Palestra
Pública proferida na Loja Teosófica Liberdade, em 19 de junho de 1998
por Carlos Eduardo Gonzales Barbosa
Nosso tema desta
noite trata de uma questão que já provocava
inquietação desde antes mesmo da fundação da
Sociedade Teosófica. Madame Blavatsky pregava nessa
época um novo modo de encarar a cultura e o conhecimento
humano, que chamou de Teosofia. Desde aquela época ela
afirmava que recebia a orientação de mestres de
sabedoria. A existência desses mestres foi questionada
pelos críticos de sua obra, e posteriormente pelos
críticos da Sociedade Teosófica. Esse questionamento
suscitou uma interminável discussão acerca da
existência, da natureza, da realidade e da
acessibilidade dos mestres.
Será que os mestres
existem mesmo? E quem são esses mestres, na verdade?
Esse questionamento levou
muitos teosofistas a um sentimento de frustração porque
a expectativa do contato, do encontro com um mestre
idealizado como uma figura perfeita, iluminada,
cercada de uma aura quase cinematográfica, ficcional.
Essa expectativa de um encontro quase sobrenatural, que
mesmo numa vida de cinqüenta ou sessenta anos de
trabalho teosófico não se concretizava, acabou levando
vários teosofistas a um sentimento forte de
frustração, de decepção. Houve alguns casos de
dissidências dentro da Sociedade Teosófica em
decorrência do simples fato de não se encontrar
pessoalmente com uma figura que se identificasse
positivamente como um mestre de sabedoria.
Talvez seja importante
para nós elucidar esse ponto.
Não digo que vamos
encerrar discussão, pois essa é uma discussão até
saudável. É bom que se discuta porque discutindo a
gente entende melhor o assunto e esclarece melhor as
nossas dúvidas do que encerrando a discussão. Mas vamos
tentar dar uma nova perspectiva para esse questionamento,
porque quando HPB falava dos mestres, ela sugeriu algo
mais do que simplesmente aquela figura personalizada do
mestre, do indivíduo que teve a sua formação
iniciática numa escola de mistérios, e que depois forma
seus discípulos e forma sua própria escola e repassa
aquele conhecimento ou aquele saber adquirido através do
seu processo iniciático.
Vamos pensar um pouquinho
a respeito disso aqui: há uma série de afirmativas que
se tornaram verdadeiros clichês no meio dos ocultistas,
entre os quais se destaca um que diz: "Quando o
discípulo está pronto o mestre aparece". Quase
todo mundo, senão todos, já ouviu isso. (...) E aí a
nossa dúvida é: "será que eu nunca estou pronto?
Pois se o mestre não me aparecer é porque eu não estou
pronto." Ou será que se um monte de pessoas ficar
pronta ao mesmo tempo, o mestre vai dar conta de aparecer
para todo mundo?"
Há uma série de
perguntas que se fazem, e não é brincadeira não, as
pessoas fazem mesmo. O estudante, no afã de se comparar,
para ter uma idéia de seu progresso dentro do estudo
teosófico, dentro do estudo de ocultismo, precisa de uma
resposta, de um retorno, de um elemento de referência,
para saber se está mais próximo ou mais distante desse
momento. Um momento de transição na vida dele, o
momento do encontro com o mestre.
Mas aqueles a quem HPB
intitulou "mestres", e que posteriormente a
literatura teosófica se encarregou de descrever mais
detalhadamente como membros de uma hierarquia oculta, de
seres de muita elevação espiritual, muito avançados na
sua consciência espiritual, esses mesmos indivíduos se
comunicaram por várias vezes, apresentaram
comunicações por escrito, conversaram com determinadas
pessoas. Eles conversaram com membros que se consideraram
privilegiados dentro da ST e em outras instituições,
inclusive. Também estiveram em contato pessoal com
algumas autoridades públicas em países envolvidos em
conflitos. Houve uma movimentação muito grande, houve
muitos testemunhos sobre sua existência. Houve muitas
informações que foram passadas diretamente por esses
indivíduos e não por terceiros. E algumas dessas
informações sugestivas nos lembram alguns conceitos que
HPB ensaiou em "A Chave da Teosofia" (...) que
nos permitem entender um pouquinho melhor o conceito de
"mestre", o que é realmente um mestre.
Vocês sabem que a ST tem
como proposta extrair o saber da comparação de várias
formas de conhecimento. Quando abordamos várias formas
diferentes de conhecimento e tentamos enxergar o que há
de comum entre essas perspectivas diferentes, muitas
vezes nós apreendemos o saber que está escondido por
trás disso.
O saber é descrito por
HPB como uma condição indescritível
[o saber não é como nós
comumente chamamos "um tipo de conhecimento", o
sábio não é um sujeito que conhece muitas coisas, mas
um sujeito que tem uma habilidade muito peculiar de
perceber uma ocorrência, avaliar essa ocorrência, tomar
uma decisão em relação a essa ocorrência e agir em
resposta a essa ocorrência, tudo de forma correta. A
sabedoria consiste em perceber, avaliar, decidir e agir
de forma correta. Isso não é privilégio de diplomados,
nem de pessoa que tenha formação superior, erudição,
nada disso. Isso é privilégio apenas de alguém que
desenvolveu a capacidade de ouvir a voz interior. A
capacidade de ouvir o seu próprio mestre interior. A voz
do espírito, a voz do silêncio. Esse indivíduo que
escuta essa voz, e segue essa orientação e que decide e
age da forma correta é o sábio.]
E a sabedoria é um
direito universal do ser humano. Todo ser humano tem o
direito de ser sábio. Se não é sábio, foi por sua
própria opção. Nós nascemos com a vocação da
sabedoria. Está certo que muitas vezes ao longo de nossa
vida nós deixamos a sabedoria de lado em favor de
interesses mais mesquinhos. A nossa vida é cercada por
uma série de ocorrências que muitas vezes levam a nossa
consciência a se fechar em torno de assuntos bastante
limitadores para nossa própria capacidade. Mas nós
nascemos com a vocação para a sabedoria. A sabedoria é
um direito universal do ser humano.
Só que a sabedoria se
esconde, porque as palavras não revelam a sabedoria. O
que revela a sabedoria é o conjunto dos atos de um
indivíduo. Quando se diz que a árvore se conhece pelos
seus frutos não é pelos frutos verbais, mas pelos
frutos reais, pelo que se concretiza no mundo. E nesse
caso a literatura teosófica propõe justamente, para que
não se diga que a sabedoria tem a forma da filosofia da
Índia, da filosofia da China ou da religião dos antigos
egípcios, ou dos mitos dos índios das Américas, e para
que não se diga que a forma é o que determina o que é
ou não a teosofia, propõe que se faça o estudo
comparativo. Há elementos comuns. A nossa percepção
indica onde está aquilo que é a prova da sabedoria
nessas produções culturais que esses povos todos vieram
realizando durante milhões e milhões de anos. Quando
HPB menciona, nessa formulação do saber teosófico, a
necessidade de se descobrir através dessas comparações
a sabedoria, ela fala também em mestres de sabedoria.
Mestres de sabedoria
seriam aqueles instrutores que não ensinam conhecimento.
Eles ensinam o caminho para a sabedoria. Isso é um
mestre de sabedoria. Não é um mestre de escola, que
leciona os temas curriculares, aqueles que vão formar a
intelectualidade, a erudição, a formação acadêmica
cultural do indivíduo.
O mestre de sabedoria não
se importa se o indivíduo conhece as denominações
científicas dos insetos, se ele conhece os meios
técnicos de se obter determinadas freqüências de onda
com um aparelho eletrônico. Não importa isso. O que
importa é o seguinte: ele sabe, a cada momento, avaliar
o que precisa realmente ser feito? Se ele não sabe ele
precisa de um mestre de sabedoria.
Como, infelizmente para a
maior parte de nós, esquecemos o que é agir
corretamente, perdemos a naturalidade nos atos, nas
decisões, nós agimos mais culturalmente do que
espiritualmente. Por isso somos todos carentes de mestres
de sabedoria. E nós sentimos a falta dessa palavra do
mestre, essa presença do mestre que nos inspire, e que
nos leve a ter aquilo que o americano batizou
"insight", aquele brilho interior, aquele
vislumbre do que deve ser feito, do que seria a
verdadeira solução para um determinado problema. Então
nós sentimos a falta desse mestre, e evocamos a sua
presença. Muitos sonham, anseiam intensamente pela vinda
do mestre, e acabam depois de anos de esforço
psicológico de busca se frustrando porque não têm o
esperado encontro pessoal, individual, com o mestre de
sabedoria.
O ser humano (...) ao ser
concebido em nosso planeta, ao ser, por assim dizer,
enxertado na natureza planetária pelos seres que
construíram o planeta - e que depois construíram as
condições para que nós existíssemos como seres
humanos aqui - ele foi privado do direito de ser um
animal. Por mais que os biólogos digam que é um animal,
e que é o animal mais evoluído da natureza, e que ele
é o auge da evolução, o ser humano foi extraído da
natureza animal e foi colocado num outro reino à parte.
Ele é do reino humano. E lhe foi tirado o direito de ser
um animal. Então o ser humano, que teoricamente seria o
auge de todo um processo evolutivo que o levaria ao topo
dentro da escala evolutiva da natureza terrestre, na
verdade se seguirmos rigorosamente os critérios
científicos de evolução, baseados em adaptação e
especialização - se coloca no ponto "zero" da
evolução. Isso pode parecer brincadeira, mas ainda no
início dos anos sessenta, antropólogos reunidos num
encontro na Suiça com o objetivo de encontrar os
elementos conclusivos que comprovassem os traços
evolutivos do ser humano, chegaram à infeliz conclusão
de que o único traço evolutivo do ser humano era a
presença do esmalte nos dentes. Todo o resto não
demonstra evolução. A evolução é o resultado de um
processo de adaptação e especialização no trato com
as condições do meio, e que se mantém geneticamente,
sendo passado geração após geração. Nós, humanos,
não trazemos esses traços. Não herdamos essas
características evolutivas do ponto de vista da matéria
e do corpo, do instinto animal. E isso nos coloca numa
situação em que somos condenados, por esse fato
natural, [uma condenação que é uma bênção, na
verdade] a conviver com outros seres humanos ou deixar de
ser humanos.
Um ser humano quando não
convive com outros seres humanos se torna incapaz de
demonstrar qualquer sinal de sua natureza humana. Ele
não mostra sequer um lampejo de sua espiritualidade. Ele
se transforma no animal com que ele estiver convivendo.
Há farto material de referência a esse respeito. A
pesquisa que levou a essa conclusão, não tão grave
quanto estou apresentando para vocês, mas a conclusão
de que não há traços evidentes de evolução no ser
humano, começou com a descoberta na Índia, por
curiosidade, dos famosos casos dos meninos-lobo. Todo
mundo já ouviu falar, principalmente porque isso foi
notabilizado naquela história do "Mowgli", de
Rudyard Kipling. O Mowgli era uma fantasia. O seu autor
era um grande romancista que escreveu uma história
emocionante, maravilhosa, em que o menino-lobo se
recupera e volta para a convivência com os seres humanos
por sua livre e espontânea vontade. É uma coisa
fantástica, mas que nunca existiu na realidade.
Dezessete casos foram examinados pelos médicos na
Índia, de meninos-lobo, meninos que foram encontrados em
estado selvagem na floresta, e todos eles tinham se
adaptado perfeitamente ao meio e aos hábitos dos animais
com os quais estavam convivendo. A musculatura se adaptou
para andar sobre quatro patas, e não mais conseguiam
ficar em pé, eretos. Não tinham mais a capacidade de
apreender a linguagem humana, mesmo após anos de
tentativas, nos casos que sobreviveram ao primeiro
contato com a humanidade [pois alguns morreram em
conseqüência de doenças contraídas no contato com os
indivíduos que os encontraram]. Os que sobreviveram,
portanto, não aprenderam a ser humanos, continuaram
animais e foram tratados com piedade, mas como animais.
Eles viviam, se alimentavam, e tinham todos os hábitos
naturais dos animais com os quais conviveram.
Ora, é cruel, mas todos
nós somos exatamente assim. Somos meninos-lobos que
tiveram a sorte de ser "encontrados" por seres
humanos quando éramos recém-nascidos olha que
sorte um ser humano nos encontrou quando nascemos
e fomos criados por seres humanos. E com o poder de
imitação que nós temos, que é extraordinário, nós
nos tornamos seres humanos. E nos tornamos um retrato,
por assim dizer, daqueles seres humanos com os quais
convivemos - um retrato do qual nós extraímos os
traços que nos foram mais simpáticos, mais agradáveis,
e aos quais nós acrescentamos os lampejos daquilo que se
torna a nossa própria característica individual. Então
quando nós começamos a imitar os outros seres humanos
nós disparamos um mecanismo interno que cria um canal
através do qual o nosso "eu espiritual"
começa a mandar para nós as suas mensagens. A
"vozinha" interior começa a dizer para nós
qual é o caminho.
Então, vejam bem, por
causa desse fato de nós precisarmos das outras pessoas
para ultrapassar os limites da nossa condição
"zero", digamos assim, de evolução, nos faz
considerar, numa primeira perspectiva, que o
"mestre" de nossa sabedoria é o conjunto das
pessoas ao nosso redor, com as quais nós travamos
contato e travamos convivência. O primeiro mestre que
nós encontramos é exatamente a comunidade com a qual
nós vivemos. Se vocês fizerem uma avaliação fria, mas
sincera, da relação de cada um de nós com esses nossos
primeiros mestres, vamos dizer assim, com a nossa
pré-escola de sabedoria, vocês vão perceber que se
nós não conseguimos ter um bom relacionamento, ter um
bom aproveitamento nessa pré-escola, como é que
queremos ser promovidos para a escola da fraternidade
branca? A escola da grande hierarquia dos seres
espirituais. Quantos de nós nesse contato com esses
primeiros mestres que nós encontramos, que são nossa
família, nossos irmãos, os nossos vizinhos, colegas de
escola, quantos de nós nesse primeiro contato já
saíram chutando a canela do mestre, não é verdade?
Quantos de nós se tornaram incapazes de ouvir a voz mais
sábia de uma pessoa com mais idade? Quantos de nós
deixaram de ouvir a voz mais sensata de alguém que pedia
calma, num momento de fúria?
Então nós começamos a
desaprender, por uma série de motivos, motivos
cármicos, motivos pessoais, relações tensas que nós
temos com as pessoas com quem nós temos relacionamento.
Dizem que é mais fácil ser fraterno com um estranho do
que com um parente próximo, porque o destino coloca
geralmente grandes inimigos antigos numa mesma família
para se reconciliarem. Ora, se nós não conseguirmos
travar com essas pessoas uma relação saudável, se não
somos capazes de escutar a mãe, o pai, o irmão, um
vizinho ou amigo, com que direito nós nos achamos em
condições de estar junto de um verdadeiro mestre de
sabedoria jurando de mãos e pés juntos que vamos
escutar suas palavras.
Somos muito indulgentes
quando nos julgamos a nós próprios e geralmente somos
juízes muito rudes para julgar os outros. Nós temos
esse mau hábito da civilização que vem sendo mantido
ao longo de milênios e milênios. Mas nós podemos
romper com esse hábito. Essa é a proposta da ST, quando
estabelece em seu primeiro objetivo que tem a finalidade
de constituir um núcleo de fraternidade universal sem
distinção de qualquer espécie (raça, credo, cor,
casta, etc.). Esse espírito é o que nos leva a
reconhecer a identidade do primeiro mestre da nossa vida,
que é a comunidade com a qual nós convivemos, a
fraternidade na qual nós nascemos. A fraternidade
humana.
Quando o indivíduo
aprende a escutar o clamor da humanidade ele aprende a
escutar a voz do espírito. O que é escutar o clamor da
humanidade? Em primeiro lugar é querer mais ouvir do que
falar. Nós somos muito falastrões, não é mesmo?
Falamos, falamos, falamos até o que não devemos,
falamos até o que não precisaríamos falar. Nós
gostamos de falar. Nós temos prazer de ser ouvidos.
Diz uma pesquisadora
alemã, Mechthild Scheffer, uma especialista nos
remédios florais do Dr. Bach que fez uma série de
estudos sobre o comportamento humano, que o indivíduo
falador é normalmente um indivíduo carente que não tem
certeza sequer da própria existência. Ele precisa falar
para ter certeza de que, ao ser ouvido, ele de fato
existe. Ele tem uma sensação de inexistência, ele se
desvaloriza tanto, que se ele parar de falar ele vai ter
a sensação de que parou de existir. E se torna uma
criatura extremamente desagradável. É irritante. Não
para de falar, e tudo o que ele fala começa com
"eu": eu acho, eu penso, eu fiz, eu fui, eu
quero, eu vou. Esse indivíduo, na verdade, por mais
chato que seja, é um indivíduo que precisa de uma luz,
ele precisa de alguém que o escute, que tenha a
paciência de escutá-lo e diga "olha meu chapa,
você existe. Você é um bom sujeito", e que repita
isso até que ele se convença de que de fato existe e se
aquiete um pouco e começe a escutar. Porque todos nós
precisamos aprender a escutar. Falar um pouco menos e
escutar um pouco mais.
Os alquimistas usavam uma
expressão, que foi cunhada e notabilizada entre eles que
era a fórmula que assegurava que ele estaria sempre em
contato com o verdadeiro saber alquímico e que jamais
perderia esse direito de mantê-lo, que jamais seria
tolhido pela natureza ao obter esse saber alquímico, e
que era a seqüência de ações que ele deveria tomar:
primeiro, buscar o saber; depois, uma vez
que ele tivesse adquirido o saber, o saber não se
realiza sem o querer, querer realizar; mas
a realização exige ousadia, então ousar,
que significa partir para a realização; e depois disso
fazer a coisa que quase ninguém consegue, calar.
Saber, querer, ousar e calar, as quatro máximas do
alquimista.
Quase todo mundo faz muito
pouco e fala muito sobre o pouco que fez. É uma
observação curiosa mas certas pessoas realizam tão
pouco na vida e dizem que não têm tempo de fazer mais.
Não é uma crítica, é uma constatação. Mas se vocês
observarem essa pessoa vocês vão ver o seguinte: para
cada coisa que ela faz, digamos que ela gastou quinze
minutos realizando alguma coisa, depois ela gasta quatro
horas ao telefone contando para todo mundo o que fez.
Vejam como é curioso como se gasta muito tempo dizendo
"eu fiz, eu fiz, eu fui, eu realizei...".
Esse espírito de
compartilhar, num certo sentido, sua alegria dizendo
"eu fiz, eu fiz, eu fiz..." na verdade oculta
uma pequena falha [de compreensão] nossa, que é o fato
de que não fizemos mais que nossa obrigação. Realizar
é uma obrigação do ser humano se ele quer continuar
sendo um ser humano. O que nós deveríamos fazer é
estimular os outros a realizar também. Escutar um
pouquinho, dar atenção, estimular essas outras pessoas
a realizar também, descobrir a sua própria sabedoria e
realizar essa sabedoria.
Quando nós fazemos isso,
nós estamos encarnando o mestre desses indivíduos. E
então vocês vão estar, naturalmente questionando:
"bem, se todo mundo é mestre então não tem graça
nenhuma porque já encontramos o mestre. Olhe, eu nasci
já nos braços do mestre, vou morrer em seus braços,
rodeado de mestres. Pois todo mundo é mestre." Mas
a verdade é que o mestre aparece.
Isto significa que estamos
convivendo com o mestre mas não estamos enxergando o
mestre, pois o que vemos é um monte de gente medíocre
que não acreditamos que sejam mestres. Porque? Porque
não estamos sabendo enxergar com os olhos que vêm o
espírito por trás de cada indivíduo ao meu redor.
É muito bonito, é muito
bacana dizer que Deus está por todas as partes do
Universo. Que cada um de nós é um deus em potencial.
Mas eu estou dando um chute nos deuses porque eu não
estou nem aí, eu estou procurando é um mestre.
Então, espere aí, eu
estou desprezando deuses e estou correndo atrás de
mestres? Mestres que eu nem sei onde encontrar, nem sei
por onde começar a procurar. Meu deus do céu, é a
mesma coisa que um sujeito faminto desprezar um prato de
comida e sair procurando grãos no chão. Mas por que?
Porque ele não está procurando um prato de comida. Ele
está desesperado, ele quer grãos. É uma distorção de
nosso pensamento.
Nós temos o poder de
mergulhar, com a presença de qualquer ser humano junto
de nós, na própria essência divina, na própria
consciência divina. Isto, na conversa de Krishna com
Arjuna, no Bhagavad Gita, é uma coisa que se torna muito
clara, transparente. Krishna, encarnando a própria
divindade, encarnando a figura de Vishnu, uma divindade
que dá a sustentação ao Universo inteiro, diz:
"não olhe para mim e enxergue a personalidade. Olhe
para mim e enxergue a totalidade. Não aja por você e
para você, aja por mim, pela totalidade, e para a
totalidade." Então dedique os seus atos à
divindade. Aja para a divindade, em favor da divindade,
não em favor de si próprio. E enxergue a divindade em
cada criatura com a qual você se relacionar.
Façam uma pequena
análise. Porque nós temos medo de certas pessoas?
Tentem reparar como às vezes vocês estão andando na
rua e aí olham para uma pessoa e sentem medo. HPB num
certo ponto de seu livro "A Doutrina Secreta"
cita uma frase de um sábio indiano que diz o seguinte: o
medo e o ódio são as duas faces de uma mesma moeda de
troca. Quem teme, odeia, e quem odeia, teme. Se eu tenho
medo de qualquer ser humano com o qual eu convivo ou com
quem simplesmente cruzo em minha vida, significa que eu
estou nutrindo uma ponta de ódio por essa criatura. O
ódio é a origem do temor e o temor é a fonte do ódio.
Ninguém teme aquilo que não odeia. Ninguém teme o
próprio filho, a menos que sinta ódio por ele. Nós
não tememos aqueles a quem amamos.
Pregamos o amor pela
humanidade, e no entanto temos medo de um monte de gente
pela rua, porque os nossos olhos, em lugar de buscar o
mestre nessas criaturas, estão procurando o quê para
enxergar o ódio, para enxergar uma figura atemorizante?
É evidente que nós não estamos procurando o mestre.
É fácil perceber o que
é ruim. As coisas ruins incomodam, provocam medo e ódio
em nós, e estão por toda parte. A dificuldade que
sentimos para enxergar o lado bom é o fato de que o que
há de bom é mais sutil, mas em compensação é mais
duradouro. Tudo o que é ruim dura pouco, esta é que
deveria ser a frase, e não tudo o que é bom dura pouco.
O que é ruim dura pouco, e o que é bom é permanente.
Então nós precisamos aprender a enxergar o que é bom,
nos tornar um pouco aquele bobo alegre, que acha tudo
bom, tudo bonito.
É melhor ser bobo alegre
do que ser malicioso. Muito melhor.
Os indivíduos que, como
as crianças, reconhecem a alegria (...) de ter um amigo,
de conversar com um estranho, com qualquer um é
próprio da criança isso esse é um indivíduo
que tem a chave do reino dos céus. Aí vamos voltar aos
cristãos quando no texto bíblico se diz "vinde a
mim os pequeninos, porque deles é o reino dos
céus". Porque essa ingenuidade permite à criança
gostar de qualquer pessoa, abrir um sorriso para um
sujeito que está atormentado por todo tipo de problema,
e de repente, com esse sorriso, ele se desarma. Então é
aí que nós temos que identificar o estado de espírito
que nós devemos buscar: desarmado. Um estado de
espírito no qual nós sejamos capazes de identificar o
lado bom das outras pessoas. E aí nós vamos encontrar,
primeiro esse mestre universal que é a própria
humanidade. E depois, quem sabe, a gente recebe uma
visita um pouco mais avançada no progresso espiritual.
Bem, essa era a nossa
mensagem de hoje, e eu vou encerrar por aqui (...)
alguém tem alguma dúvida acerca do que foi dito?
Pergunta O
senhor mencionou "ousar", então ousar é só
ousar. É muito simples mas na hora você não ousa...
Orador Vamos falar
um pouquinho só sobre isso. A seqüência que os
alquimistas empregam é essa: saber...
saber o que é? É ter a percepção e uma avaliação
dos fatos. Então eu sei, eu sei o que aconteceu. Mas eu
tenho também que tomar decisões, e aí entra o querer.
Então eu decido alguma coisa em cima do que acontece e
tenho o querer. E além disso eu tenho que agir. Mas a
passagem do querer para o agir, ela tem um problema,
porque até o momento do querer eu tenho [escrevendo no
quadro] "percepção, avaliação e vontade"
tudo isso aqui são ocorrências subjetivas, acontecem na
minha mente. Com a ajuda de meus órgãos sensoriais, com
a ajuda de todos os mecanismos materiais que eu tenho
para suportar a vida mental. Mas o fazer, agir,
representa a transformação desse processo mental num
processo físico de ação muscular, de movimentação,
de fala, de gesticulação. Então eu tenho que
transformar isso aqui em matéria, em movimento material.
E é para isso que muitos de nós não se prepararam, ou
não vêm se preparando durante a vida. Porque nós temos
aprendido que é mais importante falar do que fazer. É
mais importante eu poder dizer "eu sou o chefe, eu
sou o escoteiro-mor", não é? É bonito, eu tenho
um rótulo, um título, e esse título já basta, eu não
preciso fazer nada. Eu não preciso ajudar a velhinha a
atravessar a rua, eu sou o escoteiro-mor, e ponto. Eu já
recebi o título, a medalha a comenda. Então nós
gostamos muito disso, do lado subjetivo, do lado mental
da nossa vida. Mas transformar em prática depende de uma
certa disciplina. Precisamos cultivar a disciplina de
praticar, de agir. Nós somos por natureza
indisciplinados por natureza cultural. Quando nós
nos educamos para o agir, não precisamos começar com
grandes atos. Não precisa fazer um ato heróico para ser
um indivíduo ativo. Agir significa, por exemplo
determinar que vou acordar às sete e meia da manhã, e
então toca o despertador e eu de fato me levanto às
sete e meia da manhã. E não bater no despertador, virar
para o outro lado dizendo "ah, não, mais dez
minutos..." É preciso determinação. Eu quis e eu
agi. Às vezes vemos cair um objeto das mãos de uma
pessoa e pensamos: "preciso avisá-la", mas
então vem a dúvida com o usual "não sei se devo,
não sei se vou" ou "tenho vergonha", e
não faço. Não tenho a ousadia. Não tenho a capacidade
de transformar uma decisão, que já ficou clara em meus
pensamentos, numa ação. Então nós não nos treinamos
para isso, não nos obrigamos a isso. Mas temos que nos
obrigar, isso é uma disciplina, um sacrifício que nós
temos que fazer, e que começa com coisas pequenas. (...)
Há muitas coisas que podemos fazer e que exigem um
mínimo de esforço, por preguiça você fica na cadeira
dizendo "ai que bom se já estivesse pronto..."
mas não faz. Por que? Teve a vontade... mas não fez.
Porque nós somos indisciplinados.
Há um fato curioso. Não
é tão difícil se reeducar nesse sentido porque cada
pequeno ato do qual nós temos vontade e nos obrigamos a
fazer nos dá uma satisfação tão grande que o próximo
sai com mais facilidade. E mais e mais. É só avançar
um pouco e nos tornamos viciados em realizar as coisas. O
que é muito bom. Parece que há um efeito multiplicador
nesse treinamento para agir. O resultado é tão
agradável que ocorre aquele problema que eu comentei. A
pessoa se torna até tagarela, pois está tão feliz por
fazer que quer falar para todo mundo "eu fiz, eu
consegui, eu fui lá, eu...". E o outro diz "e
daí? Não fez mais que sua obrigação". Você
queria fazer e fez. O que mais?
Agir é bom. Treinar para
agir é muito gostoso. O resultado é muito bom. Se a
pessoa além de tudo guardar para si essa sua
satisfação, se calar, melhor ainda. Vai
se tornar um verdadeiro alquimista. Certo?
Pergunta Olha,
eu entendo assim também, que você coloca ali na
percepção [apontando para o quadro] a oportunidade de a
gente a usar para identificar os mestres, esses olhos de
ver, para ver os mestres (...) e ouvir, como você
colocou. Então acho que a partir dessas atitudes já vai
ajudar até a gente a ver a força para lutar (?) em
algumas
Orador - O que se diz é o
seguinte: as fisionomias humanas são muitas e muito
variadas. Nós temos até uma área do cérebro dedicada
exclusivamente a identificar fisionomias. No entanto,
elas têm determinados padrões que são semelhantes em
todos os seres humanos, padrões recorrentes. O caso é
que você olha para uma pessoa e diz "puxa, me
lembra alguém, não sei quem..." e na verdade te
lembra várias pessoas que têm traços similares.
Então se diz o seguinte.
À medida que a pessoa vai se treinando para perceber o
lado bom das outras pessoas, ele começa a criar os
padrões mentais que permitem identificar a fisionomia do
mestre. É uma coisa curiosa, é uma tese que inclusive
foi desenvolvida por um biólogo que viveu na Índia
durante vinte anos, o Rupert Sheldrake, então ele diz
que no sujeito existem recorrências de formas,
morfológicas, que fazem, por exemplo famílias mostrarem
fisionomias semelhantes ao longo de muito tempo. Às
vezes pessoas distantes, de famílias distantes, mostram
fisionomias similares e às vezes aparentemente sem
conexão nenhuma. Mas há outras semelhanças além da
fisionomia. Então o que se diz é isso, quando você
busca, não o traço ruim, negativo, mas você busca o
traço bom da pessoa o sujeito pode ser um bandido
mas tem um traço que te lembra o teu tio, um tio de quem
você gosta muito você não apenas memoriza
elementos distintivos de uma pessoa boa, como você
também ajuda a evocar esse lado bom nesse indivíduo.
Então é bom em todos os sentidos. Depois de um certo
tempo de treinar ver o lado bom das pessoas,
eventualmente você vai ver na rua uma pessoa cuja
fisionomia te parece muito familiar. Na verdade você
não conhece mas ele traz tantos traços familiares de
pessoas boas que só pode ser um iluminado. Aliás é a
fórmula mais simples de encontrar um mestre. Aí você
diz "Ei, você, eu preciso falar contigo" e o
sujeito diz "ainda bem que você me reconheceu,
vamos lá...". São muitos os encontros místicos
que acontecem dessa maneira. Você não sabe como, mas
identificou. Identificou por que? Porque houve uma
transformação na sua percepção.
Como eu vou fazer se um
pessoa me pede "por favor, procure uma erva-cidreira
naquele mato" e aí eu entro todo feliz. Vou
procurar. Está cheio de plantas aqui. Mas eu nunca vi
uma erva-cidreira na vida, como é que vou achar? (...)
É mais fácil eu primeiro procurar saber que aparência
tem uma erva-cidreira. E aí eu entro no mato, bato o
olho e enxergo. Então é mais ou menos isso. Que cara
tem um mestre? Se eu imagino que o mestre é um
indivíduo que atingiu um estado de perfeição tão
elevado que ele só mostra em sua fisionomia,
provavelmente, a bem-aventurança, então eu preciso
buscar esses traços nas pessoas com quem eu convivo para
obter os elementos que me permitam identificá-lo quando
eu o encontrar.
Por outro lado se eu olho
para as pessoas e começo a olhar com ódio, com medo,
etc. eu não vou enxergar esses traços nunca. Eu vou ver
o inverso. Eu vou enxergar o que há de ruim nessas
pessoas. E aí, é claro, se eu encontrar o demônio em
pessoa eu vou reconhecê-lo "Ah, esse é do meu
padrão". Isso porque a nossa capacidade de
identificar fisionomias pode servir para bem ou para mal.
Por isso há aquela afirmativa medieval de que semelhante
atrai semelhante, bandido atrai bandido, santo atrai
santo, porque identificam no outro elementos da linguagem
corporal que dizem para ele "olhe bem, eu sou da sua
mesma natureza". Nós precisamos nos elevar em
termos de natureza, buscar a espiritualidade, porque a
nossa percepção se matiza dessa maneira e nós
identificamos os semelhantes, particularmente aqueles
muito especiais de quem precisamos para ter um avanço
mais rápido.
Pergunta A mim
parece que os mestres não precisam sair do que estão
para conseguir se comunicar com as pessoas necessárias
ao avanço das pessoas em questão no caso do planeta.
Acontece que diante da "onda" dos mestres, é
até meio ridículo, mas as pessoas jamais vão encontrar
os mestres porque eles não se prestam a se mostrar da
maneira como elas estão pensando que eles fariam. Ou
seja, elas querem que eles exibam os poderes, e eles não
se prestam a isso sem necessidade. No caso da Sociedade
Teosófica, nessas comunicações com a Blavatsky, porque
ela tinha em si essa condição de integrar a essa
sistemática, e eles conseguiram vencer a barreira da
matéria, para conseguir fazer esse efeito. Porque tem
todo um aparato aí, a essência elemental e tudo o mais,
sendo que uma coisa não se transforma na outra. Então
as pessoas estão bastante equivocadas nessa onda dos
mestres, em relação ao comportamento deles.
Orador É, numa
coisa você está muito certa. De fato muitos contatos
com os mestres não exigem que ele esteja necessariamente
presente. Há uma série de meios pelos quais ele pode se
mostrar sem estar de fato presente. Há até um livro
interessante do Paramahansa Yogananda, a
"Autobiografia de um Yogue Contemporâneo", em
que ele fala sobre alguns fenômenos desse tipo, que são
fenômenos de ubiqüidade, em que o sujeito consegue
estar em um lugar quando uma pessoa jura que viu ele em
outro. Porque ele pode projetar e imagem dele em outro
lugar. Há uma série de habilidades que esses
indivíduos podem desenvolver, e que podem usar para
estabelecer contato com várias pessoas inclusive em
lugares diferentes, sem que para isso estejam fisicamente
presentes. Podem também estar fisicamente presentes como
várias vezes por cartas comunicaram que faziam várias
visitas pessoais a determinados a determinados
indivíduos e HPB menciona alguns casos de indivíduos
que buscavam um lugar ao qual já tinham ido
anteriormente para visitar um determinado mestre, mas que
ao tentar retornar se viam envolvidos com as proteções
elementais, andando em círculos sem chegar nunca ao
lugar, mesmo quando marcavam referências visuais. Porque
há defesas naturais, e o mundo também protege os bons.
Nós às vezes reclamamos das injustiças, mas o bom de
fato é protegido. Quantas pessoas que passaram por
situações em que estariam prontas para morrer e não
morreram em razão de fatos "milagrosos". Uma
bala que desvia misteriosamente em direção a uma parede
próxima, por exemplo. Nós temos que acreditar que
existe mais do que apenas o que enxergamos materialmente.
Mas mesmo nos piores momentos da humanidade a presença
do mestre sempre esteve próxima, de uma forma ou de
outra. Mas principalmente na forma das pessoas ao nosso
redor, com quem nós convivemos. E aprender a enxergar o
mestre nas pessoas nos permitirá identificá-lo
prontamente, quando tivermos o mérito para um encontro
pessoal.
Esta transcrição foi gentilmente cedida pela presidência da
Loja Teosófica Liberdade - São Paulo - SP. Clique neste link para visitá-la!