Panfletos de Adyar No. 22
ASPECTOS DO
CRISTO
Annie
Besant
Dezembro de 1912
The Theosophist Office Adyar, Chennai
[Madras], Índia
Escolhi para nossa consideração esta noite um tema que parece-me ser de
profundo interesse, e também de grande importância prática. Pois nenhum tema no
mundo ocidental toca mais intimamente os corações dos homens do que o tema do
Cristo. Em torno deste nome são associadas todas as memórias sagradas, todas as
mais altas aspirações, o ideal de uma humanidade perfeita, a manifestação do
próprio Deus. Por outro lado há muitas questões intelectuais relacionadas com
isto, e é impossível escapar destas questões no mundo das discussões históricas
modernas sobre a data em que
Ele viveu; discussões críticas sobre a autenticidade dos registros
em que Sua vida se inscreve;
controvérsias dogmáticas sobre Sua natureza, seja Ele Deus e homem, Deus ou
homem, ou somente homem; se Seu lugar de direito é o de um grande Instrutor ou
de um supremo Objeto de culto; como Ele viveu e como morreu; todas estas são
questões que surgem em torno de Seu nome; são questões que o intelecto deve
resolver.
Mas quando você entra na atmosfera do intelecto, você inevitavelmente
entra numa que é e deve ser crítica, calma, equilibrada, mais ou menos fria.
Enquanto que de outro lado estão envolvidas as mais profundas, as mais
apaixonadas emoções da natureza humana " emoções de reverência a Deus, emoções
de admiração apaixonada pelo homem, emoções de aspiração para a vida espiritual,
aspirações para o mais santo e o mais profundo. E daí descobrimos que à volta
das discussões intelectuais se insurgiram as ondas dos sentimentos emocionais,
para prejuízo de ambos. Em toda parte em que as emoções penetram, o intelecto se
torna tendencioso e não pode julgar direito. Onde interessa ao intelecto as
emoções são um perigo, e não um auxílio. Mas por outro lado as emoções
envolvidas sendo aquelas que são as mais inspiradoras, as mais elevadoras, as
mais espiritualizantes, é necessário que tenham seu lugar, que possam ter plena
liberdade de expressão, que sejam dirigidas ao Objeto de culto, que possam
purificar o coração assim como inspirar a vida. Não podemos fazer nada sem o
intelecto ou sem as emoções. Ambos têm seu lugar, ambos têm seu valor; mas a fim
de que cada um possa ter seu valor pleno, devem ter seus lugares corretos
reservados a eles neste grande campo do pensamento religioso. Ao intelecto deve
ser dada plena e livre ação, às emoções, sua imperturbada expansão. E só o
poderemos efetivamente fazer, imagino, se olharmos todo o assunto sob aquela luz
da Divina Sabedoria que inclui o intelecto e as emoções, mas que também
reconhece o lugar e a supremacia do Espírito. E se puder, quero esta noite
ajudá-los a ter uma visão que me parece " se ela lhes interessar, e se vocês a
estudarem " pode ajudá-los a entender, como deveriam entendê-lo pelo intelecto,
mas é capaz de preservar, ou melhor, tornar intocável e inabalável, aquele
Cristo do coração humano a Quem o Espírito se alça em seus momentos de maior
percepção, muito longe de todos os ventos da controvérsia, de todas as
tempestades da discussão, naquele ar puro e sem nuvens do próprio céu, onde a
intuição vê e a razão silencia, onde o Espírito fala e as vozes menores
emudecem.
Tomemos primeiro a visão intelectual e analisemos isto, a própria vida,
historicamente, e então, do ponto de vista ainda intelectual da religião
comparada. Vejamos então o lado dogmático, em torno do qual tanta controvérsia
tem rugido e ainda pode rugir. Então vejamos como o Cristo aparece como o Ideal
da alma, e como Ele se eleva acima de todas as controvérsias da história e da
doutrina naquela forma poderosa e que tudo atrai, que tem sido chamada o "Logos
da alma". Se assim porventura pudermos estudar alguns dos muitos aspectos
poderemos ser capazes de manter incólume a inspiração do ideal, e poderemos
caminhar calmamente, inteligentemente, em estudo cuidadoso e acurado, por entre
todas as dificuldades intelectuais que têm cercado o assunto no passado, e que
inevitavelmente ainda o cercam hoje. E deixem-me dizer, antes que iniciemos esta
parte intelectual de nosso estudo, que se houver algum assunto mais do que
qualquer outro passível de unir e não de dividir, é o do pensamento sobre o
Senhor do Amor, sobre Aquele que será o Buda do Amor, assim como o Senhor
Gautama foi o Buda da Sabedoria. Em torno daquele nome sagrado têm-se
encarniçado longamente as batalhas das igrejas. O nome que deveria unir de
acordo com a prece "que todos possam ser um, como Eu, Pai, sou contigo, e que
eles também possam ser um conosco", esta prece que caiu, como se diz,
despercebida sobre a Terra, e não despertou nenhuma resposta, não encontrou
nenhuma acolhida; pois os Cristãos têm disputado sobre Cristo com mais acrimônia
do que talvez sobre qualquer outra coisa. E quão triste de fato, e terrível,
seria se nós, que pregamos a fraternidade das religiões, copiássemos aquele pior
lado que faz do assunto mais santo um motivo de controvérsias, e suscita a
tormenta das paixões humanas dentro do que deveria ser o Santo dos Santos do
Santuário.
Para evitar isto olhemos para o lado intelectual tranqüila e calmamente
como convém a estudantes. Primeiramente, o histórico. Sobre isto o Ocultismo
fala clara e nitidamente, como aprendemos dos Mestres da Loja Branca, pelo
mensageiro que Eles nos mandaram, Helena P. Blavatsky, e confirmado pelos
estudos de obreiros posteriores. E esta visão é corroborada por muitas coisas na
história do passado e por um ou dois ensinos que são dignos de consideração no
registro do próprio Novo Testamento. É a história de um jovem Hebreu, nascido
cerca de um século antes de nossa era Cristã, treinado em parte no Egito, em
parte nos mosteiros dos Essênios, chegando em torno da idade de trinta anos a
ser um instrutor entre seu povo, reconhecido por eles como aquele que conheceram
em sua juventude. Sobre ele desceu o Espírito do Santíssimo e, descendo, nele
habitou, e aquele momento da descida foi o da vinda de Cristo para ocupar o
corpo escolhido para Sua estada na Terra. Depois, uma breve vida de três anos
entre os homens, uma vida da mais completa beneficência, uma vida de muitas
curas milagrosas assim como de notáveis ensinamentos. A reunião à Sua volta de
uns poucos a quem Ele ensinou as doutrinas mais profundas, algumas das quais
eles mais tarde disseminariam: "A vós é dado conhecer os mistérios do Reino de
Deus, mas aos outros falo em parábolas". Algumas vezes o amor entusiástico da
multidão, às vezes o ódio passional, atentando contra a vida; finalmente na
cidade de Jerusalém, no recinto do próprio Templo, um tumulto irrompendo, um
terrível apedrejamento, a volta de Cristo para Seu lugar de origem, o assassínio
do corpo em que vivera, a tomada do corpo, o dependuramento em uma árvore para
escárnio por parte daqueles que O haviam morto. Esta é a antiga história, a
história dos registros do passado, confirmada pelas tradições que foram
transmitidas pelo povo Hebreu, que nos fala de seu jovem Instrutor nos dias da
Rainha Salomé, que ensinou e pregou, que foi morto e pendurado em uma árvore. E
isto é confirmado por aquelas palavras pronunciadas por São Pedro, registradas
nos Atos dos Apóstolos, quando, censurando os Hebreus de sua época, falou do
"Jesus a quem mataram e penduraram numa árvore". Então, ainda seguindo o
registro, como o Cristo por mais de quarenta anos continuou a vir aos Seus
discípulos, ensinando, guiando, instruindo, inspirando-os para o grande trabalho
que devia ser feito; como gradualmente eles se dispersaram entre as nações,
reunindo discípulos e levando a obra adiante; até que nos últimos dias foi ganho
aquele grande recruta para quem o próprio Cristo apareceu incumbindo-o de sua
grande missão, ele que deixou as fundações da Igreja como Igreja, o grande
Apóstolo Paulo, que declarou que não reconhecia nada entre eles exceto Jesus
Cristo Crucificado. E então a expansão como é conhecida por vocês, a
disseminação das doutrinas do grande Instrutor; e lado a lado com as pregações
externas, os Mistérios de Jesus. Os ensinamentos nestes, como eu disse, foram
iniciados pelo próprio Cristo e continuados por quarenta anos ou mais. Quarenta
anos é o tempo indicado por um dos grandes Bispos da Igreja primitiva. Somos
inclinados a acreditar num tempo um pouco mais longo, mas a data não foi
averiguada com precisão. Então o nascimento de Apolônio de Tíana, que algumas
vezes foi chamado de o Cristo Pagão, o discípulo Jesus renascido no ano 1 da era
Cristã, continuando o trabalho, viajando longamente por toda parte, Mensageiro
da grande Loja Branca, criando em vários lugares da Europa centros de força
oculta para serem utilizados muito, muito depois, quando de novo um grande
Instrutor aparecer, abandonando o corpo e assumindo o trabalho dos Mistérios de
Jesus, se tornando o grande Instrutor dos Mistérios, instruindo, guiando e
ajudando durante os séculos seguintes. Um escritor dentre os primeiros Padres
daqueles Mistérios, um grande Bispo que sofreu o martírio, nos diz como ele foi
instruído nos Mistérios, e como os anjos vinham para ensinar; ele nos dá algumas
coisas que eram ensinadas, a grande hierarquia graduada de anjos, e os mistérios
do mundo celeste. E então outros falam dos mesmos Mistérios. São Clemente de
Alexandria nos conta muito, nos diz que o que ele diz não será logo entendido
por todos, mas que entenderão, diz, aqueles que foram tocados pelo tirso " o
bastão da Iniciação, o bastão coroado pela pinha, com o qual todo candidato aos
Mistérios era tocado, pelo que o fogo sagrado era libertado, para que os olhos
fossem abertos e os segredos do mundo invisível revelados. Aqueles que foram
assim tocados, diz São Clemente, entenderão as alusões que ele faz. E muito mais
é dito por Orígenes " ele não tem o prefixo de Santo, embora o mereça, porque em
alguns pontos sua doutrina era liberal demais para o partido que se tornou
dominante na Igreja. Ele nos conta muito sobre os ensinamentos, como eles eram
dados pelo próprio Cristo, como eram dados em segredo em casa depois de a
multidão ter-se ido, aos Seus discípulos na casa, para citar as palavras do
Evangelho. Como estes ensinamentos eram transmitidos de um para outro, jamais
por escrito, mas sempre "da boca ao ouvido", como diz a frase, e falados somente
aos que eram "perfeitos". O termo "perfeito" era usado para designar o Iniciado
(alguns de vocês lembrarão que é usado na Maçonaria moderna, a tradição ainda
vive). Também lemos em Orígenes algumas fórmulas usadas, e aprendemos dele que
os que eram iniciados eram os Gnósticos, os sabedores. Eles sabiam, e não apenas
acreditavam. E ele diz que nenhuma Igreja poderia perdurar a menos que tivesse
os Gnósticos como seus pilares. Era verdade que a Igreja tinha remédio para o
pecador, mas também tinha conhecimento para o sábio, e somente "aqueles que
sabiam" poderiam manter a Igreja a salvo de ataques, e suas doutrinas salvas da
degradação. Leiam, quando puderem, sua maravilhosa descrição do Gnóstico e sua
vida. Então vocês perceberão algo do poder da Igreja primitiva onde tais
Gnósticos eram os Instrutores, e onde ninguém poderia passar aos graus mais
altos do sacerdócio a menos que tivesse passado pelos Mistérios e tivesse
aprendido em presença de outros os segredos da fé confinados ao círculo dos
perfeitos. E assim encontramos, olhando para isso do ponto de vista histórico,
uma sucessão de estágios de ensino. O próprio Cristo no corpo do discípulo,
podendo permanecer apenas por pouco tempo e depois morto; o discípulo renascido
para continuar o trabalho; e, até seu renascimento, o próprio grande Mestre o
Instrutor no círculo sagrado de Seus Iniciados. Então as viagens por toda parte
do grande Mensageiro, a criação de centros ocultos, a preparação para um futuro
ainda longínquo, mas que já consideramos como um futuro próximo. Pois estes
centros secretos, existindo na Europa, são os centros de onde a luz se
espalhará, os centros onde os Mestres estarão, onde os discípulos serão
reunidos, e de onde o ensino será irradiado.
Vendo assim, chegamos ao tempo em que nos Mistérios ainda era dado o
ensino que fez os Gnósticos da Igreja primitiva. Então uma grande mudança
ocorreu na Cristandade. O Cristianismo e o Estado se abraçam, querendo o Estado
usar a religião a fim de obter maior poder para si mesmo, e fazendo, por assim
dizer, um pacto com a Igreja. E então o gradual desaparecimento dos Mistérios,
lentamente, através dos séculos; a gradual retração por falta de discípulos, e a
transmissão da memória dos Mistérios para pequenos grupos dispersos de pessoas
que, sob várias denominações, levaram adiante os estudos científicos que tinham
sido parte do aprendizado dos Mistérios; aqui e ali publicando sob nomes
misteriosos alguns dos resultados de seus labores, publicando aquelas coisas
estranhas chamadas rosários, o sinal secreto "sob o signo da rosa", dando
mistérios alquímicos e médicos, tentando não falar alta e claramente, por causa
do perigo.
E assim gradualmente o conhecimento oculto velou-se mais e mais
profundamente, pois o sangue de Cristo não recaiu somente sobre os que o
derramaram, mas sobre todo o povo a que pertenciam. Recaiu como uma sombra sobre
toda a Cristandade, escondendo os Mistérios; tornando invisível o lado oculto da
verdade. Pois a mente perseguidora despertou, e a prisão estava reservada para
aqueles que conheciam as coisas ocultas do Espírito, e os lábios foram
silenciados e a as línguas tornadas mudas, e o conhecimento exterior foi erigido
em dogma, e o conhecimento oculto foi proscrito como Gnosticismo e heresia.
Jamais morreu. Foi transmitido de grupo a grupo; a tocha da Sabedoria jamais foi
completamente apagada, mas ninguém se arriscava a falar abertamente. E assim
chegamos aos nossos dias onde o véu ainda está lançado sobre os Mistérios " um
véu agora gradualmente a ser levantado, por que uma vez mais se ouvem os passos
do Cristo chegando, e o mundo deve estar preparado para a chegada, o pensamento
dos Mistérios uma vez mais deve ser uma realidade. E como nos últimos trinta
anos as doutrinas que conduzem ao conhecimento têm sido espalhadas amplamente,
então gradualmente o resultado destas doutrinas deve ser tornado familiar às
mentes dos homens " os grandes fatos da Iniciação, não só em livros como
palavras, mas na vida; o fato de que a Iniciação é tão possível agora como o foi
no distante passado, que homens e mulheres passam pelos portais agora assim como
passaram por eles há muito tempo atrás. E nos próximos anos vocês verão que
gradualmente mais e mais será falado, mais e mais será declarado, a fim de que
alguns dos dardos do ceticismo possam quebrar contra nossos peitos e ser
anulados, antes que Ele, o Mestre dos Mestres, possa vir para enfrentar a
descrença do mundo. E assim gradualmente vocês verão que falaremos mais e mais
sobre estas coisas, e falaremos mais e mais abertamente. Que o mundo zombe como
já zombou antes. Os fatos não mudam por causa da zombaria. Muito melhor que
zombem dos servos do que do Mestre. Muito melhor que ridicularizem e escarneçam
dos discípulos do que de seu Senhor. |