"Tu és o mundo -
mas como Tu podes ser visto?
não és também a alma?
porém como podes Te esconder?
Como podes Te manifestar?
Pois estás sempre oculto.
Mas como podes estar sempre
oculto
se és eternamente visto?
Oculto, manifesto,
ambos a um só tempo...
Não és isto, nem aquilo -
Mas és ambas as coisas.
Se Tu és tudo
então quem são todas estas
pessoas?
E se eu não sou nada
por que tanta agitação?
Lama' at
IRAQI
Plotino declarou que a percepção
interior, a razão e a experiência devem se combinar para quem quer que almeje
conhecer verdadeiramente. No Islã, bem como em todas as religiões formais
baseadas na revelação, a experiência é suplantada pelo afflatus da
revelação - o Corão e os hadith, ou ditos tradicionais atribuídos
a Maomé. Este aspecto do conhecimento espiritual putativo é guardado e
protegido pelos mutakallimum, ou teólogos, e os 'ulama, os
versados na lei Corânica. O movimento Mu'tazalita introduziu a deliberação
racional nos estudos Islâmicos apelando ao poder do intelecto e à experiência
cotidiana. Os Sufis respeitavam ambas as tradições, mas suplementaram os
requisitos para o conhecimento espiritual com a shuhud, contemplação, e
a dhawq, a percepção intuitiva que provém da experiência direta.
Enquanto que os teólogos falavam de Alá (Deus) com reverência, os filósofos
referiam tudo a wajib al-wujud, o ser necessário; e os Sufis,
usando com liberdade uma pletora de termos, eram inclinados para o al-haqq,
o real, e para wahdat al-wujud, a radical unidade do ser. Embora a
liberdade interna dos místicos Sufis deixasse os teólogos e os filósofos
desconfiados, uma religião sem sacerdotes não poderia negar a possibilidade
intrínseca da teofania. Nem impediu os místicos de professarem uma fé e
entendimento filosófico profundos. Assim com os teólogos Muçulmanos aprenderam
a fiar-se na fé, os filósofos deram voz à esperança, e os Sufis se tornaram os
porta-vozes por excelência do amor divino. O florescimento de pensamento
criativo nos séculos XII e XIII produziu uma pequena idade dourada para os
Ensinamentos Sufis, e Fakhruddin 'Iraqi emergiu como uma estrela brilhante
naquela seleta constelação de luminares que iluminou o caminho para outros.
Um mês antes de Fakhruddin
Ibrahim nascesse, seu pai sonhou com 'Ali, o genro de Maomé e patrono dos
Sufis. Uma pessoa colocou uma criança no chão diante de 'Ali, que a apanhou e,
entregando-a ao pai, disse: "Toma nosso 'Iraqi e cria-o com desvelo, pois
ele há de ser um conquistador do mundo". Assim, o nascimento de Fakhruddin
Ibrahim, em 1213, foi recebido com grande alegria. Ele nasceu na vila de
Kamajan perto de Hamadan, na região da Pérsia conhecida como 'Iraq-i 'ajam, e
ele veio a ser conhecido como Fakhruddin 'Iraqi. A criança entrou na escola com
a idade de cinco anos e em nove meses já conhecia o Corão de cor. Com
oito anos ele já era famoso em toda a região por suas recitações melodiosas e
tocantes dos textos sagrados. Ele se voltou com igual habilidade para outros
estudos, e com dezessete anos já havia aprendido tanto as al-'ulum
an-naqliyyah - as ciências transmitidas - como as al-'ulum al-'aqliyyah -
as ciências surgidas pela razão e investigação humanas. Um dia um heterogêneo
grupo de Qalandars chegou à cidade de 'Iraqi, e sua vida mudou para sempre.
Os Qalandars eram místicos que
perambulavam como devotos do Divino sem residência fixa. Renunciando à riqueza,
posição e estima pessoais, eles viam as convenções sociais como armadilhas e
máscaras da hipocrisia, e fugiam da aprovação dos leigos. Uma vez que os
bandidos e párias achavam conveniente imitar as maneiras Qalandar, os
verdadeiros andarilhos sem casa eram ainda mais denegridos e desprezados - uma
ironia com que não se importavam. Como os outros davam sua hospitalidade com
má-vontade a este pequeno bando perambulante, 'Iraqi sentiu surgir em seu
coração uma grande efusão do amor, e quando os Qalandars partiram ele ficou
desolado. Jamais hesitante, 'Iraqi abandonou seus livros e o manto que o
distinguia como um estudante de teologia. Não levando nada consigo, apressou-se
para juntar-se ao grupo, e quando o encontrou, improvisou os seguintes versos:
"Estive em Meca, no círculo
da Kaaba
mas eles impediram minha entrada,
dizendo: 'Fora daqui! Que mérito
ganhaste aí fora para te admitíssemos aqui dentro?
Então, na noite passada, eu bati
na porta da taverna.
De dentro chamou uma voz: '
'Iraqui! Entra!
Pois tu és um dos escolhidos!'
"
Os Qalandars entenderam
imediatamente que esta referência à porta da taverna significava o umbral da
câmara do coração onde se pode encontrar o vinho da sabedoria, e então eles o
acolheram em seu meio.
Juntos eles perambularam pela
Pérsia Oriental até a Índia, chegando por fim a Multan (agora o Paquistão). Lá
eles encontraram o shaykh Baha'uddin Zakariyya' Multani, o terceiro
grande mestre da tradição Suhrawardi, e que ainda em vida foi conhecido como quth,
kabir e munir, ou seja, o Paradigma da Época, o Grande, e o
Iluminador. Enquanto dava refrescos aos Qalandars, os olhos de Baha'uddin
caíram sobre 'Iraqi. Ele disse a um discípulo: "Este jovem está
completamente preparado, deve ficar conosco". De sua parte, 'Iraqi sentiu
uma tal atração para o shaykh que ele chegou a temer por seu estado
mental e insistiu que ele e seus companheiros partissem imediatamente. Com seu
apelo, os amigos partiram para Delhi, onde permaneceram por algum tempo. Quando
partiram para Somnath uma tempestade os separou, e 'Iraqi foi forçado a voltar
para Delhi. Considerando este revés como um sinal, 'Iraqi voltou sozinho para
Multan e colocou-se aos pés de Baha'uddin.
O shaykh aceitou-o e
instruiu-o a entrar em um retiro completamente isolado. Dentro de poucos dias,
contudo, 'Iraqi irrompeu em versos extáticos. Discípulos chocados relataram sua
cantoria impetuosa ao shaykh, que veio ouvir. "Teu trabalho
terminou", disse o shaykh, e, chamando 'Iraqi para fora de sua
cela, vestiu-o pessoalmente com o manto do discípulo maduro e casou-o com sua
própria filha. Uma vez que a tradição Suhrawardi era conservadora em sua
conduta exterior, muitos dos discípulos do shaykh se ressentiram das
liberdades permitidas a este místico espontâneo. Não obstante, 'Iraqi
permaneceu com Baha'uddin, teve um filho e serviu fielmente seu mestre durante
vinte e cinco anos. Quando o shaykh sentiu a morte se aproximar, indicou
'Iraqui como seu sucessor. Depois de providenciar que Baha'uddin tivesse um
sepulcro digno - que existe até hoje em Multan - 'Iraqi, sabendo que muitos dos
discípulos antigos estavam planejando sabotar sua liderança, renunciou ao cargo
e partiu para Meca com alguns poucos amigos.
'Iraqi embarcou para Omã, onde já
havia obtido uma reputação como poeta inspirado. O sultão deu-lhe boas-vindas,
alojou o grupo em seu próprio palácio e tornou 'Iraqi o shaykh principal
da região. Quando 'Iraqi havia já descansado, pediu permissão para viajar a
Meca, mas o sultão demonstrou tal relutância em deixá-lo ir que 'Iraqi sentiu
que seria obrigado a partir em segredo. Ele viu-se honrado em toda parte a que
chegasse, e sua estada em Meca e Medina foi de fervorosa alegria e profunda
meditação. Por fim ele decidiu ir a Damasco, e dois de seus amigos de Multan
viajaram com ele. De lá eles viajaram para Rum (a moderna Turquia) e se
encaminharam para Konya. Lá eles encontraram dois notáveis Sufis, Jalaluddin
Rumi e Sadruddin Qunawi, o sucessor de Ibn al-'Arabi e principal shaykh
de Konya. A amizade de 'Iraqi com Qunawi, que recebeu iniciação na ordem
Suhrawardi, haveria de perdurar até sua morte. O intelecto de 'Iraqi foi
refinado com este relacionamento, assim como seu espírito havia sido revigorado
por sua amizade com Baha'uddin. Quando 'Iraqui chegou a Konya, juntou-se aos
estudantes que estavam ouvindo as palestras de Qunawi sobre o Fusus al-hikam
(Os Selos da Sabedoria) de Ibn al-'Arabi. Depois de ouvir a cada
prédica, 'Iraqui compunha uma meditação sobre o que havia ouvido, e assim
nasceu sua grande obra, o Lama' at (Lampejos) (de luz). Quando
apresentou o Lama' at para Qunawi, ele o leu, beijou-o como um Muçulmano
beija um escrito sagrado, e disse: "'Iraqui, tu divulgaste o segredo das
palavras dos homens".
'Iraqui permaneceu íntimo de
Qunawi. Mesmo quando ele viajou para Medina e Damasco seguindo um sonho em que
o falecido Ibn al-'Arabi ordenou que ele visitasse sua tumba, 'Iraqui escreveu
longas e amorosas cartas para Qunawi, implorando ao seu "segundo
mestre" para aparecer-lhe em sonho e ordenar-lhe que voltasse. 'Iraqui
reunia discípulos em seu redor com facilidade, incluindo o administrador de
Rum, Amir Mu'inuddin Parwanah. A despeito da completa falta de cuidado para consigo
mesmo de 'Iraqui, Parwanah insistiu em construir um abrigo para ele em Tokat e
o visitava diariamente. Nesta época o imperador mongol Abaka governava Rum, e o
imperador mameluco Baybars o atacou a partir do Cairo. Em 1277 Baybars venceu
as forças de Abaka e foi coroado imperador de Rum. Parwanah, que havia servido
Abaka, fugiu, mas seu filho foi capturado e levado para o Cairo. Quando os
mamelucos se retiraram do Egito, Abaka acusou Parwanah de traição. Sabendo que
seria executado, Parwanah visitou 'Iraqui e deu-lhe uma bolsa cheia de pedras
preciosas. Ele pediu a 'Iraqui que as usasse para resgatar seu filho e tornar o
menino um Sufi indiferente ao poder político.
Rum e a Anatólia caíram na
rebelião e na desordem devido às guerras, e Abaka enviou seu irmão, Kangirty,
para restabelecer o governo mongol. Suspeitando que 'Iraqui estivesse de posse
da riqueza do infeliz Parwanah, Kangirtay enviou seu vizir erudito para
espionar 'Iraqui. O vizir ficou tão encantado e inspirado pelas atitudes e
discursos de 'Iraqui que esqueceu completamente sua missão secreta. Quando ele
voltou para Kangirtay, contudo, ele descobriu que haviam sido enviadas tropas
para prender 'Iraqui. Ele rápido avisou 'Iraqui e incitou-o a fugir, mandando
uma bolsa com mil dinares para ajudar na fuga. 'Iraqui deixou a atribulada
Tokat e viajou primeiro para Sínope, governada pelo filho de Parwanah, e depois
para o Cairo. Lá ele solicitou e obteve uma audiência com o sultão e ofereceu,
ainda fechada, a sacola de jóias. Quando o sultão soube que este ato havia sido
uma promessa a Parwanah e que 'Iraqui não havia ficado com nada para si mesmo,
libertou o filho de Parwanah e concedeu-lhe os privilégios de príncipe, e
sentou-se aos pés de 'Iraqui para ser instruído. Maravilhado com as palavras de
'Iraqui, indicou-o como principal shaykh do Cairo e ordenou uma
procissão geral para assinalar a indicação.
No dia seguinte o vizir do sultão
vestiu 'Iraqui com finas roupas e um belo turbante, e, colocando-o em um
cavalo, reuniu todos os eruditos, nobres e generais da corte a pé em seu redor.
Olhando em seu redor, 'Iraqui subitamente jogou longe o turbante e sentou-se
quieto por alguns minutos. Então, inesperadamente, recolocou o turbante e fez
sinal para que a procissão prosseguisse. Notícias deste estranho comportamento
chegaram ao sultão, que pediu uma explicação para 'Iraqui. 'Iraqui assinalou
que nenhum outro homem da época havia recebido tamanho respeito, e que ele
havia removido o turbante até certificar-se de que não havia mais nenhum sinal
de orgulho ou egoísmo em seu peito. O sultão, comovido por tamanha
simplicidade espiritual em um mundo de ambição, decadência e esplendor, dobrou
sua pensão. Mas 'Iraqui queria voltar para Damasco, e com o tempo convenceu o
sultão. Foram soltos pombos-correio de modo que cada lugar no caminho fosse
informado e pudesse acolher o ilustre peregrino. Mesmo antes de 'Iraqui deixar
o Cairo, o rei de Damasco indicou-o shaykh principal de sua cidade, e
ele foi recebido entusiasticamente pela população local. Seis meses depois de
'Iraqui chegar em Damasco, seu filho, Kabiruddin, veio de Multan para juntar-se
a ele. Depois que 'Iraqui havia deixado o posto de sucessor de Baha'uddin, o
filho do shaykh havia assumido seu lugar, para ser sucedido, por sua
vez, por Kabiruddin, o qual, como seu pai, renunciou a ele. Um sonho o havia
instruído a partir para Damasco, e um outro sonho havia dito aos discípulos
para que o deixassem ir.
Kabiruddin viveu com seu pai por
alguns meses, quando uma súbita moléstia atingiu 'Iraqui. Ele caiu num sono
febril por cinco dias. No sexto, despertou e chamou seu filho e companheiros.
Dando-lhes adeus, ele deu voz a uma quadra:
"Quando por Decreto este
mundo foi criado
o trabalho não foi feito depois
da falta de Adão;
mas do destino naquele Dia assinalado
ninguém escapará, nem jamais
escapou".
'Iraqui "bebeu a taça do
destino" em 23 de novembro de 1289, e toda a cidade lamentou. Ele foi
enterrado no cemitério de Salihiyyah ao lado do túmulo de Ibn a-'Arabi.
Kabiruddin foi indicado seu sucessor, e quando ele também deixou os laços da
carne mortal, foi enterrado perto de seu pai. Estes túmulos se perderam no
processo de restauração da tumba de Ibn al-'Arabi empreendido pelo sultão Selim
no século XVI. Não obstante, mesmo hoje, quando os peregrinos visitam o
memorial de Ibn al-'Arabi, dizem: "Este foi o oceano dos árabes", e
voltando-se para o outro lado, dizem de 'Iraqui: "Este foi o oceano dos
persas".
Ao contrário de Ibn al-'Arabi,
que o inspirou profundamente, 'Iraqui, não escreveu tratados elaborados sobre
assuntos gnósticos. Ele havia começado em Multan a escrever poesia,
principalmente lírica e quadras. Perto do fim de sua vida ele compôs a 'Ushshaq-nama
(Canção dos Amantes), que dedicou ao vizir que o havia ajudado a escapar
dos soldados de Kangirtay, e alguns poemas para parentes de Parwanah em Sínope. O Lama' at, contudo, permanece como sua obra-prima e como uma das
maiores obras Sufis, no qual as doutrinas da gnose, al-ma 'rifah, são
expressas na linguagem do amor, al-mahabbah. O primeiro deles havia sido
o Centelha do Amor, de Ahmad Ghazzali, o irmão de Al-Ghazzali, e o
segundo foi o Sobre a Realidade do Amor, de Shihabuddin Suhrawardi. O Lama'
at de 'Iraqui, o mais belo trabalho em seu gênero na literatura persa,
inspirou toda uma tradição de tratados poéticos na Pérsia e na Índia. Olhando
para o Oriente, ele funde tashbih e tanzih, imanência e
transcendência, de modo que o Divino, o Sempre-incognoscível em Si mesmo, é
espelhado em toda parte e a todo o tempo. Olhando para o Ocidente, e
especialmente para a tradição Platônica, propõe uma cadeia desde o amor pelas
formas - 'ishq-i majazi, o amor aparente - até o amor pelo Divino - 'ishq-i
haqiqi, o amor verdadeiro - onde a beleza formal foi transmutada em al-jamil,
a Beleza em Si mesma, um Nome Divino.
Os teólogos gradualmente e a
contragosto permitiram entrada à palavra mahabba, amor, no vocabulário
do discurso sagrado, porque ela tem uma conotação de "obediência". Em
torno do século X os filósofos se sentiram livres para falar do hubb' udhri,
o amor Platônico, o amor casto e contemplativo pelo ideal. 'Iraqui chocou os
ortodoxos e até mesmo os Sufis ao insistir no 'ishq, o amor apaixonado,
para enfatizar o ardente amor da alma pelo Divino, pois ele acreditava que a
alma devia experimentar a consciência da separação do Amado bem como a de sua
união com o Divino. Só quando a doçura da separação pudesse ser saboreada
espiritualmente o devoto estaria pronto para retornar voluntariamente de uma
teofania abrangente para o mundo atribulado, a fim de ajudar os outros.
No Islã a profissão fundamental
de fé havia sido sempre a Shahada, que diz: "La ilaha illa Allah"
(Não há deus senão Alá), e Alá significa "o (Único) Deus", O Lama'
at é uma elaboração de 'Iraqui de sua reformulação da Shahada: "La
ilaha illa'l-'ishq" (Não há deus senão o Amor), um aforismo usado
freqüentemente pelos Sufis turcos de hoje.
"Remoto está o Amor acima
das aspirações humanas,
muito acima das lendas de união e
separação;
Pois o que transcende a
imaginação
escapa de toda metáfora e
explicação".
'Iraqui não pretendia que sua
própria intuição fosse suficiente para o entendimento. Seu Lama' at foi
uma resposta aos ensinamentos de Ibn al-'Arabi; ele seguiu dois mestres em sua
vida, e começou sua obra com uma invocação de Maomé como Mestre arquetípico.
Como o principal guru dos Sufis, Maomé é feito dizer:
"No paraíso da teofania eu
sou o Sol:
Não vos admireis que cada átomo
manifeste a mim.
... Eu sou Luz. Todas as coisas
são vistas no meu desvelamento
e de minuto a minuto minha
radiância aumenta.
Os Nomes Divinos frutificam em
mim.
Vêde: Eu sou o espelho da
Essência brilhante.
Estas luzes que ascendem no
Oriente do Nada
são eu mesmo, todas elas - mas eu
sou ainda mais".
Se o Amor, al-'ishq, é a
Deidade sem atributos, então tanto o amante como Amado derivam d'Ela, "mas
o Amor sobre o Seu Trono poderoso é purificado de toda entificação, no
santuário de Sua Realidade santo demais para ser tocado pela interioridade ou
pela exterioridade". Tanto o amante, cuja alma está voltada para o Divino,
quanto o Amado, que é a mais excelsa visão da Deidade, são espelhos um do
outro. A existência dos mundos visível e invisível não passa de uma
manifestação do Amor como luz. Esta teofania primordial é a um tempo as leis
ocultas da Natureza e sua realização consciente no Homem.
"A Manhã da Manifestação
suspirou, a brisa da Graça soprou gentilmente, ondas se agitaram no mar da
Generosidade... O amante, então, saciado com a água da vida, despertou do sono
da não-existência, vestiu a roupa do ser e atou em volta de sua testa o
turbante da contemplação; cingiu o cinturão do desejo em seu flanco e caminhou
com os pés da sinceridade sobre a senda da Busca".
A Unidade da Fonte, além mesmo do
Um quando contrastado com o Dois, impele a busca do amante por aquilo que, de
fato, é ele. A questão espiritual consiste em infundir vida em imagens cada vez
mais sutis - primeiro no mundo, e depois na consciência - apenas para
descartá-las como representações inadequadas da meta, até que mesmo as idéias
de "busca" e "meta" sejam completamente transcendidas. A
questão "Onde está o Amado?" e a questão "Quem sou eu?" são
a mesma.
"Ouve, abelhudo,
tu queres ser Tudo?
Então vai,
vai e torna-te Nada...
Não imagine que este caminho
tenha dois rumos:
Raiz e ramos
são Uma só coisa.
Vê de perto: tudo é Ele -
Mas Ele se manifesta através de
mim.
Sou tudo, sem dúvida -
Mas através d'Ele".
Para 'Iraqui o Divino se
manifesta através do movimento dos seres, pois eles são atos do Divino. Este é
o sentido da máxima de Maomé: "Quem conhece a si mesmo conhece ao seu
Senhor". É o Divino no homem quem ama, quem vê, quem invoca e quem
consuma. Assim, a convicção do buscador é o Divino nele mesmo, e todo amor,
qualquer que seja seu objeto ou imagem, "não passa de um aroma de Teu
perfume: ninguém mais pode ser amado". O Sufi considera que amar outra
coisa que não o Divino não é um caso de certo ou errado, mas de uma
impossibilidade. A compreensão de que o amor não só perpassa todas as coisas
mas é todas as coisas é a raiz da resolução espiritual de procurar o Amado
através de todos os obstáculos, testes e provações, a fonte da conduta moral e
a base da significância. Não obstante, o Amado é sempre maior do que o espelho
que é o amante. "Como pode o Significado ser espremido na caixa da
Forma?" Mesmo os véus luminosos ou sombrios, ditos por alguns serem
setenta mil, entre o Absoluto e o ser humano, cegam e enganam somente aquele
que busca a forma antes do que o significado.
"Tu estás oculto do mundo
em Tua própria manifestação...
Oculto, manifesto,
tudo ao mesmo tempo:
Não és isto, nem aquilo -
Mas és ambas as coisas".
Os véus da manifestação que
parecem ocultar a unidade transcendente do Divino são apenas os Nomes e
Atributos Divinos através dos quais Ele age, isto é, dá origem aos seres. Eles
são as potências criadoras inteligentes da manifestação.
"Marca bem: se estes véus
fossem meramente atributos humanos deviam ser destruídos até virarem nada...
Mas de fato isto jamais acontece; a visão jamais os destrói, tampouco eles
deixam de bloquear nossa visão. Assim, estes véus não devem ser humanos, mas
sim Divinos, Nomes e Atributos de Deus: luminosos como a manifestação, a
benevolência e a Beleza; tenebrosos como a não-manifestação, o domínio absoluto
e Majestade... Mas a teofania da Essência age ela mesma por detrás do véu dos
Atributos e Nomes... Por fim o Divino é Seu próprio véu, pois Ele se oculta
pela própria intensidade de Sua manifestação e Se vela pela própria potência de
Sua Luz".
Para 'Iraqui a aritmética provê
analogias que indicam o que deve ser feito para nos dirigirmos ao Amado. Uma
vez que o Divino é um só e o indivíduo deve se tornar um espelho perfeito do
Divino, o indivíduo também deve se tornar um só. Geometricamente, devemos nos
tornar uma esfera congruente com a esfera do Divino. "A Realidade é uma
esfera: onde quer que coloquemos nosso dedo, ali está seu centro morto". É
o círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em
lugar algum. "Nossas tintas e cores são apenas opinião e fantasia. Ele é
incolor e devemos adotar o Seu matiz". Se não houvesse nenhum Sol
Espiritual da Manifestação, não haveria formas sombrias, pois as sombras não
podem existir na Escuridão Divina. Mas quando o Sol brilha completamente em
toda parte não há sombra alguma. Este é o paradoxo da origem e da meta da
pessoa. As etapas do caminho até a meta, a dissolução do paradoxo, são marcadas
pelo fato de que quanto mais se ama, mais se tem sede de amor - é como beber
água salgada. Requer-se pobreza de alma, pois o mesmo vento que apaga a vela do
homem rico atiça a tocha fanada do mendigo. E se o amante consegue a união, o
apagamento da linha de separação deixa uma marca, uma lembrança da suavidade do
anelo do amor, e o amante desejará voltar ao mundo, agora revestido de cores
divinas e despido de cores mundanas, para aperfeiçoar os que permanecem à
meia-luz da ignorância. Finalmente, o amante deve ter esperança, pois "o
desespero de modo algum é obrigatório", e esta esperança pode se expandir
para uma esperança profunda e inabalável por toda a humanidade.
A união final entre amante e
Amado dissolve a ambos, e só permanece a Deidade. Este é o entendimento Sufi do
"Não há deus além de Deus" - não existe nada de real senão o Divino.
'Iraqui buscou por toda sua vida realizar esta única idéia, e qualquer que
tenha sido sua realização final, a cada dia ele fortalecia sua convicção ao
longo do caminho que é a escada do Amor colocada entre a Terra e o Divino
incompreensível.
"Quando o amante contempla a
beleza do Amado em forma de espelho, nascem a dor e o prazer, manifestam-se a
tristeza e a alegria, surgem juntos o medo e a esperança, a contração e a
expansão se alternam. Mas quando nos despimos das vestes da forma e mergulhamos
da Unidade do Oceano Todo-abrangente, já não sabemos nada de tormentos ou de
beatitude, de expectativa ou preocupação, de medo ou esperança; pois estas
coisas dependem do passado e do futuro, mas agora nos afogamos em um mar onde o
Tempo é abolido, onde tudo é Agora sobre Agora".