"O mundo inteligível é
completamente uno, existente antes de todo o tempo, e ele combina todas as
coisas no Um. Também não é todo nosso mundo um organismo completamente vivo,
através de toda a pletora da alma e da inteligência, 'perfeito, e perfeito em
todas as suas partes'? No meio do caminho entre estas duas perfeições
uniformes... existe a perfeição uniforme do Sol Soberano, Hélio, estabelecido
entre os deuses intelectuais... Pois ele aperfeiçoa algumas formas, outras ele
cria, ou adorna, ou desperta para a vida, e não existe nem mesmo uma só coisa
que, fora do poder criativo derivado do Sol Soberano, possa vir à luz e
nascer".
Hino ao Sol Soberano
JULIANO
A decisão de Constantino de
reconhecer o Cristianismo como uma religião oficial do Império Romano foi um
completo desastre para a civilização clássica. Enquanto parecia conceder
estabilidade interna, o Edito de Milão, de 313 dC, destruiu definitivamente as
bases da coesão e estrutura social romanas. Os historiadores têm visto de tudo
neste Edito, desde uma profunda convicção religiosa até uma crua artimanha
política. Depois de conseguir poder durante um período de convulsão dentro do
Império, Constantino permaneceu à parte, enquanto que os rivais se digladiavam
pelo trono imperial. Quando ele se sentiu forte o bastante, aliou-se a Licínio,
o imperador do Ocidente, contra Maximiano e Maxêncio. Enquanto Licínio vencia
Maximiano, Constantino rumava para Roma, a praça-forte de Maxêncio. De acordo
com Eusébio de Cesaréia, quando Constantino encontrou Maxêncio na Ponte
Milviana sobre o Tibre, perto de Roma, ele viu uma cruz flamejante no céu,
inscrita com as palavras 'In hoc signo vinces' - 'com este sinal vencerás'. Constantino
adotou a cruz como seu estandarte, derrotou Maxêncio e se tornou imperador do
Ocidente em 312. Constantino e Licínio se encontraram em Milão e publicaram o
Edito. Em 315 e 324 Licínio desafiou Constantino, sendo derrotado ambas as
vezes e morrendo na segunda tentativa.
Embora politicamente astuto,
Constantino falhou em compreender as implicações mais profundas de adotar o
Cristianismo. Durante toda a história imperial, Roma demonstrou grande
tolerância em relação a todas as religiões, seitas e cultos. Quando seus
exércitos anexavam um novo território, eram seguidos por administradores cuja
tarefa principal era descobrir tudo o que poderia ser sabido sobre o panteão
local, seus costumes, mandamentos, dias festivos e rituais. Os romanos evitavam
cometer qualquer ofensa mesmo não intencional aos deuses, e eles acreditavam
que todas as religiões mereciam respeito porque apontavam para a 'divinitas', a
coisa divina percebida no mais alto céu e no coração humano. Uma vez entendida
a religião local, era-lhe dada uma 'interpretatio' romana formal, onde cada
deidade era relacionada a um deus sagrado para Roma. Assim os deuses de todos
os povos poderiam ser honrados e mesmo acolhidos na Cidade Eterna. Quando os
romanos primeiramente entraram em contato com os Judeus, cuja religião era
completamente exclusiva e resistente a toda 'interpretatio' romana, eles
ficaram chocados. Uma religião que rejeitava agressivamente qualquer validade
de outras perspectivas negava os deuses que movem e animam as pessoas em toda a
Terra. Para a mente romana, tais religiões - a dos Judeus, Cristãos e alguns
Maniqueus - eram anti-religiões e uma forma de ateísmo. A intolerância e
presunção espiritual implícita em tais crenças eram ofensivas ao senso romano
do 'afflatus' divino que embebe cada faceta da ordem natural e todos os
aspectos das instituições humanas.
O imperador Constantino não
parece ter tido nenhuma inclinação de impingir uma exclusividade religiosa
sobre os diversos povos do império, mas ele não percebeu uma característica
fundamental da religião que ele elevou à honra imperial: desde o início o
Cristianismo pretendeu destruir completamente os antigos deuses e seus cultos. Para
a igreja primitiva, as deidades gregas e romanas, célticas e egípcias, trácias
e fenícias não eram reais o bastante, e na verdade eram demônios e anjos caídos
que levavam os homens às portas de fogo da perdição. Esta teologia acarretava a
implicação social de que a solidariedade do Império Romano fora construída
sobre demônios e era adequada apenas para a danação, uma conclusão inevitável
que Constantino falhou em compreender ou decidiu ignorar: o deicídio leva ao
fratricídio. Enquanto Constantino negligenciava as graves conseqüências do
Edito de Milão para a sociedade, arte e ciência clássica romanas, e para a
'paideia' e para a 'humanitas', as implicações não foram perdidas pelos seus
sucessores fanáticos e menos perspicazes. Roma não foi destruída pelos bárbaros
que a saquearam com notável reverência; foi demolida pelos imperadores Cristãos
bizantinos que tomaram sua arte e ornamentação e retiraram seus suportes
arquitetônicos de ferro para construções em Constantinopla, "deixando os
grandes templos e palácios de mármore cair rapidamente em ruínas".
Constâncio Cloro havia sido
escolhido pelo imperador Diocleciano como seu co-regente mais jovem. O preço de
sua elevação ao poder imperial foi o repúdio de sua esposa Helena, uma
taberneira da Ásia Menor, e seu casamento com Flávia Máxima Teodora, filha do
co-regente de Diocleciano, Maximiano. Enquanto Helena criava seu filho
Constantino e acalentava seu rancor contra Constâncio, Teodora dava à luz a
Dalmácio e Júlio Constâncio, o pai de Juliano. Constâncio se tornou imperador e
foi sucedido depois de consideráveis lutas políticas e militares por
Constantino, que fez de sua mãe a primeira dama do Império. Ela baniu os filhos
de Teodora para prisão domiciliar nas províncias distantes da influência
política. Constantino não confiava em ninguém de seu clã e ordenou que seu
filho mais velho, Crispo, fosse morto, e sua segunda esposa, Fausta, fosse
sufocada durante o banho. E assim, depois de ter trabalhado para unificar o
Império, não indicou nenhum sucessor. Depois de meses de negociação, durante cujo
tempo Constantino ficara em Constantinopla, seus três filhos sobreviventes,
Constantino II, Constâncio II e Constante, dividiram o Império entre si. Constâncio
II, sempre temeroso de ameaças, alegou que Eusébio, Bispo de Nicomédia,
havia-lhe dado um testamento encontrado por soldados nas mãos de Constantino,
no qual o imperador falecido incumbia os filhos de Teodora de envenená-lo. Foram
enviados soldados para matar Dalmácio e seus filhos; Júlio Constâncio e seu
filho mais velho também foram mortos, talvez na presença de Juliano. Eles
pouparam Juliano, que havia nascido em 331 e tinha só cinco anos, e também seu
irmão mais velho Galo, que estava muito doente e presumivelmente moribundo. Juliano
foi exilado para Nicomédia, onde foi colocado sob a custódia do Bispo Eusébio,
que havia dado o infame 'testamento' para Constâncio II. A apresentação de
Flávio Cláudio Juliano aos perigos do poder imperial e à sordidez da política
Cristã não foi esquecida à medida que ele crescia.
Em Nicomédia ele desfrutou do conforto
de uma avó amorosa e devotada, e de Mardônio, um professor rigoroso mas justo. Enquanto
estes dias foram relativamente pacíficos para Juliano, Constâncio ficava cada
vez mais temeroso em Constantinopla. Constantino II, sentindo-se prejudicado na divisão do Império, marchou sobre Constante e foi morto. Subitamente, Constâncio
odernou o afastamento de Juliano de seus amigos e professores e mandou-o sob
custódia para Marcelum, uma propriedade imperial perto do Monte Argaios, na
Capadócia. Lá ele teve bons professores e muito luxo, mas não lhe era permitida
nenhuma companhia de sua idade e foram-lhe proibidas todas as viagens. Durante
seus seis anos de isolamento em Marcelum, Constante morreu, Constâncio se
tornou o único imperador e desposou a meia-irmã de Juliano, e Juliano ficou
sabendo das causas do assassinato de seu pai. Ele secretamente rejeitava o
Cristianismo e suas instituições e abraçara o ensinamento mais filosófico dos
Neoplatônicos, uma afirmação do Um, cuja teofania é um panteão diversificado.
Em 351 Galo foi convocado a
Sirmium e proclamado César. Como chefe das operações contra a Pérsia, ele
dispôs para encontrar-se com Juliano e conceder-lhe liberdade de viajar. Depois
de ouvir as palestras de Libânio em Nicomédia, Juliano procurou por Aidésio, o
discípulo direto de Jâmblico, em Pérgamo. Aidésio indicou-lhe seu próprio discípulo Eusébio, que ensinou-lhe que a alma chega à sua fonte imortal através de
um despertar gradual do intelecto espiritual. Tendo advertido Juliano contra o
lado sinistro da teurgia, ele descreveu como Máximo, "um dos estudantes
mais antigos e avançados" de Aidésio, podia animar estátuas e produzir
fogo por invocações, e logo Juliano partiu para Éfeso para estudar com Máximo. Embora
tal atividade fosse completamente ilegal no Império, Máximo corajosamente
ensinou a Juliano os Oráculos Caldeus e o comentário secreto de
Jâmblico. Enquanto professava o Cristianismo e estudava em grande sigilo, ele
buscou e obteve de Máximo a iniciação. Os eventos na cripta de Hécate-Cibele, a
deusa em cujas mãos está a tocha do Fogo Divino, permanecem um mistério, mas
esta experiência foi o ponto culminante na vida de Juliano. Por três anos
Juliano estudou filosofia antiga e teurgia, enquanto se movia em público com
uma circunspecção Cristã.
Em 354, Constâncio, suspeitando
do sucesso de Galo no Oriente e envolvido por intrigantes de diferentes
facções, convocou Galo para Milão. Antes que alcancasse o quartel-general do
imperador, foi preso e decapitado. Antigos amigos e associados acorreram para
tornar-se informantes, a fim de salvar-se, e logo Juliano, profundamente
abalado pela execução de seu irmão, foi chamado a Milão. Quando o navio que o
levava aportou em Alexandre Troas, Juliano aproveitou a oportunidade para
visitar o sítio de Tróia. Quando ele pediu a Pagásio, Bispo de Troas, que lhe
mostrasse as redondezas, ficou surpreso de ver que o bispo havia preservado
intactos os santuários antigos. Um fogo ardia no altar de Heitor, e quando
Juliano perguntou o significado disto, o bispo respondeu: "É estranho que
o povo de Ílion mostre seu respeito por seus cidadãos ilustres do mesmo modo
que nós demonstramos o nosso pelos mártires?" Dizia-se que Pagásio havia
destruído a tumba de Aquiles, mas Juliano a encontrou em perfeita ordem. Quando
eles entraram no templo de Atena e o bispo não fez o sinal da cruz nem deu o
assovio que protegia os Cristãos dos espíritos malignos que rondavam os antigos
lugares sagrados, Juliano soube que ele havia encontrado um companheiro
Iniciado nos Mistérios. Ele deixou Tróia com a percepção de que a antiga
religião dos filósofos não havia morrido para todos, mas fora apenas velada. Quando
chegou a Milão, Juliano facilmente desvencilhou-se das acusações formais
levantadas contra ele, mas mesmo assim foi posto em prisão domiciliar. Inesperadamente,
Eusébia, calorosa, cosmopolita e recentemente casada com Constâncio, usou sua
influência para libertar Juliano e baní-lo para Atenas. Assim, sem sabê-lo,
Constâncio atendeu aos mais fundos desejos de Juliano.
Em Atenas Juliano visitou a Academia fundada por Platão e o Perípato, onde Aristóteles havia
palestrado. Secretamente, ele entrou nos Mistérios Eleusinos e emergiu com a
promessa de renascimento espiritual e o potencial para a imortalidade
autoconsciente. Estes dias, os mais felizes para Juliano, terminaram dentro de
poucos meses, por uma ordem de voltar a Milão. Mais uma vez, Eusébia interveio,
desta vez para persuadir o imperador de que a educação apolítica de Juliano e
seus interesses eruditos privavam-no de apoio político e não o inclinavam a
aspirações imperiais. Constâncio estava desesperado, não tinha filhos, e agora
estava ameaçado por uma guerra nas duas extremidades do Império. A sinistra
impulsividade que o levava a matar inimigos reais ou imaginários agora o levava
a tornar Juliano César, com responsabilidade de proteger a Gália, a Bretanha e
a Espanha.
Não agradou a Juliano um posto
onde seus últimos cinco ocupantes tiveram o destino de seu irmão Galo. O
historiador Amiano Marcelino escreveu que as próprias palavras de Juliano em
sua coroação, em 355, foram as de Homero: "Morte purpurada e poderoso
destino o abateram". Mas Juliano estivera próximo à morte por toda sua
vida, e era destemido. Talvez nem mesmo Eusébia soubesse que o imperador-modelo
de Juliano fosse Marco Aurélio, o ascético e nobre Estóico. Assim que, depois
de sua coroação, o tempo permitiu, Juliano partiu para a Gália, com oficiais e
auxliares escolhidos por Constâncio. Sendo-lhe permitido levar apenas quatro de
seus antigos servos, ele escolheu Eufêmero, um africano que acompanhara Juliano
nas iniciações aos Mistérios e guardava seu segredo, e Oribásio de Pérgamo, um
médico que seguia a antiga religião e cuidadosamente escondia os papéis
pessoais de Juliano entre suas copiosas notas médicas, a fim de mantê-los longe
dos olhares perscrutadores dos espiões. Para a surpresa de todos, Juliano
provou ser um hábil estrategista e um tático brilhante. Quatro grandes
campanhas contra os francos e os germanos asseguraram as fronteiras, e diversas
incursões bem planejadas induziram-nos a honrar os tratados de paz que haviam
assinado.
Constâncio ordenou que os
principais generais de Juliano enviassem os quatro melhores regimentos e
trezentas tropas de cada uma das unidades remanescentes para o Oriente, e ordenou
que Juliano não interferisse. Para evitar qualquer sugestão ou fomento de
rebelião, Juliano permitiu aos oficiais indicados por Constâncio que reunissem
e arrolassem as tropas. Eles escolheram reuní-las tendo Paris como centro,
contra o conselho de Juliano, em 360. Assim que estes regimentos foram
informados de seu destino, amotinaram-se e proclamaram Juliano imperador. A
sorte estava lançada: em 361 ele começou a marchar para o leste com suas
legiões fiéis e entusiasmadas. Constâncio voltou-se para o oeste e apressou-se
através da Cilícia para encontrar Juliano. Mal ele havia partido quando viu um
cadáver sem cabeça à beira da estrada, e tomou isso como um mau presságio. Quando
alcançou Tarso, acometeu-lhe uma febre. Embora prosseguisse, dentro de poucas
milhas ele colapsou e morreu em agonia em 3 de novembro, nomeando, dizem,
Juliano como seu sucessor. Mensageiros correram para Juliano e informaram-lhe
de que as legiões do Oriente haviam jurado lealdade a ele, e Juliano,
Imperador, entrou em triunfo em Constantinopla, em 11 de dezembro de 361.
Constâncio havia eliminado todos
os rivais concebíveis, e Juliano subiu ao trono sem disputa. Tendo meditado
longa e claramente sobre a iminência da morte, ele também havia meditado sobre
a possibilidade de vir a ser imperador. Para ele, três metas imperiais eram
principais: a restauração da antiga filosofia espiritual para seu merecido
lugar, a reforma econômica e administrativa do Império, e a devolução das
propriedades pilhadas dos templos. Estabelecendo um tribunal de generais dos
exércitos do Oriente e do Ocidente para investigar a subversão e injustiça, os
exércitos foram unificados sob Juliano, o odiado sistema de espiões foi
desmantelado e o imperador mostrou ter uma mente aberta e ser benevolente. A
maior parte do vasto corpo de eunucos e cortesãos ostentava uma opulência que
chocara profundamente o novo governante, e ele simplesmente demitiu-os. Os
postos principais foram dados a indivíduos de competência testada, sem
preconceito por causa de lealdades anteriores ou convicção religiosa. Embora
desagradando aqueles que perderam de suas sinecuras, as reformas de Juliano
foram imediata e imensamente populares entre todas as classes sociais. Filósofos
e homens versados profissionalmente na arte e na ciência foram trazidos para
uma administração imperial antigamente conduzida por burocratas pobremente
educados. Em cada ponto, Juliano procurou não destruir, mas racionalizar. Em
março de 362 Juliano promulgou uma série de leis devolvendo terras imperiais às
cidades de onde elas haviam sido tiradas, cancelou o tributo anual de ouro das
cidades para o tesouro imperial, perdoou impostos atrasados e reduziu os
índices de taxação de terras, agilizou o sistema judicial, e em geral tentou
eliminar as iniqüidades e abusos. Durante o mesmo período, Juliano publicou um
notável edito de tolerância religiosa. Todas as atividades religiosas foram
salvaguardadas pelo imperador; uma vez que não havia distinção entre a crença
Cristã e as outras, todos os Cristãos previamente considerados hereges foram
acolhidos de volta às suas igrejas e funções; os subsídios estatais foram
retirados do clero Cristão para que todos os grupos pudessem estar em pé de
igualdade; e a lei requeria que as propriedades dos templos tomadas pelos
grupos Cristãos deveriam ser devolvidas ou indenizadas. Reformas de grande
amplitude não podem evitar completamente a violência e o abuso, mas Juliano
combateu vigorosamente os casos assim que ocorriam. Os templos foram reabertos,
os hierofantes devolvidos a lugares de honra, os sacrifícios eram conduzidos
publicamente e a igreja foi autorizada a atuar livremente, mas proibida de
forçar conversões. Dado o escopo das reformas administrativa, econômica e
religiosa, ele foi notavelmente bem-sucedido; o Império movia suas engrenagens
com suavidade e ficava mais forte e saudável a cada dia. Mas Juliano sabia que
o abalo das raízes do mundo greco-romano causado por Constantino não poderia
ser curado somente pela reforma social. As mentes e corações dos cidadãos
deviam ser regenerados através da educação cívica e espiritual.
Para Juliano, a educação envolvia
o cultivo dos antigos valores através de uma restauração da 'paideia' e da
'humanitas'. O Cristianismo não havia produzido nenhuma literatura além das
escrituras e dos tratados polêmicos, e ele se baseava principalmente nos textos
clássicos para a educação de seus conversos. Os assuntos do Império eram
conduzidos em grego, e quem quer que desejasse conseguir um cargo público ou
serviço civil teria de conhecer esta língua. A gramática e a retórica eram
ensinadas através de um estudo dos autores antigos. Os Cristãos viram-se na
posição insustentável de ter de educar os estudantes com uma literatura
demoníaca. Em 17 de junho de 362, Juliano publicou um abrangente edito sobre a
educação. A cultura espiritual, declarou ele, é a prole da mente racional, e
não a mera eloqüência, e uma mente racional procura discernir o bem do mal, a
beleza da feiúra. Um indivíduo que ensina uma coisa e acredita em outra é ao
mesmo tempo inculto e desonesto. Quase todo mundo encontrará falhas lamentáveis
em si mesmo, mas práticas ambivalentes como uma política é algo intolerável. Assim,
declarava o edito, a pessoa devia acreditar no que ensinava, ou devia deixar de
ensinar. Considerando os professores, Juliano concluía:
"Tampouco neste relato eu os
obrigo a mudar de crença. Eu lhes dou a opção de ou não ensinar o que não
acreditam, ou se ensinam, que o façam honestamente, e não louvem os antigos
enquanto condenam suas crenças. Uma vez que os professores vivem através dos
escritos dos antigos, fazer de outra forma seria uma admissão de que fariam
qualquer coisa por algumas dracmas".
O clero ficou ultrajado. Ao
requerer uma ética elementar e consistência intelectual, Juliano havia exposto
as contradições fundamentais no Império Romano Cristão.
Apolônio de Tíana havia
introduzido reformas sacerdotais com base nos princípios universais e Amônio
Sacas havia demonstrado filosoficamente a unidade essencial de toda aspiração
espiritual, mas nenhuma destas iniciativas havia chegado às grandes massas de
seres humanos. Juliano escreveu alguns tratados que tentavam traduzir o
simbolismo mítico em uma doutrina coerente, que pudesse ser a base para um
impulso espiritual regenerado. Em seu Hino ao Sol Soberano e em seu Hino à Mãe dos Deuses, ele usou o conceito Plotiniano do Um e o ensinamento
de Jâmblico sobre magia para demonstrar que o Sol Invictus romano, o Apolo
grego, o Osíris egípcio e o Mitra persa eram uma só realidade espiritual, assim
como a Magna Mater, Deméter, Cibele e Ísis também eram uma só. Este aspecto da
reforma educacional, sabia Juliano, levaria décadas para se estabelecer com
segurança. O tempo não estava ao seu lado.
O front persa era instável, e
cedo Juliano percebeu que acabaria tendo que lutar ali. Mal havia publicado seu
edito sobre a educação, partiu para Antióquia para reunir e abastecer um
exército. Naquela grande cidade agrária ele descobriu que aqueles que
trabalhavam na terra não eram aqueles que a possuíam. Uma seca havia produzido uma
quebra na safra, e os senhores de terra urbanos estavam vendendo grãos
estocados para os fazendeiros sob preços aviltantes. Juliano ficou horrorizado
com esta ostensiva demonstração de cobiça humana. Ele instituiu controle de
preços debaixo de regras estritas e portanto evitou a fome, mas também
conseguiu a inimizade das classes superiores. Elas se rebelaram rejeitando e
obstruindo suas reformas religiosas. Antes do que usar seu poder autocrático
para silenciar os dissidentes, ele escreveu uma sátira, Misopogon (O que
Odeia Barbas), denominada assim por causa dos graçejos feitos por causa da sua
própria barba. Nela ele ridicularizava as frivolidades e a vida trivial das
tíbias classes abastadas que esperavam viver no luxo através da exploração
cruel dos camponeses e escravos. Tendo deliberadamente escandalizado os
naturais de Antióquia e embraraçado todo o Império, o imperador que recusara
tomar as sério o título imperial partiu para o front persa. Juliano enviou
Procópio para o leste a fim de juntar-se à armada de Arsace, Rei da Armênia e
aliado seu. A força resultante seria grande o bastante para simular ser o
ataque principal. Juliano encaminhou o exército principal para o sul em direção
ao rio Eufrates. O gênio militar de Juliano brilhou uma vez mais, e ele
conduziu seu exército através de uma série de vitórias até os muros de
Ctesifon, só para ser bloqueado pela armada persa.
Juliano queria prosseguir até
para dentro da própria Pérsia, mas seus generais recusaram, argumentando que as
forças de Procópio não haviam se juntado a eles. Ninguém sabia direito onde o
Rei Shapur estava com suas forças, ou de que lado ele poderia atacar. O
exército começou a lentamente se retirar para o norte em direção à Armênia para
encontrar Procópio, mas o caminho era escaldante e árido. Unidades persas
destruíram toda a comida e abrigo em seu caminho, e logo as tropas romanas
sentiram-se encurraladas. Só então Shapur apareceu e lutou. A armada romana
manteve sua posição por diversos dias, mas não pôde assegurar uma vitória decisiva.
Em 26 de junho o exército foi atacado em sua retaguarda quando marchava, e
Juiliano voltou atrás para reanimar seus homens. Eles logo afugentaram os
persas, mas Juliano perseguiu-os à frente de seu corpo de guarda e foi ferido
no flanco por uma espada. Carregado para sua tenda, seu leal médico Oribásio
logo percebeu que a ferida era mortal. De início Juliano rejeitou esta
conclusão, porque uma vez um oráculo lhe dissera que ele encontraria seu fim na
Frígia, uma província da Ásia Menor. Mas quando ele perguntou o nome do local
onde seu exército estava acampado, disseram-lhe: Frígia. Juliano caiu em
silêncio por um longo tempo. Então ele reuniu seus principais generais e
proferiu um discurso em seu leito de morte, no qual ele recusou indicar um sucessor.
Ele chamou Máximo e Prisco para o seu lado para discutir a nobreza inerente da
alma. Subitamente, a ferida abriu e começou a sangrar severamente. Juliano
pediu um gole de água fria, bebeu, recostou-se calmamente, e abandonou seu
corpo mortal.
Assim, em 27 de junho de 363,
Juliano morreu, com a mesma idade de Alexandre o Grande. A espada que matou
Juliano muito provavelmente era romana. O manto imperial foi oferecido para
Salúcio Segundo, amigo íntimo de Juliano e adepto dos Mistérios, mas que não obstante
havia objetado contra as reformas religiosas de Juliano. Sabendo que era um
candidato comprometido, ele declinou por causa da idade e má saúde. Ninguém
queria Procópio, que, embora próximo de Juliano, em geral não era apreciado. Finalmente,
Joviano, o comandante Cristão da guarda imperial, foi escolhido. Para retirar
as tropas desmoralizadas de uma posição enfraquecida, Joviano aceitou a paz em
termos que garantissem uma retirada a salvo para o exército, passou ao Rei
Arsace o controle dos persas e abandonou as cinco províncias conquistadas por
Diocleciano. Procópio encontrou a armada em retirada em Nisibis e acompanhou o
corpo de Juliano para Tarso, onde foi enterrado. Procópio fez inscrever no
mármore defronte à tumba de Juliano:
"Aqui jaz Juliano, tendo passado o caudaloso Tigre; um bom rei e um bravo
soldado".
Os propagandistas Cristãos
imediatamente começaram a denegrir o nome de Juliano. Mas aqui e ali, nas vilas
rurais e nas antigas cidades, ainda podem ser encontradas inscrições que
expressam uma visão diferente. O imperador que não usou violência contra seus
oponentes, que entendeu o Império e amou seu povo, havia conquistado um lugar
no coração humano que a história reescrita não poderia apagar completamente. O
profundo sentimento que ele suscitou de muitos, em vários níveis da sociedade,
talvez seja melhor capturado na inscrição simples que sobrevive em Pérgamo:
"Senhor do mundo, Mestre da filosofia, governante venerando, piedoso
imperador, sempre vitorioso Augusto, disseminador da liberdade
Republicana".