Durante o século I dC Apolônio ensinou e
exemplificou a vida filosófica que Pitágoras havia demonstrado ser o caminho
mais seguro para a imortalidade autoconsciente. Sua vida era uma censura para
arrivistas Cristãos que buscavam poder pessoal travestidos com o nome e ética
do Homem das Dores. Os primeiros Padres da Igreja lançaram ataques à vida e
obra de Apolônio, refutando-o como charlatão e feiticeiro. Mas quando as
tentativas de desacreditar Apolônio se tornaram mais viciosas no reinado de
Septímio Severo (193-211 dC), a imperatriz Julia Domna, devota dos estudos
literários e filosóficos, convenceu-se de que a nobre e extraordinária vida de
Apolônio deveria ser preservada em uma obra literária ao mesmo tempo
dignificante e fiel às fontes disponíveis. Ela incumbiu Filóstrato de executar
esta tarefa, e ele foi subsidiado com os diários mantidos por Damis de Nínive,
o companheiro de toda vida de Apolônio, e mais com uma profusão de cartas
escritas por Apolônio e que então circulavam largamente. Fiolóstrato
envolveu-se tanto com o assunto que viajou extensivamente pela Grécia e
Anatólia, visitando santuários e recolhendo tradições locais. Deste material
ele compôs uma biografia em oito livros, tentando discernir imparcialmente o
perfil da vida e dos ensinamentos de Apolônio. Na altura do fim do século III
os Cristãos estavam rapidamente forçando Jesus para fora da grande linhagem de
Instrutores da Humanidade, atribuindo-lhe o papel de ser o único que alguma vez
ensinara a verdade - junto com a doutrina peculiar de sua alegada descendência.
Apolônio só poderia ser uma ameaça para esta pretensão, e por isso foi atacado
mais perfidamente do que nunca. Mas enquanto que as tradições, santuários e
tratados pereceram na fúria de erradicar todo sinal e símbolo da sabedoria
pré-Cristã, a biografia de Filóstrato permanece como testemunho deste
compassivo Pitagórico que sacrificou todo conforto para servir a humanidade
sofredora através da obtenção e difusão da sabedoria dos deuses.
Apolônio nasceu pouco antes do início da era
Cristã, em uma antiga e abastada família descendente dos primeiros fundadores
de Tiana, na Capadócia. Logo antes de ele nascer sua mãe teve um sonho em que
um deus apareceu-lhe. Quando ela lhe perguntou que tipo de filho ela teria, ele
respondeu: "Eu mesmo". "E quem sois?", "Proteu, o deus
do Egito". Proteu poderia assumir qualquer forma para evitar sua captura,
mas se vencido revelava o passado e o futuro. Desde tenra idade a poderosa
memória de Apolônio, a refinada dialética ática e a beleza física atraíram a
atenção de toda a comunidade. Seus companheiros eram os seguidores de Platão,
Crísipo e os Peripatéticos, e ele ouvia os discursos de Epicuro, embora se
voltasse com grande devoção aos ensinamentos de Pitágoras. Na época de seus
dezesseis anos ele já havia aprendido tudo o que podia ser ensinado sem
vivenciar-se os ensinamentos, e determinou-se a dedicar sua vida à filosofia, o
amor à sabedoria. Apolônio iniciou por onde um médico o faria, através da
dieta. Renunciando a toda carne, por ser impura e pesada para a mente, e ao
vinho, porque perturbava o equilíbrio mental e obscurecia o éter da alma, ele
escolheu viver de frutas secas e vegetais. Deixou os sapatos que eram usados
apenas pela aparência, declinou de usar qualquer roupa de origem animal e
permitiu que seu cabelo crescesse livremente. Ele morava, com a aprovação do
oráculo, no templo de Esculápio, e logo passou a ser conhecido pelas muitas
curas que operou lá. Ele insistia que os sacerdotes recusassem oferendas feitas
para comprar o favor dos deuses, baseado no argumento que as práticas
religiosas seriam sem sentido se não acompanhadas de uma atitude ética e
conduta moral apropriada. Sua própria prece era simples; "Oh, deuses,
concedei-me o que eu mereço", pois, ensinava ele, os deuses são justos.
Quando Apolônio chegou aos vinte anos, seus
pais morreram, e livre de laços
familiares, voltou-se à descoberta de toda a extensão da sabedoria anunciada
por seu professor espiritual, Pitágoras. Impôs a si mesmo um voto de silêncio
de cinco anos, durante os quais jamais pronunciou uma só palavra, enquanto
treinava seus olhos, ouvidos, mente e memória para absorver tudo. Um antigo
hino que ele cantou durante toda sua vida dizia que "tudo se desgasta e
murcha com o tempo, enquanto que o próprio tempo jamais envelhece, mas
permanece imortal por causa da memória". Tendo cumprido seu voto de
silêncio, Apolônio viajou para Antióquia, na Síria, onde começou a reunir e
ensinar discípulos. Ao nascer do sol Apolônio executava ritos em segredo, e
instruía somente aqueles que fizessem um voto de silêncio de quatro anos. Ele
ensinava que os filósofos de sua escola eram pelo dever obrigados a conversar
com os deuses na primeira aurora, falar sobre eles durante a manhã, e discutir
os assuntos humanos durante o restante do dia. Sua fala tinha autoridade e era
oracular, vívida e clara. Quando perguntado por que nunca levantava questões,
replicou "Porque eu fazia perguntas quando era garoto, e não é minha
tarefa levantar questões agora, mas ensinar às pessoas o que eu descobri".
Em Antióquia, decidiu-se por uma penosa viagem
até a Índia para morar com os sábios Brâmanes e visitar os Magos da Babilônia e
Susa. Ao revelar seu plano aos seus sete discípulos principais, encontrou-os
não só relutantes em acompanhá-lo, mas mesmo tentando dissuadí-lo de sua
resolução. "Eu consultei o conselho dos deuses e comuniquei-vos a sua
decisão", disse ele. "E eu vos testei para ver se sois fortes o
bastante para empreender o mesmo que eu". Desejou-lhes boa sorte, mas
acrescentou, "devo ir aonde a sabedoria e os deuses me conduzirem".
Apolônio voltou seu rosto para o Oriente e para os fundos reservatórios da
sabedoria sempre compartilhados com quem verdadeiramente os procura. Ele viajou
primeiro para Nínive, onde Damis, um nativo da cidade, imediatamente reconheceu
a profundeza de Apolônio e ofereceu-se ao serviço do sábio viajante.
"Partamos, Apolônio", disse ele, "tu seguindo Deus e eu a
ti". Ele assinalou que conhecia a região em torno da Babilônia e que
falava várias línguas, especialmente a dos armênios, medos e persas. "E
eu, meu bom amigo", replicou Apolônio, "entendo todas as linguagens,
embora jamais tenha aprendido nenhuma". Damis ficou espantado. "Não
precisas te admirar de meu conhecimento de todas as linguagens, pois, para te
dizer a verdade, eu também conheço todos os segredos do silêncio humano".
Damis saudou-o como a um daimon,
ofereceu-lhe seu serviço e permaneceu ao seu lado pelo resto de sua vida. Ele
registrou cada conversação que ouviu e todas as que Apolônio lhe contou, pela
razão de que "se os deuses têm banquetes, e se tomam alimento, devem ter
serviçais cuja tarefa é a de que nem mesmo os fragmentos da ambrósia que caiam
ao solo sejam perdidos".
Tendo conseguido a leal companhia de Damis,
Apolônio deixou Nínive, indo á Babilônia. Lá, entrou no maravilhoso esplendor
do palácio real sem dar-lhe a menor importância. Seus modos confiantes e a
recusa em prestar homenagem à imagem do rei, associada ao reconhecimento das
virtudes régias, logo levou-o à presença real. Vardan estava prestes a
sacrificar um cavalo nísio branco em honra do sol e convidou Apolônio para
juntar-se a ele. O sábio declinou e em vez disso tomou um punhado de incenso e
dirigiu-se ao sol: "Oh tu, Sol, manda-me sobre a terra até aonde for
agradável a mim e a ti, e possa eu associar-me aos homens bons, mas jamais ouça
nada dos maus, nem eles de mim". E jogou a oferenda ao fogo, declarou que
este fora um bom augúrio, e escusou-se do sacrifício do cavalo.
Vardan insistiu que Apolônio ficasse nos
apartamentos reais, mas ele recusou. Alojou-se junto a um homem modesto de boa
reputação e preparou-se para fazer visitas diárias á corte. Desde aquele
momento, Apolônio atendeu o rei, ofereceu conselho judicial, curou doenças e
forneceu as bases de um bom governo: "Respeite muitos, e confie em
poucos". Apolônio também conversou com os Magos, declarando que eles eram
sábios em sua maior parte. Quando chegou a hora da partida, pediu a Vardan que
cuidasse dos Magos e remunerasse sua classe. O rei perguntou-lhe o que traria
em seu regresso. "Um gracioso presente, pois vou para homens mais sábios
pelo consenso dos povos, e devo retornar aqui um homem melhor do que o que ora
sou". O rei abraçou-o, dizendo, "Possas voltar, pois isto seria de
fato um grande presente".
A viagem até o Indo foi áspera, cheia de
perigos físicos e psíquicos, mas quando o pequeno grupo chegou ao Indo,
Fraotes, o rei de Taxila, acolheu Apolônio em seu palácio. Apolônio ficou
encantado com suas entradas sem guarnição, salas simples e estilo austero.
"Estou deliciado, oh rei, de encontrar-vos vivendo como um filósofo".
"E eu", respondeu o rei, "estou
deliciado que penses de mim desta maneira". E o rei, falando um grego
perfeito, insistiu que Apolônio o convidasse para um banquete, uma vez que o
sábio, acreditava, era seu superior, "pois a sabedoria tem uma qualidade
mais régia". No banquete, Fraotes descreveu o treinamento filosófico na
Índia:
"Em muitos casos os olhos de um homem
revelam os segredos de seu caráter, e em muitos casos há material para formar
um julgamento e avaliar seu valor nas suas sobrancelhas e faces, pois por estas
características a disposição da pessoa pode ser detectada pelos homens da
sabedoria e da ciência, como imagens vistas num espelho... É absolutamente necessário
que aqueles que abracem a filosofia sejam testados e sujeitos a milhares de
modos de prova... Nós estudamos a filosofia sob a direção de Mestres, e entre
nós a admissão se dá através de exame.
Fraotes havia sido encaminhado com a idade de
doze anos aos sábios que Apolônio procurava, e eles o haviam feito seu filho.
Fraotes explicou: "Os verdadeiros sábios vivem entre o Hífase e o Ganges,
em um país que Alexandre jamais invadiu - não porque tivesse medo do que
houvesse lá, mas porque os oráculos lhe advertiram para não fazê-lo. Depois que
Fraotes deu a Apolônio uma carta endereçada a Iarcas, o chefe dos sábios, o
grupo saiu dos limites do império de Alexandre.
Depois de marcharem diversos dias em direção
ao Leste, chegaram a uma vila na base da montanha dos sábios. Ali foram
recebidos por um jovem e moreno indiano que dirigiu-se a eles pelo nome em um
grego fluente. Ele ordenou que Damis e os demais do grupo ficassem na vila
enquanto Apolônio subia ao monte com ele até a séde dos Mestres. "Encontramos
homens que são genuinamente sábios", disse Apolônio para Damis, "pois
eles parecem ter o dom de prever o futuro". Subindo a montanha escondidos
por uma nuvem produzida magicamente, ele passou pela Fonte do Teste, cujas
águas índigo jamais foram bebidas e cuja superfície criava um arco-íris de luz
a cada meio-dia; passou pelo Fogo do Perdão, uma cratera incandescente natural,
e passou pelo Vaso das Chuvas e o Vaso dos Ventos. Perto do cume Apolônio viu
"Brâmanes indianos vivendo sobre a Terra e ainda assim não nela, e
fortificados sem fortalezas, e nada possuindo, mas tendo as riquezas de todos
os homens".
Quando Apolônio chegou à presença dos sábios,
Iarcas cumprimentou-o em grego e falou da carta de Fraotes. O sábio prosseguiu
contando a Apolônio o conteúdo exato da carta, incluindo a menção a um delta ausente em uma das palavras. Então
Iarcas recontou tudo o que havia sucedido durante a viagem de Apolônio.
"Vieste com uma parcela de sabedoria", concluiu Iarcas, "mas tu
ainda não és um adepto".
"Vós me ensinareis, então, toda esta
sabedoria?"
"Sim, e com alegria, pois isto é muito
melhor do que reter e esconder assuntos de interesse".
"Vós realmente discernistes minha exata
constituição?", perguntou Apolônio.
"Nós", respondeu Iarcas,
"podemos ver todos os traços espirituais, pois nós os pesquisamos e
detectamos por uma infinidade de sinais. Nós sabemos tudo porque começamos por
conhecer a nós mesmos, pois nenhum de nós seria admitido a esta filosofia a
menos que antes conhecesse a si mesmo". Quando ele perguntou aos sábios
quem eles se consideravam, Iarcas respondeu: "Deuses, pois somos homens
bons". Iarcas falou então a Apolônio sobre suas vidas pregressas. Quando
Apolônio perguntou-lhe sobre o número de sábios, que era dezoito, Iarcas respondeu
que "não somos considerados por nosso número, nem os números se dignificam
por nossa causa, mas devemos nossa honra superior à sabedoria e à
virtude".
Iarcas falou do universo como uma criatura
viva e sobre os cinco elementos - o quinto sendo o éter, cujo aspecto mais
elevado preenche a alma sábia. Ele falou sobre o sofrimento causado pela
ruptura da ordem da natureza e deu a Apolônio sete anéis para seu auxílio e
proteção. Além destas palestras, Apolônio manteve muitas outras que não foram
contadas a Damis, e diversas que também incluíram o próprio Damis. Depois de
quatro meses Apolônio estava pronto para deixar os dezoito sábios. Ele deu a
Iarcas uma carta:
"Eu vim a vós a pé, mas vós me presenteastes com o mar; mas compartilhando
comigo vossa sabedoria, vós me fizestes até mesmo voar pelos céus".
Apolônio então iniciou um giro pelo mundo
romano, começando por Éfeso. Os oráculos de Cólofon, Dídima e Pérgamo louvaram
sua sabedoria, e os negócios e a indústria da cidade pararam á medida que o
povo se juntava para cumprimentar o sábio. Ele incentivou os efésios a seguirem
a filosofia e viverem em um espírito comunitário, amparando e sendo amparados
mutuamente. Ele alertou sobre uma praga que se aproximava, deu conselhos de
como minimizar seus efeitos, e então aceitou um convite para visitar Esmirna.
Ele encorajou seus cidadãos a se orgulharem de si mesmos como seres humanos
antes do que pela famosa beleza de sua cidades, e ensinou que um equilíbrio
harmonioso entre o espírito individualista e a concórdia garantiriam melhor a
segurança do estado, pois então cada pessoa faria o que melhor sabe fazer e a
pretensão não desgastaria a estrutura social. Enquanto estava em Esmirna, a
praga em Éfeso assumiu proporções epidêmicas e a cidade mandou uma delegação
para pedir-lhe ajuda. Apolônio só disse "Vamos", e instantaneamente
apareceu em Éfeso, imitando Pitágoras que uma vez esteve em Turii e em
Metaponto ao mesmo tempo. A população de Éfeso juntou-se a Apolônio no
anfiteatro e lá ele identificou um demônio sob a forma de um homem velho,
acusou-o e o destruiu quando este se transformou em um cão selvagem. A praga
desapareceu.
Apolônio saiu então da Jônia e dirigiu sua
rota para a Hélade. Em Ílio Apolônio passou a noite entre as tumbas dos heróis
caídos na Guerra de Tróia, e então embarcou para Metimna, perto de Lesbos, na
Eólia, pois em sua vigília havia descoberto que lá ficava a tumba de Palámedes.
Palámedes, famoso por sua sabedoria, e inventor do farol, da balança, do
alfabeto e do disco, havia se associado à expedição contra Tróia, mas foi
falsamente acusado de traição e apedrejado até a morte pelos gregos. Durante
toda sua vida Apolônio insistiu que em uma encarnação anterior havia sido
Palámedes. Recém havia desembarcado, descobriu a tumba e uma estátua enterrada
perto dela. Ele restaurou a estátua e ofereceu uma invocação:
"Oh Palámedes, esquece a ira, pois te
enfureceste contra os aqueus, e concede que os homens possam se multiplicar em
número e em sabedoria. Sim, oh Palámedes, autor de toda eloqüência, autor das
Musas, autor de mim mesmo".
Apolônio chegou em Atenas no dia do festival
epidáurico para ser iniciado nos Mistérios Eleusinos, mas o hierofante se
recusou a iniciar Apolônio pelo fato de que ele havia se introduzido em outros
ritos. O sábio censurou o sacerdote por temer uma sabedoria maior que a sua
própria, mas quando o sacerdote reconsiderou, foi Apolônio quem recusou a
iniciação, predizendo que no futuro ele seria iniciado por outro. O assistente
que ele nomeou assumiu a liderança dos Mistérios quatro anos mais tarde, e
então Apolônio foi iniciado nos segredos de Elêusis. Durante sua estada em
Atenas ele mostrou como um homem religioso poderia adaptar um sacrifício sem
sangue e uma libação para qualquer deus, curou um jovem possuído por um demônio
e reorganizou o festival de Dionísio. Convidado, o sábio visitou Esparta e
encorajou o povo a aderir aos seus valores tradicionais. Os lacedemônios haviam
sido acusados de abuso de liberdade por Nero, e Esparta havia se dividido sobre
que atitude tomar, se uma agressiva ou uma pacífica. "Palámedes descobriu
a escrita", sugeriu Apolônio, "não só a fim de que as pessoas
pudessem escrever, mas também a fim de que pudessem saber o que não deviam
escrever". Os lacedemônios tomaram um caminho intermediário e o assunto logo
foi resolvido. Em sonho, Apolônio foi avisado para ir a Creta. Logo depois que
chegou, um terremoto espalhou o terror nos corações da população. Mas Apolônio
os acalmou declarando que a Terra havia na verdade dado à luz uma nova região.
Viajantes vindos de Cidoniatis logo relataram que uma nova ilha havia surgido
entre Thera e Creta.
Quando Nero desencadeou uma severa perseguição
aos filósofos em Roma, Musônio de Babilônia foi aprisionado e Apolônio embarcou
para a Itália para ver o que poderia ser feito. Embora trinta e quatro
companheiros embarcassem com ele, só oito ousaram entrar em Roma com Apolônio.
Quando interrogado pelo simpatizante mas amedrontado Telesino, Apolônio
recusou-se a adequar sua fala e comportamento públicos para evitar confronto com
o imperador. Em vez disto, ele visitou os templos e suscitou uma revivescência
espiritual em Roma. Tiguelino, o camareiro-mor de Nero, prendeu Apolônio e
acusou-o de impiedade contra o imperador. Desenrolando o pergaminho onde a
acusação havia sido escrita, Tiguelino encontrou-o totalmente em branco.
Imediatamente, libertou o sábio. Apolônio encontrou uma procissão fúnebre
passando pelas ruas e descobriu que a defunta havia morrido na hora em que
estava se casando. Apolônio ordenou que a morta fosse baixada ao chão,
inclinou-se sobre ela e sussurrou em seu ouvido, e a moça imediatamente
acordou. Ele recusou qualquer recompensa pelo ato.
Nero embarcou para a Grécia e Apolônio para a
Ibéria, onde ele muitas vezes dizia aos habitantes o que Nero estava fazendo na
Grécia. Encorajando a população a resistir a Nero, Apolônio partiu para a
Sicília onde previu com exatidão que Vitélio, Galba e Oto deveriam cada um por
sua vez reinar durante um curto período. Tomando um navio de Siracusa em
direção à Grécia, transferiu-se para um outro, leucadiano, em Leucas, avisando
que o primeiro haveria de naufragar. Em Lequeu seu companheiros souberam que o
navio de Siracusa havia perecido no Golfo Crísio. Depois de visitar Atenas e
Rodes, Apolônio embarcou para Alexandria, onde examinou criticamente o culto
egípcio do fogo. Rejeitando os untuosos ritos do fogo dos sacerdotes, disse:
"Se realmente tivésseis algum conhecimento da natureza do culto do fogo,
veríeis que muitas coisas são reveladas no disco do sol no momento de seu nascimento".
Vespasiano, enviado por Nero para reprimir a revolta judia na Palestina,
convidou Apolônio para visitá-lo e aconselhá-lo. Quando Apolônio recusou-se a
viajar á Palestina por que ela estava poluída, Vespasiano foi a Alexandria com
seus conselheiros, Díon e Eufrates, para consultar o sábio. Antes que
Vespasiano entrasse oficialmente na cidade, foi para junto de Apolônio num
templo e ofereceu-lhe uma prece: "Torna-me rei".
"Já o fiz", replicou o sábio,
"pois ofereci uma prece por um rei que fosse justo e nobre e
moderado".
"Oh Zeus!", exclamou Vespasiano,
"possa eu ter influência sobre os homens sábios, e possam os homens sábios
ter influência sobre mim".
Apolônio passou muitos dias em concílio
cerrado com o general, ganhando o respeito de Díon e o perene ódio de Eufrates,
pois o sábio sustentava que a liderança de um imperador sábio era muito melhor
do que uma constituição seguida por homens medíocres - "pois eu mesmo não
me importo com as constituições, vendo que minha vida é governada pelos deuses".
Depois que Vespasiano foi declarado imperador em Alexandria, o sábio advertiu-o
para agir como um soberano quando governando e como um cidadão comum nos
assuntos pessoais.
Com o império assumindo alguma aparência de
ordem, Apolônio voltou sua atenção para o Alto Egito e a Etiópia. O sábio
investigava cada cidade, templo e local religioso à medida que seu grupo
viajava Nilo acima para encontrar os ascetas nus conhecidos como Gimnosofistas.
Ele desapontou-se, pois embora pudessem remontar seu conhecimento até à Índia,
Tespésio, seu líder, ensinava que os Brâmanes não tinham nenhuma sabedoria
verdadeira. Os Gimnosofistas havia reduzido seu conhecimento ao ritual e a sua
visão ao dogma. Durante os longos discursos de Apolônio, só Nilo, o mais jovem
dos Gimnosofistas, o entendeu. Nilo entrou para seu grupo. Na volta, souberam
que a coroa de Roma havia sido oferecida a Tito e ele a recusara porque havia
derramado sangue. Apolônio apressou-se para Antióquia para conferenciar com
ele, advertindo o futuro imperador para se acautelar contra os inimigos de seu
pai até que ele mesmo se tornasse imperador, e, depois disso, contra seus
próprios parentes.
Tito logo foi sucedido por Domiciano, o
perseguidor dos amigos de Apolônio, especialmente de Nerva. Eufrates foi para
Roma para convencer o imperador de que o sábio estava envolvido em uma
conspiração contra o trono. Domiciano emitiu uma ordem ao governador da Ásia
para que prendesse o sábio, mas a previsão de Apolônio permitiu-lhe partir para
Roma antes que a ordem chegasse. Quando Apolônio navegava Tibre acima até Roma,
Eliano, um conselheiro de Domiciano que havia encontrado o sábio no Egito,
enumerou as acusações e descreveu as farsas da justiça na corte. De acordo com
o parecer, Eliano deteve Apolônio e colocou-o na prisão. Antes do que preparar
uma defesa, Apolônio passou seu tempo encorajando os outros prisioneiros. Damis
protestou que "é um erro falar de filosofia com homens tão quebrantados em
espírito como estes". "Não", respondeu o sábio, "são eles
exatamente as pessoas que mais desejam que alguém lhes fale e os
conforte". Apolônio operou tamanha transformação entre os prisioneiros,
embora estivesse acorrentado e sua cabeça tivesse sido raspada, que Domiciano
rapidamente antecipou a data do julgamento. Damis preocupou-se que Apolônio não
tivesse tempo suficiente para prepara sua defesa. "Estás indo defender tua
vida ex tempore?", perguntou
Damis. "Sim, pelo Céu, pois uma vida ex
tempore é a que eu sempre levei".
Damis chorou ao ver seu mestre cruelmente acorrentado,
mas Apolônio insistiu: "Até onde depende do veredito da corte, estarei
livre hoje mesmo, mas até onde depende de minha vontade, será aqui e
agora". Então, livrando seu pé sem qualquer esforço das correntes,
acrescentou: "Eis uma prova positiva para ti de minha liberdade; assim,
consola-te". Damis escreveu que só então percebeu que Apolônio não era
apenas abençoado pelos deuses, mas que era ele mesmo divino. Logo antes de seu
julgamento, Apolônio enviou Damis por terra para Diceárquia, "pois lá me verás
aparecer para ti".
"Vivo, ou como?"
"Vivo", sorriu Apolônio, "mas
tu me crerás ressuscitado dos mortos".
A corte estava superlotada, pois Domiciano
queria que muitas testemunhas vissem Apolônio desmascarado como conspirador.
Apolônio não pôde defender-se; antes, Domiciano fez-lhe perguntas importantes.
"Por que os homens te chamam de um deus?"
"Porque todo homem considerado bom é
honrado com o título de deus".
"O que inspirou tua previsão de que os
efésios sofreriam uma praga?"
"Eu seguia uma dieta mais leve que os
outros, assim eu fui o primeiro a sentir a praga".
Domiciano, embaraçado com o efeito que estas
respostas tiveram sobre a audiência, tentou adiar a sessão, mas o sábio
interrompeu: "Concede-me a oportunidade de falar. Se não, envia alguém
para prender meu corpo, pois minha alma não podes tomar. Antes, não podes nem
mesmo tomar meu corpo - pois não me podes matar, uma vez que, digo-te, não sou
mortal". E Apolônio se desvaneceu diante dos olhos de todos. Domiciano
ficou tão atônito que recusou emitir uma ordem de busca ao sábio. Em
Diceárquia, Apolônio apareceu para Damis, contou-lhe tudo o que havia
acontecido e fez planos para embarcar para a Hélade.
Chegando na Grécia, Apolônio foi reverenciado
como um deus, pois viajantes logo trouxeram as notícias dos espantosos eventos
em Roma. O sábio viajou através da Hélade, visitando santuários, incluindo a
gruta de Trofônio, onde recebeu um volume de Pitágoras, e passou para Esmirna e
Éfeso. Lá ele viu o assassinato de Domiciano na hora em que isto estava
ocorrendo em Roma, e informou o povo de sua libertação do tirano. Quando Nerva,
que Apolônio defendera enquanto esteve preso, ascendeu ao trono, convidou o
sábio para que fosse a Roma. Apolônio recusou, mas deu uma carta a Damis para
levá-la ao imperador com a instrução: "Vive sem ser observado, e se isso
for impossível, sai da vida sem que te observem". Vendo Damis partir,
acrescentou: "Mesmo quando filosofares por ti mesmo, mantém teus olhos em
mim". Damis partiu, e Apolônio desapareceu da história. Muitas são as
versões de sua morte, aqui e ali, em Éfeso, em Lindo, em Creta. Alguns dizem
que ele subiu diretamente para o céu ou desapareceu em um templo de Esculápio;
outros que ele após a morte apareceu para quem duvidava; ainda outros dizem que
ele jamais morreu. Todos concordam sobre sua vida de singular virtude,
sabedoria, sacrifício e beneficência, e sobre o ensinamento que ele melhor
exemplificou:
"Os homens bons têm em sua constituição
algo de Deus. Devemos entender as coisas no céu e todas as coisas no mar e na
terra, que são abertas à fruição de todos os homens igualmente, embora seus
destinos não sejam iguais. Mas existe também um universo dependente do homem
bom que não transcende os limites da sabedoria, que permanece na necessidade de
um homem moldado à semelhança de Deus... um homem para administrar e velar pelo
universo das almas, um deus enviado pela sabedoria... capaz de afastá-los dos
desejos e paixões".