"Meu Amado está nas
montanhas
e nos distantes vales
arborizados,
nas ilhas desconhecidas
e nos rios que murmuram,
no sussurro das brisas que
recordam o amor,
Na noite tranqüila
na hora do alvorecer,
na música silenciosa,
na sonora solidão,
na ceia que renova e aprofunda o
amor.
João da Cruz
A Espanha, a Ibéria e a Hispania
dos romanos, permaneceu durante séculos na periferia na consciência européia.
Embora nela esteja Cádiz (A Gades dos fenícios), que tem sido considerada a
cidade mais velha da Europa que foi continuamente habitada e manteve o mesmo
nome, os fenícios primeiro e depois os gregos comerciaram com os habitantes da
península sem se estabelecerem ali. Daí em diante ela se tornou o local de
mitos sobre eventos distantes, quase fora dos mapas da história européia
antiga. Com a ascensão do império cartaginês foram construídas manufaturas ao
longo da costa, mas Roma logo expulsou Cartago a fim de explorar as minas
espanholas. A Espanha permaneceu nitidamente provinciana durante a ocupação
romana, um lugar para generais dissidentes e jovens oficiais ambiciosos planejar
intrigas contra o trono do Imperium. Quando Roma começou a decair sob pressões
políticas e econômicas internas e incursões externas de tribos migrantes, os
visigodos conquistaram a Espanha e estabeleceram ali numerosos pequenos clãs
cuja atividade principal eram as mútuas guerras e rapinas, às vezes em nome de
uma ou outra forma da fé Cristã. Assim, a invasão muçulmana de 711 rapidamente
trouxe todos para debaixo do governo Islâmico. Uma das curiosidades de que a
história está repleta é que com a influência muçulmana do norte da África a
Espanha floresceu, filosófica e culturalmente.
A Andaluzia se tornou o lugar de
origem e difusão de alguns dos mais luminosos e venerados místicos Sufis,
incluindo Ibn al-Arabi. Os Judeus, longamente perseguidos na Espanha
visigótica, encontraram as tradições cabalísticas honradas e encorajadas, e as
tradições Platônicas e Aristotélicas foram transmitidas para a Europa pelos
devotados muçulmanos Avicenna e Averróis. Quando a Espanha voltou para a esfera
Cristã, a Igreja encontrou a filosofia mística e a meditação extática
profundamente arraigada entre os fiéis de todas as classes. Enquanto que os
Alumbrados, como eram chamados todos os tipos de Iluministas, floresciam por
todo o país, eles contudo jamais constituíram um movimento coeso. Não obstante,
a Igreja viu claramente que eles eram uma perigosa ameaça para a autoridade
hierarquizada. Sua forma dúplice de "oração interior", o recogimiento
(recolhimento) e dejamiento (renúncia) suplantavam a meditação
sacerdotal sobre o Divino e considerava irrelevante a discussão teológica. Logo
que a Igreja começou a sentir a pressão da Reforma Luterana, a Inquisição
espanhola trouxe um pavoroso entusiasmo para a sua intenção pública de erradicar
completamente todas as tendências de meditação e contemplação internas. A
intolerância paroquiana da península Ibérica, que havia sido notavelmente
moderada durante a era Islâmica, retornou com renovada dureza como instrumento
de coerção política. Para este mundo de beleza rústica, cidades notáveis e
rigidez intelectual vieram alguns dos mais devotos místicos da Cristandade, à
frente dos quais está João da Cruz.
João nasceu Juan de Yepes e
Álvarez em 1542, em Fontiveros, uma vila entre Ávila e Salamanca, na Castela
Velha. Seu pai, Gonzalo de Yepes, que pode ter se originado de uma linhagem de
Cristãos-novos - aqueles cujas famílias se haviam convertido do Judaísmo nos
últimos dois séculos - nasceu e cresceu em uma família próspera. Gonzalo se
casou com Catalina Álvarez, uma tecelã de seda, órfã e desvalida, e foi
imediatamente deserdado por sua família, que desaprovava a união. Ele viveu doze
anos com Catalina, aprendendo seu humilde ofício, e tiveram três filhos -
Francisco, Luis e Juan, mas logo depois do nascimento de Juan ele morreu,
deixando a família em extrema pobreza. Pobremente alimentados e mal-vestidos, a
família lutou para sobreviver em meio às más colheitas, negócios incertos e constante
inflação suscitados pelo ouro e prata da América do Sul. Luis morreu de uma
doença, e, por fim, Catalina se mudou para Medina del Campo em 1551. Depois que
Francisco se casou ela passou a viver com eles em sua casa simples, e Juan foi
posto em um orfanato, o Colégio de la Doctrina, onde recebia um uniforme, comida, e lições de leitura e escrita. O orfanato enviava seus internos para
coletar esmolas e tentava lhes ensinar uma profissão. Juan, contudo, se mostrou
inútil na carpintaria, na escultura de madeira e na impressão, e logo foi
encaminhado para o Hospital de las Bubas, um hospital para os pobres que
padeciam de sífilis avançada.
O jovem diretor do Hospital logo
notou em João uma aptidão para o estudo e conseguiu que ele fosse matriculado
em um colégio recentemente fundado pelos Jesuítas. Ali os professores instruíam
quarenta alunos em gramática, história e literatura latinas, especialmente Virgílio,
Horácio, Sêneca, Cícero e Lívio. Seus deveres no Hospital interferiam
com seus estudos de classe, mas ele passava as noites adentro estudando em seus
livros. Para aqueles em seu redor ele parecia ser inclinado naturalmente para
sacerdócio, mas quando lhe ofereceram uma capelania, se fosse ordenado, ele
hesitou. Já com vinte e um anos, ele almejava uma vida de maior isolamento
contemplativo do que o ofício sacerdotal poderia permitir. Em vez de enfrentar
as objeções de seu supervisor no Hospital, certa noite ele fugiu e se
apresentou no priorado Carmelita de Santa Ana, e foi aceito como monge noviço
na Ordem da Santa Virgem. Quando ele proferiu seus votos, em 1564, assumiu o
nome de Juan de San Matías. Sua ordenação requeria maior educação e sua
proficiência em latim lhe valeu a admissão na Universidade de Salamanca. Embora
a Universidade tenha exigido, com sucesso, que a maioria dos livros místicos
fosse incluída no Index Librorum Prohibitorum - o índice de livros
proibidos - Juan de certa forma absorveu os escritos atribuídos a Dionísio
Areopagita, a Consolação da Filosofia de Boécio, e um tratado sobre o Cântico
dos Cânticos. Ele achava, contudo, que a Bíblia era um estímulo
suficiente para a contemplação espiritual, o umbral de uma vida que começa e
culmina inteiramente dentro da consciência.
Em setembro de 1567 Juan foi
ordenado e recém havia voltado para Medina quando chegou lá Teresa de Jesus
para estabelecer seu segundo convento das monjas Carmelitas reformadas. Teresa,
já com cinqüenta anos, era entre as Carmelitas a força motriz para um retorno à
regra e vida mais simples. Embora oficialmente encorajadas, muitos membros da
Ordem não tinham o menor interesse em assumir uma vida nitidamente ascética, e
ela teve dificuldade em encontrar um priorado reformado cujos padres ouvissem
confissões e entendessem os métodos reformados de oração contemplativa. Juan,
já desapontado com o relaxamento em sua própria Ordem, passou a cogitar sua
adesão aos Cartuxos, mas foi persuadido pelo seu poderoso magnetismo, sonhos e
visões espirituais a voltar a Salamanca para um ano de treinamento teológico e
fazer os arranjos para a fundação de um priorado, como assistente de Antonio de
Heredia.
A história da Ordem do Carmelo
surgiu em meio a um halo de lendas. Ela foi fundada por Enoch no Monte Carmelo,
na Palestina, e foi renovada pelo profeta Elias. A Virgem Maria protegia seus
devotos, que incluíam os Essênios e os Apóstolos. Jâmblico considerava santo o
Monte, e Tácito escreveu que um altar sem imagens coroava seu cume, onde uma
vez o imperador Vespasiano consultou seu oráculo. Em torno de 1150 d.C.
Berthold da Calábria, um cruzado, estabeleceu ali um mosteiro, e recebeu uma Regra
do Patriarca de Jerusalém. Quando se tornou evidente que Jerusalém haveria de
cair novamente sob os Muçulmanos, a pequena Ordem migrou para oeste,
encontrando por fim um caminho para a Espanha, onde ela havia se tornado
popular entre os leigos. Quando seu Geral, Rubeo, autorizou a reforma de
Teresa, ele insistiu que seus membros se devotassem à pobreza, isolamento e
contemplação.
"Nosso desejo é que eles
devam ser como espelhos, lâmpadas brilhantes, tochas ardentes, estrelas
fulgurantes, iluminando e orientando os perdidos neste mundo sombrio...
elevados acima deles por êxtases inefáveis e indescritíveis".
Teresa, através de suas próprias exaltações
e visões, passou a crer que a meditação solitária não só servia meramente para
o progresso espiritual pessoal de seus praticantes, mas também aliviava a
miséria da humanidade sofredora. Ao mesmo tempo em que ela insistia em uma vida
industriosa e austera, proibia expressamente as penitências excessivas, que só
serviam para prejudicar a saúde e aumentar a vaidade monástica. O espírito da
reforma se afinava ao de João, e em novembro de 1568 ele vestiu o rústico
hábito confeccionado pela próprias mãos de Teresa e mudou seu nome para Frei
Juan de la Cruz.
Os primeiros desafios e sucessos
da Ordem reformada, agora usualmente conhecida como Carmelitas Descalços por
causa de seu costume de andar sem sapatos, trouxe suas alegrias e problemas.
Muitos se uniram à Ordem por causa de sua devoção contemplativa, e cidades inteiras
eram harmonizadas por sua simples presença. Os Carmelitas Calçados, que usavam
sandálias de couro, ficaram com inveja e temeram que pudessem ser suprimidos.
Fugitivos da justiça buscaram admissão e ameaçavam destruir a calma
contemplativa que Teresa mais queria na Ordem. Juan se revelou para elas um
guia eficiente e estimado, mas sua falta de interesse em assuntos de
organização e sua timidez em fazer amigos fizeram dele um mau administrador. Em
um momento de desespero Teresa disse: "Se alguém tenta falar de Deus com o
Frei Juan de la Cruz, ele entra em transe e você entra junto com ele". Em
1575 Teresa encontrou a pessoa que poderia se encarregar do trabalho da Ordem e
liberou Juan para sua verdadeira vocação. Na primeira vez em que ela encontrou Jerônimo
Gracián ela ficou impressionada com sua bela aparência, modos graciosos,
devoção simples, mente viva e habilidade diplomática. Mesmo que depois ele
tenha mostrado outras facetas - como inveja, fraqueza de vontade e algum
relaxamento - ela jamais alterou muito sua primeira impressão. Juan foi feito
Confessor das Carmelitas Calçadas da Encarnación, em Ávila, onde suas
instruções espirituais pessoais reformaram o claustro, e ele curou casos de
histeria e também expulsou demônios. Durante este período ele viveu em uma
pequena casa que havia sido construída em um antigo cemitério Judeu, onde
Moisés de León, que havia tornado público o Zohar, havia sido enterrado
em 1305.
A tensão começou a se instalar na
Ordem assim que as monjas da Encarnación começaram a crer que Juan era um santo
vivo. O Núncio Papal apoiou os esforços pela reforma e o Vigário-Geral da Ordem
os repudiava. A querela ficou tão acirrada que Gracián não podia comer nos priorados
Calçados que visitava com medo de ser envenenado. Juan foi raptado e
aprisionado até que o Núncio ordenou sua libertação. Quando chegou o momento de
se eleger uma nova Prioresa para a Encarnación, o Vigário-Geral ameaçou
excomungar qualquer monja que votasse em Teresa. Em resposta à exortação de Juan, a maioria das monjas voltou nela, e o Vigário-Geral ficou furioso e embaraçado
por ter de excomungar a maioria das votantes e indicar uma candidata minoritária
para atingir seus objetivos. Dois meses mais tarde, em dois de dezembro de
1577, Juan foi expulso por um grupo de homens armados agindo pelo partido do
Vigário-Geral. Embora Teresa implorasse ao relutante Gracián para que o
encontrasse, e escrevesse ansiosa para vários bispos e mesmo para o rei, Juan
foi em segredo encerrado no priorado Carmelita de Toledo. O tribunal o acusou
de desobediência ao superior e lhe ordenaram renunciar à reforma. O tribunal
prometeu que se ele concordasse receberia um cargo elevado, um aposento
confortável e uma biblioteca. Juan jurou fidelidade à Ordem, mas se recusou a abandonar
a reforma, uma vez que ele não poderia sob hipótese alguma violar seu sagrado
voto de seguir a regra primitiva. De início ele foi simplesmente aprisionado,
mas quando um outro irmão Descalço fugiu sob circunstâncias semelhantes, Juan
foi lançado em uma sala sem iluminação que havia sido uma latrina. Ele se
alimentava só de poucas migalhas de pão e às vezes sardinhas. Uma vez por
semana tomava suas refeições no refeitório, onde era espancado com uma vara, a
pior punição que podia ser aplicada a um frei. Ele ficou com as cicatrizes até
o fim de sua vida.
Congelando durante as gélidas
noites invernais de Toledo, sufocando no calor do verão, semi-desnutrido e
sofrendo de disenteria, Juan duvidou que pudesse deixar sua cela miserável a
não ser para ser enterrado. Porém suas reflexões interiores o penalizavam ainda
mais. Seu voto de fidelidade não dependia de suas opiniões a respeito da justiça
de seus superiores, ou de sua percepção limitada da ordem divina, e assim ele
repetidamente se examinava em busca de resíduos de orgulho e sombras de
vaidade. Sua vida interior se tornou tão escura e estreita quanto sua pobre
cela, mas deste abismo de isolamento surgiu uma luz mais sutil do que aquela
que ele jamais experimentara. O eros espiritual que se fortalecera nele se
expressou no Cântico Espiritual.
"Quando olhas para mim
Teus olhos imprimem em mim Tua graça;
por isso me amaste ardentemente,
e assim meus olhos mereceram
adorar o que viram em Ti".
Com uma intensidade que
ultrapassava sua anterior consciência mística, um afflatus divino
penetrou seus pensamentos de modo que esta poesia saiu dele como se composta
por outro - aquele outro que habita no centro silente e imóvel do ser. Esta
produção foi tão espontânea que Juan se viu a escrever longos comentários sobre
ela, como se ele estivesse elucidando o trabalho de um estranho que, não obstante,
era uma companhia espiritual. "Alimentai vosso espírito só com Deus",
ele escreveu mais tarde. "Eliminai as preocupações sobre as coisas, e
sentireis a paz e o recolhimento em vosso coração". Uma vez ele resumiu o
significado interior de suas horríveis experiências na prisão do mundo,
microcosmicamente refletidas na opressiva prisão que agora o encerrava: "O
Pai falou uma Palavra, que era o Seu Filho, e esta Palavra Ele sempre profere
no silêncio eterno, e é no silêncio que ela deve ser ouvida pela alma".
Juan, percebendo que mais uma
estação na prisão ser-lhe-ia fatal, trabalhou para conseguir escapar.
Aproveitando poucos momentos em cada dia, quando um novo e mais amável
carcereiro deixava a porta aberta para entrar um pouco de ar, Juan começou a
trabalhar nos batentes. Por fim ele descobriu sua localização dentro dos muros
do mosteiro e calculou o quanto ele teria de descer desde a janela mais próxima
até o pátio do mosteiro. Em 14 de agosto Juan tomou o crucifixo que Teresa lhe
dera e o deu ao carcereiro por sua ajuda involuntária. Às duas da madrugada
seguinte ele empurrou a porta, os batentes cederam e ela caiu sobre o chão.
Embora isso tenha feito um barulho terrível no meio da noite silenciosa, a
distância de sua cela das áreas principais do mosteiro evitaram que ele fosse
ouvido. Tendo já cortado os dois rústicos cobertores em tiras e os amarrado em
forma de corda, ele desceu para fora dos muros até onde pôde, e então
soltou-se. Ele quase caiu dentro do tumultuoso rio Tejo que passava pelo
mosteiro, e, com esforço considerável, encontrou o caminho para a cidade
adormecida. Encontrando o caminho para a casa das Carmelitas Descalças, ele
procurou pela Superiora, Ana de los Ángeles, que o escondeu até que cessassem
as buscas, e então chamou o Cânon da Catedral, Don Pedro González de Mendoza,
que de boa vontade o escondeu em seu Hospital de la Cruz, a menos de 100 metros do local de sua antiga prisão.
Enquanto Juan esteve na prisão
toda a reforma havia andado mal. Tanto o Geral quanto o Núncio Papal ordenaram
que os freis e freiras Descalços fossem incluídos nos Calçados, abandonassem
todos os ofícios e não recebessem novos noviços. Em reação, arranjou-se uma
reunião para estabelecer uma Ordem separada - bem fora da lei da Igreja, sendo isso
prerrogativa do Papa - e Juan foi convidado para participar. Embora estivesse
muito fraco ele fez a penosa viagem, mas se recusou a apoiar o movimento.
Enquanto isso excitava animosidades por toda a Espanha, que chegavam até Roma,
Juan foi indicado Superior do eremitério de El Calvario, na Andaluzia oriental,
uma posição segura e distante para ele. Embora a viagem fosse difícil, lá ele encontrou
grande felicidade, aprofundando sua visão espiritual e dando instrução
avançada. Ele advertia "aqueles iniciantes que, procurando a suavidade
espiritual por si mesma, eram possuídos por um demônio de gula e acabavam se
matando em jejuns e penitências". Considerando os votos ele não tinha uma
posição definida, mas não acreditava que um caráter duro ou seco fossem sinais
de espiritualidade. Aqui, e mais tarde em Granada, ele levava os monges em
caminhadas pelo campo e os encorajava a se sentarem nas margens do rio, observar
o céu ou os nós do carvalho, e os arbustos aromáticos, para verem como a
própria natureza anela pela Deidade. Mesmo então Juan era impopular entre
aqueles que buscavam poder, e era cada vez mais venerado e admirado por monges
e monjas, e assim ele foi indicado Árbitro e Vice-Provincial, bem como Prior de
Los Mártires, em Granada.
Em quatro de outubro de 1582, Teresa
morreu, e então a guerra pelo poder passou para dentro da própria reforma. Nicholas
Doria, um banqueiro genovês, tomou o hábito e logo substituiu Gracián como
Provincial. Juan defendeu o ponto de que aqueles que eram eleitos para um cargo
não deveriam suceder a si mesmos, mas foi derrotado. Foi-lhe permitido
abandonar seus postos administrativos, mas logo o Papa emitiu um Breve
estabelecendo os Descalços como uma congregação independente, e em 1581 Doria
foi eleito Vigário-Geral. Juan se tornou primeiro Árbitro, e depois um membro
do conselho, se tornando delegado do Vigário-Geral. Ele se mudou para Segóvia,
onde uma crescente antipatia pela política, consolidações administrativas e
insensibilidade para com as monjas em geral de Doria se associavam com cada vez
maiores experiências espirituais e extáticas. Doria planejou a completa ruína
de Gracián, e assim que viu este projeto assegurado, passou à desonra de Juan.
As coisas aconteceram rápido. Quando a congregação se reuniu em 1591 pelo menos
se permitiu a Juan que ele deixasse todos os seus cargos, mas quando ele propôs
uma eleição secreta Doria foi derrotado quando estava prestes a cair sobre ele
com toda sua força.
Juan foi indicado para La Peñuela, o priorado mais desolado perto de Baeza. Os frades foram instruídos a espioná-lo, e
alguns foram enviados para intimidar as freiras para que elas testemunhassem
uma suposta má conduta de Juan. A despeito das ameaças, a monjas não trairiam
seu campeão, mas o pânico causado por estes atos levou muitas a destruir seus
diários, poemas e desenhos. Por toda sua vida Juan havia dado ensino prático
detalhado, adequado para o nível e aspiração espirituais de cada monja sob seu
cuidado, e este ensino era recebido como uma jóia por elas. Gracián havia sido
preso e Doria se preparava para prender Juan quando duas considerações sustaram
sua mão. O tratamento rude das monjas não havia produzido um dano evidente, mas
sim confissões de que eram vistas luzes e perfumes eram sentidos freqüentemente
em torno de sua cela, e que uma vez ele foi visto a levitar quando em transe. Além disso, Juan subitamente caiu enfermo, com febre. Ele foi mandado para Baeza,
onde os médicos poderiam cuidar dele, mas uma vez lá, continuou até Ubeda, onde
ele era desconhecido. O Prior, Frei Francisco Crisóstomo, não mostrou nenhuma
consideração por seu ilustre paciente, enfiando-o em uma minúscula cela e
repreendendo-o em público. Mas os outros irmãos logo passaram a considerar o
moribundo como um santo, e escreveram ao Provincial, Antonio de Heredia,
co-fundador com Juan dos monges reformados. Embora agora com oitenta e um anos,
ele partiu de Granada para junto de Juan e providenciou o que ele precisava.
Em 14 de dezembro de 1591, o
último dia de sua vida, Juan ordenou que todas as cartas que recebera,
inclusive aquelas que tentavam desgraçá-lo, fossem queimadas. Vendo esta
generosidade, Crisóstomo pediu perdão pelo seu anterior comportamento, e Juan o
proibiu de sequer pensar daquele modo novamente. Às onze e meia leram para ele
versos do Cântico dos Cânticos, e quando soou a meia-noite - a hora das
Matinas - ele disse: "Hoje direi as Matinas no céu", e cruzando suas
mãos, deixou de respirar. Sua morte absolutamente pacífica, fechando o círculo
sob o cuidado de Antonio depois de vinte anos cansativos e cheios de êxtase,
contrastou vivamente com a efusão de paixão medieval. Seu corpo foi roubado,
enterrado, roubado de novo, desmembrado, e levado como relíquia. Doria,
contudo, foi forçado a voltar atrás em sua planejada desgraça, e se viu ele
mesmo destruindo as alegações que ele mesmo construíra. Muito antes que a
Igreja o canonizasse, em 1725, Juan já era um santo aos olhos de todos os que analisavam
sua vida e obra. Em 1926 o Papa o declarou Doutor da Igreja Universal.
Juan de la Cruz ensinou que o caminho interno para a união mística - a boda espiritual - da alma com a Deidade
é nublado por dois períodos escuros. O primeiro é a noite dos sentidos, a
retirada da alma de todas as atrações da percepção sensorial, quando ela se
retira para dentro, o que é o verdadeiro início da meditação. Esta purgação do
corpo e dos sentidos culmina no banimento de todo o pensamento discursivo e das
imagens mentais. Só então a alma se torna cheia de Luz Divina, numa Boda
Espiritual. Esta experiência indescritível não pode ser mantida, pois a
consciência espiritual ainda não é completamente pura e cristalina, e assim ela
é lançada na noche oscura del espíritu - a noite escura da alma. Esta é
a desolação pela perda da Iluminação Divina, sem nenhum desejo de voltar às
fracas luzes do mundo.
"Onde te escondeste, Amado,
deixando-me aqui a lamentar?
Tendo me ferido, agora foges
como o cervo; sigo atrás de ti,
chamando-te, implorando -
mas tu foste embora".
Só a fé, a esperança e o amor
podem ajudar a alma a atravessar este abismo interior de consciência esvaziada,
mas todas estas virtudes são desprovidas de sinais externos e devem ser
descobertas como poderes da alma. A fé é o poder de perseverar através da
noite, sem dúvida ou vacilação. A esperança volta a alma para a promessa de
união sem olhar para trás sobre o que é passado e foi abandonado. O amor é
como a agulha da bússola, que ao apontar o norte aponta também o sul, pois ao
se voltar direto para a Deidade ela também se volta para a humanidade. Com este
estabilizante triângulo de forças da alma inserido no círculo da mais completa
escuridão, a alma espera por aquela união eterna e divina em que cai todo o véu
de alienação, ignorância e separação, e a alma experimenta o Casamento Espiritual,
a transmutação alquímica da alma no Divino. A vida de Juan de la Cruz encontrou seu objetivo, propósito e significado nesta luminosa união.