"É quando se vela um pouco que o sol pode ser melhor contemplado.
Quando, ao contrário, a heliofania lança toda a violência de seu fulgor, o sol
é negado aos olhos, e isto é o motivo de sua luz ser o véu de sua luz. Na
verdade, o Rei manifesta Sua beleza no horizonte para aqueles que são Seus.
Para estes Ele não é ciumento de Sua visão. Aqueles que são privados de
contemplá-Lo o são por causa do estado lastimoso de suas faculdades... Quem
quer que perceba um traço de Sua beleza fixa sua contemplação nele para sempre;
nunca mais, mesmo por piscar de olhos, ele será distraído dele.”
"Às vezes certos homens solitários emigram para Ele. Ele lhes dá
tanta doçura para experimentar que eles se curvam com o peso de Suas graças.
Ele os torna conscientes da miséria de sua vida terrestre. E quando eles voltam
de Seu palácio, voltam carregados de dons místicos".
Risalah Havy Ibn Yaqzan
IBN SINA (AVICENA)
A história da filosofia, a superfície visível do cerne luminoso da
percepção espiritual que constitui a fonte vital das tradições religiosas e
estruturas sociais, poderia ser vista como a convergência de elementos
similares em diferentes padrões. O Cristianismo tendeu a descartar as tradições
de onde surgiu, ao mesmo tempo que se alimentava delas. O Islã preferiu
absorver as tradições como as encontrou, fundindo e transmutando seu poder em
uma nova forma de pensamento e vida. A revelação, a razão, a experiência
mística e a observação empírica foram importantes em ambos os movimentos,
embora seu espírito e élan
divergissem o bastante para turvar o entendimento mútuo mais completamente a
cada século que passava. Sem presumirmos estabelecer classes de almas e o
destino dos povos, é possível discernir uma diferença fundamental entre eles.
Quase desde o início o Cristianismo centrou-se em torno de uma igreja, uma
hierarquia de indivíduos que detinham os poderes de interpretação autorizada.
Como custódios autodesignados da revelação primeva, eles usaram e prenderam a
razão, restringiram o valor da observação e foram perturbados pelas
experiências místicas de indivíduos, todos os que poderiam minar a autoridade
da igreja. No Islã, o imam e o
jurista se tornaram protetores da shari'a,
a grande estrada da lei, mas não havia nenhuma hierarquia estrita de
autoridade. Assim, no vívido imaginário do Corão, Alá permanecia tão próximo de
cada indivíduo como sua veia jugular.
Insights de lógicos, visões de místicos e observações
de cientistas experimentais poderiam desestabilizar a umma, a comunidade dos fiéis, e mesmo ultrajar alguns imams, mas nenhuma hierarquia poderia
empregar seu poder para erradicar concepções ofensivas. Uma vez que o que
perturba uma geração pode ser aceito como óbvio pela seguinte, o Islã em
evolução abraçou a mudança e o rejuvenescimento com confiança na certeza do
Profeta e do Livro. O fermento da mudança social e expansão intelectual
forneceram o ambiente no qual Avicena nasceu. Ele combinou as observações
empíricas de medicina e astronomia, lógica Aristotélica, cosmogonia emanativa
Platônica e entendimento místico com uma originalidade e brilhantismo que
maravilhou o mundo Islâmico ocidental e influenciou a Europa Cristã por sete
séculos.
Diversamente da maioria de seus predecessores, Avicena (como Ibn Sina
veio a ser conhecido na Europa) ditou um esboço de biografia para seu principal
discípulo, Abu 'Ubayad al-Juzjani, que acrescentou suas próprias lembranças. O
pai de Avicena, um nativo de Balkh, estabeleceu-se em Bukhara, onde se tornou
governador de uma pequena cidade, Kharmaythan. Muito antes ele se casara com
Sitara de Afshshan, e em 980 dC ela deu à luz Abu 'Ali al-Husain ibn 'Abdallah
ibn Sina. Seu horóscopo natal sugeria um homem de grande intelecto,
entendimento e facilidade de expressão. O ascendente era em Câncer no grau de
exaltação de Júpiter; o Sol, a Lua e Vênus estavam todos em seus graus de
exaltação, enquanto que tanto a Roda da Fortuna como a Parte do Invisível
estavam em Câncer, a última com Canopus e Sirius. Quando Ibn Sina tinha cinco
anos, sua família se mudou para Bukhara, então capital e centro de aprendizado
da dinastia Samânida, que governou a Pérsia Oriental, o Kurasão e a
Transoxiana. O pai de Ibn Sina pertencia à seita Ismailita do Islã Shiita, um
movimento que advogava uma interpretação dual do Corão, exotérica e esotérica,
e requeria iniciação na Verdade através de uma série de níveis graduados. Os
Ismailitas acreditavam que o filho do sétimo imam Shiita voltaria no fim do mundo como o mahdi, o divinamente guiado. Conquanto Ibn Sina viesse a rejeitar a
fé de seu pai, ele aprendeu a colocar-se acima do conflito Sunita-Shiita e
evitar ligações sectárias, e valeu-se do interesse de seu pai em dar-lhe a
melhor educação possível.
Em torno da idade de dez anos, Ibn Sina já havia dominado a Gramática,
Literatura, todo o Corão, a Geometria e o "Cálculo Indiano", assim
como alguns tratados dos Ikhwan as-Safa, os Irmãos da Pureza. Quando o famoso
matemático 'Abdallah al-Natili veio a Bukhara, o pai de Ibn Sina ofereceu-lhe
sua própria casa para que ele pudesse ensinar seu filho. Ibn Sina estudou o Almagesto de Ptolomeu, os Elementos de Euclides e o Isagogia de Porfírio sob instrução de
al-Natili, mas logo ultrapassou seu mestre em entendimento. Quando al-Natili
deixou Bukhara, Ibn Sina voltou suas atenções para a Metafísica, Medicina e
Jurisprudência.
"A medicina não é uma das ciências difíceis e portanto dominei-a
perfeitamente em brevíssimo tempo, ao ponto de ilustres médicos começarem a
aprender a ciência da medicina comigo. Eu cuidei dos doentes e ali abriram-se
para mim algumas das portas do tratamento médico que são indescritíveis e que
só podem ser aprendidas pela prática".
Dada a sofisticação da Medicina Islâmica naquela época, a declaração de
Ibn Sina é notável. Enquanto estudava Medicina relaxou seu envolvimento em
disputas jurídicas. Tendo conhecido completamente todas as ciências, retornou à
Filosofia e à Lógica. "Durante esta época eu ficava completamente acordado
à noite e não fazia nada durante o dia". Sempre que um problema lógico
resistia às suas tentativas de solução, ele se retirava em culto meditativo na
mesquita local, onde al-khaliq, o
Criador de Tudo, iluminava seu entendimento. "E sempre que o sono me
dominava, eu via os mesmos problemas em meus sonhos, e muitas questões se
tornaram claras para mim em meu sono".
Não obstante, a essência da Metafísica
de Aristóteles lhe fugia. Ele leu o livro quarenta vezes e memorizou passagens
difíceis, embora não conseguisse entender sua mensagem. Um dia ele andava
desesperado pelo quarteirão de livreiros quando lhe ofereceram um volume. De
início rejeitou-o, mas comprou-o quando lhe disseram que o vendedor precisava
de dinheiro. Quando abriu o volume, descobriu que era o comentário de Al-Farabi
sobre a Metafísica. Dentro de uma
noite a mente de Ibn Sina se esclareceu e sua educação foi completada. No dia
seguinte deu esmolas para os pobres em gratidão. Logo depois, em 997, foi
chamado para a corte de Bukhara para cuidar da cura do governante Nuh ibn
Mansur al-Samani, cuja moléstia havia desconcertado os médicos da corte. Lá obteve
acesso à vasta biblioteca real e saturou-se tão completamente em seus tesouros
que mais tarde disse a Al-Juzjani: "Agora sei o mesmo que eles, mas com
maior maturidade e profundeza; de outra
forma a verdade do aprendizado e a do conhecimento seriam a mesma".
Em 1001 ele tinha vinte e um anos, e começou a escrever livros sobre
Matemática, Ciência e Ética. Embora seus livros tenham se perdido na guerra e
na pilhagem, 250 obras sobreviveram aos caprichos da história. O ano seguinte
ao da morte de seu pai e vida na corte se tornou perigoso. Várias dinastias na
Pérsia e além se envolveram em uma longa e indecisiva luta pelo domínio. Pelo
resto de sua vida, Ibn Sina viajou de corte em corte como médico e erudito,
usualmente indo à frente dos colapsos dinásticos, conflitos internos e
conquistas. Em Jurjaniyah, na corte do Khwarazmshah, ele encontrou um
verdadeiro patrono no vizir Al-Suhaili e escreveu para ele obras sobre
Astronomia. Mais tarde viajou para Jurjan, onde encontrou seu companheiro de
toda vida, Al-Juzjani, que o seguiu pelo resto da vida.
Em torno de 1015 ele curou a esposa e o filho do fakhr de Rai e então seguiu para Hamadan, onde tratou o governante
Buwaihida, Shams al-Dawlah. A cura o tornou um favorito da corte, mas sua
indicação como vizir sobrecarregou-o com os deveres da corte e alimentou
invejas e ciúmes entre alguns cortesãos. Continuou a escrever, mas quando o
governante morreu em 1021, ele declinou da oferta de continuar como vizir, pois
desejava ir para a corte de 'Ala al-Dawlah em Ispahan. Antigos inimigos tiraram
partido da situação e prenderam-no no castelo de Fardjan, perto de Hamadan,
onde ele permaneceu por quatro meses.
Enquanto isolado do mundo, escreveu diversos tratados, incluindo a famosa
alegoria mística Risalah Havy ibn Yaqzan.
Subitamente, 'Ala al-Dawlah atacou Hamadan e Ibn Sina pôde escapar com
Al-Juzjani para Ispahan. Lá desfrutou de quinze anos de estudo pacífico em um
grande centro de cultura e aprendizado. Ele continuou a escrever em árabe, mas
por causa da gratidão pelo generoso patrocínio de seu patrono, compôs também
tratados em persa.
Durante o tempo a serviço de 'Ala al-Dawlah, ele inventou diversos
instrumentos astronômicos que lhe permitiram corrigir efemérides imprecisas, e
terminou o al-Qanun, o cânone de Medicina
que permaneceu como um manual-padrão na Europa até o século XVII. Infelizmente
a dinastia Ghanza, cujas conquistas haviam-no forçado a iniciar suas
perambulações a partir de Bukhara, agora atacava Ispahan. Ele retirou-se para o
sul com 'Ala al-Dawlah e logo caiu doente. Ele insistia em cuidar de si mesmo,
mas teve de ser levado de volta a Ispahan. Já podendo caminhar, voltou à plena
atividade da corte, e quando 'Ala al-Dawlah marchou sobre Hamadan, Ibn Sina o
acompanhou. Na altura em que chegavam à cidade, Ibn Sina reconheceu que sua
saúde falhava. Recusou-se a tratar de si mesmo, dizendo: "O governante que
usava meu corpo agora é incapaz de governar, de modo que o tratamento já não
tem utilidade". Morreu em Hamadan em 1037, tendo vivido por 58 anos lunares,
ou 57 anos no calendário solar.
Enquanto que o esquema geral do universo de Aristóteles era aceitável
para Ibn Sina, Aristóteles começava com a Filosofia Natural (Física) e se movia
para a Metafísica, acreditando que o conhecimento sensível precede o
entendimento intelectual. Ibn Sina reverteu a ordem, partindo da Metafísica
para a Matemática e então para as Ciências
Naturais. O conhecimento do mundo visível depende da arquitetura do
mundo invisível, o qual é conforme com as categorias-raiz da consciência
desenvolvida. As entidades particulares não dão origem à idéia do Ser; antes, o
próprio Ser, anterior ao universo, é a fonte dos particulares. "Se
dissermos que o elemento central da metafísica Platônica é a teoria das idéias,
e que o de Aristóteles é a doutrina da potencialidade e da realidade", escreveu S.M.Afnan, "o da metafísica de Avicena é o estudo do
ser como ser". A Europa Cristã passou a ver nesta abordagem uma lógica
dedutiva que satisfazia as mais altas aspirações da razão. Ibn Sina, contudo,
acreditava que tal abordagem da Philosophia Perennis fornecia um mapa
conceitual para uma jornada que iniciava na lógica Aristotélica e terminava na
percepção mística da tawhid, a
unidade do Ser. O Ser está além de todas as distinções, embora seja a causa
delas, naquilo que as naturezas essenciais das coisas são apenas limitações do
ser. Propriedades acidentais são dependentes de seres contingentes, que por sua
vez dependem dos seres necessários, e estes são dependentes do Ser além das
distinções. Assim, o Ser é necessário em essência e em existência, que são uma
só coisa nele. Para Ibn Sina este arrazoado chega o mais perto possível de
provar a existência da Deidade (o Ser sem qualidades) a partir do fato (da
existência) do universo.
Como Al-Farabi, Ibn Sina ensinava que a Deidade, contemplando a Si mesma,
deu origem à primeira inteligência, e que quando a primeira inteligência
contemplou a Deidade, surgiu a segunda inteligência. Quando a primeira
inteligência viu-se como necessária em virtude de sua origem, produziu com isso
a alma de sua esfera, e quando pensou de si mesma como possível, gerou o corpo
de sua esfera. Este processo de emanação continuou até que surgissem dez
inteligências, a última associada com a lua e funcionando como o Intelecto
Agente, cuja ideação provê o mundo sublunar e a mente humana com conhecimento.
Porque cada esfera celeste é também uma inteligência angélica, a estrutura do
empíreo não é apenas arquitetura celestial, mas uma escada de Jacó para a
ascensão da alma.
A mente humana que realiza seu potencial para o entendimento do Ser se
torna imortal. Assim, a imortalidade é a um tempo individual e enraizada na
Unidade suprema, o mistério da consciência que é resolvido apenas pela
realização. Deste ponto de vista o universo se constitui numa simbologia
dialética pela qual a consciência humana eleva-se à participação na
auto-reflexão primordial e atemporal. A filosofia de Ibn Sina é baseada na
unidade derradeira entre o Ser e a consciência, e ele tenta demonstrar esta
unidade com a analogia do homem voador. Imagine um ser humano suspenso no
espaço de modo que ele não possa tocar nada, nem mesmo a si mesmo, e imagine
que seus olhos estejam cobertos. Mesmo privado de toda experiência sensorial,
não obstante ele saberia que existe. Assim, o conhecimento do ser e a
consciência de si surgem ao mesmo tempo. Alguns filósofos acreditam que esta
idéia acabou encontrando um caminho até Descartes, que a ecoa em seu
"Cogito, ergo sum".
Enquanto que o Ser transcende o universo, o universo é fayd, uma efusão, do Ser. A Ontologia dá
sua estrutura arquitetônica e a Ciência Natural trata de tudo o que se move.
Para Ibn Sina a Filosofia Natural pode ser dividida em sete grandes ramos -
Medicina, Astrologia, Fisiologia, Oniromancia, Magia Natural, Teurgia e
Alquimia. Outras sete ciências, a Geometria, Astronomia, Geografia, Geodésia,
Mecânica, Estática, Óptica e Hidráulica, são, para Ibn Sina, ramos da
Matemática. A Filosofia Natural não pode provar que a Natureza, Tabi'ah, é o poder do movimento, pois
"não se pode provar os princípios de uma ciência por aquela mesma
ciência", mas a Metafísica pode. A Natureza, em seu aspecto mais
universal, é o poder da primeira esfera celeste. Pertence à hierarquia
inteligível representada por uma ideação angélica e é a fonte da ordem material
em evolução.
A Natureza é reguladora, e para ele movimento e repouso são relativos,
uma vez que o poder da Natureza está envolvido em manter um corpo em repouso
assim como em impelir um corpo ao movimento. A matéria, por outro lado, é
passiva, é o meio sobre onde as forças da Natureza e da hierarquia angélica
operam. A forma é a razão de ser da matéria. Sem forma, não se poderia dizer
que a matéria existe. O reino sublunar é distinto das esferas celestes pelo
que, na Terra, a forma deve ser acompanhada pela matéria e a matéria não pode
existir sem uma forma. Esta pressão para a corporificação se manifesta como a
incessante mudança de formas na matéria.
Com base nestes princípios gerais, Ibn Sina examinou todas as ciências. Ele
distinguiu tipos de pedras e concluiu que as camadas sedimentares de terra nos
fundos dos lagos e mares eram o resultado da erosão das montanhas em torno. Os
sedimentos, por sua vez, se tornam rochas de certo tipo. Os fósseis encontrados
nas montanhas são devidos a sucessivas inundações que modelaram a terra. Ele
acreditava que com um instrumental adequado se poderia distinguir uma série de
inundações a partir dos registros nas rochas. Ele entendia a natureza dos
cometas e meteoritos e compreendeu o ciclo respiratório da Terra. Enquanto que
duvidava da possibilidade de transmutação real de chumbo em ouro, e criticava a
Astrologia convencional com base em que ela impunha elementos puramente
terrestres sobre a esfera celeste, sustentava que uma Astrologia puramente
espiritual era a chave para a natureza do universo. Ibn Sina baseava suas
doutrinas médicas na concepção de que, no homem, alma e corpo perfazem uma
unidade, e assim no homem toda a criação volta à Fonte. O cosmo exibe um princípio de vida universal que atinge
sua plena potência na consciência humana. A Medicina erra ao tratar as formas
como fontes da vida; a vida é a fonte das formas. Toda a vida anseia pela
Verdade mais alta, e assim como a Natureza tende ao incremento da bondade e
perfeição, a não ser quando bloqueada, do mesmo modo a vida tende à
regularidade e perfeição exceto quando inibida. A Medicina é a ciência de
remover as inibições. Uma vez que o crescimento e decadência estão enraizados
no temperamento humano, a Medicina inclui a Psicologia.
Para Ibn Sina o processo de cura é análogo à busca da imortalidade. Em
ambos é central a respiração.
"Alá, O Altíssimo, criou o lado esquerdo do coração e o fez oco a
fim de que servisse tanto como armazém do alento como sede da manufatura do alento.
Ele também criou a respiração para capacitar a veiculação das faculdades da
alma aos membros correspondentes. No primeiro lugar, a respiração seria o ponto
focal das faculdades da alma, e no segundo lugar seria uma emanação aos vários
membros e tecidos do corpo... O início da respiração é uma emanação divina da
potencialidade à manifestação, seguindo sem a intromissão ou impedimento até
que a forma seja completada e aperfeiçoada... A respiração, então, é aquilo que
emerge de uma mistura de primeiros princípios e se aproxima da semelhança dos
seres celestes. É uma substância luminosa. É um raio de luz".
A perfeição da respiração é a purificação do ser humano como alma e como
corpo. Isto é completado através da contemplação interior e conduta ética, as manifestações
gêmeas do amor autêntico, que são em essência o amor pela Fonte de toda
existência. Dada esta concepção, na qual o universo manifesto é visto como um
vasto emblema compreendendo em cada ponto símbolos de possibilidades
espirituais, não surpreende que Ibn Sina, incomparável na filosofia racional,
compusesse três visões místicas da jornada da alma para Deus e para a
imortalidade.
Esta jornada através do universo de símbolos é figurada como um movimento
do extremo Ocidente (pura matéria) através do Ocidente (mundo terrestre), até o
Oriente, o pólo de luz pura. A jornada começa quando o viajante, salik, encontra o mestre espiritual, pir, Havy
ibn Yaqzan, o "filho vivo da
consciência", que mostra o caminho a ser trilhado. Assim que o homem se
torna salik, o universo se torna a
cripta cósmica que o aprisiona. Esta jornada é (a saída) do reino da morte, por
mais viva que possa parecer ao que não despertou, até o reino da vida
verdadeira, indistinguível da Deidade. O salik
deve aprender a 'ilm al-khawass, a
ciência da elite, a interpretação correta das coisas. Ele terá de passar pelos
reinos da pura matéria, do corpo material, dos quatro reinos mentais, que
incluem a imaginação, o mundo dos inteligíveis, e finalmente o mundo angélico.
Ele pode ser preso e iludido em qualquer ponto ao longo do caminho. Ele passará
pelos quatro elementos e pelas nove esferas celestes. Ele deve se tornar como
um pássaro, através do desapaixonamento, de modo que possa voar sobre cada
região e vê-las pelo que são. Ele voará além do cosmo somente quando o tiver
integrado em seu próprio ser. Quando o tiver feito, ele se eleva do "teto
do cosmo" para dentro da cripta da Presença Divina.
A jornada do
viajante é a derradeira residência de Todos-os-Homens. A jornada do salik termina em uma morte espiritual
que é a volta da alma para sua Fonte Divina e o recolhimento do cosmo à sua
Origem. O pensamento de Ibn Sina mostrou a majestade e luminosidade desta
peregrinação suprema. No Ocidente ele influenciou uma legião de pensadores, desde
Alberto Magno e Tomás de Aquino até Robert Grosseteste e Roger Bacon, todos
interessados na luz. No Oriente ele inspirou uma escola de filosofia mística, a
tradição Ishraqi ou Iluminacionista.
Ibn Sina exemplificou em algum grau a morada Gnóstica pintada por Seyyed
Hossein Nasr:
"O Gnóstico que viajou para além do cosmo se torna a norma do Universo e o
canal pelo qual toda a Natureza recebe graça Divina. Nesta união com Deus, todo
o Universo se torna mais uma vez integrado em seu Princípio Transcendente, já
que sua vida é a vida do cosmo e suas preces diante do trono Divino são as
preces de toda a Natureza diante do Divino artífice".