A Europa do século XVIII testemunhou a culminação e a confusão da reforma
e reorganização coletivas. A inspiração e força da miríade de movimentos
impulsionados pelos Rosacruzes e Franco-Maçons energizou as aspirações de
classes inteiras de indivíduos que tratavam de antigas feridas sociais e
acalentavam uma vasta visão do futuro. A corrupção e fraqueza internas do
'ancien régime' revelaram-se em seu rápido e caótico colapso, e a liberação dos
poderes das vontades humanas em conflito obscureceu definitivamente os sinais
do renascimento espiritual e social.
Estacionados como centros de controle dinâmico, quatro
seres heróicos guiaram os homens através dos eventos da época em direção a uma
percepção mais profunda da unidade e uma convicção mais consistente da
fraternidade universal - Franz Anton Mesmer, Louis Claude de Saint-Martin,
Cagliostro e o Conde de Saint-Germain. Cada um desempenhou um papel preciso,
embora largamente oculto, em uma sutil revolução da mente humana. HP.Blavatsky
escreveu sobre Mesmer:
"Foi o Conselho de 'Luxor' que o escolheu - de acordo com as ordens
da 'Grande Fraternidade' - para atuar no século XVIII como seu pioneiro usual,
enviado no último quarto de cada século para iluminar as nações ocidentais com
uma pequena porção de conhecimento oculto".
Franz Anton Mesmer (1734-1815) nasceu na Suábia em 23 de maio. Com nove
anos entrou em uma escola monástica. Recebeu uma graduação com 15 anos e
transferiu-se para a Universidade de Ingolstadt três anos depois. Depois de
cuidadoso estudo de Descartes e Wolff, Mesmer voltou-se para o exame do
pensamento de Paracelso e seu trabalho rendeu-lhe o grau de Doutor em
Filosofia. Embora estudasse Direito durante algum tempo em Viena, seu amor
pelos escritos de Paracelso levaram-no a abraçar a Medicina. Tendo completado
seus exames com trinta e dois anos, escreveu uma tese sobre Paracelso
intitulada 'De Planetarium Influxu', 'Da Influência dos Planetas' sobre o corpo
humano. Ele sugeria que os planetas liberavam emanações que fluíam para dentro
e através de toda vida pela "intensificação e remissão". Embora um
trabalho controverso e visionário, seu entendimento superior da prática médica
deu-lhe a graduação médica em 1766.
Mesmer apresentava uma permanente sensibilidade para com as necessidades
dos pobres, assistindo-os sem cobrar, enquanto que ganhava sua vida tratando
daqueles que poderiam pagar por seus cuidados. Também devotava algum tempo à
música. Leopold Mozart veio a ele para tratar-se e logo Mesmer encontrou o
jovem Wolfgang Amadeus, cujo prodigioso gênio ele reconheceu imediatamente. Em
1768 Mesmer casou-se com uma viúva dez anos mais velha e construiu um palacete
na Landstrasse, um bairro vienense conhecido pelos seus moradores Rosacruzes. A
propriedade incluía charmosos jardins rococó e um pequeno teatro.
Durante este agradável período de sua vida Mesmer freqüentemente
convidava músicos e tocava com Haydn e Mozart. Quando Mozart ofereceu sua
primeira ópera para execução, com a idade de doze anos, o Diretor da Ópera
Imperial recusou-se a executá-la sob alegação de que ninguém daquela idade
poderia tê-la escrito. Mesmer imediatamente arranjou para que a obra fosse
executada em seu próprio teatro. Em gratidão por esta amizade, Mozart prestou
uma permanente homenagem musical a Mesmer em sua ópera 'Così Fan Tutte'.
Em 1773 e 1774 Mesmer acolheu Franziska Osterlin em sua própria casa para
cuidados e tratamento. Ela sofria de freqüentes convulsões, que por sua vez
causavam severas dores em seus ouvidos, delírios, vômitos e desmaios. Um estudo
detalhado de seus sintomas, sugeria que o movimento do fluido universal poderia
ser facilmente observado nos fenômenos exibidos. Mesmer convenceu-se de que
este fluido passava através tanto de corpos animados como inanimados. Na
natureza orgânica ele era mais facilmente observado nas propriedades do
magnetismo, e Mesmer chamou seu correlato no corpo humano de "magnetismo
animal". Convencido de que o alívio temporário que ele havia proporcionado
periodicamente poderia se tornar uma cura permanente se reforçado de modo
apropriado, Mesmer procurou diversos magnetos junto ao Jesuíta Padre Hell,
Professor de Astronomia em Viena, e usou-os para sustar as convulsões. A moça
melhorou e por fim recuperou a saúde perfeita, casou e teve filhos.
Estes experimentos ensinaram a Mesmer que o poder do magneto sozinho não
era a fonte do efeito curativo. Uma vez que o "Agente Geral" ou
magnetismo animal não poderia ser considerada a causa específica da cura,
Mesmer percebeu que o poder de dirigir as correntes, que limpavam e restauravam
os nervos do paciente, estava diretamente ligado à vontade do médico. Mesmer
relatou suas descobertas ao Padre Hell, que imediatamente publicou-as sob seu
próprio nome. Ele alegava que a forma e tamanho dos magnetos efetuava a cura
quando adaptados adequadamente ao caso, e louvava os magnetos como panacéia
para todos os distúrbios. Mesmer sabia que ambas as asserções eram falsas e
publicou um anúncio sobre a natureza do magnetismo animal, mas o renome do
Padre Hell como astrônomo desviou a atenção pública.
Mesmer convidou o Barão von Stoerck, Presidente da Faculdade de Medicina
em Viena e Médico-Chefe da Imperatriz Maria Theresia, para testemunhar suas
operações e curas. O Barão replicou que ele não queria ouvir nada sobre a
teoria e método do magnetismo animal, pois isso poderia comprometer a
Faculdade. Mesmer respondeu a esta recusa publicando uma 'Carta a um Médico
Estrangeiro', em janeiro de 1775. Ele notou que o magnetismo animal apresentava
propriedades análogas à eletricidade e ao magnetismo.
"Todos os corpos, como o magneto, são capazes de transmitir este
princípio magnético; este fluido penetra em tudo e pode ser armazenado e
concentrado, como o fluido elétrico; ele age à distância; corpos animados são
divididos em duas classes, uma sendo suscetível a este magnetismo e a outra a
uma qualidade oposta que suprime sua ação".
A maioria dos membros da comunidade científica continuava a confundir o
magnetismo animal com os poderes dos magnetos e questionava a veracidade das
experiências de Mesmer. Não obstante, quando Mesmer viajou para Berna e
Zurique, os doutores ficaram maravilhados com seu tratamento de casos
desesperados. O Eleitor da Baviera consultou Mesmer em Munique e a Academia
Bávara de Ciências tornou-o membro seu, enquanto que a Academia de Augsburgo o
elogiou.
Em 1776 Mesmer foi visitado pelo Conde de Saint-Germain. O encontro foi
mantido no mais estrito sigilo por ambos os homens, embora pareça que eles
tenham discutido os aspectos mais elevados do magnetismo e a necessidade de
distinguir completamente o magnetismo animal do magneto. Mesmer escreveu mais
tarde:
"No desejo de refutar todos estes erros de uma vez por todas, e
fazer justiça à verdade, determinei-me a não fazer mais uso nenhum da
eletricidade ou do magneto de 1776 em diante".
A casa de Mesmer agora era um hospital. Diversos pacientes eram livres de
desordens nervosas, incluindo cegueira. Herr von Paradis, Secretário do
Imperador e da Imperatriz da Áustria, tinha uma filha, Marie-Therese, que se
tornara inexplicavelmente cega na idade de três anos. Foi-lhe concedida uma
pensão pela Imperatriz e ela era conhecida na corte. Depois de anos de
tentativas infrutíferas de aliviar sua condição, Marie-Therese foi entregue aos
cuidados de Mesmer. O titânico esforço de restaurar sua vista tomou tempo e
sofreu diversos recuos, mas por fim ela teve sua visão completamente de volta.
Herr von Paradis publicou um relato integral da cura nos jornais e expressou
publicamente sua gratidão. Funcionários da Faculdade de Medicina testemunharam
os resultados, e até mesmo o Barão von Stoerck desculpou-se por ter
anteriormente ignorado o trabalho de Mesmer.
Diversos médicos ultrajados declararam que a cura era fraudulenta e uma
impostura porque Marie-Therese não podia reconhecer e nomear objetos que ela
declaradamente via pela primeira vez em sua vida. Rumores e intrigas palacianas
sugeriam que, uma vez que Marie-Therese podia ver, sua pensão devia ser
revogada, e mesmo que o pai seria parte de uma intriga para denegrir a profissão
médica. Por duas vezes Marie-Therese foi tirada dos cuidados de Mesmer, e
depois de violentas cenas nas quais ela protestou contra sua remoção forçada,
sua cegueira e convulsões voltaram. Herr von Paradis declarou então que a cura
era uma fraude e uniu-se a um coro de vozes que clamava pela condenação régia
de Mesmer. Embora um número de altos oficiais, incluindo o Conselheiro Áulico e
o Diretor da Chancelaria de Estado, testemunhassem sob juramento seus métodos e
descobertas, Mesmer sentiu-se esgotado. Ele deixou Viena e viajou para relaxar
e conseguir algum repouso.
Chegando em Paris em fevereiro de 1778, foi tratado com gentileza pela
Faculdade de Paris e obteve o patrocínio de Maria Antonieta. Para provar seu
sistema, ele aceitou os piores casos que a Faculdade e os hospitais podiam
arranjar, e efetuou curas que suscitaram lovour. Visitado agora pela nobreza
francesa e austríaca, e patrocinado pelo Dr. d'Eslon, Médico do Conde d'Artois,
da Princesa de Lamballe, do Príncipe de Condé, do Dique de Boubon e de
Lafayette, Mesmer encontrou a segurança e interesse que Viena lhe recusara. Ele
converteu a Mansão Bouillon em um hospital e tratava os pacientes
gratuitamente.
Mesmer publicou uma 'História da descoberta do Magnetismo Animal' em
1779, na qual ele enumerava seus experimentos, e acrescentava a eles vinte e
sete proposições. Ele declarava que:
"Só a experiência vai dissipar as nuvens e lançar luz sobre esta
importante verdade: que a Natureza oferece meios universais de cura e
preservação do homem".
As seis primeiras proposições estabelecem a existência e atividade
cíclica do magnetismo animal:
"1. Existe uma influência mútua entre os Corpos Celestes, a Terra e
os Corpos Animados.
"2. Um fluido universalmente distribuído e contínuo, que é muito
diferente do vácuo e de natureza incomparavelmente rarefeita, e por cuja
natureza é capaz de receber, propagar e transmitir todas as impressões de
movimento, é o meio desta influência.
"3. Esta ação recíproca é subordinada a leis mecânicas que são até
então desconhecidas.
"4. Esta ação resulta em efeitos alternados que podem ser
considerados como um Fluxo e Refluxo.
"5. Este fluxo e refluxo é mais um menos geral, mais ou menos
particular, mais ou menos compósito, de acordo com a natureza das causas que o
determinam.
"6. É por esta operação (a mais universal daquelas apresentadas pela
Natureza) que as proporções de atividade são estabelecidas entre os corpos
celestes, a terra e suas partes componentes".
As quatro proposições seguintes explicam a relação do magnetismo animal
com a matéria e fazem uma analogia com o magneto:
"7. As propriedades da Matéria e dos Corpos Orgânicos dependem desta
operação.
"O corpo animal suporta o efeito alternado deste agente que,
insinuando-se na substância dos nervos, afeta-os imediatamente.
"9. É particularmente manifesto no corpo humano que o agente tem
propriedades similares às do magneto; pólos diferentes e opostos podem
igualmente ser distinguidos e podem ser mudados, comunicados, anulados e
reforçados; até mesmo o fenômeno de oscilação é observado.
"10. Esta propriedade do corpo animal, que o deixa sob a influência
dos corpos celestes e das ações recíprocas daqueles que o rodeiam, como
demonstrado pela sua analogia com o Magneto, induziu-me a denominá-la
MAGNETISMO ANIMAL".
Depois de três proposições sobre a comunicabilidade do magnetismo animal,
Mesmer compara sua atividade às da luz, som e eletricidade:
"14. Sua ação é exercida à distância, sem auxílio de um corpo
intermediário.
"15. É intensificado e refletido por espelhos, assim como a luz.
"16. É comunicado e intensificado pelo som.
"17. Esta propriedade magnética pode ser armazenada, concentrada e
transportada".
Ele sugere que existe uma força positiva oposta que poucos corpos contêm
e que tem características similares ao magnetismo animal. Então ele explica a
diferença entre magnetismo animal e mineral e mostra a relação entre eles:
"20. O Magneto, tanto o natural como o artificial, junto com outras
substâncias, é suscetível ao Magnetismo Animal, e mesmo à propriedade oposta,
sem que seu efeito sobre o ferro e a agulha sofram qualquer alteração em ambos
os casos; isto prova que o princípio do Magnetismo Animal difere essencialmente
do magnetismo mineral.
"21. Este sistema fornecerá novas explicações sobre a natureza do
Fogo e da Luz, bem como sobre a teoria da atração, do fluxo e do refluxo, do
magneto e da eletricidade.
"22. Fará conhecer que o magneto e a eletricidade artificial só têm,
no que tange às doenças, propriedades que compartilham com diversos outros
agentes providos pela Natureza, e que se efeitos úteis têm derivado do uso da
última, eles são devidos ao Magnetismo Animal".
Mesmer conclui com a observação de que "o magnetismo animal pode
curar desordens nervosas diretamente e outras desordens indiretamente".
Ele pode ser usado junto com remédios, embora pressuponha uma nova teoria sobre
a doença. Quando dominado, contudo, habilita o médico a aperfeiçoar sua arte de
modo que possa tratar sem receio de fazer mal e assim "aliviar os sofrimentos
da humanidade".
A França ofereceu a Mesmer uma pensão em 1780, e ele viveu um período de
relativa paz. Em 1782 ele uniu-se a Saint-Martin, Saint-germain e Cagliostro na
Convenção Maçônica de Wilhelmsbad. Embora raramente aparecessem juntos em
público, eram todos Maçons e membros da Fratres Lucis e mantinham comunicação
privada. Um ano mais tarde, Mesmer fundou a Ordem da Harmonia Universal,
ostensivamente para instrução sobre o magnetismo animal, mas secretamente para
o ensino de antigas práticas de cura dos 'Asclepeia', ou templos de cura.
Dentro de um ano as academias ortodoxas haviam reiterado seus antigos ataques,
e em março de 1784 o Rei Luís ordenou uma investigação das teorias e
tratamentos de Mesmer.
Os acadêmicos indicaram um comitê que incluía entre seus membros Benjamin
Franklin, então Embaixador Americano na França, o astrônomo Baille, o químico
Lavoisier e o botânico Jussieu. A despeito da pressão das academias, seu
compromisso com a observação na ciência impediu que negassem a eficácia das
curas de Mesmer, mas suas concepções cruamente empíricas e Aristotélicas sobre
o homem tornaram-lhes impossível a crença em um princípio - o magnetismo animal
- que não podia ser diretamente percebido fisicamente. Seu relatório, publicado
em 11 de agosto de 1784, afirmava a existência de curas admiráveis, mas
sustentava que uma vez que o magnetismo animal em si não é observável
diretamente, não pode existir, e portanto as curas deviam ser atribuídas á
imaginação dos próprios pacientes. Assim, com base em um princípio que não é
aceitável na ciência, e mesmo que as curas fossem admitidas e o comitê
advertisse contra qualquer ação semelhante, Mesmer foi denunciado como
impostor. Mesmer encontrou-se no meio do levante social e político. Em 1791 a
Revolução forçou-o, ele agora na penúria, a deixar a França. Ele retirou-se
então para a pequena cidade de Frauenfeld perto de Zurique, e discretamente
tratava dos camponeses locais sem revelar sua identidade.
Um pequeno volume, "Memórias de F.A.Mesmer", apareceu em 1799.
Mais uma vez ele explicava os fundamentos de sua teoria, mas agora mergulhava
no verdadeiro coração da operação magnética.
"Nós possuímos um sentido interior que está em conexão com todo o
universo, e que poderia ser considerado como uma extensão da visão. Possuímos a
faculdade de sentir na harmonia universal a conexão dos eventos e seres com a
nossa própria conservação... A comunicação da vontade reside em um tipo de
convenção entre duas vontades, que poderiam ser ditas estar em sintonia".
A chave para o uso curativo do magnetismo animal é a vontade do médico.
Seu estado - a qualidade do desejo e da intenção que o motivam - é crítico para
a cura. Daí que só aqueles que são qualificados em termos de força e pureza de
vontade podem repetir com sucesso as experiências de Mesmer.
Depois da ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, Mesmer recebeu uma
nova pensão. Reconvocado a Paris, Mesmer encontrou uma fresca atmosfera de
aceitação e testemunhou um contínuo aumento de sua fama. Por volta de 1812 o
Rei da Prússia e a Academia Alemã ofereceram-lhe dinheiro e honras, mas ele
recusou, para continuar viajando. Ele desejava, dizia, devotar-se
exclusivamente á prática de seu método, de modo que a humanidade "não
possa mais ser exposta aos incalculáveis riscos do uso das drogas e sua
aplicação". Em 15 de março de 1815 ele discretamente abandonou o mundo
depois de ouvir uma peça de música composta por Mozart e tocado em sua cópia do
conjunto de vidros musicais inventado por Athanasius Kircher. A Real Sociedade
de Paris e o governo alemão ofereceram postumamente prêmios pelos melhores
tratados sobre o Mesmerismo, e um grupo de estudantes continuou suas
experiências.
Honrado no século XIX mas
largamente despercebido, salvo pelos intuitivos, no século XX, Mesmer deixou
uma clara delineação das bases da cura mental e fisiológica. Se houver um
desvio das concepções patológicas da medicina em direção a um entendimento e
prática fundados na vitalidade e harmonia, então uma agradecida humanidade
prontamente apreciará Mesmer. Nora Wydenbruck, revisando suas vastas e
permanentes conquistas - na medicina, obra social e elevação do espírito humano
- conclui:
"Considerado do ponto de vista privilegiado da história, quando os
fios trançados do destino humano aparecem coordenados no desenho de toda a
grande tapeçaria, a vida de Mesmer aparece como um fio de ouro brilhante".