"Budas em incontáveis Terras de Buda
Não passam de Buda dentro da alma
da pessoa;
o Lótus Dourado, como miríade de
gotas
de água do oceano, vive no corpo
da pessoa.
Milhões de signos se escondem em
cada letra mística;
Cada peça de metal moldado
esconde uma deidade,
na qual residem as realidades da
virtude e do mérito.
Percebendo isto, a pessoa atinge
as glórias do ser, mesmo estando
na vida encarnada".
KUKAI
Quando Saicho embarcou para a
China em 804, um outro navio levava um contemporâneo notável. Embora Kukai
fosse muito menos conhecido do que Saicho na época em que ambos fizeram suas peregrinações
separadas, o Imperador Kammu havia discernido seu potencial e encorajou-o a
desenvolvê-lo. Como que por algum plano do destino, metade da frota naufragou
no mar, e só os dois navios que levavam os dois monges aportaram, e seu sucesso
casual alterou a história subseqüente do Japão. Saicho voltou com os preciosos
ensinamentos do Monte T'ien-t'ai e fundou a escola Tendai, enquanto que Kukai
armazenou as doutrinas transmitidas secretamente em Ch'ang-an e as trouxe para
casa sob a forma da escola Shingon. Embora fossem de caracteres
extraordinariamente distintos e abordassem de formas diferentes a
'buddhavachana', a Palavra de Buda, juntos eles transformaram permanentemente a
espiritualidade japonesa, infundindo no pensamento Budista japonês um notável
frescor, ao mesmo tempo que emprestavam uma cor distintiva às expressões
chinesas do dharma.
Kukai nasceu em 774 em uma
família aristocrática e erudita - os Saeki - da pequena ilha de Shikoku. Sua
fina inteligência manifestou-se desde tenra idade, mas sua excepcional
percepção e capacidade de síntese chamaram a atenção de sua família. Enquanto
seu tio materno, Ato Otari, era o tutor do Príncipe Herdeiro Iyo, ele levou
Kukai para a capital - Nagaoka, a primeira capital do Imperador Kammu depois
que ele deixou Nara - para estudar poesia chinesa e os clássicos Confucianos. Ato
Otari antevia uma brilhante carreira para Kukai na corte imperial e colocou-o
no caminho que tradicionalmente conduzia ao serviço no governo. Em três anos
Kukai havia entrado na universidade e começado o curso de estudos Confucianos
reservado para a elite burocrata. Aparentemente ele experimentou alguma
insatisfação com a natureza de seus estudos e empreendeu por conta própria
estudos Taoístas. Durante este período de intensa, se bem que profícua,
preparação para uma carreira, um evento misterioso mudou toda a sua vida.
Embora ele se referisse a esta
mudança de rumo em seus escritos posteriores, ele jamais a explicou
abertamente, talvez porque ele havia sido privadamente ordenado sacerdote, o
que na época era ilegal. Ele parece ter encontrado Gonzo, um influente
sacerdote do Templo Daianji, que deu-lhe o sagrado e secreto Kokuzogumonjiho, a
prática do mantra de Akashagarbha. Sem dúvida ele aprendeu muito sobre
doutrinas Budistas nesta éopoca, mas ele era - e assim ficou por toda a vida -
mais interessado na prática Budista. Em breve ele deixaria a universidade e
renunciaria em definitivo a uma carreira no governo imperial, retirando-se para
montanhas tranqüilas para contemplação e prática do mantra. Provavelmente ele
tenha passado algum tempo junto à Jinen chishu, a escola não-oficial de
Sabedoria Natural, que combinava meditação com o uso do Kokuzogomonjiho, e
junto aos Yamabushis, os enigmáticos ascetas conhecidos por sua meditação e magia
no interior rural e remoto do Japão.
De algum modo Kukai conseguiu
assegurar um lugar na missão imperial para a China em 804, talvez através da
influência da alguns parentes bem colocados. Ele buscou a passagem para a China
porque havia descoberto o Dainichikyo, o Sutra Maha Vairochana, que revela um
grande mandala, um diagrama sagrado, e seu significado tântrico. Ele percebeu
que precisava de um instrutor competente para guiá-lo no entendimento deste
texto, e ele soube que encontraria este instrutor somente na China. A fim de
fazer a viagem, Kukai concordou em passar vinte anos na China como estudante,
embora de fato ele voltasse em 806 por instâncias de seu preceptor chinês. Enquanto
que Saicho buscara os sucessores de Chih-i no Monte T'ien-t'ai, Kuaki havia se
dirigido para Ch'ang-an, o antigo centro de pensamento Budista na China e foco
das práticas tântricas. Quando ele chegou em Ch'ang-an, ele encontrou
exatamente o que esperava descobrir.
Há miríades de formas de práticas
Budistas tântricas, que vão desde a contemplação dos sons, cores e figuras
sagrados até rituais elaborados. Todos estão baseados no princípio de que uma
vez percebidas as limitações inerentes ao pensamento discursivo, a teoria e
prática podem ser combinadas na meditação e ritual para perceber diretamente na
consciência o objeto da devoção da pessoa. Como são grandes a variedade de
objetos que podem ser escolhidos e a diversidade de motivos dos praticantes, a
prática tântrica pode variar da purificação da consciência e do sentimento até
degradadas manipulações mágicas destinadas a afetar o mundo em torno da pessoa.
Embora as práticas tântricas possam ter sua origem nos Vedas e em alguma
práticas de Yoga hindu, elas partem dos vários dharanis, frases místicas que
expressam de modo aforístico as verdades espirituais, e especialmente as
verdades que não podem ser formuladas adequadamente na fala comum. O breve
Sutra do Coração consiste de aforismos deste tipo. Como uma prática, o tantra
usa os upaya, meios habilidosos vários, para invocar a percepção divina que
transcende a consciência discursiva.
De acordo com o ensinamento
Shingon, estes ensinamentos foram transmitidos pelo Buda Mahavairochana, cujos
auxiliares são os Bodhisattvas Manjusri e Samantabhadra. Vajrasattva os reuniu
e transmitiu a Nagarjuna. Por fim eles foram dominados por Hui-kuo, o sétimo
patriarca, que os deu a Kukai. Logo depois de Kukai ter chegado em Ch'ang-an,
ele encontrou Hui-kuo no grande Templo Ch'ing-lung onde vivia. O velho mestre
instantaneamente reconheceu em Kukai seu sucessor e imediatamente iniciou-o nos
segredos tântricos. Dentro de três meses ele receberia a iniciação final e
seria ordenado mestre das doutrinas e práticas preservadas por Hui-kuo. Logo
Hui-kou morreu, e Kukai obedeceu à instrução de seu mestre de voltar ao Japão
como oitavo patriarca do Shingon. Mesmo que seja difícil imaginar um discípulo
atingindo tais culminâncias em apenas dois anos, o extraordinário gênio de
Kukai é demonstrado pela lista de suas realizações, pois além de suas iniciações
ele também aprendeu o sânscrito, estudou a poesia chinesa e sânscrita, dominou
a caligrafia e aprendeu diversas artes menores. Quando Kukai chegou no Japão,
enviou uma notícia à corte, mas o Imperador Kammu havia morrido e seu sucessor,
o Imperador Heizei, demonstrou escasso interesse, e só anos depois sua escola
foi reconhecida oficialmente. A despeito da assistência de Saicho, a corte
tardava em agir, em parte porque os textos e ensinamentos que Kukai trouxera
consigo fossem extremamente arcanos, não sistematizados, e novos demais mesmo
na China para terem estabelecido uma reputação. A resposta fria de Kukai para
Saicho pode ter sido devida ao sucesso deste na corte e sua plena aceitação da
morte de Kammu.
O Imperador Heizei retirou-se em
809, e Kukai logo fez amizade com o jovem Imperador Saga. Kukai foi enviado
para o Templo Takaosanji, perto de Kyoto, e a partir deste centro ele exerceu
uma considerável influência cultural sobre a corte. Em 816 o Imperador deu sua
permissão para que se construísse um complexo monástico no Monte Koya, e três
anos mais tarde o templo seria consagrado. Denominado Kongobuji, simbolizava a
união dos dois mandalas principais – chamados, em japonês, mandaras - usados no
Shingon shu. Um pouco antes que o Imperador Saga se retirasse em 823, Kukai foi
encarregado do grande Templo Toji em Kyoto. O Imperador seguinte, Junna, permitiu que cinqüenta monges Shingon fixassem residência
em Toji, assim fazendo dele o primeiro templo no Japão dedicado exclusivamente
a uma escola. Desde então Kukai e sua escola encontraram seu lugar na Terra do
Sol Nascente. O centro da atividade Shingon se mudara para Toji, e Kukai
desempenhava rituais tântricos na corte imperial. Ele abriu a primeira escola
igualitária de Artes e Ciências no Japão, que aceitava estudantes de todos os
gêneros de vida, mas ela foi abandonada pelo templo uma década depois da morte
de Kukai. Em 830, Kukai completou sua sistematização das doutrinas Shingon em seu Jujushinron (Dez Estágios do Desenvolvimento da Mente). A má saúde o forçou a se
aposentar no Templo Toji e retirar-se para o Monte Koya em 831, mas em 834 a corte imperial instituiu rituais tântricos regulares e Kukai participou de suas práticas em
835, dois meses antes de sua morte. Quando Kukai passou para o que seus
discípulos chamaram 'samadhi eterno' no Monte Koya, ele foi enterrado em seu
pico oriental. Com esta morte os maiores expoentes do período Heian se foram,
mas como Saicho, seu contemporâneo mais velho, sua influência continuou a
inspirar sua escola por séculos. Postumamente foi-lhe concedido o título de
Kobo Daishi, 'Propagador do Dharma', pelo qual ele é mais largamente conhecido
hoje.
Shingon significa 'palavra
verdadeira' e se refere tanto à plena expressão da buddhavachana, a Palavra de
Buda, que para Kukai envolvia instrução arcana, como ao poder da Palavra de
transformar a consciência e a percepção. De acordo com Kukai, os seres humanos
tendem a se distribuir em um de dez estados distinguíveis de desenvolvimento. Estes
estágios representam um espectro de consciência e ser, desde a existência
ignorante até o limiar da iluminação. O intenso desenvolvimento intelectual e
mesmo o grande conhecimento espiritual são virtualmente inúteis a menos que
possam ser traduzidos em prática nos níveis da mente, fala e corpo. Esta
prática tríplice, incluindo o estudo, o uso dos mantras e a contemplação dos
mandalas, age para mover a consciência de nível para nível em direção à
iluminação total. Cada ensinamento e doutrina representa um ou outro destes
níveis, e o Shingon enaltece a todos sem rejeitar nenhum. Kukai sabia que as
práticas tântricas surgem da descoberta de que os resultados alcançados pelas
antigas práticas de yoga, envolvendo uma retirada disciplinada dos sentidos,
poderiam ser obtidos pelo uso seletivo das sensações. Ele também sabia que no
século VII esta descoberta havia sido usada para justificar práticas eróticas
degradadas conhecidas como a 'Vajrayana da mão esquerda', e as condenou como
heterodoxas e perigosas. Para Kukai, a iluminação, e não o poder ou a magia,
era a meta ensinada pelo Buda. Portanto, ensinava ele, é importante entender os
estágios de desenvolvimento da mente possíveis para qualquer ser humano.
Em seu Jujushinron, Kukai dizia que o estágio mais baixo de consciência e comportamento é
impulsivo e instintivo. Aqui as pessoas vivem cegamente, agem como um rebanho,
sem valores morais e espirituais, mal sendo distinguíveis de animais. O segundo
estágio é caracterizado por uma consciência ética emergente conjugada com
ingenuidade e ignorância. Neste nível os indivíduos têm uma sensitividade para
com os outros e praticam preceitos simples como dana, caridade, mas temem as
forças e condições que não compreendem. Para Kukai, este estágio é
corporificado nas doutrinas Confucianas como são entendidas ordinariamente,
onde a vida ética é levada à perfeição. O terceiro estágio é marcado pelo
destemor nos planos mental e físico, devido à convicção de que o renascimento é
um fato literal. As pessoas de mente literal, incluindo a maioria dos Taoístas,
Hinduístas e Budistas, pertence a este estágio, porque sua fé no renascimento
reflete seu apego ao ego transitório e o seu desejo de preservá-lo. Na visão de
Kukai as pessoas pertencentes a estas três classes, embora muito diferentes
entre si, não obstante possuem uma disposição mundana.
No quarto estágio o ser humano
entende a doutrina do anatman, ou não-alma, e percebe que o ego temporário
consite meramente dos cinco skandas ou agregados: forma, sentimento, idéias,
ações e consciência. Contudo, ele não reconhece a natureza anatman de todos os
dharmas ou constituintes da existência. Um indivíduo destes é um shravaka, um
ouvinte da Palavra. O quinto estágio, ou intermediário, no espectro de
consciência e ser, anuncia uma mudança fundamental na consciência. As pessoas
neste nível entendem a causa do sofrimento - tanha, sede de existência
encarnada - e de um lado procuram eliminar a criação de karma novo e de outro
buscam o nirvana. Estes são os budas pratyeka, que sabem como obter a
iluminação para si mesmos, mas carecem dos upaya ou meios habilidosos para
ajudar os outros em direção à mesma meta. O sexto estágio testemunha a
transformação de prajna, sabedoria, em karuna, compaixão, o primeiro passo no
Mahayana ou Grande Veículo. Para Kukai, isso era melhor representado no Japão
pela escola Hosso. Estes três estágios representam um desvio fundamental da
consciência das distrações de um mundo transitório, que pretende permanência,
para o mundo aparentemente menos garantido mas mais real do desenvolvimento
espiritual.
No sétimo estágio o indivíduo
percebe que sua mente é não-nascida, anupadaka, sem começo ou fim. Esta
percepção é baseada na sutil dialética de Nagarjuna, conhecida como a negação
óctupla, na qual nenhuma noção fixa, afirmativa ou negativa, é deixada sem
questionamento. Aqui a mente entende aquilo que não pode agarrar - shunyata, o
Vazio - e discerne o corolário inevitável, shunyatashunyata, a vaziez mesmo do
Vazio. Kukai pensava que a escola Sanron, ou dos Três Tratados, exemplificava
este estágio de desenvolvimento mental. O oitavo estágio é uma mudança sutil na
consciência que é representada pela escola Tendai e sua visão de Buda como
Realidade onipresente. Para Kukai, mesmo o exaltado entendimento representado
pelo pensamento Tendai poderia ser transcendido, e este é o motivo de ele ter
resistido à sugestão de Saicho de que o Tendai e o Shingon eram idênticos. O
nono estágio, de acordo com Kukai, é a epítome do pensamento exotérico, pois
aqui a pessoa reconhece a origem interdependente do dharmadhatu, o reino da
verdade e da lei, além do qual estão a realização e iluminação plenas. A escola
Kegon, dizia Kukai, corporificava este estágio. Kukai afirmava que os estágios
oitavo e nono - os níveis Tendai e Kegon, neste esquema - eram limitados apenas
porque seus pontos de vista permaneciam teóricos, ao passo que o estágio mais
elevado envolve a realização na consciência da verdade fundamental para a qual
eles apontam.
Uma vez que o ser humano é tanto
mente como corpo, a iluminação plena abrange todo o ser. O décimo estágio - que
realmente é uma transcendência de todos os estágios - é a compreensão completa
de Shingon, a Palavra Verdadeira, que significa a união da mente e corpo do
indivíduo com a mente e corpo de Mahavairochana, o Buda ao mesmo tempo imanente
e transcendente na Natureza. Este estágio é de absorvente prática espiritual,
onde o aprendizado dos estágios anteriores e a assimilação dos posteriores
culmina numa identidade sem atributos próprios mas sem perda de consciência. Neste
nível, a pessoa não é outra senão Mahavairochana, uma declaração que permanece
incompreensível antes que a pessoa a realize. Deste ponto de vista, o Shingon
necessariamente reclama ser completamente esotérico. Mesmo que suas práticas
sejam tântricas em sua origem, a escola prefere chamar a si mesma de esotérica,
a fim de separar-se de uma hoste de ritos mágicos degenerados e superstições
que são chamados de tantra.
Kukai escreveu um tratado no qual
ele distinguia o pensamento Budista esotérico e exotérico de quatro modos. Primeiro
de tudo, quem ou o que ensina a Palavra de Buda? Exotericamente, a função
docente de Buda no mundo é dita ser realizada pelo nirmanakaya, um ser que pode
agir no mundo e que usa os upaya, meios habilidosos, para evocar o entendimento
naqueles que ouvem. Esotericamente, contudo, o ensinamento provém de
Mahavairochana, o buda dharmakaya que é Verdade Absoluta sem upaya. À questão
filosófica "Como se pode dizer que a Verdade Absoluta ensina?", a
resposta é que nada pode ser atribuído à Verdade Absoluta, mas do ponto de
vista da experiência espiritual, a Verdade é experimentada como Ensinamento. Secundariamente,
qual é a qualidade do ensinamento Budista? Exotericamente, a iluminação é uma
experiência qie transcende completamente qualquer formulação concebível em linguagem. Esotericamente, as Palavras Verdadeiras (shingon) correspondem a Mahavairochana, e
é possível experimentar a Verdade através dos mantras (sons sagrados), mudras
(gestos sagrados), samayas (símbolos) e mandalas (diagramas sagrados). Em
terceiro, quais são os efeitos dos dois tipos de ensinamento? Exotericamente, a
senda para a iluminação é vista como gradual e requerendo uma virtual
infinidade de vidas para se chegar na meta. Esotericamente, a prática de
sanmitsu, usando samadhi (meditação), mantra e mudra para concentrar totalmente
a mente, fala e corpo, pode levar diretamente à união com Mahavairochana. Por
mais remota estatisticamente que possa ser esta possibilidade para qualquer ser
humano, não obstante é possível à pessoa atingir a iluminação no corpo atual.
Talvez esta seja a sua doutrina
mais mal-entendida. Kukai insistia na possibilidade radical da iluminação
súbita, mas ele não abrigava ilusões sobre a natureza humana. Mesmo que
sustentasse que certos textos e práticas fossem mais eficazes do que outros no
atingimento da meta, ele também assinalava que um sutra ou prática eram úteis
apenas na medida em que a pessoa estava pronta para usá-los em plenitude e sem
qualificações. Sua quarta distinção entre doutrinas exotéricas e esotéricas
ilustra esta posição. Exotericamente, os benefícios do dharma variam de acordo
com as classes dos seres, e algumas escolas até mesmo negam que certos tipos de
pessoas sejam de todo capazes de iluminação. Mais ainda, as escolas exotéricas
tendem a subscrever alguma versão momentânea da doutrina, de modo que as
pessoas de cada era subseqüente são cada vez menos capazes de chegar à
iluminação do que seus predecessores, até que chega o tempo em que ninguém é
capaz de fazê-lo, quaisquer que sejam seus esforços espirituais. Esotericamente,
ensinava Kukai, Mahavairochana trabalha incessantemente por todos os seres
sencientes, sobrepujando as tendências passageiras de qualquer época, de modo
que mesmo uma pessoa que pratique apenas nos níveis mais toscos receberá algum
benefício.
Surgiram muitos centros de ritual
Shingon em torno dos dois mandalas que Kukai aprendeu na China e combinou em um
único mandala duplo, chamado Mandara Ryokai. Cada mandala é tomado como uma
representação psico-espiritual da vida interior de um ser autoconsciente, que é
também a representação do universo de um ponto de vista espiritual. O primeiro
mandala, chamado Mandara Taizokai ou Reino do Seio, representa Mahavairochana
como o dharmakaya na totalidade da existência fenomênica. Em seu desenho ele
simboliza tanto a compaixão irradiante como o crescimento de qualquer
indivíduo, ou seja, potencialidade e iluminação. Bodhichitta, a semente de
iluminação presente em todo ser senciente, é cultivada no seio da compaixão, e
o discípulo que usa este mandala corretamente pode rápido incrementar seu
crescimento na própria Verdade. Representando o universo do ponto de vista da
compaixão, o mandala dá ao aspirante uma imagem precisa e espiritualmente
relevante da realidade. Mahavairochana é representado no centro do mandala,
rodeado de lótus de oito pétalas e de quatro Budas e Bodhisattvas
representantes dos nove tipos de consciências em sua condição pura. Doze seções
rodeiam este centro unificado e desvelam seu significado em graus de manifestação
e diversidade.
O segundo mandala, o Mandara
Kongokai ou Reino Diamante, representa as práticas espirituais que conduzem à
iluminação. Nele, o vajra ou diamante simboliza o poder da sabedoria de penetra
na ignorância através da percepção interior. Desenhado em nove seções em séries
de três quadros cada, o mandala incita a duas interpretações correspondendo aos
movimentos horário e anti-horário em torno do diagrama. No sentido horário, o
mandala ilustra o movimento aparente da iluminação a partir do centro, que é
Mahavairochana, até a periferia, que é Vajrasattva, do cerne não-manifesto da
realidade até sua manifestação compassiva. No sentido anti-horário, o mandala
significa o retorno da consciência para a sua fonte, a reintegração através da
prática. Qualquer que seja o caminho em que os olhos sigam o movimento do
mandala, eles passam por 1461 deidades, cada uma representando um estágio de
consciência e um grau de iluminação.
Além destes intensos rituais
meditativos associados ao mandala dual, Kukai instituiu a kanjo ou iniciação
nas doutrinas e práticas secretas do Shingon, um ritual que é repetido em
diversos níveis à medida que o aspirante obtém conhecimento e aperfeiçoa sua
prática. O aprendizado dos mandalas é kanjo. Kukai também estabeleceu rituais
planejados para beneficiar o país e o público não-iniciado, incluindo goma, uma
oferenda queimada que reflete os sacrifícios Agni dos Vedas. Os quatro tipos de
rituais goma são usados para afastar calamidades nacionais, aumentar a
prosperidade, invocar a compaixão divina e vencer o mal.
Uma vez que Mahavairochana, o
Grande Iluminador, deve ser percebido em toda a parte, todo som, cor e número
expressa sua Palavra Verdadeira cósmica. As leis da Natureza e da consciência
humana refletem em graus mais ou menos óbvios o Pensamento puro de
Mahavairochana. Uma vez que seu pensamento, fala e corpo constituem o universo
triplo, o Shingon busca evocar sua realidade no pensamento, fala e corpo de
todo ser humano. Para Kukai, todo ritual, toda prática e toda idéia só servem
corretamente para esta finalidade. Kukai procurou o Ensinamento mais profundo
que pudesse encontrar, e tendo-o encontrado, procurou corporificá-lo em suas
palavras e atos, ensinando os outros não a imitá-lo, mas a fazerem o mesmo.
"Vislumbrando um solene
castelo além do mar,
repleto de cavalos, homens e
mulheres,
Os tolos o tomam como realidade.
O sábio sabe de sua vaziez,
e que com o tempo ele passará.
Os edifícios celestes, os
templos, os palácios terrenos,
Uma vez pareciam reais, mas
voltaram ao nada.
Risíveis, infantis, são aqueles
que se perdem:
não amem cegamente.
Meditem seriamente e logo passem
a morar
no palácio tathata da
Seidade".
KUKAI