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ERASMO DE ROTERDÃ
ERASMO DE ROTERDÃ

O que é incutido na nossa natureza, por assim dizer, durante a nossa infância vem a fazer parte integral de nós. . . . Eventualmente, o barro pode ficar, algumas vezes, excessivamente úmido para reter o molde estampado nele, mas duvido se existe algum período no progresso de uma criança em que ela seja muito jovem para aprender... É minha convicção que nenhuma idade é demasiado cedo, a respeito disto, isto é, acerca do conhecimento que a Natureza tem perfeitamente prescrito para ela... Ensinar usando a coação física, portanto, não é uma educação liberal. Nem o professor deverá perder-se numa excessivamente forte e freqüente linguagem de repreensão. O remédio quando é repetido constantemente perde a sua eficácia... Mostremos-lhe que o castigo que devemos empregar é a palavra de orientação ou de repreensão, à qual um homem livremente obedece...

Vergonha é a ansiedade que se tem da repreensão justa; através de elogio um aluno é estimulado para superar em tudo o que ele faz. Serão estas, pois, as armas do professor hoje em dia. E eu posso acrescentar outra: ‘Esforços infatigáveis conquistam todas as coisas’, disse o poeta. Prestemos atenção, demos coragem, estimulemos e insistamos ainda outra vez, que aprendendo, repetindo, escutando com diligencia, o aluno se sentirá conduzido para a sua meta.

De Pueris Instituendis[*]
ERASMUS

    O Renascimento acendeu um archote de verdade, cujo suporte era a visão do mundo medieval, o combustível pelo qual foi provido pelas formas e valores do mundo clássico. A sua luz despertou a consciência humana para novos modos de criatividade e energia expansiva, mas as sombras que projetou foram ambíguas. O espírito de exploração não pode ser divorciado da destruição cruel de povos e civilizações. O interesse por coisas novas e desconhecidas anteriormente desviou a riqueza da terra para portos comerciais, além disso, também  alimentou o secularismo comercial crescente que apoiou os nacionalismos emergentes e as classes burguesas. Um desejo rejuvenescido para obter erudição pelo estudo e ciência, apenas favoreceu um renascido sofisma, cujo estilo subjugou o pensamento e, eventualmente, a própria verdade.

    Se o Renascimento foi uma benção mista, a Reforma foi uma espada de dois gumes. Fragmentando o poder da igreja na Europa central e do norte, forçou confrontações nas ordens, com os piores abusos entre o clero e, até mesmo, na corte do papa. Quer o desejo para com a pureza Protestante, quer para a renovação Católica, tornaram-se inextricavelmente ligados com as políticas das nações, da Escandinávia à Espanha. Embora advogando sinceramente um regresso aos princípios seminais de Jesus e às práticas primitivas da cristandade, o farisaísmo sectário arrastou-se para o dogma, e até mesmo os métodos odiados da Inquisição encontraram moradas novas em alguns movimentos. O Protestantismo intensificou os valores seculares e abriu caminho para o Iluminismo, cujos valores racionalistas enfraqueceram as superstições nutridas por muitos clérigos, mas também abriu, inadvertidamente, a porta para as filosofias materialistas. Reis e bispos, pensadores e escritores, reconheceram, de igual modo, que, dentro da confusão e tumulto, estavam acontecendo mudanças fundamentais e irrevogáveis. Se uma época pode ser catalogada ‘disponível para qualquer um pegar’, este período se qualificaria assim, e muitos lutaram para afetar o resultado, cada qual de acordo com a percepção individual e compromissos. Neste estado de violenta confusão mental e moral surgiu um individuo, cujo amor inato de harmonia e senso de beleza permaneceu intacto pelas intensas forças que modelam a vida e o pensamento europeus.

    Desiderius Erasmus, ou Erasmo de Roterdã, nasceu, provavelmente, em 28 de outubro de 1469, embora Erasmo tenha dado diferentes datas em diferentes épocas de sua vida, e a celebração do dia de festa de S. Simão e S. Judas pode ter sido simbólico.  O seu pai, Gerard, o mais jovem e mais talentoso de dez filhos, foi empurrado para o sacerdócio contra a sua vontade e inclinações. Antes de ser ordenado, cultivou uma relação com Margaret, uma viúva jovem de uma aldeia vizinha, e ela deu-lhe duas crianças, Peter e, três anos mais tarde, Erasmo. Rotterdam é tradicionalmente considerada o local do nascimento de Erasmo, visto que sua mãe viveu numa modesta casa na Rua Nieuw-Kerk, onde ainda pode ser vista. Embora Erasmo tenha passado ali os seus primeiros anos, freqüentemente dizia que nasceu em Gouda, a aldeia do pai dele. Depois de passar vários anos em Roma desfrutando um desregramento elegante, Gerard voltou a Gouda, tomou providencias para as crianças, mas não viveu com elas.

    Depois de alguma instrução escolar em Gouda, Erasmo foi enviado a Deventer, uma escola para rapazes que formou Nicolau de Cusa e Thomas Kempis, fundada pelos Irmãos da Vida Comum. A vida escolar era dura no décimo quinto século, quando os açoites se seguiam à infração mais ligeira das regras ou tradições, e os alunos pobres eram vitimas, igualmente, de outros estudantes e professores. Erasmo agüentou repreensões e surras, quase chegando à inanição, e sofreu abusos brutais, e o seu registro escolar não causava uma boa impressão. Quando um professor acusou Erasmo de um falso crime com vista a castigá-lo, o seu coração e a sua saúde quase findaram. Talvez tenha sido por esta altura que foi mandado para a escola catedral em Utrecht como menino de coro. Mais tarde ele voltou, e provavelmente passou oito anos em Deventer, o último dos quais sob a orientação do humanista John Sintheim, que profetizou grandeza para o seu, aparentemente obtuso, aluno. Depois que seus pais morreram da epidemia em 1483/4, Peter e Erasmo quiseram freqüentar uma universidade, mas os seus tutores, que dissiparam o dote em três anos, persuadiram a irem para a vida monástica. A recusa trouxe um compromisso temporário, uma segunda escola dos Irmãos em Hertogenbosch, onde Erasmo foi encorajado a ler autores antigos, incluindo Cícero e Sêneca.  Aqui Erasmo reviveu.

    Em 1486, Peter e Erasmo foram novamente metidos no mosteiro e, depois de cenas violentas, Peter foi mandado para o mosteiro de Sion em Delft, enquanto Erasmo escolheu Emmaus em Steyn, perto de Gouda, ambos sob a ordem dos cânones Agostinianos[†]. Os irmãos, muito provavelmente, não voltaram a ver-se de novo e embora Erasmo escrevesse ternamente ao irmão durante uma década, ele ficou amargurado por suas últimas indulgências. Não obstante, até mesmo quando escreveu De contemptu mundi (Em Desprezo do Mundo), argüindo que a vida monástica era a melhor para aquele tempo, não tinha muita simpatia por ela. Em lugar dos rituais e rotinas do claustro, centros de toda a variedade de hipocrisia e corrupção naqueles dias, ele procurava um principio mais profundo de paz e harmonia, que subscrevesse todas as formas que pudessem tomar. Ele amou Ovídio, porque “a sua pena nunca foi tingida, em parte alguma, por sangue” e foi atraído para as cartas cosmopolitas de Jerônimo, mas foi tocado profundamente por Lorenzo Valla, cujo tratado em estilo latino se tornou uma bíblia para os humanistas. Anti clerical e não dogmático, o Cristianismo de Valla era moral e humanitário, e embora um mestre de teologia, era indiferente a credo e ritual e rejeitou a teologia escolástica a favor dos Evangelhos e dos primitivos padres da igreja. Ele teve sérias dúvidas sobre o valor do monasticismo como pratica de clausura em lugar de um ideal espiritual. Do mesmo modo que Nicolau de Cusa ousou mostrar que os Decretals[‡] de Isidoro eram fabricações, também Valla demonstrou em 1440 que a Doação de Constantino, dando ao Bispo de Roma precedência sobre todos os outros, era uma mistificação. Ele assegurou que os primeiros doutores da igreja eram abelhas fazendo mel enquanto que os do seu tempo eram vespas que roubam o grão. Erasmo descobriu em Valla a arte sutil por meio da qual a delicadeza e precisão de expressão sustentam uma consciência mais ampla e mais tolerante, tendo absorvido as idéias de Valla e assumindo-as como dele próprio.

Erasmo teve experiência com a música em Deventer e experimentou a pintura em Steyn, e se o tríptico[§] que lhe é atribuído é autêntico, ele demonstrou ser uma grande promessa naquela direção. O uso criativo de palavras, contudo, trouxe Erasmo para a vida. Desiludido por uma existência monástica, que nunca quis, Erasmo pegou uma oportunidade para se tornar o secretário de Henry de Bergen, bispo de Cambrai, e viver a vida da corte em Groenendael e Borgonha. Em 1492, logo após se ter ligado ao bispo, foi ordenado padre. Entretanto, teve imenso tempo para ler, achou que a vida da corte não era mais interessante que a do mosteiro e solicitou a Henry que lhe permitisse estudar na Universidade de Paris. O Bispo deu o seu consentimento, tendo-o provido com uma pequena pensão, e Erasmo embrenhou-se na Universidade em extenso debate acerca do tema da concepção imaculada da Virgem Maria. Embora ele obtivesse um bacharelato em Bíblia, achou tais discussões tediosas, chamando aos teólogos que as continuavam “Theologasters”, que se julgavam “inultrapassáveis por ninguém na escuridão dos seus cérebros, na barbaridade dos seus discursos, na estupidez dos seus modos, na hipocrisia das suas vidas, na violência da sua linguagem e na negritude dos seus corações”.

Para Erasmo, a teologia escolástica representava uma corrupção intolerável da consciência: separando o pensamento da vida, a mente é encorajada a sofisticar e a vida torna-se hipócrita. Nem a profundidade espiritual dos ensinamentos de Jesus nem as potencialidades dos seres humanos são realizadas em tais atividades. Em lugar de procurar ensinar publicamente numa universidade que acabava de abandonar, pois, no ponto de vista de Erasmo, Aquino[**] era de difícil leitura e Duns Scotus[††] fazia distinções desnecessárias nos seus argumentos, ele optou por ser professor particular. A sua agradável urbanidade e brilhante sagacidade atraíram estudantes de semelhantes características, incluindo um filho de James III da Escócia, que veio a ser Arcebispo de St. Andrews, e William Bount, quarto Barão Montjoy, mais tarde professor de Henry VIII. Lorde Mountjoy convidou Erasmo para ir para a Inglaterra em 1499 e ele foi, em parte, por um desejo de encontrar um modo de vida estável. Este relacionamento aumentou no decorrer dos anos, e o barão concedeu a Erasmo uma pensão vitalícia de 20 libras anualmente. Durante o tempo que esteve na Inglaterra, Erasmo passou vários meses em Oxford, onde fez amizade com John Colet, que apreciava a sua interpretação da Bíblia e lhe ofereceu um cargo de professor na universidade. Erasmo, porém, quis aprender a ler a Bíblia em Grego, um idioma que, na época, não era lecionado em Oxford, e voltou a Paris em 1500. Ali, ele familiarizou-se crescentemente com aquela língua, ao mesmo tempo que ensinava os estudantes e escrevia ensaios e panegíricos de santos protetores. Ele fez amizade com o futuro Papa Adriano VI e recebeu dádivas monetárias de Filipe da Borgonha. Em 1505, Lorde Mountjoy convidou novamente Erasmo para a Inglaterra, e em Londres ele constituiu um circulo de amigos que incluía o arcebispo de Canterbury. John Fisher, bispo de Rochester, que supervisionava a construção do Colégio de Cristo para Lady Margaret, levou-o a Cambridge para uma visita ao rei. Ali, o médico do rei incumbiu Erasmo para vigiar a educação de seus filhos na Itália.

    Chegando a Itália em 1506, Erasmo orientou-se de modo a visitar, em dois anos, as universidades principais, verificar o estudo de seus estudantes na Bolonha, fazer um doutorado em divindade em Turim, e preparar a publicação do seu Adagiorum (provérbios) pelo grande editor veneziano Aldus Manutius. Consistindo em três mil, duzentos e sessenta adágios, com ricos comentários que citam autores clássicos e contemporâneos, o livro lançou Erasmo para a vanguarda do conhecimento do Renascimento e do pensamento humanista. Alterado e aumentado cada ano que passava, os Adágios tiveram sessenta e cinco edições durante a vida do autor, e pelo menos 75 edições mais, naquele século, depois da sua morte, tendo alcançado a forma final que englobava 4.151 provérbios, incluindo os seus famosos ensaios literários sobre os males da guerra e das aparências  enganadoras. Ridicularizando tradições sem sentido, escarnecendo de pompas de todo o tipo, o livro tanto ridiculariza como eleva, tanto usa racionalismos como risos. Utilizando uma teia de humor, ironia e sátira, Erasmo fez a obra servir propósitos sérios. Num comentário sobre o provérbio “Conversas maldosas corrompem um comportamento social cortês”, Erasmo escreveu:

    Enquanto toda a forma de contato e de relações tem um grande efeito na melhoria ou na depravação da disposição dos mortais, a fala é a mais influenciável de todas, pois ela vem dos mais secretos recessos da alma e traz com ela uma força dupla e misteriosa. . . que derrama na mente do ouvinte em que penetra, um veneno instantâneo se é perniciosa ou um remédio eficaz se é saudável.

    Ele acrescentou o ditado favorito de John Colet ao comentário: “Nosso caráter é influenciado pela nossa conversação diária; nós crescemos de conformidade com o que estamos acostumados a ouvir”. Embora prelados e príncipes, estudiosos e sectários fossem envergonhados e ultrajados por numerosas farpas satíricas e observações agudas abrigadas entre os Adágios, cada  qual achou o que foi dito sobre o outro suficientemente divertido para impedir a formação de uma aliança para suprimir o amaldiçoado documento. Um estado reformista condenou os Adágios, mas foram divulgadas ilegalmente tantas cópias na área, que foi compelido a publicar uma versão expurgada numa tentativa de diluir os efeitos.

    Erasmo fez amigos íntimos no circulo de Aldus Manutius e foi especialmente bem recebido entre os cardeais de Roma. Mas ele sentia que para permanecer ali deveria esquecer os seus princípios básicos. Já em 1503 ele tinha publicado o seu Enchiridion militis Christiani, Manual do Cavaleiro Cristão, (brincando com a palavra enchiridion, que significa quer ‘manual’, quer ‘punhal’, e tomando o termo de Epictectus, o filósofo Estóico). Neste, ele argüia que a vida humana é análoga à vida militar, na qual se deve ser armado na maneira originalmente esboçada por São Paulo. Deve-se procurar saber a diferença entre a verdade e a falsa sabedoria e compreender o contraste entre o homem interno e o exterior. As aparências não são a realidade; jejuar, por exemplo, quando empreendido para fins de busca egoísta, pode ser mais carnal do que comer. O culto dos santos servem freqüentemente ao egoísmo.

    Alguém adora São Roque – mas porquê? Porque ele pensa afugentar a peste. Outro murmura orações a Santa Bárbara ou São Jorge, a fim de que não caia nas mãos de um inimigo. Certo homem faz votos de jejum a Santa Apolônia para escapar de dor de dentes; aquele outro contempla a imagem de São Job para o livrar da coceira. . . . O verdadeiro caminho para adorar os santos é imitar as suas virtudes, e eles gostam mais disto do que de centenas de velas. . . . Veneram-se as relíquias de São Paulo jazendo num santuário, mas não a sua mente imortalizada nos seus escritos.

    Martinho Lutero estudou o Enchiridion profundamente e adotou muitas das idéias ali expressas. Permanecer no meio de muitas praticas ele detestava, apesar da lisonjeira apropriada, era mais do que Erasmo poderia tolerar, e assim ele aceitou um convite de Lorde Mountjoy, que teve um aluno que veio a ser Henry VIII, a regressar à Inglaterra. O arcebispo de Canterbury pagou-lhe as despesas de viagem.

    Durante quase uma década Erasmo floresceu na Inglaterra. Provido com uma renda pelo arcebispo, recebendo o pagamento pelas suas introduções a livros e lições em Cambridge, Erasmo começou a trabalhar intensamente. Nesta altura, ele escreveu um comentário sobre o Novo Testamento que foi considerado a fundação do criticismo bíblico, e editou as cartas de Jerome e Sêneca. Entre os seus alunos de Cambridge contava-se William Tyndale que mais tarde traduziu a Bíblia para o inglês. Enquanto em Londres, Erasmo escreveu o seu trabalho mais famoso, Moriae encomium (Elogio da Loucura), disposto na tradição clássica de adoxografia, o tratamento pseudo sério de um assunto absurdo tal como em O Elogio da Nudez de Synesius. A loucura exibe-se como um deus, descendendo do Inebriante e da Ignorância, cujos companheiros fieis incluem Philautia (amor-próprio), Kolakia (lisonja), Lethe (olvido, esquecimento), Misoponia (Ócio), Hedone (prazer), Anoia (negligência), Tryphe (libertinagem), Komos (intemperança) e Eegretos Hynos (sono de morte). Loucura, num discurso em frente dos deuses, reclama uma mão dominando em todo o tipo de atividade humana, desde o negócio de príncipes e comerciantes até a clérigos e mulheres, professores e sábios. Momus, o deus da sabedoria primordial, foi atirado do céu porque fazia os deuses pouco confortáveis.

 

    Nem desde então qualquer mortal ousou dar-lhe abrigo, embora deva confessar que ali o desejavam pouco, mas foi recebido nas cortes de príncipes, não teve a minha companhia, pois Lisonja reinava ali principalmente.

    A própria Natureza misturou um pouco de Loucura na sua arquitetura.

    Tão providente foi a Natureza, grande mãe da espécie humana, que não deveria haver nada sem a mistura e o tempero da Loucura. . . . Júpiter. . . confinou a razão num canto estreito do cérebro e deixou todo o resto do corpo para as nossas paixões.

Embora ousando zombar de todos os excessos humanos, Erasmo incluiu muita coisa nos seus temas, para fazer o individuo sério pensar acerca do significado e propósito da existência humana.

    No momento em que Erasmo partiu para o continente europeu para ver seus mais sérios trabalhos publicados, ele era já famoso em todo o continente. Os seus Adágios, Loucura e Colóquios – pequenos diálogos sobre vários assuntos – eram quase de leitura obrigatória por quem se considerava educado. A viagem que fez subindo o rio Reno foi semelhante a uma procissão triunfal, cada cidade enviando os mais distintos cidadãos para o receberem. Ele podia agora dar-se ao luxo de viajar livremente, visitar a Inglaterra várias vezes nos próximos anos e perambular entre a Suíça e a Holanda. Contudo, a tensão crescente, polarizada, por um lado no papado e, pelo outro em Lutero, fez a vida suficientemente agourenta para Erasmo ficar dentro dos limites do Império Romano – a Inquisição era bastante forte em qualquer lugar para o intimidar. Como conselheiro do jovem Rei Charles, ele viajou para Bruxelas, onde passou algum tempo em Louvain. Publicou anonimamente o livro Julius exclusus (Julius Excluído do Céu), um dialogo satírico no qual o Papa Julius II discute com São Pedro sobre o direito que tem de entrar no céu. Quando Julius encontra as portas do céu fechadas, ele procura as chaves. O seu acompanhante Genius sugere, “Você não abre esta porta, você sabe, com a mesma chave que abre o seu cofre. . . .  A chave que você tem aí é a chave do poder político, não a do conhecimento”. Julius responde: “Bem, esta é a única que sempre tive; e não vejo porque necessito da outra quando tenho esta”. De imediato ele se volta para Paulo com ar fanfarrão: “Tendo descoberto muitas novas, assim chamadas, bulas, eu alarguei o tesouro papal de modo não muito pequeno”. E quando Pedro comenta as dificuldades da primitiva igreja em face das bulas que enriquecem, Julius acrescentou: “Nenhuma admiração; por que naqueles dias o lote e a recompensa dos bispos não era nada, apenas sofrimento, vigílias, jejuns, estudos e, muitas vezes, a morte. Agora é um reino e uma tirania. E quem não lutaria por um reino, se tivesse oportunidade?”

    Desde o começo, muitos adivinharam o real autor de Julius. Lutero achou-o “tão divertido, tão instrutivo e tão engenhoso, isto é, tão inteiramente Erasmiano, que faz o leitor rir às custas dos vícios da igreja, sobre a qual todo o cristão verdadeiro deveria queixar-se”. Em Basiléia, Johann Froben levou a efeito a publicação de suas obras, e Erasmo estabeleceu-se lá, embora continuasse viajando freqüentemente. Recebia presentes todos os trimestres – do Papa Clemente VII, de Thomas Cromwell, do Arcebispo Cranmer. O Duque da Bavária ofereceu-lhe um lugar de Professor catedrático na Universidade de Ingolstadt, onde deveria ir freqüentemente, ficando livre dos deveres próprios do titulo acadêmico. O Arquiduque Ferdinand ofereceu uma abastada pensão se fosse residir para Viena, e promessas generosas vieram do Rei Francis I e do Papa Adriano VI. Declinando todas as honras gratuitas, Erasmo  veio a ser editor geral de Froben. Além das suas próprias obras, ele superintendia as edições que eram impressas dos primeiros escritores da igreja, incluindo obras de Jerônimo, Irenaeus, Ambrósio, Agostinho, Chrisóstomo e Orígenes. Adicionalmente, ele escrevia, tanto quanto, 40 cartas por dia, das quais mais de três mil sobreviveram, e teve tempo para ser pintado e desenhado por artistas, incluindo Albrecht Durer, cujos esboços e xilogravuras ainda persistem.

    Quando Froben morreu em 1527, a Basiléia separou-se do Império e religiosos fanáticos tomaram a cidade. Erasmo retirou-se para Freiburg em Breisgau[‡‡], onde foi bem recebido e lhe foi emprestada uma residência do anterior Imperador Maximiliano. Erasmo louvou Lutero pela sua defesa de um Cristianismo ‘primitivo’ e a ênfase que deu aos princípios morais nos assuntos religiosos, mas o fanatismo dogmático dos movimentos que cresciam ao redor da Reforma, repeliram-no. Também não desejou defender as praticas corruptas da igreja,  igualmente dogmáticas e deprimentes, em menor grau nos mosteiros, que acreditava deveriam ser suprimidas. Lutero admirava Erasmo e procurou conseguir o seu apoio para a causa Protestante. Ao mesmo tempo, o papado queria ter a sua voz a seu lado. O Papa Paulo III nomeou-o decano de Deventer e ofereceu-lhe a mitra de cardeal. Erasmo declinou ambos, recusando ser cardeal, numa virada irônica da história, por justamente as mesmas razões que conduziram Nicolau de Cusa a aceitar. Ele manteve-se afastado da identificação com Lutero porque não via magnanimidade, tolerância ou civilidade emergindo da Reforma. Quando Lutero escreveu, “Por que não devemos atacar com todas as armas estes mestres da perdição, estes cardeais, estes papas... e por que não devemos lavar nossas mãos nos seus sangues?” Erasmo recuou com horror das implicações desta atitude. “É para isto”, ele escreveu para Melanchthon, que nós derrubamos bispos e papas, para ficarmos debaixo do jugo de loucos?”

    Erasmo foi apanhado entre duas forças em briga, nenhuma das quais compartilhava o seu sentimento pela palavra, Verbo, o seu respeito pela liberdade humana e a profundidade do ensino que leva à integração e dignidade do ser humano. A igreja Romana torceu a idéia de liberdade, enquanto Lutero negava-a inteiramente. “Eu detesto os evangélicos”, concluiu Erasmo, porque é através deles que a literatura está por todo o lado em declínio, e a ponto de perecer”. Porque ele manteve a distância, ambos os lados o atacaram para dar a parte oposta. Ele permaneceu só, representando aquela racionalidade fria, calma e espiritual que busca entender sem preconceito e viver sem ser dirigido por emoções efêmeras. Com a passagem dos anos ele retirou-se crescentemente para um pequeno circulo de amigos íntimos, ligado com a relativa segurança da proteção do império, preocupado com a degradação da situação e com a sua saúde. No final de 1535 foi compelido a ficar retido na cama, embora continuasse a escrever e a editar. Talvez a execução de Thomas More em julho anterior, finalmente tenha abalado a constituição delicada de Erasmo. “Com More, pareço ter morrido”, escreveu Erasmo a um amigo, “Tanto faz, nós temos uma alma”.

    No principio do verão de 1536, Erasmo soube que estava morrendo. Ele escreveu algumas ultimas cartas e preparou-se para a morte que não receava. Na noite do dia 11 de julho, ele começou a repetir “Eu cantarei a clemência e o julgamento do Senhor!” e recusou chamar um padre para se confessar e administrar a extrema unção. Com o último alento articulou no idioma da sua infância, “Líber Gott” (Adorado Deus). Ele morreu nem ao modo Católico nem ao modo Protestante, como para assinalar, mesmo no fim, que existe um terceiro caminho entre aquelas duas oposições, um caminho cujos blocos são a tolerância, cimentada pela caridade e assentada em linhas de sabedoria. Ele ignorou as expectativas da herança e confiou os seus bens para beneficio dos fracos, para jovens meninas que necessitavam de dotes e para a educação de meninos. Embora, simultaneamente, procurado depois e posto em dúvida pelos lideres em luta da época, ele elevou-se acima da divisão e do conflito, sustentando o poder da harmonia, enraizado na verdade e na honestidade, que foram a luz que o guiaram desde a infância. Os magistrados de Basiléia deram-lhe um funeral magnificente, colocando o seu corpo na cripta da catedral e erguendo uma estátua em sua honra numa praça pública. Os seus ideais sobreviveram ao caos da época e nutriram o Iluminismo, que acarinhou os mais profundos ideais da Renascença.                   

NOTAS:

* De Pueris Satim ac Liberaliter Instituendis(O Ensino de Crianças Firmemente, mas Amavelmente, 1529).

[1]AGOSTINIANO  adj. e s.m. Relativo a Santo Agostinho. / Que adota a teoria de Santo Agostinho sobre a graça: diziam-se agostinianos os jansenistas.

AGOSTINHO (Santo), bispo de Hipona, filho de Santa Mônica (Tagaste [hoje SouqAras], Argélia, 354 - Hipona, Numídia, 430). Foi um dos principais líderes da antiga igreja cristã.

Suas obras escritas tiveram grande influência sobre o pensamento religioso medieval. Suas idéias também estavam presentes nos ensinamentos de Calvino, Lutero e outros reformadores protestantes. Ele influenciou filósofos como Kant e Pascal.

Sua Vida. Agostinho nasceu em Tagaste, uma cidade no norte da África, perto da atual Constantina, Argélia. Seu nome em latim era Aurelius Augustinus. Sua mãe, Santa Mônica, era uma cristã devotada. Seu pai era pagão. Enquanto jovem, Agostinho buscou o sucesso material e foi atraído para vários movimentos não cristãos. Ele descreveu sua juventude e seus conflitos espirituais em Confissões, uma das primeiras grandes autobiografias.

No começo da década de 380, Agostinho ensinou retórica em Cartago, em Roma e depois em Milão. Alguns amigos em Milão estimularam-no a ler os trabalhos dos filósofos gregos chamados neoplatônicos. Essas obras e os sermões de Santo Ambrósio, bispo de Milão, convenceram Agostinho a aceitar o cristianismo. Em 386, ele passou a dedicar-se à causa da fé e, no ano seguinte, foi batizado por Ambrósio.

Pouco depois, Agostinho voltou para Tagaste, onde organizou uma comunidade de monges. Em 391, ele viajou para perto de Hipona. Lá, a congregação cristã convenceu-o a ficar. Ele foi ordenado padre em Hipona, em 391. De 396 até sua morte, Agostinho foi bispo de Hipona.

Suas Convicções podem ser divididas em três grupos principais: Deus e a alma, pecado e graça, e a igreja e os sacramentos.

Deus e a Alma. Os estudos de Agostinho sobre o neoplatonismo convenceram-no de que Deus existia na alma de todos os seres humanos. Ele acreditava que as pessoas deviam dirigir sua atenção para Deus, em vez de serem absorvidas pelas preocupações e prazeres do mundo.

Pecado e Graça.Agostinho dizia que as pessoas não poderiam mudar seu comportamento pecaminoso a menos que ajudadas pela graça de Deus. Ele acreditava que Deus escolhia apenas alguns indivíduos para receber Sua graça. Essa convicção faz parte de uma doutrina chamada de predestinação.

A Igreja e os Sacramentos.Agostinho acreditava que as pessoas não poderiam receber a graça de Deus a menos que pertencessem à igreja e recebessem os sacramentos. Um grupo de clérigos no norte da África dizia que a graça somente poderia ser dada se o clero em si fosse perfeito. Mas Agostinho declarou que Deus poderia contornar as fraquezas humanas através dos sacramentos. O mais extenso livro de Agostinho, Cidade de Deus, conta a história da humanidade como um conflito entre os que dependem de Deus e os que confiam em si mesmos.

[†] DECRETAL - Carta pontifícia em resposta a consulta sobre matéria moral ou jurídica.

[§] TRÍPTICO - Quadro pintado em três panos de modo que os dois exteriores podem dobrar-se sobre o do meio.

[**]TOMÁS DE AQUINO (Santo),teólogo e filósofo da Igreja cristã (castelo de Roccasecca, 1225 - Fossanova, 1274). É chamado Doctor Angelicus (Doutor Angélico) e equipara-se a Santo Agostinho em importância.

Obras. Santo Tomás de Aquino viveu em um século de grande controvérsia intelectual provocada pela recuperação da obra de Aristóteles. Aceitou o que para ele era verdadeiro nos estudos de Aristóteles, mas assinalou erros e construiu seu grande trabalho a partir de uma combinação do pensamento aristotélico e da revelação cristã. Afirmava não haver conflito entre a fé e a razão. Sustentava que a filosofia se baseia na razão e a teologia na revelação da palavra de Deus. Como Deus não pode errar, quaisquer discordância entre as conclusões filosóficas e as verdades da revelação devem originar-se de um erro de raciocínio.

Tomás de Aquino escreveu vários livros. Entre suas obras, encontram-se seus Comentários sobre o livro das sentenças, de Pedro Lombardo, sobre a Bíblia e as obras de Aristóteles. Seus maiores trabalhos são a Suma contra os gentios e a Suma teológica. O primeiro destinava-se a auxiliar os missionários na conversão dos mouros da Espanha. O livro ataca a filosofia naturalista dos muçulmanos cultos. Santo Tomás mostra também que a fé baseia-se em um fundamento racional e que a filosofia não entra em conflito com o cristianismo.

A Suma teológica é uma exposição sistemática do pensamento cristão. A primeira de suas três partes trata de Deus e da criação, da natureza humana e da vida intelectual do homem. A segunda ocupa-se do objetivo final do homem e de virtudes e vícios. A terceira, inacabada, trata de Cristo e dos sacramentos. Tomás de Aquino parou de escrevê-la em 1273, quando passou a acreditar que tudo que escrevera não era nada "comparado com o que vi e o que me foi revelado".

Vida. Tomás de Aquino nasceu perto de Aquino, na província de Nápoles, Itália. Freqüentou a universidade de Nápoles em 1239 e, então, decidiu entrar para a ordem dos dominicanos. Sua família opôs-se tão ferozmente à idéia, que seus irmãos o seqüestraram quando viajava para a França e o mantiveram encarcerado durante um ano. Depois de sua libertação, Tomás de Aquino viajou para Paris em 1245 a fim de estudar com Alberto Magno. Quando Alberto Magno partiu para Colônia, Tomás o acompanhou. Em 1252, voltou para Paris para fazer conferências. Tomás de Aquino organizou a escola de teologia dominicana em Nápoles. Morreu a caminho do Concílio de Lyon. O Papa João XXII canonizou-o em 1323.

[††] DUNS SCOT ou SCOTUS (John), teólogo escocês (Duns, Escócia, c. 1266 - Colônia, 1308). Sacerdote da Igreja Católica e um dos grandes pensadores da Idade Média. Sabe-se que entrou para a ordem franciscana, estudou em Oxford e, em 1301, tornou-se professor de teologia dessa universidade. Ele defendia a doutrina da Imaculada Conceição contra a opinião contrária de Tomás de Aquino, um notável estudioso dominicano. Duns Scotus também é conhecido pelo título de Doctor Subtilis (Doutor Sutil). Suas obras, que somente agora estão sendo editadas com comentários críticos, combinam uma completa ortodoxia com uma surpreendente independência de pensamento. Ele escreveu sobre a Bíblia e sobre Aristóteles.

[‡‡]BREISGAU ou BRISGÓIA, região da Alemanha, entre a Floresta Negra e o Reno. Cid. principal: Friburgo em Breisgau.




Autor: Elton Hall
Tradução: Dr.Jorge M.L.Santos Ferreira
Revisão:
Osmar de Carvalho
Fonte: www.theosophy.org



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