BODHIDHARMA
Ao abandonar o falso e abraçar o
verdadeiro, e na simplicidade do pensamento, permanecendo em pi-kuan ou
meditação da parede,
descobre-se que não existe nem a egoidade nem o outrem, e que as massas e os valores são de uma única essência.
Aferrando-se firmemente a esta
crença e nunca se apartando da mesma, a pessoa não se deixa guiar por quaisquer
instruções escritas, uma vez que está em comunhão silenciosa com o próprio
princípio, livre de discriminação conceitual, serena e passiva.
Meditação em Quatro Atos
BODHIDHARMA
Foi feita uma transmissão de
mente para mente sem o uso de textos escritos.
De BODHIDHARMA para
HUI-K'E
A meditação foi considerada uma
dimensão vital da prática budista desde o momento em que se introduziu na
China. Tao-an se esforçou muito no sentido de assegurar uma tradução minuciosa
dos textos com o firme compromisso de estabelecer bases estáveis para a sangha
(comunidade) budista e para a expansão dos exercícios de meditação entre os
monges. Embora a contemplação serena fosse honrada pelos eruditos de Confúcio e
alguns taoístas respeitassem alguns tipos de arte meditativa, Tao-an e seus
valorosos sucessores introduziram uma variação mais consistente e séria de
práticas, com base numa variedade de textos sagrados para a mente chinesa.
Ainda assim, embora a meditação, ou dhyana, fosse considerada
importante, sua prática era esporádica e irregular, uma vez que nenhuma escola
de pensamento fazia dela um alicerce para a vida. Entretanto, os indivíduos a praticavam,
e gradualmente a China amadureceu para uma re-orientação fundamental do
pensamento budista. Bodhidharma reconheceu que o solo estava fértil e
nele lançou as sementes de dhyana. E seus sucessores obtiveram uma
excelente colheita no grande número de escolas que se agruparam sob o nome de Ch'an.
Conhece-se muito pouco sobre a
vida de Bodhidharma, em parte devido ao fato de que raros detalhes
sobrevivem desde o seu tempo e em parte por causa das lendas que o cercam. Uma
vez que colocava pouca fé nos textos escritos para traduzir a quintessência do buddhavachana,
ou a Palavra do Buddha, ele não se dedicava muito a escrever. À medida
que a tradição Ch'an emergia, os escritores mais recentes confiavam em
quaisquer fontes que podiam encontrar desde que pudessem reconstruir sua vida.
Sendo Bodhidharma um ser misterioso, tais relatos tentavam capturar o espírito
extraordinário de seus atos ao invés dos detalhes que poderiam ser encontrados
numa biografia clínica.
A tradição afirma que ele era o
terceiro filho de um brâmane de Kanchipuram, no sul da Índia. Seus poderes
excepcionais de inteligência e observação o convenceram, cedo na vida, de que
os caminhos do mundo não apresentavam nada que fosse digno de ser ganho, e
assim ele se tornou um monge. Na época em que já tinha se aperfeiçoado em
meditação, percebeu que a prática budista declinava em muitas regiões e então
ele decidiu ir à China, onde acreditava que uma inova infusão dada à prática de
dhyana poderia catalisara vida budista.
De acordo com a tradição, ele teria chegado à China cerca de 520 D.C., embora
evidências indiretas sugiram que ele possa ter atingido o norte da China
quarenta anos antes. Lá ele orientou discípulos e lançou o movimento Ch'an.
Ch'an é a abreviatura de ch'an-na, o equivalente chinês para o
sânscrito dhyana, o pali jhana, e, mais tarde, o termo japonês zen.
De acordo com os registros das
escolas Ch'an , da China, e Zen, do Japão, existiu desde o tempo de Buddha
uma transmissão que não pertencia ao Ensinamento canônico. Do ponto de vista da
escola Ch'an, há uma brecha dupla entre a mente iluminada do Buddha e o ensinamento escrito. O que
foi dito num certo contexto, para
determinados indivíduos que tinham um certo momentum, só pode ser
colocado em palavras escritas de forma muito imperfeita. O que poderia ter sido
evidente para os que ouviram dos lábios de Buddha pode ter se tornar
obscuro pela opacidade dos textos escritos, e escolas inteiras de interpretação
podem ter se desenvolvido como sombras que se formam quando a luz do sol cai
sobre objetos densos. No entanto, ainda
mais difícil que as limitações inerentes da escrita é a lacuna formada entre os
pensamentos internos de uma consciência iluminada e as palavras constritivas
que têm que ser usadas para expressá-los. Vivendo dentro de uma ontologia
espiritual imaculada e uma meta-ética transparente, as palavras de um ser
iluminado podem fornecer, na melhor das hipóteses, indicações do reino da
Realidade. Metafisicamente, a consciência que reside além do mundo da ilusão,
caracterizado pelo espaço limitado e pelo tempo mensurável, só pode falar por
alusões e conjeturas à consciência limitada por aquele mundo. Psicologicamente,
a mente humana pode assimilar a consciência Búdica apenas alçando-se ao nível
de Buddha. Quando isso ocorre, em qualquer grau, faz-se um contato
direto entre mentes, uma transmissão externa ao Ensinamento (mas não em
conflito com o mesmo) que, no mundo das palavras e dos pensamentos instáveis,
pode ser representado apenas pelo Silêncio.
A tradição Ch'an se remete
a um único evento da vida de Buddha. Conta que certa vez, enquanto
discursava para um grupo reunido ao redor do Pico do Abutre, Buddha de
repente abandonou todas as palavras. Silenciosamente, ele elevou uma flor que
um discípulo leigo lhe dera e a fitou. Ninguém compreendeu o valor deste
Ensinamento, a não ser o ancião Mahakashyapa, que apenas sorriu. Vendo que ele
sorria, Buddha lhe disse, "Eu possuo o tesouro supremamente
precioso, espiritual e transcendental, que agora lhe passo às mãos, oh Mahakashyapa." Foi desta forma que Mahakashyapa se tornou o segundo patriarca
indiano da transmissão externa do Ensinamento. Daquela época em diante, cada
patriarca era confirmado pelo seu predecessor, em geral, através de algum
símbolo tangível como um manto ou uma tigela para pedir comida, mas sempre com
uma transmissão direta de mente para mente do segredo da Iluminação. Esta
transmissão de patriarca para sucessor era vista como um reflexo, dentro de um
período marcado pelo advento de um Buddha, da transmissão do insight
espiritual de Buddha para Buddha. A propósito, um gatha,
ou verso, era registrado como legado da transmissão entre os Buddhas e
de patriarca para patriarca. Por exemplo, o gatha de Buddha Kashyapa,
oferecido a Siddhartha Gautama, menciona o seguinte:
“Pura, imaculada, é
a natureza de todos os seres sensientes;
Desde o início não existe
nascimento nem morte.
O corpo e a mente são criações
fantasmas,
E um fantasma mutante não comete
pecado nem tem méritos.”
Quando Gautama Buddha passou a
transmissão a Mahakashyapa, ele disse:
‘O Dharma é, em última
análise, um dharma que é adharma;
Um dharma que é adharma
é também um dharma.
Agora eu passo este adharma
para você:
O que chamam de Dharma –
onde, afinal, ele se encontra?’
Dentro da tradição Ch'an,
vinte e oito patriarcas indianos foram reconhecidos – "uma transmissão
especial externa às escrituras" – dos quais Buddha foi o primeiro,
seguido por Mahakashyapa. Ananda, que se lembrava de tudo que Buddha dissera em
sua presença e cujas reminiscências formaram a base para as escrituras
registradas no Primeiro Concílio, foi o terceiro patriarca. Ashvaghosha, que
escreveu O Despertar da Fé no Mahayana, foi o décimo-segundo e
Nagarjuna, cuja arguta dialética ilustrava as limitações inerentes à linguagem
e aos sistemas, foi o décimo-quarto patriarca. Vasubandhu, cujos tratados
incisivos deram origem a várias escolas ‘apenas mentais’, foi o
vigésimo-primeiro patriarca, e Bodhidharma foi o vigésimo-oitavo.
Optando ir para a China, Bodhidharma levou a linhagem indiana a um
final. Tornando-se o primeiro patriarca Ch'an, ele inaugurou uma
linhagem que, em geral, se acredita que tenha terminado com o sexto patriarca Ch'an,
e a tigela de pedinte de Bodhidharma foi enterrada com ele. O sexto
patriarca pertencia à Escola Ch'an do Sul, que se separara da Escola do Norte,
e depois de sua época várias linhagens se desenvolveram e desapareceram na
história.
Bodhidharma chegou ao Cantão por
volta de 520 D.C. Na China ele era conhecido como P'u-t'i-ta-mo
(normalmente abreviado como Ta-mo) e no Japão, onde sua influência ainda
permanece forte nas escolas Zen, como Bodai-Daruma. Seu primeiro ato
registrado na China foi uma entrevista com o famoso Imperador Wu de Liang, que
apoiava fortemente a Ordem Budista no seu reino. Depois de mostrar a Bodhidharma
os templos que construíra, os textos sagrados que transcrevera e o grande
número de monges e monjas que mantinha, o Imperador perguntou: ‘O que o senhor
acha que deve ser o meu mérito?’
‘Nenhum, Alteza,’
respondeu Bodhidharma diretamente.
‘Mas, por que?’, perguntou o
Imperador, surpreso.
‘Todas estas obras
são inferiores, pois fazem com que seu autor renasça nos céus ou nesta terra.
Elas ainda mostram traços de mundanidade, como sombras que seguem os objetos...
Já as obras verdadeiramente dignas de mérito são repletas de sabedoria pura,
são perfeitas e misteriosas; sua natureza real transcende o entendimento
humano. Elas não podem ser adquiridas por nenhum tipo de conquista mundana.’
Compreendendo que estava ouvindo
uma reformulação radical do pensamento budista, o Imperador perguntou: ‘Qual é
o primeiro princípio do Sagrado Ensinamento?’
‘A Vastidão do
Vazio,’ respondeu Bodhidharma, ‘e não existe nada aí que possa ser chamado de
sagrado, Alteza.’
‘Então quem é que está agora me confrontando?’
‘Não sei, Alteza.’
Embora o Imperador
fosse benevolente, ele não pretendia alcançar o significado de Bodhidharma, e o
monge decidiu seguir viagem para o norte. Atravessando o rio Yangtze, ele
entrou no reino do norte chamado Wei, onde admirou o grande Templo Yung-ning em
Lo-yang, dizendo ser o templo mais lindo que já conhecera. Bodhidharma não
procurou ser uma figura pública, mas juntou um grupo seleto de discípulos e
ordenou pelo menos um monge. Embora ensinasse e escrevesse alguns textos
curtos, ele se concentrava inteiramente na transmissão de um método rigoroso de
meditação.
A partir do escasso material que
sobreviveu, inclusive vários tratados breves, parece que Bodhidharma se
preocupava menos com o ensino de um sistema de meditação do que com um método
de onde todas as formas de meditação pudessem ser compreendidas, acessadas e
fortalecidas. Dizem que em Wei ele teria se retirado para o Monastério de Shao-lin
e meditado voltado para uma parede por nove anos. Embora alguns monges tenham
tomado esta estória literalmente e em algumas escolas Zen a meditação
seja conduzida de frente para uma parede, a estória parece se referir ao método
de meditação que ele ensinou e que denominava pi-kuan, que significa
'com a mente tão perceptiva (kuan) quanto uma parede (pi) vê', e
não 'percebendo (kuan) uma parede (pi)'. Bodhidharma ficou
profundamente tocado pelos esforços vigorosos, irrestritos e constantes de dois
dos seus discípulos, Tao-yih e Hui-k'e. Devido à potente capacidade de
resolução espiritual de ambos, ele escreveu um ou dois pequenos ensaios acerca
da vida meditativa para o seu benefício. Sua Prática Quádrupla de Meditação deu
origem ao método geral através do qual a meditação deveria ser empreendida.
Embora existam inúmeros caminhos
para se entrar na Senda, Bodhidharma escreveu, eles podem ser colocados sob
duas grandes vertentes: entrada pela
razão e entrada pela conduta. A entrada pela razão significa ‘a compreensão do
espírito do ensinamento budista com a ajuda das escrituras.’ Aqui, a pessoa
aprofunda sua fé na natureza verdadeira e original, que é a mesma para todos os
seres. Esta imaculada natureza é obscurecida pelos objetos externos e pelos
pensamentos enganosos, mas quando a mente se volta do falso para o verdadeiro,
simplesmente mantendo-se em pi-kuan – a meditação como uma parede –
tanto o sentido separatista do Ser quanto seu sentido cognitivo do outro
desaparecem. Esta mente está em comunhão com a essência sem forma de todos os
seres. Seu método é silencioso e sua condição é serena. Quaisquer detalhes da
vida que se encontrem, pode-se dizer que não estejam em ação.
A entrada pela conduta lida com
os quatro atos sob os quais todas as ações são classificadas.
Quais são os quatro? Como
retribuir o ódio; ser obediente ao carma; não seguir a nada e manter-se de acordo com o Dharma.
A retribuição ao ódio tem a ver
não apenas com o superar-se as antipatias e aversões mas também com o sentido de injustiça que pode surgir quando se
luta para se fazer o melhor de si, espiritualmente falando, e encontra toda
sorte de adversidades no caminho. Bodhidharma sugeriu uma linha de
pensamento específica que deveria ser cultivada, sempre que tais condições
afetassem os pensamentos da pessoa:
‘Por várias eras passei por uma
multiplicidade de existências, e neste tempo todo dei muita atenção a detalhes
pouco importantes da vida às custas dos essenciais, criando, assim,
oportunidades infinitas para o ódio, a má vontade e os enganos. Mesmo que não
fossem cometidas violações nesta vida, os frutos das más ações do passado
teriam que ser resgatados agora. Nem os deuses nem os homens podem predizer o
que me espera. Eu me sujeitarei de boa fé e pacientemente a todos os
desconfortos que me sucederem, e nunca me lamentarei nem reclamarei.’
O ódio é conquistado e não apenas
banido através deste método, pois a reflexão sobre o pensamento incorreto se
torna uma oportunidade para se ter uma larga visão da cadeia da causação na
tarefa de trilhar a Senda.
A obediência ao carma envolve o
reconhecimento de que nenhum Ser (atman) pode ser uma parte do
que quer que esteja em jogo nas condições resultantes do carma. A oscilação
entre os opostos, como dor e prazer, é o resultado de ações anteriores, e ambos
desaparecerão com o passar do tempo. ‘O próprio espírito não conhece nem
aumento nem diminuição’, e nada pode afetá-lo se ele estiver em harmonia com a
Senda. Embora os materialistas estejam
sempre apegados a uma coisa ou outra, o sábio sabe que todos os apegos, por
mais nobres ou menores que sejam, levam inevitavelmente ao sofrimento.
Suas mentes repousam serenamente
no Incriado, enquanto mantêm os corpos se movendo conforme as leis de causa e
efeito. Todas as coisas são vazias e não existe nada desejável e digno se ser
perseguido... Sempre que há busca, lá
se encontrará o sofrimento; e quando a busca termina, você é abençoado.
Estar de acordo com o Dharma
significa que a mente repousa na razão purificada, que é o Dharma. Além
disso, o Dharma é shunyata, o Vácuo no Centro de toda a
manifestação, além dos apegos e da poluição, onde não existe o eu nem o outro.
Quando este estado é entendido, diz-se que a conduta da pessoa está de acordo
com o Dharma. Os seres sábios conhecem este fato e não têm apegos e,
portanto, suas vidas são manifestações de dana, amor abnegado e
caridade. Não têm a compulsão de estar entre os seres humanos, mas escolhem
voluntariamente trabalhar no mundo.
Apenas devido à sua vontade de
limpar todos os seres humanos de suas máculas, eles vêm entre os humanos como
se fossem um deles, embora não apegados à forma. Isso é conhecido como o
aspecto interno de suas vidas... Os sábios praticam as seis virtudes (paramitas)
da perfeição para se livrarem dos pensamentos confusos e, ainda assim, não
estão conscientes de seus atos.
Neste tratado, Bodhidharma
não delineia um sistema específico de meditação, mas apresenta critérios para
meditação e prática correta, que envolvem uma fé permanente em que todos os
seres humanos compartilham uma mesma natureza suprema – um estado de
consciência que é como uma parede, testemunhando tudo e apegando-se a nada – e
uma constante atenção às práticas quádruplas essenciais para a alimentação
espiritual na vida diária. Fazendo uma distinção entre as duas entradas
mencionadas acima – pela razão e pela conduta – ele seguiu de perto o
ensinamento do Vajrasamadhi Sutra, mas lá o termo para consciência
iluminada e serena é chueh-kuan, 'percepçãodesperta'. Quando escolheu a expressão aparentemente
inadequada pi-kuan, 'parede de percepção', ele levou a atenção para o
elemento crítico de toda prática meditativa: a consciência serena, estável, não
dualística, absolutamente imperturbável. Tao-yuan, nos seus Registros da
Transmissão da Chama, escritos em 1004, fez menção de um trabalho mais antigo
que discutia a doutrina pi-kuan de Bodhidharma. Quando Bodhidharma
estava ensinando a Hui-k'e no Monastério Shao-lin, ele disse:
‘Externamente, mantenha-se
afastado de todos os relacionamentos, e internamente evite ch'-uan,
ofegar ou desejar ardentemente no seu coração. Quando sua mente se tornar lisa
e imóvel como uma parede, você poderá entrar na Senda.’
Embora Bodhidharma falasse por
experiência direta, confirmada por seu mestre e antecessor, ele invocava os
textos sagrados para explicar a mensagem que tentava passar para os outros. Um manuscrito
encontrado nas Cavernas de Tun-huang é tido como um discurso de
Bodhidharma para um discípulo desconhecido. Nele, a mente verdadeira é chamada
de wu-hsin, expressão que foi traduzida como ‘não-mente’. 'Wu'
quer dizer 'não', mas 'hsin' tem vários significados, dentre eles
'mente', 'coração', 'alma', 'princípio regulador', 'consciência', 'atitude
mental' e até mesmo 'espontaneidade'. No discurso de Tun-huang,
Bodhidharma argumenta que nenhum pensamento, sentimento ou ação seriam
possíveis sem a presença invisível de wu-hsin dentro e por trás deles.
Qualquer concepção condicionada que abranja cada concepção que a mente
consciente possa pensar, é falsa quando contrastada com a Realidade. ‘É como um
homem que vê no escuro uma mesa ou um pedaço de corda que ele pensa que é um
fantasma ou uma serpente, ficando aterrorizado pela própria imaginação.’
Conseqüentemente, até mesmo as próprias
concepções sobre o Nirvana e a Iluminação são ilusórias, da mesma
forma que o são as concepções de objetos, seres e estados. É por esta razão
que, de acordo com Bodhidharma, o Vimalakirti
Nirdesha Sutra afirmou que não existe um corpo onde a Iluminação possa ser
compreendida, e o Vajrachchedika Sutra ensina que a realização de um Buddha
não é uma realização. Mas o wu-hsin é realizável por estar sempre
presente na consciência.
O Wu-hsin opera através de
minha mente consciente, fazendo-a compreender a verdadeira natureza da
Realidade... Nós lemos no Ratnakuta que a mente funciona por meio do wu-hsin
sem ter consciência disso... Deixemos apenas ser despertados para o wu-hsin
em todas as coisas e em todos nossos atos – este é o caminho da disciplina, e
não existe outro caminho. Assim, quando o wu-hsin é entendido, todas as
coisas deixam de nos perturbar.
Depois de ter assentado as bases
para este método, Bodhidharma passou a maior parte da sua vida na China
aprimorando o método para os discípulos que eram aptos. As técnicas que ele
usava, cada uma adequada para um aluno em particular num tempo específico,
apresentava o comportamento colorido e aparentemente bizarro que se tornara a
marca diferenciada da vida Ch'an e Zen. Certa vez, um monge
chamado Shen-kuang procurou a ajuda de Bodhidharma, mas o patriarca o ignorou.
Shen-kuang insistiu, continuando perto de Bodhidharma até que este notasse sua
presença. Uma noite, ele lá ficou de pé tanto tempo sob a neve que esta se
acumulou até seus joelhos. De repente, Bodhidharma se dirigiu a ele, dizendo
que a doutrina era incomparavelmente difícil de se dominar e que a disciplina
era ainda mais difícil de se perseverar. Acrescentou ainda que só aqueles que
possuíssem as mais altas virtude e sabedoria é que poderiam compreendê-la.
Shen-kuang continuou a seguir Bodhidharma, até que, um dia, este lhe
disse: ‘Isto não é coisa que se busque através de outro.’
‘Mas minha alma ainda não está
ainda pacificada,’ respondeu Shen-kuang. Eu lhe suplico, Mestre, pacifique-a.’
‘Traga sua alma aqui,’ disse
Bodhidharma, ‘e eu a pacificarei.’
Depois de alguma hesitação,
Shen-kuang respondeu, ‘Tenho procurado por ela todos estes anos e ainda não
consegui encontrá-la.’
‘Pronto!’ exclamou
Bodhidharma, ‘Ei-la pacificada de uma vez por todas!’
Ao ouvir estas palavras,
Shen-kuang entendeu por que ele tinha passado tantos anos em preparação
aparentemente infrutífera. Bodhidharma, conhecendo sua mente, sabia exatamente
a hora certa e o que dizer, e Shen-kuang ganhou insight acerca da
natureza verdadeira de todos os seres. Mais tarde, Bodhidharma sugeriu que ele
mudasse seu nome para Hui-k'e, o nome pelo qual ele é conhecido como o segundo
patriarca.
Nove anos depois, Bodhidharma
decidiu que seu trabalho na China havia terminado, e então reuniu seus
discípulos mais próximos para
testá-los. Tao-fu disse: ‘A verdade está acima da afirmação e da negação,’ ao
que Bodhidharma replicou: ‘Você ganhou a minha pele.’ Então, a monja
Tsung-ch'ih deu um passo à frente dizendo: ‘A verdade é como a visão que Ananda
teve da Terra de Buddha de Akshobya: ela é vista uma vez apenas e nunca
mais.’ Bodhidharma disse: ‘Você ganhou a minha carne.’ Tao-yu se adiantou e
falou: ‘Vazios são os quarto elementos e não existem os cinco skandhas.
Não existe uma única coisa digna se ser compreendida como real.’ E o
Bodhidharma respondeu: ‘Você ganhou os meus ossos.’ Quando chegou a vez de Hui-k'e,
ele se levantou no lugar onde estava, curvou-se ante Bodhidharma e não disse
uma palavra. ‘Você ganhou minha medula,’ falou suavemente o Bodhidharma. Os
presentes teriam entendido o significado da mensagem do seu Mestre, pois
conheciam os comentários de Nagarjuna sobre o Prajna Paramita Sutra, no
qual ele escreveu:
“A conduta moral é a pele, a
meditação é a carne, a compreensão superior os ossos e a mente sutil e
benevolente é a medula.”
Mais tarde, Hsieh-sung escreveu:
‘É a mente sutil que Buddha transmite secretamente aos seus sucessores
de fé.‘
O fim da vida de Bodhidharma está
tão envolto em mistério quanto o início. Nada se conhece sobre ele depois deste
incidente com seus discípulos. Uma lenda conta que ele teria sido envenenado
por um rival. Outra, que teria sido banido quando regressava à Índia através do
deserto de Gobi. Uma terceira lenda proclama que ele teria ido para o Japão Em
todas elas, entretanto, dizem que ele estava muito idoso, talvez com cento e
cinqüenta anos. Como um meteoro, Bodhidharma passou pela história e, da mesma
forma, desapareceu repentinamente. Mas a marca brilhante que ele fez no vácuo
do tempo deixou um rastro luminoso que ainda cintila calidamente até o
presente. Sua ‘mensagem especial’ revolucionou a prática budista chinesa e deu
um impulso fundamental à tradição budista no Japão. Um escritor anônimo mais
recente formulou sua mensagem num verso digno do primeiro patriarca Ch'an:
‘Uma transmissão especial fora
das escrituras;
Sem dependência de palavras ou
letras;
Apontando diretamente para a alma
do homem;
Vendo por dentro a
natureza dos seres, alcançando o Buddha.’
‘Assim como um fogo inflamado
reduz seu combustível a cinzas, oh Arjuna! da mesma forma o fogo da sabedoria (jnanagni)
reduz todas as ações a cinzas.’
Bhagavad-Gita IV.37
SHRI
KRISHNA
Autor: Elton Hall
Tradução: Vânia de Castro
Revisão: Osmar de Carvalho
Fonte: www.theosophy.org
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