vem juntar-se
a uma crescente literatura sobre o cristianismo primitivo e os aspectos esotéricos da
tradição cristã, enfatizando os métodos e práticas espirituais voltados para a
transformação interior, tão escondidos no passado. (8)
Esses antigos ensinamentos abrangentes, profundos e eternamente atuais, levaram Agostinho,
reputado como um dos baluartes da Igreja, a escrever há quinze séculos atrás:
"Esta que hoje chamamos de religião
cristã existiu entre os antigos e existia desde o começo da raça humana até que o
Cristo se fez carne, tempo a partir do qual a verdadeira religião já existente começou
a ser denominada de Cristianismo" (9)
A postura necessária para o estudo dos ensinamentos esotéricos
Se por um lado existe uma natural curiosidade por parte de todo cristão em conhecer os
ensinamentos internos de sua tradição, devemos estar preparados para o fato de que esses
ensinamentos nem sempre estarão de acordo com nossas idéias tradicionais. Na verdade,
parte dos conceitos ortodoxos deverão ser modificados e, em alguns casos, até mesmo
abandonados, à medida que adquirimos um entendimento mais sólido do lado esotérico dos
ensinamentos de Jesus. Esse é o processo natural de amadurecimento de todo indivíduo. As
noções que governam a atitude das crianças em seus primeiros anos de interação com o
mundo exterior, dão geralmente lugar a conceitos mais abrangentes e complexos quando o
jovem adulto está suficientemente amadurecido em sua capacidade intelectual e emocional.
Um processo semelhante ocorre em nossa vida espiritual. Para que o devoto possa crescer
espiritualmente, ele deve aprender a entender o sentido esotérico subjacente às
doutrinas anteriormente aceitas literalmente como dogmas de fé. Um dos principais
objetivos deste livro é desvelar os ensinamentos escondidos por trás do simbolismo da
Bíblia e de outras fontes de nossa tradição.
Nessa busca, o leitor deve estar disposto a investigar a simbologia bíblica. Essa
disposição implica numa atitude de flexibilidade e tolerância para com idéias e
argumentos diferentes dos aceitos até então. O verdadeiro estudioso deve submeter todo
conceito e argumento, tanto tradicional como não-ortodoxo, ao crivo da razão e, a
seguir, à avaliação do coração. O devoto que adotar essa postura espiritualmente
sadia estará chamando em seu auxílio o Cristo interior, que derramará suas bênçãos
na forma de inspiração para a compreensão mais profunda das verdades transformadoras de
nossa tradição. Com isso ele sentirá uma profunda alegria ao efetuar uma leitura
crítica, que lhe permitirá construir paulatinamente, e de forma consciente, o arcabouço
doutrinário e prático de sua transformação espiritual.
Isso significa que o leitor deve adotar a postura do cientista que, ao iniciar um novo
projeto de pesquisa, adota uma série de hipóteses de trabalho, que serão investigadas e
testadas. Caso essas hipóteses facilitem o avanço da pesquisa e sejam confirmadas por
testes posteriores, então, e só então, poderão ser promovidas de hipóteses a
premissas para a implementação da parte prática que permitirá a conclusão do
trabalho.
Essa atitude "científica", apesar de
atraente e lógica, é difícil de ser adotada na prática. Todos nós interagimos com o
mundo a partir de um grande número de condicionamentos, a maior parte dos quais
inconscientes. Nossa mente racional pode estar disposta a considerar uma determinada linha
de raciocínio, porém, nossos sentimentos, que são governados pelo inconsciente, usurpam
muitas vezes a atribuição da razão e rejeitam os argumentos lógicos tão logo percebem
que esses podem ameaçar a segurança de nossa estrutura de valores. Isso explica a
natureza intrinsecamente conservadora de todo ser humano. Resistimos à mudança porque
toda mudança implica numa revolução interior que demanda um compromisso inabalável com
a verdade. Esse compromisso implica em humildade para aceitar a possibilidade de que
alguns de nossos mais estimados conceitos foram construídos sobre a areia e, finalmente,
uma coragem extraordinária para enfrentar a resistência inicial de nosso ego orgulhoso e
inseguro.
Os meandros da mente são muitas vezes desconcertantes para o iniciante. Um profundo
estudioso da matéria escreveu: "A mente formal assemelha-se a um ditador de um
estado autoritário. Tal dirigente não pode, não ousa, tolerar qualquer interferência
de outros no seu despotismo ou sugestão de controle sobre ele, porque se isso prosperasse
a sua ditadura eventualmente terminaria. No que concerne à manutenção de seu sistema e
ao controle das mentes cegas de seus membros, a ortodoxia religiosa estreita e defensiva
está precisamente na mesma posição. Todo dogmatismo em assuntos religiosos surge do
medo e desse impulso para o poder e sua preservação." (10)
Para o estudante de esoterismo, toda e qualquer proposição doutrinária ou filosófica
deve ser tomada como hipótese de trabalho da mente concreta, até que ele alcance o
estado místico que lhe permita conhecer diretamente a verdade. Quando em profunda
contemplação ele passar a comungar com a Luz, então, e só então, poderá saber com
toda certeza as verdades que transcendem a mente intelectiva e que pertencem ao âmbito do
que chamamos de intuição (buddhi, em sânscrito). É esse conhecimento que os
antigos chamavam de gnosis, o conhecimento direto da verdade que é alcançado com
a iluminação, e que gera uma fé inabalável. Assim sendo, as considerações
doutrinárias e de ordem filosófica neste livro devem ser consideradas como de
importância secundária. O importante são os ensinamentos transformadores, que
poderíamos chamar de metodologia para a transformação do homem velho no homem novo.
Quando tivermos nascido de novo, iluminados pelo Cristo interior, estaremos capacitados a
reavaliar nossas premissas anteriores para, então, estabelecer nossa fundamentação
filosófica com base na Verdade e não mais em hipóteses.
O objetivo primordial deste livro é oferecer ao cristão dedicado essa metodologia
transformadora que, se devidamente utilizada, pode levar o devoto ao estado experimentado
pelo Apóstolo Paulo quando disse "Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim" (Gl 2:20). Todas as considerações filosóficas ou doutrinárias do
livro devem ser consideradas como meras hipóteses, servindo como elementos auxiliares no
desenvolvimento de uma estrutura referencial que acreditamos ser lógica e sequenciada. O
estudante que estabelecer como meta a sua transformação interior, não se deixando
limitar ou intimidar por argumentos filosóficos ou teológicos, poderá deixar para mais
tarde as decisões doutrinárias, quando estiver capacitado pela iluminação
transformadora a pronunciar-se sobre esses pontos de forma definitiva. O Mestre deve ter
tido isso em mente quando nos disse: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará" (Jo 8:32).
Apresentamos a seguir as principais hipóteses que foram usadas para nortear o trabalho.
Estas hipóteses serão examinadas com mais detalhes ao longo do texto.
- O objetivo de todo ministério de Jesus foi alertar a
humanidade para a realidade do Reino e ensinar os homens como alcançá-lo, retornando à
Casa do Pai.
Para chegar ao Reino, ou seja, para alcançar a perfeição, o homem deve encontrar e
trilhar o Caminho ao longo de todas as suas etapas.
- A maioria das pessoas ainda não despertou para a realidade
do Caminho, pois estão mergulhadas na vida material e sensual, sem o menor interesse pela
vida espiritual.
- O Caminho tem três grandes etapas, que poderiam ser
chamadas de religiosa, espiritual e mística. Essas etapas têm um estreito paralelo com
as três grandes fases da vida do homem: infância, vida adulta e maturidade. Nem todos os
homens chegam a última etapa em sua plenitude, envelhecendo sem tornarem-se sábios,
muitos agindo como crianças em idade avançada.
- Na infância a criança deve ser conduzida e protegida por
seus pais e tutores, enquanto está sendo preparada para enfrentar a vida adulta por seus
próprios meios. Nessa etapa a criança caracteriza-se por sua relativa subserviência,
passividade e crença no poder e sabedoria de seus mentores, valendo-se principalmente da
emoção como instrumento de resposta ao mundo. O caminho religioso tradicional eqüivale
à infância da humanidade, em que os fieis são conduzidos pelos sacerdotes, como
representantes do Pai Celestial e da Madre Igreja, crendo em dogmas e obedecendo os
mandamentos e regras estabelecidos. As práticas religiosas são fundamentadas
essencialmente no aspecto emotivo da natureza humana.
- A transformação da criança em adulto ocorre na
adolescência, um período caracterizado, entre outras coisas, pela rebeldia do jovem.
Essa rebeldia, dentro de certos limites, é saudável, pois prepara o jovem para pensar e
agir por conta própria, usando a razão e desenvolvendo o discernimento. Um período de
transição semelhante também ocorre com o devoto que começa e sentir-se insatisfeito
com a vida emocionalmente protegida dentro de sua religião. Ele começa a se rebelar
contra a doutrina estabelecida e a obediência às regras e à autoridade religiosa
constituída. Esse período é extremamente penoso e eivado de contradições, mas é
essencial para a entrada na próxima etapa do Caminho. É caracterizado por uma
insatisfação essencial que leva à busca da verdade.
- A etapa intermediária do Caminho, que chamamos de vida
espiritual, eqüivale a vida do adulto. Nela o buscador deve assumir a responsabilidade
por sua vida e procurar viver de acordo com a mais alta ética que seu discernimento lhe
dirá ser apropriada para uma vida responsável, harmônica e construtiva dentro da
família humana. O aspecto mais importante dessa fase é a constante preocupação com o
crescimento espiritual da pessoa, que deverá efetuar diversas mudanças em sua atitude e
seu comportamento, para purificar-se e chegar cada vez mais perto da meta.
- Ao desenvolver um ego forte, lúcido e crítico o homem
maduro chegará um dia ao último estágio do Caminho, a etapa mística. Essa etapa
também corresponde, de certa forma, ao caminho ocultista, que será descrito mais
adiante. O místico é o buscador espiritual que, tendo feito tudo o que podia para a sua
autotransformação, reconhece que os esforços do ego não são suficientes para
alcançar a meta suprema, o que só pode ser feito com a ajuda do Alto. A Graça Divina
não pode ser forçada, mas o terreno para que ela seja concedida pode e deve ser
devidamente preparado por uma vida de purificação, meditação e serviço. O místico
procura subordinar seu ego desenvolvido para fazer a vontade de Deus e não mais a sua.
- No Caminho ocorre um drástico afunilamento de uma etapa
para a outra, como havia sido indicado por Jesus que "muitos são chamados, mas
poucos escolhidos" (Mt 22:14) e também que "escolherei dentre vós, um
entre mil e dois entre dez mil" (Evangelho de Tomé, versículo 23). (11) Portanto, não é de se
estranhar que as instruções esotéricas de Jesus eram dirigidas "aos poucos",
enquanto seu ministério público era voltado para "os muitos." Da mesma forma,
dentre os milhares de buscadores que se dedicam a vida espiritual, são poucos os que
alcançam as realizações místicas avançadas associadas ao Reino dos Céus.
- O ministério de Jesus cobriu as três etapas do Caminho. O
ensinamento aberto ao povo, mais tarde acrescido das doutrinas e dogmas estabelecidos pela
Igreja, visava atender a primeira etapa de desenvolvimento do homem. Seus ensinamentos
esotéricos, velados nas parábolas e ministrados diretamente a seus discípulos, tinham
por objetivo guiar o homem ao longo da segunda etapa de busca espiritual. Seu método de
ensino, incluindo a crítica à sabedoria convencional, ou seja, à religião ortodoxa dos
judeus de sua época (que será examinado, em especial, nos capítulos 4 e 10), visava
estimular a razão, o discernimento e o senso de responsabilidade do homem em busca do
Reino. Esses ensinamentos e, principalmente, os mistérios ou sacramentos que Jesus
ministrava aos poucos que estavam preparados para eles, visavam levar o homem à última
etapa, a vida unitiva do caminho místico. Nessa etapa o homem aprende que deve morrer
para o mundo para alcançar o Reino, ou seja, entregar-se inteiramente a Deus para
alcançar a Salvação.
Observamos que o Caminho, como tudo na vida, apresenta uma periódica alternância de
ciclos. Na primeira etapa a criança tem uma atitude passiva para com a vida, aceitando a
orientação de seus superiores. O adulto, ao contrário, para ser bem sucedido, deve
assumir uma atitude ativa, buscando sua liberdade para decidir sobre o que julga ser
melhor para seus interesses. Na última etapa, o futuro sábio deve mais uma vez retornar
à passividade, aguardando com paciência, humildade e perseverança a chegada da Graça,
que trará a iluminação.
A classificação das três etapas do Caminho como religiosa, espiritual e mística deve
ser entendida como indicativa de características básicas do comportamento e atitude dos
indivíduos. Para evitar controvérsias semânticas, deve ficar claro que um indivíduo na
etapa espiritual ou até mesmo na via mística pode se considerar corretamente como sendo
religioso, cristão ou católico. A religião em seu sentido mais amplo deve acomodar
almas em todos os estados evolutivos, da mesma forma como o Reino do Pai, que tem muitas
moradas.
Esta obra foi dividida em sete partes. Na primeira, procuramos identificar o estado atual
da vida espiritual do cristão comum, alheio aos ensinamentos internos de Jesus, e indicar
porque o momento presente é especialmente propício para resgatar esses ensinamentos,
confirmando as palavras do Mestre de que "nada há de oculto que não venha a ser
manifesto, e nada em segredo que não venha à luz do dia" (Mc 4:22).
A segunda parte estabelece a definição de tradição interna, determina as
fontes primárias e secundárias dessa tradição e as formas para termos acesso ao seu
material. A importância da interpretação do material bíblico é ressaltada.
O significado da meta suprema apontada por Jesus, o Reino dos Céus, é o objeto da
terceira parte. Contrastando com o conceito de Reino na tradição judaica e
como ele foi interpretado pelas igrejas ortodoxas, é sugerido que o Reino dos Céus não
é um lugar no tempo e no espaço, e que não é atingido somente após a morte, mas que
é um estado de espírito que pode e deve ser alcançado aqui e agora. Ao contrário do
que muitos crêem, só aqueles que alcançam o Reino enquanto encarnados podem gozar da
bem-aventurança celestial após a morte.
A quarta parte é a descrição do processo de retorno à Casa do Pai, a nossa meta, sendo
a Parábola do Filho Pródigo um exemplo de como a interpretação de um mito ou alegoria
pode proporcionar a chave para o entendimento dos ensinamentos ocultos de Jesus. Dois
outros mitos cosmogônicos ainda mais abrangentes e profundos do que aquela parábola,
conhecidos como o Hino da Pérola e o mito de Pistis Sophia, são apresentados em anexo,
oferecendo outras fontes para o mesmo ensinamento. Como o objetivo do trabalho não é
meramente acadêmico, as questões práticas relacionadas com o método e o instrumental
transformador legado pela nossa tradição são enfatizadas, ocupando a maior parte do
livro.
A quinta parte aborda o método para alcançar o Reino dos Céus, que foi descrito por
Jesus como a Porta Estreita e o Caminho Apertado. Em sua essência, o método poderia ser
resumido no que a ortodoxia chamou de arrependimento, mas que no original
grego era metanoia, que tinha um significado bem mais amplo, que era o de mudança
dos estados mentais que levam à mudança de consciência pela superação dos
condicionamentos e da ignorância anterior. Esse conceito é basicamente psicológico e
oferece um paralelo com o enfoque da tradição budista de transformação da mente. Ainda
nesta parte são abordados os primeiros passos no caminho espiritual, incluindo o
despertar para a realidade última da vida, a eterna busca da felicidade e o papel da
aspiração ardente. Finalmente, são examinadas as regras do caminho espiritual, a
fundação da verdadeira fé. Dentre essas regras são discutidas a unidade de todas as
coisas, a natureza cíclica da manifestação, o objetivo do processo de manifestação, o
papel do livre arbítrio e da lei de causa e efeito e a importância do conhecimento de si
mesmo.
O instrumental transformador de nossa tradição é tão rico e efetivo como o das
tradições orientais. Esse instrumental, que se constitui verdadeiramente nas chaves do
Reino dos Céus, é examinado na sexta parte. Assim como a Bíblia nos fala dos doze
apóstolos de Jesus, a tradição interna legou-nos doze instrumentos transformadores. Os
seis primeiros servem como fundação para o processo transformador, promovendo o que os
místicos chamam de via negativa ou purgativa e os cristãos primitivos de kenosis,
ou esvaziamento que prepara a alma para receber a Graça suprema do Espírito. Esses seis
primeiros instrumentos fundamentais são a fé, o amor a Deus, a vontade, a purificação,
a renúncia e o discernimento. Os outros seis instrumentos são de natureza mais
operativa. São eles: estudo, oração e meditação, lembrança de Deus, atenção,
rituais e sacramentos e, finalmente, a prática das virtudes.
A sétima e última parte do livro examina algumas questões de interesse para aqueles que
começam a trilhar o caminho. Dentre elas destacam-se a integração entre a natureza
superior e a inferior do homem, semelhante ao processo de individuação descrito por
Jung, como necessária para que ocorra o verdadeiro crescimento espiritual. Verifica-se
que o amor e a verdade são os elementos integradores mais importantes no processo. De
interesse especial para o devoto são os indícios de que a transformação está
ocorrendo e está levando-o progressivamente à união com o Supremo Bem, a meta de todo
esforço. Um fato de especial interesse para o devoto é que a vida do Cristo, pode ser
vista como uma alegoria do caminho acelerado, em que os marcos de seu nascimento, batismo,
transfiguração, morte e ressurreição e, finalmente, a ascensão representam as cinco
grandes iniciações.
Com o objetivo de tornar este livro o mais prático possível para o buscador determinado
a entrar pela Porta Estreita e trilhar o Caminho Apertado, reunimos no Anexo
1 algumas práticas e exercícios espirituais, decorrência natural dos instrumentos
transformadores examinados ao longo do texto. Um glossário também é apresentado no
Anexo 4, numa tentativa de facilitar o entendimento da terminologia cristã e esotérica.
Notas
(1) Peter Roche de Coppens, em seu
interessante livro Divine Light and Fire: Experiencing Esoteric Christianity,
sugere que: "Tornar-se um verdadeiro cristão, para mim não é mais do
que tornar-se um ser humano crístico, um ser humano que alcançou a
verdadeira Iniciação espiritual. Um ser humano em quem o Senhor é Rei e Governa; um ser
humano em quem o Eu espiritual tornou-se o princípio unificador e integrador da psique e
dos pensamentos, emoções, desejos, palavras e ações: um ser humano, então, que se torna
num outro Cristo vivo." Op.cit. pg. 7. Voltar
(2) Para uma interessante explicação do lado oculto dos
rituais, vide: Geoffrey Hodson, O Lado Interno do Culto na Igreja (S.P.:
Pensamento) e C.W. Leadbeater, O Lado Oculto das Coisas (SP: Pensamento). Voltar
(3) Esta abertura demandou grande coragem por parte do Vaticano,
pois até meados deste século, a convicção de que "fora da Igreja não há
salvação," foi absolutamente dominante para a postura da Igreja Romana em relação
às outras igrejas e religiões. Voltar
(4) C.G. Jung, AION. Estudos sobre o
simbolismo do si-mesmo, (Petrópolis, R.J., Vozes, 1994), pg. 6-8. Voltar
(5) Thomas Merton, Zen e as Aves de Rapina (S.P.:
Cultrix, 1987) e Mystics and Zen Masters (N.Y.: The Noonday Press, 1994). Voltar
(6) W. Johnston, Cristianismo Zen. Uma forma
de meditação (S.P.: Cultrix, 1991)Voltar
(7) Cristianismo Zen, op.cit., pg. 47.
Voltar
(8) Ver, a propósito, Jacob Needleman, Cristianismo Perdido
(S.P.: Pensamento); Robin Amis, A Different Christianity (Albany: State
University of New York Press, 1995); Ted Andrews, O Cristo Oculto (S.P.:
Pensamento, 1997); Boris Mouravieff, Gnosis, Study and Commentaries on the Esoteric
Tradition ofEastern Orthodoxy (Newbury, MA: Praxis Institute Press, 1990), 3 vol, e The
Philokalia, The complete text (Londres: faber and faber, 1979), 5 vol. Voltar
(9) St. Agostinho, Confissões, Livro I,
cap. 13, vers. 3. (citado por C.W. Leadbeater, A Gnose Cristã, Brasília:
Editora Teosófica, 1994, pg. 90). Voltar
(10) G. Hodson, The Life of Christ from Nativity to Ascension,
op.cit., pg. 202. Voltar
(11) Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 129. Voltar
[Os restantes capítulos deste trabalho serão publicados em breve na forma de livro]
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Este texto foi gentilmente cedido pela Loja Teosófica Fênix - Brasilia - DF.
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