"Houve cento e setenta e
seis pessoas que transmitiram os 'sutras' e tratados da Índia para a China. Entre
todas estas, só Kumarajiva traduziu os 'sutras' e outros escritos de
Shakyamuni, o fundador, sem interpolar nada de suas opiniões pessoais. Das outras
cento e setenta e cinco, as cento e sessenta e quatro que viveram antes ou em
torno da mesma época de Kumarajiva podem ser entendidas por causa da luz que a
sabedoria de Kumarajiva lançou sobre elas. Não obstante, estes cento e sessenta
e quatro indivíduos claramente cometeram erros, assim como os restantes onze
indivíduos que compuseram as chamadas "novas traduções" também cometeram
erros. Estas últimas, contudo, eram mais penetrantes e compreensíveis por causa
dos esforços de Kumarajiva. Isto não é simplesmente minha opinião pessoal, pois
o 'Kanduzen' fala de Kumarajiva como sendo 'sem igual tanto entre seus
predecessores como entre seus sucessores' ".
'Ota-dono Nyobo
Gohenji'
NICHIREN DAISHONIN
'Único' é o adjetivo que mais
precisamente caracteriza quase todos os aspectos da vida de Kumarajiva: sua
filiação, nascimento, viagens, educação, aprisionamento, obra e velhice. Ele
combinou uma apreciação universal da verdade onde quer que fosse encontrada,
uma generosa tolerância para com pontos de vista diferentes, e uma dedicação
absoluta à sua tarefa auto-escolhida. Mesmo que a 'buddhavachana', a palavra de
Buda, tenha sido transmitida à China por uma constelação de brilhantes monges e
instrutores, cada geração desde Kumarajiva considerou-o sem paralelo. Sua
influência foi sentida em quase toda escola de pensamento Budista na China e
ultrapassou o Mar Amarelo para impregnar o Japão de sua magia. Ao mesmo tempo,
ele tentou manter seu trabalho livre de toda apreciação pessoal e julgamento
polêmico. Ele nem ofereceu doutrinas próprias nem fez qualquer reivindicação
sobre sua concepção particular, mas buscou ser apenas um verdadeiro discípulo
de Buda, um espelho puro de transmissão para os que falavam a língua chinesa.
O pai de Kumarajiva, Kumarayana,
era descendente de uma respeitável linhagem de primeiros-ministros de um reino
na Cachemira. Embora se esperasse que Kumarayana se tornasse primeiro-ministro
depois de seu pai, ele renunciou ao seu direito hereditário e se tornou monge
Budista. Enfim, ele partiu pela Rota da Seda que estendia seu rumo através do
poderoso Pamir até o Deserto do Takla-Makan e a Ásia Central. Seguindo a rota
norte, ele chegou, no decorrer do tempo, ao devoto reino Budista de Kucha, na
parte norte da grande bacia do Rio Tarim. O rei de Kucha ou conhecia Kumarayana
por sua reputação ou tinha uma aguda percepção da natureza humana, pois deu
calorosas boas-vindas ao viajante e imediatamente tornou-o um conselheiro
fidedigno. Em breve ele era elevado ao posto de 'kuo-shih', Mestre da Nação,
uma posição privilegiada que englobava deveres políticos e culturais, bem como
funções religiosas. Embora Kumarayana houvesse renunciado ao mundo e assumido a
vida de um monge, seu destino era o de não ser afastado. Jivaka, a irmã mais
jovem do rei, tinha uma graça, vivacidade e vontade plenamente acompanhadas por
uma inteligência excepcional. É dito que ela tinha apenas que relancear uma
passagem para compreendê-la, e apenas ouvir algo uma vez para repetí-lo de
memória. Ela havia rejeitado polidamente alguns possíveis pretendentes de
reinos vizinhos, mas, quando ela viu Kumarayana, expressou o desejo de se tornar
sua esposa. O rei ficou encantado e insistiu que Kumarayana aceitasse a
proposta. Mesmo sendo um monge, ele cedeu à vontade de seu generoso e devoto
monarca.
Quando seu filho nasceu, em torno
de 344 dC, Kumarayana e Jivaka emprestaram a ele cada um uma parte de seu nome,
e ele foi chamado de Kumarajiva. Como se se tornasse manifesto um plano da
Natureza oculta, mal a notável criança atingira os seis anos quando Jivaka
recebeu de seu esposo a autorização para se tornar monja Budista. Naquela
altura, Kumarajiva havia já aprendido de cor a vasta literatura do
'Abhidharma', entendera-a e entrara no Sangha. A mãe de Kumarajiva reconheceu
claramente a penetrante inteligência de seu filho e determinou-se a dar-lhe o
melhor treinamento filosófico e espiritual disponível. Quando ele chegou aos
nove anos, mãe e filho empreenderam a árdua jornada até a Índia, chegando enfim
ao reino cachemir conhecido dos chineses como Chi-pin, que provavelmente era a
terra natal de seu pai. Bandhudatta, um renomado instrutor Budista e primo do
rei, instruiu Kumarajiva nos 'agamas' (os 'nikayas' da tradição Theravada). Nos
dois anos seguintes Kumarajiva dominou os textos e foi honrado pelo rei. Uma
vez ele derrotou diversos professores não-Budistas, em um debate diante do
governante, e desde então sua reputação o precedia aonde quer que ele fosse. Além
de aprender as escrituras e tratados da escola Sarvastivada, Kumarajiva
aproveitou a oportunidade oferecida pela sua presença na Índia para estudar
medicina, astronomia e astrologia, métodos exegéticos e hermenêuticos de
exposição, lógica e as ciências aplicadas.
Quando Kumarajiva tinha doze
anos, ele e sua mãe partiram de volta para Kucha. O caminho foi lento, pois
cada reino e principado ao longo da rota festejou-o e honrou-o, e diversos
insistiram para que ele estabelecesse residência como instrutor e conselheiro. Enquanto
faziam seu percurso através das montanmhas da região Yueh-chih, ele encontrou
um 'arhat' que fez uma previsão para sua mãe:
"Deves cuidar e proteger
este noviço. Se, chegando aos trinta e cinco anos, ele não tiver abandonado as
regras da disciplina religiosa, ele se tornará um grande propagador do
'buddhadharma', iluminando incontáveis pessoas, e igualando Upagupta".
Upagupta havia sido o quarto
patriarca depois de Buda, famoso por haver convertido o imperador Ashoka ao
caminho Budista. Embora Kumarajiva mais tarde tivesse de quebrar um de seus
votos, ele satisfez os requisitos da profecia e cumpriu a predição.
Passando para além de Yueh-chih,
Kumarajiva e sua mãe chegaram a Kashgar, um reino Budista conhecido por seus
excelentes intrutores e bibliotecas. Ele se estabeleceu ali por um ano e
completou seus estudos do 'Abhidharma' e dos textos venerados pelos
Sarvastivadas. Durante este tempo ele concentrou-se intencionalmente na
literatura Védica e estudou os sistemas mais importantes de canto dos 'Vedas'. Ao
mesmo tempo que aprendia muito sobre as escolas filosóficas hindus, ele se
concentrou sobre o poder do som de afetar a receptividade da consciência à
verdade transcendental. O conhecimento obtido mais tarde influenciaria suas
dinâmicas traduções para o chinês dos 'sutras' e textos. Ele também expandiu
seu considerável conhecimento anterior do sânscrito e do páli e aprendeu mais
sobre as linguagens da Ásia Central. Seguindo o conselho de um monge, o rei de
Kashgar convidou Kumarajiva para tomar o assento de honra e expor um 'sutra'
para uma prestigiosa assembléia que incluía o próprio rei. Kumarajiva o fez, e
como resultado os monges de Kashgar foram indiretamente impelidos a reformar
suas disciplinas monásticas antes relaxadas. Ao mesmo tempo, o rei de Kucha
ouviu falar da elevada estima para com Kumarajiva mantida em Kashgar e enviou
uma delegação para estabelecer relações amigáveis entre os dois reinos.
Enquanto vivia em Kashgar,
Kumarajiva encontrou-se com Sutyasoma, um príncipe de Yarkend (So-ch'e), talvez
como resultado de um discurso público. Sutyasoma havia renunciado à sua herança
real e ido para Kashgar em busca de instrução espiritual, e já era um venerado
instrutor quando tomou Kumarajiva sob seus cuidados. Como seguidor das
doutrinas Sarvastivada, Kumarajiva sustentava que os 'dharmas', ou
constituintes derradeiros da existência, são eternamente reais, ao passo que os
fenômenos empíricos que surgem da confluência momentânea dos 'dharmas' sob a
ação do 'karma' são irreais. Sutyasoma aderira à visão Mahayana de que todos os
'dharmas' são eles mesmos irreais; ontologicamente, os 'dharmas' são como o
espaço vazio e assumem existência individual só em suas combinações momentâneas
e sempre cambiantes. Embora Kumarajiva achasse inicialmente tais ensinamentos
difíceis de entender, a aplicação mais universal de Sutyasoma da doutrina de
Buda sobre a impermanência logo o conquistou, abandonando o ponto de vista Mahayana.
Kumarajiva sentiu uma tremenda liberação e emancipação, declarando que ele
havia sido como uma pessoa que não sabia o que é o ouro, e havia previamente
tomado o latão como algo maravilhoso.
Kumarajiva iniciou um estudo
intensivo dos 'sutras' com o mesmo entusiasmo que havia animado seu aprendizado
anterior. Ele aprendeu as doutrinas das escolas Madhyamika, memorizou tratados
de Nagarjuna e Aryadeva, e rapidamente assimilou os ensinamentos Mahayana. O
quão fundamental para sua vida foi o encontro com Sutyasoma, que mudou seu
ponto de vista, é ilustrado por sua insistência para que Bandhudatta, seu
primeiro instrutor na Índia, viesse para Kashgar. Lá, Kumarajiva e Bandhudatta
envolveram-se em debate amigável mas intenso, e por fim Bandhudatta foi vencido.
Nesta época Sutyasoma previu algo do magnífico trabalho que Kumarajiva havia de
fazer na China. Anos depois de deixar Kashgar, Kumarajiva contou aos seus
discípulos na China o que Sutyasoma uma vez havia-lhe dito:
"O sol de Buda se escondeu detrás das montanhas ocidentais, mas seus raios
permanecem a brilhar sobre o Nordeste. Estes textos são dirigidos às terras do
Nordeste. Deves assegurar que sejam transmitidos para lá".
Depois de passar um ano memorável
em Kashgar, Kumarajiva e sua mãe partiram para Kucha. Eles pararam por um tempo
no reino de Wen-su, e então foram para sua casa. Na altura em que Kumarajiva chegou a Kucha, sua reputação havia chegado antes dele, bem como à China do
norte. Monges de toda Ásia Central e Oriental se reuniram em Kucha para
aprender com ele, mesmo que ele tivesse apenas vinte anos e fosse ainda
oficialmente um noviço ou 'shramanera'. No mesmo ano ele foi feito monge pleno
no Sangha e passou muito de seu tempo ensinando outros. Por quase uma década
ele se preparou para a missão na China que havia sido profetizada e que ele
sentia ser o ponto focal da obra de sua vida. Este período não teve a paz e
prosperidade dos anos anteriores, pois ele testemunhou o rápido declínio do
estado Kuchan e ouviu relatos das incessantes lutas internas que afligiam o
norte da China. Não obstante, ele trabalhou silenciosamente, na convicção de
que ele era destinado a ir para o Leste de um modo ou de outro. Sua mãe, vendo
o declínio no destino de Kucha e acreditando que havia feito todo o possível
por seu filho, exortou-o a seguir a Senda do Bodhisattva sem vacilar e partiu
de volta para a Índia. Eles jamais se encontraram de novo.
Em 379, Fu Chien conquistou a
cidade de Hsiang-yang e levou Tao-an para sua capital em Ch'ang-an. Lá, Tao-an
estabeleceu seu famoso centro de tradução das escrituras e textos Budistas, com
o pleno apoio de Fu Chien. Quando Tao-an soube das habilidades espirituais,
filosóficas e lingüísticas de Kumarajiva, insistiu com Fu Chien para que o
convidasse para Ch'ang-an. O imperador guerreiro o fez de um modo consoante com
seu governo agressivo: despachou Lu Kuang com um exército para marcharem sobre
Kucha e capturarem Kumarajiva. Kucha caiu diante de Lu Kuang e Kumarajiva
voluntariamente partiu para Ch'ang-an com o general conquistador, em 383. Lá os
eventos tomaram o rumo de estranhas mudanças. Tao-an morreu em 385 e seis meses
mais tarde a família Yao atacou e conquistou Ch'ang-an e assasinou Fu Chien. A
nova dinastia continuou muitas das políticas dos governantes anteriores -
preservando o centro de traduções de Tao-an, encorajando os estudos Budistas -
e planejou convidar Kumarajiva para a capital. Quando Lu Kuang soube da
conquista de Ch'ang-an, interrompeu seu retorno e declarou-se independente, e
fundou um estado conhecido como Liang Posterior, com sua capital em Ku-tsang. Embora Lu Kuang não fosse Budista e não se importasse nada com sensibilidades
espirituais, ele reconheceu o valor político de Kuamarajiva.
Lu Kuang manteve Kumarajiva sob
virtual prisão domiciliar durante dezesseis anos, sujeitando-o a numerosas
indignidades, ao mesmo tempo que o mantinha como conselheiro militar. Durante
este tempo os governantes de Ch'ang-an alternadamente exigiram e imploraram por
sua libertação, mas sem sucesso. Kumarajiva considerou esta fase de sua vida ao
mesmo tempo difícil e frustrante, porque ele era vilipendiado por suas
convicções e impedido de fazer o trabalho que ele acreditava estar destinado a
executar. Antes do que se tornar passivo ou desconsolado, ele usou o tempo para
aprender sobre a China com os rústicos soldados que haviam marchado
extensivamente pelo país. Ao mesmo tempo que discretamente reunia textos para
levar para Ch'ang-an, também acabou por dominar completamente a língua chinesa.
Por fim, Yao Hsing, o segundo governante da nova dinastia de Ch'ang-an,
aborreceu-se com as infrutíferas negociações com Lu Kuang e assumiu um risco
ousado. Em 401 seus expércitos atacaram e conquistaram Ku-tsang. Kumarajiva foi
resgatado ileso, e em 402 foi recebido em Ch'ang-an, realizando aos cinqüenta
anos um sonho que havia concebido aos vinte .
Kumarajiva foi recebido
calorosamente por Yao Hsing, que concedeu-lhe o título de Mestre da Nação. A
frutífera fase de sua vida, que influenciou profundamente a tradição Budista
chinesa desde o momento em que ele entrou em Ch'ang-an até os dias de hoje,
começou com sua chegada e durou em torno de uma década. Seis dias após
estabelecer residência em seu novo lar, ele aceitou a sugestão de um monge
chamado Seng-jui, mais tarde um de seus principais discípulos, e começou a
traduzir um texto sobre meditação, o 'Tso-ch'an san-mei ching'. Ele descobriu
que o centro de tradução fundado por Tao-an havia sido preservado e patrocinado
por Yao Hsing, e maravilhou-se com a qualidade do trabalho de seu predecessor. Ele
encontrou-se rodeado de um enorme grupo de monges eruditos que estavam prontos
para continuar o trabalho de tradução debaixo de sua liderança. Ele reorganizou
rapidamente o centro de modo que novas traduções pudessem ser feitas ao mesmo
tempo que as realizações das gerações anteriores pudessem ser repassadas e
revisadas. Nos anos seguintes ele traduziu quase cinqüenta obras em cerca de
trezentos volumes.
Como Tao-an, Kumarajiva pensava
que o 'ko-i', ou método de tradução de 'emparelhar o significado', no qual os
conceitos sânscritos Budistas desconhecidos eram substituídos por termos
chineses Taoístas, comprometia os ensinamentos de Buda. Uma revisão da obra de
Tao-an convenceu-o, contudo, de que uma insistência estrita demais na tradução litaral,
algumas vezes exigindo a criação de neologismos canhestros, tornava obscuros os
belos textos. Sua crença de que uma tradução deveria veicular com precisão o
tom e textura de um ensinamento inseparavelmente de seu conteúdo, obrigou-o a
adotar um novo método de tradução. Ele decidiu enfatizar o tema central de um
texto ou tratado e editar passagens que pareceriam desnecessariamente
repetitivas para os leitores chineses. Tendo arranjado as forças de trabalho à
sua disposição de modo que satisfizessem seus intentos, ele lia um texto em voz
alta, frase por frase, diante de uma grande congregação. Yao Hsig assistia
freqüentemente a estas sessões, e algumas vezes ele mesmo segurava o manuscrito
original em folha de palmeira, enquanto Kumarajiva o explicava. Depois de cada
frase, Kumarajiva explicava seu significado e propunha uma tradução oral para o
chinês. A congregação comentava o resultado e sugeria melhoras. Enquanto isso,
um escriba registrava a tradução aprovada, e mais tarde um editor revisava o
texto inteiro quanto ao estilo e consistência interna. Finalmente, um calígrafo
corrigia os ideogramas chineses de modo a assegurar que não houvesse
ambigüidades na transmissão dos textos.
Diz-se que Seng-jui rejubilou-se
depois de assistir a uma sessão de tradução com Kumarajiva, porque pela
primeira vez ele captou um vislumbre de entendimento sobre o enigmático
conceito do 'shunyata'. A obra coletiva de Kumarajiva e seus colegas produziu
textos que eram legíveis, compreensíveis e inspiradores. Tendo passado um
milênio e meio, suas traduções ainda são lidas e estudadas, e amiúde são usadas
como base para novas traduções para outras línguas, incluindo o inglês. Mesmo
que tenha traduzido uma variedade de 'sutras' e comentários de vários
ensinamentos Budistas, como os da literatura Prajnaparamita, o 'Sutra
Vimalakirti' e o 'Sutra Surangam', seu trabalho mais famoso e influente foi a
poderosa tradução do 'Sutra do Lótus', conhecido em sânscrito como 'Saddharma
Pundarika Sutra' e em chinês como 'Miao-fu lien-hua'. Nele se acham combinados
harmoniosamente a espantosa facilidade lingüística de Kumarajiva com sua
profunda compreensão do escopo e profundidade do 'buddhadharma'. Talvez menos
evidente ao leitor moderno seja o notável apoio que Yao Hsing deu a este tipo
de projeto. Kumarajiva também jamais hesitou em reconhecer o enorme apoio que
recebeu dos monges eruditos e entusiastas que trabalhavam juntos num espírito
de harmonia e cooperação exemplar.
A influência de Kumarajiva não
ficou limitada aos chamados reinos bárbaros do norte da China. Em 378,
Hui-yuan, um dos principais discípulos de Tao-an, partiu para o sul e
estabeleceu residência em uma comunidade monástica em Lu-shan, uma montanha
famosa, entre os Taoístas, Confucianos e Budistas, por sua majestade e mistério.
Dentro de poucos anos ele se tornou o líder informal da comunidade Budista do
sul da China. Logo depois da chegada de Kumarajiva em Ch'ang-an, em 402,
Hui-yuan escreveu para ele e encorajou-o a continuar o trabalho de Tao-an. Um
ano mais tarde, ouvindo que Kumarajiva poderia voltar para Kucha, escreveu
novamente, insistindo fortemente para que ele permanecesse na China. Durante os
anos seguintes os dois monges trocaram cartas sobre assuntos filosóficos e
monásticos, e dezoito delas ainda sobrevivem. Hui-yuan perguntou sobre muitos
assuntos, mas ele estava mais interessado em obter um entendimento claro sobre
o 'dharmakaya', o mais elevado veículo de um Buda. Kumarajiva distinguia entre
'dharmakaya', o derradeiro corpo de Buda, e 'dharmadhatujakaya', o corpo
invisível produzido conscientemente por um Bodhisattva para servir a humanidade
no mundo depois de sua morte física. Assim ele demonstrou como aquilo que é
derradeiramente real é refletido em forma sutilmente material através da
consciência unidirecionada e universal. Nestas cartas respondendo a perguntas
propostas por um sério discípulo do 'buddhadharma', pode-se captar algo do
profunda percepção e entendimento do próprio Kumarajiva. Em geral ele preferiu
permanecer oculto por trás do brilho de suas traduções e evitou escrever
tratados apresentando suas concepções pessoais.
Yao Hsing ficou tão impressionado
com a perspicácia política, talento intelectual e profundidade espiritual de
Kumarajiva que foi impelido a tentar um experimento eugênico. Ele insistiu que
Kumarajiva saísse da comunidade monástica para uma residência privada servida
por mulheres. Yao Hsing acreditava que a descendência de Kumarajiva e de
donzelas cuidadosamente escolhidas seria tão brilhante e telentosa quanto o seu
pai. Embora Kumarajiva sentisse aversão à experiência, ele recusou-se a
arriscar o bem-estar do centro de tradução pela recusa em obedecer ao seu
imperador. Ele atendeu às ordens de Yao Hsing, mas preocupou-se com os efeitos
que seus atos poderiam ter sobre a comunidade monástica. Ele se comparava a um
lótus crescendo da lama e insistia com os monges para que prestassem atenção ao
lótus e ignorassem a lama. Parece que a comunidade entendeu sua atitude como um
exemplo de auto-sacrifício em prol do Ideal do Bodhisattva, mesmo que os filhos
da experiência de Yao Hsing desapontassem suas grandiosas expectativas.
Quando Kumarajiva jazia em seu
leito de morte, ele profetizou para seus discípulos mais próximos que sua
cremação daria um critério de seu sucesso como tradutor. Se ele tivesse
cometido erros - uma possibilidade que ele sempre voluntariamente reconheceu -
todo o seu corpo seria consumido pelas chamas funerais. Se, contudo, ele não
tivesse errado, então sua língua permaneceria intocada pelo fogo. Seus
discípulos testemunharam que sua língua sobreviveu ilesa à cremação do seu
corpo. O julgamento da história concorda com o dos discípulos de Kumarajiva:
sua obra se tornou a espinha dorsal do grande edifício orgânico do pensamento e
ensinamento Budista que surgiu na China quando a 'buddhavachana' começava a
desaparecer mesmo na Índia. Ele deu sua vida para uma missão sagrada, cuja
plena significância seus contemporâneos não poderiam adivinhar. Embora
sentissem corretamente, pela força magnética de sua presença, que as gerações
subseqüentes se beneficiariam imenso de seu sacrifício altruísta.
"A fé está de acordo com a
verdadeira natureza de cada um e de todos, oh filho de Bharata, O homem é feito
de fé. Qualquer que seja sua fé, aquilo ele é verdadeiramente".
Bhagavad-Gita, XVII, 3.
SHRI KRISHNA