"A doutrina Platônica sobre o Destino é
algo semelhante a isto: todas as coisas, diz ele, existem no Destino, mas nem
tudo é predestinado. Pois embora o Destino segure a vara da lei, não decreta
que uma pessoa deva fazer isto e outra sofrer aquilo, pois se o fizesse,
prosseguiria ad infinitum produzindo
infinitas coisas e infinitos eventos associados a elas. Além disso, não haveria
nada em nosso poder, e louvor e censura e tudo mais se desvaneceria. Antes, o
destino decreta que se uma alma escolher uma vida de certo tipo, e executar
certos atos, então certas coisas se seguirão a partir da escolha.”
"A alma então não tem mestre, e ela
repousa em si mesma ou executa ou se abstém de certo ato: não é forçada a fazer
isto ou aquilo. Não obstante, tudo o que se segue depois de fazermos alguma
coisa é completado pelo Destino. Por exemplo, se um Paris rapta uma Helena, ele
o faz livremente, mas segue-se que os Gregos guerrearão com os Troianos por
causa dela".
Didaskalikos XXVI
ALBINO
O Academeca,
um grande parque público, fica a cerca de um quilômetro a noroeste do Portão
Dipylon da antiga Atenas. Em meio aos seus gramados e alamedas - das quais uma
oliveira ainda subsiste - Platão e uns poucos seguidores se reuniam para honrar
as Musas através de discursos filosóficos. Em torno de 385 AC, Platão havia
estabelecido ali um Mouseion (um
sacrário do conhecimento) e fundado uma escola conhecida como a Academia, até
que Justiniano a fechou em 529 DC. Embora os diálogos de Platão tenham
inspirado a humanidade ao longo de vinte e três séculos, as maduras
deliberações de seus principais discípulos não foram registradas e hoje
permanecem como um enigma. Seus sucessores e alunos escreveram, ensinaram e
conduziram as atividades da Academia, mas os tantalizantes fragmentos de suas
obras mostram apenas que o espectro de interesses que pesquisavam era imenso,
que Platão os ensinava a examinar rigorosamente todas as idéias e ideais
acalentados, e que o único ponto de vista proibido era o dogmatismo. Era
cultivado o método dialético e acolhidas as idéias Pitagóricas, a ponto de
identificar as idéias Platônicas com os Números. A felicidade era igualada ao
viver de acordo com a Natureza, uma injunção sujeita a miríades de
interpretações e adotada pelos filósofos Estóicos.
O surgimento da filosofia Estóica, austera e
admirável em seu exigente modo de vida, mas, numa perspectiva Platônica,
metafisicamente limitada, acabou por atrair a atenção da Academia. Enquanto que
a Antiga Academia tratou de questões levantadas por Platão, a Academia Média,
inaugurada pela eleição de Crates em 270 AC, concentrou-se em respostas
detalhadas à filosofia Estóica. Este uso crítico e mesmo negativo da dialética
resultou em um nítido desvio em direção ao ceticismo, a uma reação a todas as
escolas dogmáticas que propunham doutrinas específicas. Com a eleição de
Carnéades, que morreu em 128 AC, a Nova Academia foi rigidamente cética;
Carnéades enfatizou a epoche, a
suspensão do julgamento, na epistemologia e na metafísica, e provavelmente como
um guia de conduta. Na virada do século, Filo de Larissa, o mestre Platônico de
Cícero, e seu sucessor, Antíoco de Ascalon, detectaram na Academia um equívoco
na interpretação das intenções de Platão. Eles apelaram para a natureza
auto-evidente de certas verdades e adotaram uma abordagem eclética que
sustentava que os filósofos Estóicos e os Peripatéticos Aristotélicos diferiam
da Academia original na forma, mas não na substância.
O movimento inaugurado por Filo e Antíoco se
tornou uma ponte que poderia unir a tradição da Academia ao reaparecimento da
imaginação criativa mais tarde conhecido como Neoplatonismo, cuja culminação
seria a eleição do brilhante Neoplatônico Proclo como sucessor na Academia
Ateniense. Antíoco não aceitava a visão Estóica de que as virtudes diferiam dos
outros bens em espécie, mas antes sustentava, de acordo com a Antiga Academia,
que diferiam em grau. Isto o levou a insistir em um conceito de
perfectibilidade da natureza humana que incluía não apenas a parte mais
elevada, espiritual, mas todos os aspectos do indivíduo, incluindo os
relacionamentos individuais com os outros e com a comunidade como um todo.
Antíoco exerceu um impacto significativo sobre os membros da Academia, mas sua
influência foi muito mais além do que seus recintos sagrados. Ele afetou
profundamente Cícero, assim como Ário Dídimo, o doxógrafo Estóico que ensinou
na corte de César Augusto. No mundo do Mediterrâneo oriental suas concepções
deixaram sua marca em Gaio e em seu notável aluno, Albino.
Não se sabe absolutamente nada sobre Gaio, e
quase o mesmo é verdadeiro sobre a vida de Albino. Galeno escreveu que havia
estudado brevemente com um discípulo de Gaio em Pérgamo, e Porfírio disse que
alguns comentários de Gaio eram lidos nos seminários dirigidos por Plotino. Albino
é um mistério quase igual. Tudo o que é sabido de sua vida vem de uma única
declaração de Galeno, de que às vezes, entre 149 e 157 DC, assistira às
palestras de Albino em Esmirna. Albino foi contemporâneo de Theon de Esmirna,
que escreveu uma introdução matemática a Platão, uma compilação de citações de
filosofia Platônica que sugere uma forte influência Pitagórica. Albino reuniu
as concepções de seu mestre em diversos cadernos de notas, escreveu comentários
sobre os diálogos Platônicos, deu instruções para o estudo dos diálogos, e
escreveu um resumo das doutrinas Platônicas. Infelizmente, só os últimos
documento sobrevivem, porque se tornaram manuais populares, enquanto que sua
obra mais original desapareceu com a perda da educação clássica depois do fechamento
das escolas não-Cristãs por Justiniano. O Eisagoge,
uma introdução aos diálogos de Platão, oferece sugestões para o uso dos
diálogos, e o Didaskalikos é um guia
para suas doutrinas. Juntos, eles revelam o tipo de pensamento que preparou o
chão para a filosofia eclética de Amônio Saccas e o elaborado sistema de
Plotino.
Para Albino, um estudo apropriado dos diálogos
é o mesmo que uma verdadeira educação superior, que afeta toda a natureza do
estudante. No Eisagoge, Albino
insistia que uma tal iniciativa requer cuidadosa preparação.
Pois assim como é necessário se tornar um
espectador de sua própria alma assim como das coisas divinas e mesmo dos
próprios deuses, para atingir a mente mais bela devemos eliminar das nossas
concepções as falsas opiniões. Pois nem mesmo os médicos julgam o corpo capaz
de apreciar a comida que lhe trazem antes que a pessoa tenha retirado as
sujeiras nela.
Uma vez a mente tendo se tornado
fundamentalmente agnóstica, os sentimentos e emoções também devem ser
estimulados e purgados dos velhos padrões de reação, de modo que permaneçam
como princípios puros. Só então doutrinas específicas podem ser introduzidas e
assimiladas de um modo que pode aperfeiçoar a alma e elevar toda a natureza.
Estas doutrinas devem ser elicitadas da alma, separadas de concepções falsas (e
portanto daninhas), e fortalecidas pela razão que combina contemplação e ação.
Albino dividia os diálogos em duas grandes
classes, hyphegetikos e zetetikos, explicativos e exploratórios,
os primeiros oferecendo ensinamentos e os últimos purgando e despertando a
alma. Ele rejeitava a ordem tradicional de estudo usada até mesmo hoje em dia,
começando com o Eutifron (a acusação
de Sócrates), seguindo pela Apologia
(seu julgamento), Criton (sua prisão)
e Fédon (seu dia derradeiro e sua
morte). Albino argumentava que a Sabedoria decretara que os diálogos são cada
um completos e independentes, mas mesmo assim compõem um todo como um círculo,
que não possui começo ou fim discerníveis. A condição moral e intelectual do
estudante deveria determinar o ponto de início e a ordem dos diálogos a serem
estudados. Para alguém bem preparado pelo bom nascimento, pela época atual e
pela educação, um bom começo é o Alcebíades,
pois ele trata do auto-conhecimento, o começo de toda sabedoria. Com o tempo, a
pessoa poderia passar para o Fédon,
que ensina a importância da vida filosófica, dada a imortalidade da alma. Então
podia-se estudar a República, pois
ali se apresenta uma teoria abrangente sobre a educação. Enfim, poderia-se
passar para o Timeu, a abordagem da
Natureza e coisas divinas, conduzindo a uma lembrança da divindade. Um curso
como este não é simplesmente uma introdução às obras de um grande pensador: é
um caminho de desenvolvimento moral e espiritual que transforma o ser do indivíduo,
desperta os poderes da alma e atinge sua apoteose numa visão do Divino.
Começando com os diálogos obstétricos ou maiêuticos, passa-se a um estado de
consciência que transcende a descrição, uma jornada que abrange a
auto-realização e contribui para a iluminação universal.
Albino assumia uma definição de filosofia
caracteristicamente Platônica como ponto de partida para o Didaskalikos.
A filosofia é um anelo por sabedoria, ou a
liberação ou retirada da alma do corpo, enquanto que nos voltamos para o que é
percebido pela mente, e para as coisas que existem verdadeiramente.
Para Albino a periagoge, a retirada da alma do corpo, é a postura fundamental que
torna possível o conhecimento real e a conduta correta. Esta reorientação da
consciência é necessariamente iluminadora e terapêutica, curando a alma de modo
que ela possa trazer à fruição sua sabedoria inata. Embora Albino aceitasse a
divisão tradicional dos estudos Platônicos em lógica, física e ética para
propósitos instrutivos, ele mudou os nomes destas divisões para dialetike, theoretike e praktike, e
alterou sua ordem de importância colocando a física em primeiro, seguida pela
ética e pela lógica. A theoria, ou
filosofia contemplativa, inclui o estudo da Natureza física, da matemática e
das coisas divinas; a praxis engloba
a economia (como administração da casa) e a política, assim como a ética; e a dialética cobre cada aspecto da lógica,
da conceituação e do pensar.
Se a dependência das impressões sensoriais
como fonte de conhecimento inclina a pessoa ao ceticismo, a asserção de
verdades auto-evidentes é por demais simplista. Para Albino, os objetos da noesis e da aisthesis, impressões mentais e sensórias, são primitivas e
não-analisadas, e ambos requerem logos
para seu entendimento, o que significa que as impressões primárias
(constituindo o pensamento imediato) são sujeitas a um processo secundário
(constituindo o pensamento discursivo), que forma os objetos do conhecimento. O
epistemonikos logos, o poder de
apreender objetos inteligíveis, junta-se a noesis
para produzir episteme, o
conhecimento abstrato, enquanto que o doxastikos
logos, o poder de lidar com as impressões sensoriais, une-se a aisthesis para produzir doxa, a opinião. A noesis capta as Idéias Platônicas em seu aspecto puramente transcendente,
assim como a aisthesis recebe as
qualidades, mas os logoi permitem o
reconhecimento das formas na matéria e a construção mental de objetos
desprovidos de qualidades. A razão correta julga o que é verdadeiro no âmbito
da theoria e o que é próprio no campo
da praxis. Uma vez que isto implica
algum padrão de comparação, cada alma deve possuir physikai ennoiai, conceitos naturais ou inatos, que são usados para
avaliar a contemplação e a conduta.
Albino encontrou as mesmas dificuldades de
seus predecessores ao tentar delinear a natureza exata da dialética Platônica.
Seu caráter lógico pode ser elucidado por uma variedade de schemata, mas o modo como induz a alma a lembrar sua onisciência
inerente pode ser compreendido somente através da experiência. Albino
sustentava que toda a lógica Aristotélica pode ser encontrada em Platão, o
verdadeiro fundador da lógica formal. As categorias Aristotélicas são
Platônicas, embora possam ser subdivididas nas distinções Platônicas
fundamentais entre o absoluto e o relativo. A substância pode ser estudada a priori pela descida dos primeiros
princípios ou a posteriori pela
ascensão através da análise. Os acidentes podem ser estudados através da lógica
silogística ou por indução. Embora a indução não ofereça certeza, é útil por
excitar os conceitos inatos. Os estudos filosóficos e etimológicos míticos
encontrados no Crátilo podem ser
úteis, pois em acréscimo à história literal do desenvolvimento das palavras, as
palavras são formadas por convenções relacionadas à Natureza.
A theoretike
inclui a teologia, a matemática e a física. A matemática aguça a mente e a
prepara para uma compreensão mais transcendental dos fundamentos últimos da
Natureza. A matéria, sendo potencialmente carnal, é o primeiro princípio das
coisas corpóreas. As Idéias Platônicas, contudo, são os primeiros princípios
paradigmáticos.
Uma idéia considerada em relação a Deus, é seu
pensamento (noesis); em relação aos
seres humanos, é o objeto primário de intelecção (proton noeton); em relação à matéria, é medida; em relação ao cosmo
sensível, é seu modelo; em relação a si mesma, é substância.
Uma idéia é "um paradigma eterno de
coisas naturais", mas Albino restringe a tendência de separar os poderes
criativos, as Idéias Platônicas e uma Deidade acima de tudo, afirmando que
estas idéias - os arquétipos de tudo que a Natureza pode manifestar - são
pensamentos eternos na Mente Divina. Para Albino, tais idéias necessariamente
existem, pois seja a Deidade a mente ou possua uma mente, tem pensamentos que
devem ser eternos e imutáveis. Se a matéria em si não tem medida e proporção,
algo deve lhe dar medida, e se o cosmo não é um evento casual, algo o formou a
partir de um modelo. Se o conhecimento difere da opinião, devem haver idéias
inteligíveis que o assegurem.
De qualquer ponto de vista, as idéias devem
existir. Uma vez que elas são associadas aos conceitos de alma, mente e Deus,
os seres humanos, que inevitavelmente comprometem seus poderes de intelecção
insinuando atributos materiais no domínio do inteligível, confundem a Deidade
com sua atividade divina.
Uma vez que a Mente é superior à Alma, e uma
vez que a Mente em atividade, inteligindo todas as coisas simultânea e
eternamente, é superior à mente em potencialidade, e uma vez que a sua causa é
mais nobre que ela, sendo-lhe superior, esta causa deveria ser o Deus Primário
- a causa da eterna atividade da mente de todo o cosmo. A Deidade Primária, ela
mesma imóvel, dirige sua atividade para a mente do cosmo, assim como o sol
dirige-se à visão quando uma pessoa o olha, ou como um objeto de desejo põe o
desejo em movimento enquanto que ao mesmo tempo permanece imóvel, assim esta
Mente move a mente de todo o céu.
Mas uma vez que a primeira Mente é a coisa
mais nobre de todas, o objeto de seu pensamento deve ser igualmente o mais
nobre, embora nada seja mais nobre que ela mesma. Portanto ela teria de
contemplar eternamente a si mesma e seus próprios pensamentos, e esta atividade
é a Idéia.
Assim, a Deidade é o motor imóvel, a causa sem
causa, que é inefável e não pode ser mandada fazer, ou envolver-se, em nada
exceto a contemplação de si mesma e seus próprios pensamentos. Esta atividade
criativa eterna é energeia, que
constitui a Idéia de onde todas as Idéias Platônicas derivam. A Deidade é a
Mente - ou mais como a mente do que como qualquer outra abstração compreensível
- mas é indescritível e indefinível. Albino sustentava que este eterno e
perfeito Deus Primário chama a Mente e a Alma à atividade através de sua
presença, mas ele evitava a distinção tradicional entre elas. Para ele, a Alma
Mundial tem um aspecto racional e um irracional. O primeiro é despertado
diretamente pela Deidade, e se põe a organizar o segundo. Enquanto que os dois
podem ser distinguidos para fins de claro entendimento, não são na verdade hipóstases
separadas, mas formam uma entidade intimamente associada à Deidade. Embora Deus
não possa ser definido, pode ser descrito existencialmente (embora não
intelectualmente) se seguirmos um de três caminhos.
O caminho da negação (mais tarde chamado de via negationis) se desenvolve pela
remoção dos atributos da concepção da Deidade como na primeira hipótese de
Parmênides. O caminho da analogia (via
analogiae) pode ser ilustrado pelo exemplo do sol no livro VI da República. O caminho anagógico (via eminentiae) conduz para cima através
da universalização progressiva da experiência. Para Albino, o principal exemplo
deste caminho espiritual é o discurso de Diótima sobre o amor, no Banquete. Embora os dois primeiros
caminhos acabem demosntrando que Deus não tem partes ou corpo, é imutável e
eterno, só o último caminho conduz aquela intimidade mística que pressagia o
entendimento direto do inefável. Assim Albino liga as sugestões veladas
encontradas nos escritos de Platão - especialmente na Sétima Carta - aos ensinamentos místicos de Plotino.
A física de Albino é tradicional na maioria
dos aspectos, embora ele associe firmemente o dodecaedro com os doze signos do
zodíaco e cada um dos trezentos e sessenta triângulos do dodecaedro a um grau
do círculo celeste. Enquanto negava que o mundo houvesse sido criado no tempo,
uma vez que está eternamente vindo a ser, ensinava que a Alma Mundial adormece,
só para ser periodicamente despertada pelo Deus Primário ao dirigir o aspecto
racional para si mesmo, de modo que ele por sua vez irá ativar o aspecto
irracional. Assim como os deuses superiores são partes do processo racional, os
daimons habitam os elementos da dimensão irracional da Alma do Mundo, e,
quando despertos pelo racional, passam a formar o mundo manifesto. Esta periodicidade
da criação e dissolução não é um processo temporal, pois o tempo surge junto
com a Natureza criada, mas assim como os daimons são trazidos à atividades
pelos poderes transcendentes, também o tempo é um reflexo da eternidade
dinâmica.
Albino aceitava a alma Platônica tripartida,
mas concentrou-se sobre a divisão da alma em racional e pathetikon, passional e irracional. Ele elaborou os argumentos de
Platão sobre a imortalidade da alma, mas estava mais interessado em explicar a
descida da alma em uma sucessão de corpos. Todos os Platônicos concordavam que
a alma racional é imortal, mas que o destino do aspecto passional da alma era
sujeito a considerável controvérsia. Albino resolveu a questão para sua própria
satisfação, afirmando a mortalidade da alma irracional. A divisão tripartite,
contudo, se aplica à alma desencarnada assim como à alma que está encarnada. Na
alma desencarnada os três aspectos são gnostikon
(cognitivo), parastatikon
(disposicional) e oikeiotikon
(apropriativo), que na alma encarnada são o racional, o animado e o apetitivo.
Assim, enquanto que o aspecto irracional perece por ocasião da morte, existe
aquele aspecto da alma imortal que corresponde à parte mortal. Sem ter um
vocabulário adequado para expressar seus pensamentos, Albino não obstante
apontou para uma concepção de alma na qual os aspectos mortal e encarnado
funcionam como veículos para os aspectos imortais.
Albino via na descida da alma à existência
encarnada um elemento de necessidade e a vontade dos deuses de se tornarem
manifestos através de almas. Mas ele pensava que a razão principal para a
encarnação fosse akolasia, luxúria,
uma vontade errônea da alma de se tornar envolvida na vida corpórea. Ele não
atribuía uma sensualidade pecaminosa à alma, mas antes pensava na akolasia como o julgamento errôneo de
uma vontade livre. Em acréscimo, a alma naturalmente sofre de philosomatia, um amor ou afinidade pelo
corpo. "Corpo e alma", escreveu, "têm uma espécie de afinidade
mútua, como o fogo e o asfalto". Através dos julgamentos de uma vontade
livre, a alma às vezes se aproxima do corpo, e quando isso ocorre, é atraída
para ele. Uma vez feita a conexão, ocorre a reencarnação até que a alma se
liberte através do entendimento filosófico. Assim Albino ensinava doutrinas
sobre o livre-arbítrio e sobre o destino. "Todas as coisas estão no
Destino, mas nem tudo é predeterminado". A alma escolhe livremente, mas
tendo escolhido, as conseqüências não podem ser evitadas. A sutileza desta
doutrina talvez possa ser apreciada através da contemplação do Mito de Eros no
final do Livro X da República. Albino
esforçou-se por enunciar uma doutrina sobre o destino notavelmente similar à
concepção Indiana de karma.
Embora a metafísica Platônica de Albino seja
complexa, ela pode ser traduzida em uma ética progressiva. O bem para o ser
humano é o conhecimento e contemplação do Deus Primário que é a Deidade. Todos
os outros bens derivam deste Bem supremo. A felicidade é encontrada, contudo,
só nos bens pertencentes à alma apenas, pois os outros bens são somente
materiais que podem ser usados para o bem-estar ou o sofrimento. A virtude,
sendo um poder da alma, é auto-suficiente e não requer nem pode ter
justificação externa. Telos, o fim ou
propósito da vida, é obter a "semelhança de Deus", o que significa
alçar a inteligência para a Deidade até onde possível. Embora viver de acordo
com a Natureza seja um degrau admirável e mesmo necessário, não é o propósito
da existência humana, ao contrário da visão Estóica. O Deus a que um indivíduo
pode se assemelhar não é o inefável Deus Primário, mas o aspecto racional da
Alma Mundial ou Mente Cósmica, embora isto seja obtido através de meditação
sobre e profundo entendimento d'Aquilo que não pode ter aparência alguma. Assim
como o tempo de um modo misterioso se torna a imagem móvel da eternidade, e
como o aspecto irracional da Alma do Mundo de alguma forma espelha o aspecto
racional que reflete o inefável, também a conduta humana pode espelhar a
virtude da alma e a alma e perfeita virtude pode refletir o Mistério Divino.
Podemos atingir a meta de nos tornarmos
semelhantes a Deus estando no controle das faculdades naturais (physis), pelos hábitos corretos,
treinamento e disciplina (askesis), e
especialmente pelo uso da razão, pelo ensino (didaskalia) e pela transmissão de doutrinas, de modo a transcender
em sua maior parte as distrações humanas, e estar sempre em contato com as
realidades inteligíveis.
Para Albino, os estudos usuais de seu tempo e
de hoje são no máximo preparações e purificações que aprontam o discípulo
dedicado para os Mistérios Maiores, que fundem o pensamento puro com a visão
espiritual na contemplação do Divino. Infelizmente, a história não preservou
aquelas obras criativas que teriam dado crédito integral à originalidade e
gênio que Albino mostrou em seus resumos escolásticos dos estudos Platônicos.
Se tivessem sobrevivido, poderíamos ver que Albino deixou as fortes fundações
sobre onde a Escola Eclética e a Neoplatônica ergueram seus elaborados e
graciosos edifícios.
"A alma soberana
de quem vive autogovernado e em paz
está centrada em si mesma, tomando de modo
igual
prazer e dor; calor, frio; glória e vergonha.
SHRI KRISHNA
OM
Autor: Elton Hall
Tradução: Um Colaborador
Revisão: Osmar de Carvalho
Fonte: