"O que chamamos de
evidências auspiciosas são a solenidade, cujo correlato é a chuva sazonal; a
boa ordem, cujo correlato é o brilho do sol sazonal; a sabedoria, cujo
correlato é o calor sazonal; o bom planejamento, cujo correlato é o frio
sazonal; a santidade, cujo correlato é o vento sazonal.
"O que chamamos de
evidências nefastas são a violência, cujo correlato é a chuva constante; a
arrogância, cujo correlato é o brilho solar constante; a dissipação, cujo
correlato é o calor constante; a rudeza, cujo correlato é o frio constante; a
estupidez, cujo correlato é o vento constante.
"Quando a seqüência das
estações do ano, mês e dia é imutável, as centenas de tipo de grãos podem com
isso ser colhidos, a administração do governo é com isso iluminada, os talentos
entre as pessoas comuns são com isso revelados, as famílias são assim pacíficas
e saudáveis".
'Shu Ching'
"A escola Taoísta incitou os
homens à unidade de espírito, ensinando que todas as atividades deveriam estar
em harmonia com o invisível, com abundante liberalidade para com todas as
coisas na Natureza".
SSU-MA TAN
A espiritualidade chinesa, que
embebeu a filosofia, religião e ciência da antiga China, tem raízes poderosas
que se perdem misteriosamente nas brumas da história. H.P.Blavatsky observou
que os chineses originais, agora confinados aos longínquos interiores do país e
em rápida extinção, são remanescentes da Quarta Raça Raiz, e que a China pode
remontar sua história até a Primeira Sub-raça da Quinta Raça Raiz, muito antes
do advento dos registros escritos, dos arquivos públicos ou mesmo da linguagem
como o mundo contemporâneo a entende. O dragão, visto oficialemente pela última
vez no manto imperial, originalmente representava os Filhos da Sabedoria e,
portanto, os grandes Iniciados que pertenciam às mais antigas linhagens
espirituais. O dragão passou a representar os grandes Sábios e por fim foi um
símbolo aplicado até mesmo para o imperador, que governava sob o "Mandato
do Céu". As idéias morais e espirituais que emergem, na história, da
obscuridade além, trazem a marca de suas origens. Misteriosas, ao mesmo tempo
floreadas e precisas, metafóricas em sua essência, oferecem uma perspectiva
luminosa para a intuição, mas impenetravelmente vaga para uma análise
discursiva. Dentro do escopo da história registrada, uma figura se sobressai
acima de todas as outras como preservador, sintetizador e transmissor da antiga
herança espiritual da China. Conhecido pela história como Lao Tsé, ele é tão
misterioso como as doutrinas que ensinou.
Nada é conhecido com certeza
sobre Lao Tsé, cujo nome significa "o Antigo Mestre", e constitui um
título honorífico antes do que um nome próprio. Mesmo o século em que ele viveu
tem sido objeto de disputa acadêmica. Tradicionalmente, diz-se que Lao Tsé
viveu no início do século VI aC, e era um contemporâneo mais velho de Confúcio,
mas as autoridades modernas tendem a colocá-lo no século IV aC, embora alguns
estudos recentes mais uma vez tenham preferido a data tradicional. De acordo
com Ssu-ma Ch'ien, um historiador que escreveu o 'Shih-chi' ('Registros
Históricos') em torno do ano 100 aC, Lao Tsé nasceu na vila de Ch'u-jen,
localizada no antigo estado de Ch'u, agora parte da província Honan oriental. Seu
nome de família talvez fosse Li, e ele pode ter sido conhecido como Li Tan, ou,
menos provavelmente, Li Erh. De acordo com Ssu-ma Ch'ien, ele foi indicado
'shih' da corte imperial Chou. Embora a palavra 'shih' passasse a significar
'historiador', na época de Lao Tsé indicava alguém que dominava a astrologia e
a divinação e era custódio dos livros sagrados. Talvez este seja o motivo de se
dizer que ele escreveu novecentos e trinta livros sobre religião e ética e
setenta sobre magia, constituindo um milhar de livros ao todo. Destes, só
sobrevive em circulação pública o 'Tao Te Ching'. A lenda afirma que Lao Tsé
encontrou Confúcio pelo menos uma vez, e posssivelmente diversas outras vezes.
É dito que quando Lao Tsé
percebeu que a dinastia Chou estava em irreversível declínio, decidiu deixar a
China, declarando que era preferível uma vida entre os bárbaros, que pelo menos
eram inocentes em sua vida analfabeta, do que entre educados degenerados que
poderiam desenfreadamente mergulhar abaixo do nível da existência animal. Ele
partiu para o oeste, deixando a cultura e civilização da China atrás de si. Ao
chegar ao Passo Hsien-ku, que assinalava a fronteira entre Ch'u e Ch'in,
descansou no albergue do passo com alguns poucos discíipulos que viajaram com
ele até a fronteira. Lá, Yin Hsi, o 'kuan-ling', ou guardião do passo,
reverentemente aproximou-se de Lao Tsé e lamentou o fato de jamais ter podido
deixar seu posto e ir até Ch'u para ouvir os ensinamentos do Mestre. Ele pediu
que Lao Tsé escrevesse um moto que ele pudesse gravar em sua consciência por
toda a vida. Apiedando-se do fiel e negligenciado servo de Ch'u, Lao Tsé pediu
pincel e papel. Em pouquíssimo tempo ele escreveu quinhentos ideogramas
chineses, compondo o breve texto chamado 'Tao Te Ching'. Se a história é
verídica, a humanidade deve à compaixão do Sábio e ao devoto apelo de um
esquecido guardião de passagem, um de seus mais ricos tesouros e um de seus
mais sagrados textos.
Depois de confiar seu tratado a
Yin Hsi, Lao Tsé continuou sua jornada, despedindo-se de seus discípulos. Ssu-ma
Ch'ien anotou simplesmente que "ninguém sabe o que lhe sucedeu
depois". Ele declara, contudo, que alguns Taoístas acretitavam que ele
viveu por pelo menos cento e quarenta anos, e outros dizem que por mais de
duzentos anos. Muito depois de Lao Tsé desaparecer do mundo dos homens, ele
passou a ser considerado divino. Foi venerado como Lao-chun (Senhor Lao), e os
Taoístas afirmam que ele assumiu diversas formas ao longo da história, e que só
uma dentre estas foi a de Lao Tsé. Quando os monges Budistas vieram para a
China para disseminar os ensinamentos de Buddha, eles encontraram nos Taoístas
seus ouvintes mais receptivos e os inimigos mais acirrados. Logo eles ouviram
uma notável história. O Senhor Lao, que como Lao Tsé desapareceu no oeste,
havia viajado para a Índia, onde ficou conhecido como Gautama Buddha. Embora
inicialmente surpresos, alguns Budistas voluntariamente fizeram uso da lenda
Taoísta para incrementar seu próprio trabalho. Embora os Taoístas, os
Confucianos e, mais tarde, os Budistas disputassem os corações e almas do povo,
todos se uniam na veneração de um ser que sem esforço transcendia as
reivindicações de grandeza relativa e das disputas doutrinárias. Quaisquer que
tenham sido as tradições seguidas pelos chineses, Lao Tsé permaneceu no meio
delas como o imutável Monte Meru, refletindo de seu pico nevado aquela luz
espiritual que transcende o tempo e as condições, mas embebe ambos de sua
verdade eterna.
O 'Tao Te Ching', a única obra
disponível de Lao Tsé, captura esplendidamente as multivalentes sutilezas do
antigo pensamento chinês. Reconhecidamente arcano em muitos aspectos, não
obstante ele pode ser pensado em vários níveis. O título tem sido traduzido
como 'O Clássico do Caminho do Poder', 'O Livro do Caminho e sua Virtude', e 'O
Livro da Perfectibilidade da Natureza'. Como as várias traduções do título
sugerem, o texto abrange a metafísica e a ontologia, a psicologia e a saúde, a
teoria social e o pensamento político, ao mesmo tempo que mantém uma
perspectiva espiritual e oferece sugestões que formaram a base dos trabalhos
alquímicos posteriores. A despeito de sua diversidade de assuntos abordados,
alguns com uma brevidade Heraclitiana, todo o texto é cristalizado no enigmático
primeiro capítulo:
"O Tao que pode ser descrito
não é o Tao eterno;
o nome que pode ser falado não é
o Nome eterno.
O Sem-nome é a origem do Céu e da
Terra;
O nomeado é a Mãe das Dez Mil
Coisas.
Sem desejo, o indivíduo pode
contemplar o mistério;
desejando, o indivíduo pode ver
as manifestações.
Embora unos em sua origem,
eles emergem com nomes distintos.
Ambos são mistérios -
profundeza dentro de profundeza -
O umbral de todos os
segredos".
O Tao é um mistério só
parcialmente porque ele é a origem de toda a manifestação e portanto transcende
as categorias de pensamento que surgem da e costumam compreender a
manifestação. Também é um mistério impenetrável porque é pura e ilimitada
potencialidade, a fonte de tudo o que existe e que é possível, não sendo,
portanto, nada em si mesmo. Embora o Tao seja tão fugidio como o 'parabrahm' do
pensamento hindu, o 'agathon' de Platão, o 'apeiron' de Anaximandro, ou o
'shunyata' Budista, Lao Tsé o aborda de vários modos. Tao é a verdade eterna,
'paramarthasatya', e assim não pode ser descrito ou expresso; é a fonte e
origem de todas as coisas e o doador da vida; é o movimento incessante, cuja
operação é cíclica; penetra todas as coisas; é o primeiro princípio e o regente
primevo; é o padrão último a ser seguido; e é o cerne quintessencial da
Natureza. Mesmo assim, estas sete caracterizações não são descrições do Tao. Antes,
expressam sete facetas primárias do mistério, como os sete raios da luz que
emergem de um prisma no qual incide a pura luz branca. Nenhum dos raios revela
a brancura pristina de sua fonte, embora todos os raios de luz apontem para ela
além de si mesmos. Por isso Lao Tsé ensinava que o Tao que podia ser nomeado
não é o Tao eterno.
Visto como causa primeira, o Tao
é o limite da manifestação, o umbral além do qual o Sem-nome ('wu') permanece
para sempre oculto e do qual tudo surge. Se o Sem-nome pode ser chamado de
Origem do Céu e da Terra, acima a abaixo, espírito criativo e matéria
receptiva, yang e yin, o Tao como causa primeira é a Mãe das Dez Mil Coisas,
isto é, de tudo o que existe em sua natureza numenal. Uma vez que o desejo é no
ser humano o reflexo da capacidade de expressão criativa, naturalmente ele se
dirige para a diversidade de objetos que constitui o mundo. Assim, desejando, o
indivíduo testemunha à maravilhosa panóplia da Natureza. Mas se alguém
permanece sem desejo, retirando-se de toda necessidade de manifestação,
contempla não o Tao eterno, mas o mistério que é o portal entre o sempre
não-manifesto e a fonte de toda a manifestação. Aqui o indivíduo pode
permanecer "no limiar de todos os segredos", onde os dois mistérios
do Sem-nome e da Mãe das Dez Mil Coisas t|êm sua origem única. 'Wu' e 'yu',
não-ser e ser, estão enraizados no 'ch'ang tao', o Tao eterno.
Típico do pensamento de Lao Tsé é
a súbita mudança de uma consideração metafísica sobre o Tao para a consciência
requerida para entendê-lo. O homem é o microcosmo do macrocosmo, e uma vez que
o Tao penetra todas as partes do universo, também embebe o ser humano, onde seu
mistério reside exatamente como o faz no coração invisível da Natureza. O Tao,
portanto, é verdadeiramente o Caminho (uma tradução literal de Tao é
'estrada'), pois quando o homem segue o Tao, sua natureza está perfeitamente
harmonizada com a grande Natureza. Ao se tornar uno com a Natureza, o homem se
torna seu mestre e a magia se torna tão natural como respirar. Uma vez que
"o retorno é o movimento do Tao", o Caminho é cíclico, e o homem
sábio obra em ciclos, cultivando os contrastes - facilidade e dificuldade, alto
e baixo, antes e depois - e não resistindo a eles. "Ceder é o método do
Tao", ensinava Lao Tsé, sem sugerir com isso passividade. Falando do
Sábio, alguém que seguiu o Caminho e atingiu a perfeita harmonia que é o
equilíbrio dinâmico entre céu e terra, ele diz:
"O Sábio age sem agir,
ensina sem palavras.
As Dez Mil Coisas incessantemente
surgem e desaparecem:
cultivando-as, ele não reivindica propriedade sobre elas,
fazendo seu trabalho, ele não
anseia por recompensa.
Completando sua tarefa, ele não
pede elogios.
Sua obra é acabada e esquecida,
sua fruição está para sempre
intacta".
O Sábio age através de 'wu-wei',
o não-agir. Ao mesmo tempo que é sempre ativo e jamais complacente, muito menos
passivo, sua ação deste modo concorda com a incessante ação do Tao, de modo que
não deixa traços. Resistir ao fluxo natural de causas e eventos só conduz enfim
a revéses; agir de acordo com o Tao é ser invencível, porque o indivíduo está
vivendo de acordo com sua própria natureza verdadeira. Porque o Sábio
exemplifica o 'wu-wei', ele não deixa marcas no Caminho, e ao mesmo tempo o que
ele realiza jamais é improfícuo, mas permanece para sempre.
A vida do Sábio corporifica o
mais alto padrão de conduta, e representa uma condição metaforicamente
caracterizada como 'p'u', o bloco não esculpido, o material bruto de miríade de
usos possíveis antes de ter sido posto em uso. Uma vez tendo sido esculpido - numa tigela, um pilar, uma pedra de amolar - é útil, mas sua natureza pristina
fica confinada. O mesmo ocorre com os seres humanos: até onde eles desempenham
tarefas para um ou outro propósito ou em satisfação de um ou outro desejo,
deixam de viver em sua natureza original. O objeto esculpido que se desgasta ou
quebra deixa de ter qualquer uso, ao passo que o bloco bruto permanece
potencialmente útil. Daí o Sábio parece não fazer nada, não sendo nem
utilitário nem empírico, ao mesmo tempo que é o fator crucial em todas as
condições e em todos os momentos. No sentido apropriado ao Tao, só o Sábio é
capaz de realizar algo de valor perene. Ele é o regente oculto do mundo.
"Os melhores governantes são
pouco conhecidos pelos homens.
Os segundos melhores são amados e
aplaudidos.
Os outros são temidos, e os
últimos são desprezados.
A falta de confiança não pode
garantir a confiança.
O Sábio age sem palavras
e o povo toma tudo por
concedido".
Se o Sábio é o Tao em ação, então
é possível entender tanto o desvio do Tao como o retorno para ele - o movimento
em direção à destriuição, de um lado, e a imortalidade de outro. O movimento
para longe do Tao é assinalado pela definição, limitação, categorização,
externalização e ritualização. Pode ser prontamente visto no declínio social de
uma sociedade humana e espontânea para uma outra formalista e sem coração.
"Quando o Tao é perdido, a
virtude fraqueja;
quando a virtude é perdida, a
piedade fraqueja;
quando a piedade é perdida, a
justiça fraqueja;
quando a justiça é perdida, a
propriedade fraqueja.
A propriedade é a casca mais
reles da fé e da fidelidade,
e é o começo do caos e da
desordem.
***
"Portanto o homem maduro escolhe o cerne
e não a casca".
Como pode o indivíduo "escolher o cerne"? Não se
pode fugir da ação, uma vez que o Tao é movimento incessante, mas se pode
evitar a associação ao mundo externo epifenomênico, como se deslocando do aro
para o cubo de uma roda giratória. Lao Tsé aconselhava:
"Atinge o vazio absoluto;
preserva a perfeita tranqüilidade.
Então as Dez Mil Coisas surgem juntas, e já se vão:
Elas se ramificam e florescem, mas cada uma retorna à sua raiz.
Voltar à raiz é tranqüilidade;
é a liberação do destino
individual.
Liberar o destino individual é
conhecer a constância.
Conhecer a constância é
iluminação;
Perder a constância é mergulhar
na miséria.
Conhecer a constância aponta para
a consistência.,
conhecer a consistência aponta
para a magnanimidade,
conhecer a magnanimidade aponta
para a infinitude,
conhecer a infinitude aponta para
ao Tao,
conhecer o Tao aponta para a
perpetuidade.
Alguém uno com o Tao perdura para
sempre".
Assim como o Tao é eterno, a
consciência que se torna plenamente concorde com o Tao experimenta a
imortalidade. Já não é sujeita ao jogo dos opostos porque os transcendeu e
assimilou sua operação e os integrou no incessante e silencioso murmúrio do
Tao.
"Quem sabe como viver pode
se movimentar
sem medo de tigres ou
rinocerontes,.
Na batalha, nenhuma espada o
toca.
Nele o rinoceronte naõ pode
encontrar
lugar algum onde enfiar seu
chifre,
o tigre não encontra onde fincar
suas garras,
as espadas não encontram onde
mergulhar suas lâminas.
Por quê isso é assim?
Porque ele passou para além da
região da morte".
Para Lao Tsé, saber como viver
envolve os conceitos intimamente interligados de autoconhecimento e prontidão;
não se pode ter um sem o outro. O autoconhecimento não é uma massa de dados
pessoais a serem aprendidos e armazenados por aí. É um estado de consciência
representado pelo bloco não esculpido, assim com a prontidão não é meramente
ação eficiente, mas ação através da aparente não-ação.
"Conhecer os outros é
sabedoria;
conhecer a si mesmo é iluminação.
Dominar os outros requer poder;
dominar a si mesmo exige força.
Quem sabe que tem o bastante é
rico.
Quem persevera tem vontade.
Quem fica em seu lugar perdura.,
Quem morre sem morrer está
eternamente presente".
O autoconhecimento envolve descartar
tudo o que se pensa sobre si mesmo - as incisões no bloco que obscurecem a
precedência ontológica do bloco em si - até que o indivíduo seja o zero no
sistema numérico. O indivíduo se torna cada vez mais como o próprio Tao, que
não é o um mas o zero, o fator crítico implícito em todos os números mas não em
si mesmo um deles. Deste ponto de vista, o Sábio reconhece que o universo é
generoso na medida em que existe um tempo para tudo e para nada, mas também é
implacável em não suportar nem uma só coisa fora de seu lugar ou época. "O
Sábio", escreveu ele, "evita os excessos, os extremos e a
presunção". Alerta em relação ao mundo em seu redor, em vez de procurar
impor algum propósito personalizado sobre ele, ele permanece absolutamente
calmo. "O sereno e calmo", ensinava Lao Tsé, "estabelece o ritmo
do mundo".
"Só o Nada pode entrar no
vazio.
Daí eu conhecço a potência da
não-ação.
Poucos aprendem as lições do
Silêncio.
Poucos procuram os frutos da
não-ação".
A despeito do imaginário
metafórico invocado para expressar os ensinamentos de Lao Tsé, sua recusa em
dar relatos discursivos ou analíticos de suas idéias, e sua ênfase na dinâmica
e integral unidade da Natureza, conspiraram para tornar sua filosofia obscura e
aparentemente indefinida, mas na verdade ela ostenta uma precisão Pitagórica.
"O Tao dá origem ao Um;
o Um dá origem ao Dois;
o Dois dá origem ao Três.
o Três dá origem às Dez Mil
Coisas.
As Dez Mil Coisas protegem o yin
e abraçam o yang.
Elas se harmonizam através da
mistura destes sopros vitais".
O Tao como princípio não pode ser
concebido como uma coisa, mas ao mesmo tempo é a essência vital de todas as
coisas. Não pode ser imaginado como consciente, embora seja o coração vivo da
consciência. Sua completa transcendência é velada pelo Um que é Sem-nome, que
por sua vez dá origem à possibilidade de diferenciação através do contraste -
céu e terra - que então produzem a interação criativa conhecida como a Mãe das
Dez Mil Coisas. Elas refeletem sua filiação última através do jogo harmonioso
entre o yin e o yang, da unidade na diversidade, o Tao sempre oculto na
eflorescência dinâmica do mundo. Daí, Lao Tsé afirmava:
"O Tao é supremo,
o Céu é supremo,
a Terra é suprema,
e o Homem também é supremo".
O Tao, a realidade última, é
imanente como Tao, o Caminho imutável, que é o Tao, a lei da natureza. O Tao, a
lei ou princípio, é a unidade transcendental - o Um sem um segundo - manifesta
como harmonia universal. Há uma correspondência exata com o último refletida,
em cada plano da existência e ser, como 'hsuan te', o poder misterioso, que é,
por assim dizer, a radiância do Tao.
"O Homem segue a Terra.
A Terra segue o Céu.
O Céu segue o Tao.
O Tao segue sua natureza
intrínseca".
E esta natureza intrínseca,
'tzu-jan', é vista espontaneamente no homem de autoconhecimento e boa
prontidão. Com precisão matemática, qualquer tentativa de romper com a harmonia
da Natureza é um esforço de negar o 'tzu-jan' do Tao, e as conseqüências só
podem ser a desintegração e destruição. Este é o motivo de Lao Tsé poder dizer:
"O que os outros ensinam, eu
também ensino:
Uma pessoa violenta encontrará um
fim violento.
Este é o cerne de meu
ensinamento".
Aquela tranqüilidade vigilante
que é a assinatura invisível do Sábio e a árdua meta do aspirante que deseja
aderir ao Tao está inseparavelmente ligada a 'wu', o não-ser. A humanidade se
afasta do Tao não porque esteja envolvida no 'yu', ser, mas porque falha em
reconhecer o papel crucial do não-ser dentro do ser. Pendendo para um dos
pratos da balança, torna-se desequilibrada, colhida em uma luta sem fim para
corrigir a si mesma. Lao Tsé fornece a solução através de analogias simples mas
eloqüentes:
"Trinta raios compartilham
de um mesmo cubo,
e o vazio central torna a roda do
carro útil.
A argila é modelada num vaso,
e o espaço vazio o torna valioso.
As portas e janelas são abertas
nas paredes,
e estas aberturas tornam o
aposento habitável.
Nos beneficiamos do Ser.
Nos servimos do Não-ser".
E nas duas últimas linhas do Tao
Te Ching ele relembra à humanidade como isso é feito:
"O Tao do Céu é ajudar sem
limite.
O Tao do Sábio é servir sem
esforço".
Quando Lao Tsé teve seu encontro
apócrifo com Confúcio, censurou-o por seu orgulho e ambição. Antes do que
pensar que os dois renomados homens criticaram um ao outro, podemos ver neste
encontro a profunda apreciação de Lao Tsé do ensinamento de Confúcio, que
envolvia fortalecer justamente aqueles traços a fim de se tornar realmente um
homem bom. Confúcio deve ter entendido a intenção mais profunda de Lao Tsé,
pois ele se despediu com extrema reverência e mais tarde comparou Lao Tsé a um
dragão celeste que cavalga o vento e as nuvens. Lao Tsé de fato parece como um
dragão em seus ensinamentos que fundem as atividades mais mundanas e atestam a
presença do Tao em toda parte. Quando Lu-lan falou do dragão, ele poderia
igualmente ter falado daquele ser misterioso conhecido pela história como Lao
Tsé, o Antigo Mestre:
"O Dragão bebe da água pura
da Sabedoria
e brinca nas águas claras da
vida".
"Assim como o éter
onipresente, devido á sua sutileza, não é maculado, também o Eu (atman), apesar
de habitar em todos os corpos, não é envilecido".
'Bhagavad-Gita',
XIII, 32
SHRI KRISHNA