"Quem negligencia os ramos da tranqüilidade (shamatha),
mesmo que lute fortemente para meditar
por milênio após milênio,
jamais atingirá a concentração (samadhi).
"Quando é obtida a tranqüilidade dos yoguins,
também o são as faculdades transcendentes (abhijna).
Mesmo que a obscuridade não é destruída
sem a perfeição da percepção interior (prajnaparamita).
"Os textos sacros ensinam que a escravidão surge quando
a percepção interior (prajna) é separada dos meios (upaya),
E os meios também são separados da percepção interior.
Portanto, jamais negligencie esta união".
Bodhipathapradipa
ATISHA
Repachan, o neto de Trhisong Detsen, foi o
último rei Budista do Tibete. Sua devoção ao Buddha, ao Dharma e à Sangha é
aludida em seu nome informal, que se refere aos cabelos emaranhados (re-pa) dos ascetas. Como Ashoka um
século antes dele, Repachan desenvolveu uma política externa centrada na paz.
Tendo derrotado os chineses em uma longa batalha, conseguiu um tratado de paz
permanente que invocava como protetores as Três Jóias, a hoste de arhats, o
sol, a lua, os planetas e estrelas. Antes disso, a paz havia sido feita com o
grande califado do oeste, e ambos os tratados mantiveram-se firmes até a queda
da monarquia. Ao mesmo tempo, Repachan inaugurou uma revisão das traduções
tibetanas dos textos sânscritos. Uma vez que os tradutores originais haviam
desenvolvido um vocabulário técnico tibetano para acomodar as sutilezas do
sânscrito, mesmo os tibetanos letrados só podiam ler os sutras com grande dificuldade. Repachan encomendou traduções que
fossem ao mesmo tempo precisas e em linguagem corrente, e é dito que ele foi
responsável por metade dos textos do Kangyur
e do Tengyur, o vasto cânon Budista
do Tibete.
Embora o Buddhadharma se espalhasse pelo
Tibete durante o reino de Repachan, e embora ele fosse suficientemente popular
e poderoso para manter a oposição fora de seus concílios, a aristocracia viu
sua independência ameaçada. Os que não eram seguidores de Buddha por convicção
juntaram forças com o clero Bon, e enfim encontraram no irmão mais jovem do rei
alguém que poderiam usar para seus próprios fins. Em torno de 840 dC, Repachan,
já considerado por muitos como a encarnação de Vajrapani, foi assassinado. Sua
rainha, cuja honra foi impiedosamente ultrajada, cometeu suicídio, e seu filho,
já um monge, foi banido. Então o trono foi tomado por Lang Darma, que era
simpático aos Bon.
Embora aliado da aristocracia que via na
ascensão dos monges e mosteiros a diminuição de sua própria riqueza e poder,
Lang Darma parece ter sido um patrocinador passivo do movimento antibudista
durante os primeiros anos de seu governo. Os nobres e monges Budistas não
podiam desculpá-lo pela perseguição que sofreram, e depois de poucos anos
manobraram para depô-lo. Voltando ao trono um ano depois, Lang Darma lançou uma
violenta ofensiva retaliatória. Os monges foram dispersos, os tradutores mortos
ou banidos, santuários foram atacados e a aristocracia Budista desintegrou-se.
Embora tenha governado só por um ano depois que a perseguição começara,
conseguiu destruir a estrutura da Sangha tibetana. Ironicamente, a destruição
causada por esta reafirmação forçada dos Bon produziu exatamente os resultados
que os sacerdotes Bon haviam profetizado se fosse permitido o Buddhadharma no
Tibete. Quando Lang Darma morreu, a monarquia desestruturou-se, junto com a
unidade tibetana. Descendentes da linhagem real e pequenos líderes
estabeleceram territórios para si mesmos, os territórios imperiais se
revoltaram, e a China uma vez mais viu a possibilidade de conquistar o Tibete.
Só os governantes que migraram para o Tibete Ocidental perto do Monte Kailasa
permaneceram fiéis ao ensinamento do Buddha. Mas até que o rei Khorre de Ngari
abdicasse em favor de seu irmão e tomasse o hábito de monge como Lha Lama Yeshe
Ö, a tradição Budista no Tibete não experimentaria seu primeiro grande
renascimento. Quando Yeshe Ö procurou purificar e renovar a Boa Lei no Tibete,
descobriu que só Atisha possuía o treinamento, a dedicação e a energia para
empreender a enorme tarefa da reforma e disseminação.
Atisha nasceu em 982, filho do rei Kalyanashri
e da rainha Shriprabha de Zahor, em Bengala. As autoridades tibetanas sustentam
que ele nasceu em Vikramapura da linhagem real que havia produzido
Shantarakshita dois séculos antes. O segundo de três filhos, foi chamado
Chandragarbha e teve os deveres e privilégios da realeza. Recebeu uma educação
adequada a um príncipe, casou com cinco esposas ainda jovem e foi pai de nove
crianças. Um dia, quando estava caçando em uma floresta próxima, deparou-se com
o asceta Jetari. Quando lhe prestou homenagem, o asceta surpreendeu-o,
censurando-o por seu orgulho. Ao invés de tomar isto como ofensa, Atisha
declarou que desejava renunciar ao mundo e se tornar um discípulo de Jetari. O
asceta reconheceu o potencial de Atisha, mas, em vez de aceitá-lo como
discípulo, instruiu-o a ir para Nalanda. No século X a tradição Tântrica havia
permeado tanto as instituições Budistas que o preceptor que recebeu Atisha em
Nalanda enviou-o à Montanha Negra para a iniciação Tântrica, sob orientação de
Rahulagupta. Embora a primeira parte de sua vida como Budista não seja bem
registrada, é evidente que ele rapidamente se tornou um iniciado entusiasta
cujo conhecimento o serviria bem em seu trabalho posterior. Sua habilidade no
Tantra não enfraqueceu sua agilidade mental, e depois de poucos anos ele buscou
o conhecimento metafísico e espiritual sem os quais aquelas práticas e rituais
tendiam a se tornar excessos sem sentido e ilusão psíquica.
De acordo com historiadores tibetanos, Atisha
se associou aos quatro grandes centros monásticos de sua época. Tendo dominado
os Tantras em Uddiyana e considerando-os falhos, se tornou um noviço em Nalanda
e enfim ordenou-se com o nome de Dipamkara em Odantapuri, ou Vajrasana (Bodhi
Gaya). Embora tenha aprendido tanto os textos Budistas em páli como em
sânscrito, dominou o Tripitaka e os sutras e estudou com o melhores mestres
de sua época, mas estava insatisfeito com o que encontrara. Algumas escrituras
já haviam sido perdidas, a tradição do estudo estava desaparecendo e poucos
indivíduos se interessavam por outra coisa além das práticas Tântricas. A
tradição Budista indiana havia ido para tão longe dos puros ensinamentos
Mahayana que os poucos discípulos que os buscavam tinham de ir para outros
lugares para instrução. Como eles, Atisha voltou-se para o Extremo Oriente.
Naquela época, o maior erudito Budista era Dharmakirti, o homônimo do ilustre
lógico indiano, que morava em Suvarnadvipa (Sumatra). Muitos dos eminentes
professores Budistas do tempo de Atisha haviam estudado com ele, e os monges
chineses que viajavam à Índia eram aconselhados a permanecer com ele por dois
anos, uma vez que aprenderiam o sânscrito mais perfeitamente do que poderiam
esperar fazê-lo na Índia Budista.
Atisha partiu para a difícil jornada até
Suvarnadvipa, e levou quase um ano para chegar lá. Ele encantou-se ao descobrir
que Dharmakirti era um brilhante expoente do Mahayana, firmemente enraizado na
tradição de Nagarjuna, Maitreya e Chandrakirti. Durante os doze anos que ficou
com Dharmakirti, Atisha dominou as doutrinas abstrusas e arcanas do Mahayana e
cultivou uma percepção interior madura das formas puras da prática e da Senda
do Bodhisattva. Embora jamais rejeitasse o Tantra, discerniu numerosas formas
em que suas expressões haviam obscurecido o Buddhadharma, e anelou uma reforma
radical que parecia improvável na Índia. Ele sabia que incursões muçulmanas em
sua terra natal, o declínio das comunidades monásticas e a crescente
indisposição para meditar sobre os sutras
significavam que a senda do Buddha estava desaparecendo na Índia. Não obstante,
a despeito da tentação natural de permanecer no fulgor dourado de Sumatra,
despediu-se de seu amado Guru e voltou para trabalhar nos mosteiros como
Dipamkara Shrijnana, renomado professor e erudito.
Atisha estava com cerca de quarenta anos
quando voltou para a Índia. Embora estivesse habilitado para se retirar com
alguns poucos dos seus melhores discípulos para uma tranqüila vida de ensino,
ele lançou um programa de renovação monástica. O rei Naypala de Magadha
convidou Atisha para se tornar sumo-sacerdote de Vikremashila e ele passou a
maior parte de seu tempo ali. Escreveu um tratado filosófico em Nalanda e
assistiu em funções administrativas em Odantapuri e Somapuri. Durante os quinze
anos que devotou a estas atividades, se tornou conhecido como o maior monge e
erudito indiano de sua época. A notável combinação de habilidades dialéticas e
administrativas com uma síntese do Sutra e do Tantra deu-lhe uma autoridade
muito superior aos postos que ocupava. Ele coletou textos ameaçados de
destruição, escreveu comentários, treinou monges, estabeleceu critérios para
práticas Tântricas e mesmo expulsou monges dúbios e Tantristas degenerados.
Estas atividades de Atisha chamaram a atenção do devoto Rei Yeshe Ö.
Embora Yeshe Ö houvesse abdicado em favor de
seu irmão e houvesse entrado na Sangha, permeneceu como o verdadeiro governante
do Tibete Ocidental. Convencido de que o mosaico de práticas Budistas ao seu
redor estava impuro e decaído, enviou vinte e um jovens cuidadosamente
escolhidos para aprender as doutrinas puras. Yeshe Ö não sabia que o Vajrayana
havia quase eclipsado o Mahayana, e ficou surpreso quando os dois únicos
sobreviventes da missão voltaram com novas práticas Tântricas. Não obstante,
vendo que o novo Tantra era superior às antigas formas, patrocinou a tremenda
reorganização lançada por Rinchen Sangpo, um dos dois sobreviventes. Depois de
alguns anos, contudo, Yeshe Ö decidiu procurar um instrutor indiano que pudesse
promulgar as doutrinas mais puras. Quando decidiu convidar Atisha para o
Tibete, o grande erudito estava com cerca de sessenta anos, e Yeshe Ö procurou
juntar uma grande quantidade de ouro que pudesse persuadir Atisha a empreender
a árdua jornada até a Terra das Neves. Durante uma das estadas de Yeshe Ö perto
do Lago Manasasarova, foi capturado por alguns inimigos dinásticos e foi pedido
um resgate. Quando seu sobrinho ofereceu disponibilizar para este propósito o
ouro já recolhido, Yeshe Ö recusou e pediu que o ouro fosse em vez disso
mandado para Atisha. Atisha enfim acabou sabendo do auto-sacrifício de Yeshe Ö,
e ficou tão profundamente comovido que renunciou à sua relutância natural de
empreender a perigosa missão ao Tibete. Concordou em ficar lá por três anos.
Atisha atrasou sua viagem o bastante para
assegurar a paz no conflito entre seu amigo rei Naypala e o rei hindu Karma.
Ambos foram reconcililados permanentemente e se tornaram amigos de Atisha. Ele
distribuiu o ouro que recebeu entre os mosteiros e fez arranjos para sua boa
administração. Então, depois de uma visita a Bodhi Gaya, dirigiu-se para o
Tibete em torno de 1040. Passou cerca de um ano no Nepal e gradualmente seguiu
caminho para o norte à partir de Katmandu, passando por Annapura e Dhaulagiri,
até Jumia. Dali dirigiu-se para o rio
Karnali e ao longo dele para Khocharnath e Taklakhar; então volveu para o norte
para Manasasarova e seguiu o rio Sutlej até o Mosteiro Toling ('vôo alto'). A despeito
das enormes dificuldades da viagem, Atisha permenecia afável e mesmo otimista,
como se sentisse começando seu verdadeiro trabalho de vida. Diz-se que Atisha
apreciou tanto sua primeira taça de chá tibetano que declarou "Tão
excelente bebida deve ter-se originado dos méritos morais dos monges do
Tibete". Os tibetanos ainda possuem um poema que, alega-se, ele escreveu
em louvor do chá.
Atisha foi recebido com um júbilo e calor que
o supreendeu. Embora encontrasse degenerados os rituais e práticas dos
tibetanos ocidentais, descobriu uma pouco usual prontidão para aprender e uma
abertura à reforma que tristemente não encontrara em sua terra natal. Só
Rinchen Sangpo, que havia trazido o novo Tantra para o Tibete e agora estava
com oitenta e cinco anos de idade, ficou um pouco aborrecido com a desvalorização
do Tantra por Atisha. Atisha visitou-o em sua própria residência em Toling e
compôs espontaneamente um belo verso para cada uma das deidades representadas
no santuário, e ensinou a Rinchen Sangpo o espelho mágico do Vajrayana, no qual
todos os Tantras podem ser misticamente sintetizados em uma única prática
meditativa. Rinchen Sangpo reconheceu que as reformas propostas por Atisha não
eram baseadas em nenhum preconceito contra o Tantra, mas antes representavam
uma penetração diamantina de sua verdadeira essência à luz dos melhores
ensinamentos. Imediatamente se tornou um devoto discípulo de Atisha e, a
despeito de sua velhice, lançou-se nos projetos de Atisha de tradução e
instrução no Mahayana.
Em meio à febril atividade inaugurada em
Toling e em torno do Monte Kailasa, Atisha encontrou tempo de compor seu
seminal Bodhipathapradipa (Lâmpada
para a Senda da Iluminação), consistindo de uma apresentação quintessencial da
senda da Iluminação em sessenta e oito eloqüentes versos e um detalhado comentário
cheio de citações dos sutras Mahayana
de grandes Instrutores. Por mesclar a prática monástica e o ideal Bodhisattva
em um paramento sem emendas, colorido com as tonalidades puras do místico e
exaltado Vajrayana, Atisha criou o modelo da literatura espiritual tibetana.
Estas instruções lam-rim, ou auxílios
nos estágios graduais na Senda do Bodhisattva, se tornaram os fundamentos da
Ordem Kadampa, que foi fundada por Atisha e organizada pelo seu principal
discípulo tibetano. Quando Tsong-ka-pa
iniciou sua grande reforma, baseou o "novo Kadampa" ou Ordem Gelugpa
em seu próprio vasto ensinamento lam-rim
que repetidamente invocava a mensagem de Atisha. Kadampa significa
"instruído pela palavra", em lugar do ritual, e enfatizava a
necessidade de entendimento e pureza mental e moral no desdobramento dos
potenciais e poderes espirituais nos seres humanos.
Atisha inicia a Lâmpada com um preito aos Buddhas, ao Dharma e à Sangha. No verso
dedicatório de seu comentário, prestou homenagem a Tara (Kwan-Yin) e a Manjushri,
a Chakrasamvara (uma deidade Tântrica) e a Lokeshvara (que é Avalokiteshvara e
Shiva), e aos Gurus Maitreya, Asanga e Dharmakirti de Suvarnadvipa, assim como
a Manjughosha, Shantideva e Bodhibhadra. "A instrução que dou aqui",
escreveu Atisha, "veio para mim como gotas de mel e néctar dos santos
gurus Dharmakirti e Bodhibhadra... Vou reunir estas gotas de instrução
individual que eu recebi e seguir o que os meus gurus me deram e o que os sutras e textos ensinam". Atisha
dividia todos os seres humanos em três tipos diferentes. O indivíduo inferior
"só procura o prazer do Samsara", e portanto é completamente egoísta.
O indivíduo medíocre renuncia aos maus atos e é indiferente ao prazer, mas está
interessado em sua própria paz mental. O indivíduo superior "procura um
fim definitivo para todo o sofrimento alheio porque os sofrimentos deles
pertencem ao seu próprio samtana, ou
corrente de consciência". Uma vez que só o último tipo possui a pureza de
consciência requerida para manter uma aspiração autêntica pela Iluminação mais
elevada, Atisha endereçou suas instruções aos indivíduos superiores.
Um indivíduo torna sua aspiração prática
através do culto, que começa com imagens às quais podem ser feitas oferendas,
mas logo passa à meditação. A primeira fase da adoração meditativa é sétupla,
incluindo homenagem, oferta de objetos agradáveis, admissão de faltas e maus
atos, júbilo com as virtudes, desejo pela Doutrina, busca da bênção do Buda, e
oferecimento em prol dos outros de qualquer mérito que se haja conseguido. A
segunda fase da meditação "é contemplação com prajnaparamita, a perfeição da percepção interior: não há nenhum
objeto de adoração, nem adorador, nem substâncias para adoração". Atisha
repetiu as palavras de Buddha no Prajnaparamita
Sutra:
"Quem quer que me veja sob uma forma ou
me conheça como uma voz, esta pessoa me vê falsamente. Os Buddhas são o
Dharmakaya, a vestimenta da Verdade, e aqueles que são guiados estudaram esta
Verdade. Ainda assim sua verdadeira natureza não é visível, e ninguém pode ter
consciência dela como um objeto".
Quando alguém cultiva uma mente que não volta
atrás, atinge-se o coração da Iluminação, pois este coração é a essência da
Verdade. De acordo com o Gaganaganja Sutra, "O Coração da Iluminação é
o Espaço; a Iluminação tem a
característica do Espaço". Se alguém tomou refúgio no Buddha, no Dharma e
na Sangha, ele está preparado para engendrar o pensamento do amor.
"Porque o pensamento do amor
é essencial para todas as criaturas,
alguém olha para o mundo inteiro,
sofrendo na morte, na transmigração,
e no renascimento no triplo destino infausto.
"Contemplando este sofrimento, sofre,
E independentemente, para liberar o mundo
da própria causa de seus sofrimentos,
deve conceber o pensamento da Iluminação
que promete jamais voltar atrás."
Esta promessa pode ser realizada somente se o
indivíduo seguir as disciplinas internas do monge, que incluem auto-domínio,
auto-esquecimento e serviço. Mas esta disciplina é possível somente se alguém
estiver desejando fazer votos que corporifiquem a possibilidade de progresso em
direção à perfeição. Quando isso é feito, a pessoa está preparada para o Voto
do Bodhisattva.
Faz-se o Voto junto a um bom Guru que tenha as características requeridas:
"Alguém que conheça os ritos do Voto
e vivencie o Voto que assumiu,
e com indulgência compassiva
o aceite - este é o bom guru."
Se alguém está realmente preparado para tomar
o Voto do Bodhisatva, mesmo se não puder encontrar um guru adequado, pode fazer
o voto em seu coração, onde o guru interno está sempre disponível para ouvir e
instruir o discípulo. Quando alguém medita sobre o Voto do Bodhisattva e a
vasta série de correlações implícitas, cultiva e aperfeiçoa sambhara, virtude e conhecimento, o
equipamento necessário para atingir a Iluminação.
Quando alguém é forte no autodomínio, tem a
consciência unidirecionada e amor incondicional, pode usar com segurança os
seis abhijnas ou faculdades
transcendentais para apressar o seu caminho para a Iluminação. A visão divina,
a audição divina, a consciência dos pensamentos alheios, a lembrança de vidas
passadas, poderes supranormais e a vitória sobre todas as obstruções são
valiosos para o yoguin que é fiel ao
Voto do Bodhisattva, mas são uma ameaça para todos os outros. Deve ser
cultivada shamatha, calma, o que
permitirá à pessoa desenvolver todas as
faculdades transcendentes exceto a última: para vencer as obscurações, a pessoa
deve cultivar prajnaparamita, a
perfeição da percepção interior. Assim, prajnaparamita
deve ser fundido com upaya, meios
habilidosos, que incluem dana, shila, kshanti, vairaga, virya e dhyana. Prajna, visão
interior, é distinto porque reconhece shunyata,
a vacuidade de todas as coisas.
"Não perceber alguma natureza intrínseca
em qualquer fenômeno
é contemplar anatman.
O mesmo é a contemplação com prajna.
"O mundo da mudança surge
do pensamento conceitual, sua própria
natureza;
a remoção completa
deste pensamento é o nirvana supremo".
Só quando os pés da pessoa estão firmemente
estabelecidos na Senda e a pessoa é bem avançada na união da virtude com o
conhecimento, meios e percepção interior, é que pode praticar o Mantrayana e o
Vajrayana. Para isto, porém, deve ser iniciado por algum guru que conheça as
iniciações, e conceda sua bênção e orientação só para aqueles cujas naturezas
mental e moral foram purificadas até o estado de "neve caindo".
Perto do fim de seu terceiro ano no Tibete,
Atisha fez planos para voltar á Índia. Mas uma breve guerra na fronteira
nepalesa impediu que cruzasse a fronteira, e Atisha leu a indicação kármica de
que ele deveria aceitar os convites que havia recebido de visitar outras áreas
do Tibete. Ele então viajou para Lhasa e ficou feliz de descobrir lá alguns
seguidores de Buddha. Quando visitou o Mosteiro Samye, fundado por
Shantarakshita Padmasambhava, deliciou-se ao encontrar poucos monges em retiro,
mas espantou-se ao descobrir sutras
sânscritos e traduções tibetanas de textos que estavam perdidos para a Índia.
Atisha percebeu que o Tibete continuaria a reverenciar o que recebera da Mãe
Índia muito depois que o subcontinente haver deixado estes tesouros perecerem.
Ao todo ele passou dezoito anos no Tibete, desenvolvendo suas reformas por todo
o país. Morreu perto de Lhasa quando já bastante entrado em seus setenta anos,
e o local de sua morte permanece até hoje um centro de peregrinação. Atisha, a
quem os tibetanos chamam Joborge, o Nobre Senhor, renomado na Índia, se tornou
o mais ilustre dos instrutores indianos no Tibete. Ele é louvado de igual modo
a que ensinou os outros a invocar Buda:
"Oh Onisciente, epítome da sabedoria,
Purificador da Roda da Vida,
não tenho refúgio em nenhum Senhor,
exceto aos pés de vosso lótus.
Oh Herói das Criaturas! Possa o Mahaguru
derramar sua bondade sobre mim.
Possa o Grande Ser conceder-me
o supremo pensamento da Iluminação."