Tradução
Alcyr
Anisio Ferreira
DEDICADO
COM
GRATIDÃO, REVERÊNCIA E AMOR
À
H.P.
BLAVATSKY
QUE
ME MOSTROU A LUZ
PREFÁCIO
A
finalidade deste livro é colocar nas mãos do leitor em geral um resumo dos
ensinamentos teosóficos, suficientemente simples para atender o leitor comum, e
suficientemente completo para estabelecer uma sólida fundação para o
conhecimento posterior. Espera-se que possa servir como uma introdução
às obras mais profundas de H.P. Blavatsky, e ser um adequado degrau para o seu
estudo.
Aqueles
que aprenderam um pouco da Sabedoria Antiga conhecem a iluminação, a paz, a
alegria, a energia que as suas lições trouxeram para suas vidas. Que
este livro possa atrair alguns para refletir sobre os seus ensinamentos e
mostrar para eles o seu valor, é o anseio com que é apresentado ao mundo.
Agosto,
1897
ANNIE BESANT
SUMÁRIO
Introdução
O
Plano Físico
O
Plano Astral
Kamaloka
O
Plano Mental
O
Devachan
Os
Planos Búdico e Nirvânico
A
Reencarnação I
A
Reencarnação II
O
Karma
A
Lei do Sacrifício
A
Ascenção Humana
A
Construção de um Cosmo
INTRODUÇÃO
A
unidade fundamental de todas as religiões
O
pensamento reto é imprescindível para uma reta conduta e para a reta
compreensão do reto viver. Quer se nos apresente sob seu antigo nome sânscrito
"Brahma Vidya", ousob a designação moderna tirada
do grego "Teosofia", a Sabedoria Divina nos auxilia na realização deste
duplo objetivo. Apresenta-se ao mundo igualmente como uma filosofia adequada e
como religião e moral universais. Um sincero devoto disse que nas Escrituras
Cristãs havia passagens que uma criança poderia atravessar facilmente, e
abismos onde um gigante seria obrigado a nadar. O mesmo podemos dizer da
Teosofia, porque, de seus ensinamentos, uns são tão simples e práticos, que
qualquer pessoa de inteligência mediana pode compreender e aplicar, enquanto
que outros são tão elevados e profundos, que o espírito mais hábil
curva-se exausto quando se obstina em devassar-lhe o sentido.
Esta
obra é destinada a apresentar ao leitor uma exposição simples e clara
da doutrina teosófica, mostrando que seus princípios gerais e seus
ensinamentos formam uma concepção coerente do Universo e fornece os
detalhes necessários a fazer sobressair o encadeamento destes princípios e
suas ligações mútuas.
Uma
obra clássica elementar não pode ter a pretensão de expor toda a ciência que
se encontra nas obras mais complexas, mas deve deixar o estudante com
idéias fundamentais sobre o assunto, com muito a acrescentar pelo estudo futuro
e pouco para reformular. No quadro que um tal livro forma, o estudante poderá
dispor os detalhes de suas investigações ulteriores.
É
unânime a concordância de que uma análise cuidadosa das grandes religiões do
mundo mostra que elas têm de comum muitas idéias religiosas, morais e
filosóficas. Apesar dessa unanimidade, a explicação do fato gera muita
controvérsia. Muitos pretendem que as religiões nasceram do solo da
ignorância humana, cultivada pela imaginação, e que foram sendo gradualmente
elaboradas, a partir das formas grosseiras do animismo e do fetichismo. As suas
analogias são atribuídas aos fenômenos universais da Natureza,
imperfeitamente observados e explicados de uma maneira caprichosa. Uma corrente
de pensamento dá como chave universal o culto ao Sol e aos astros;
para outra, a chave, não menos universal, é o culto fálico. O medo, o desejo,
a ignorância e o assombro levaram o homem primitivo a personificar os poderes
da Natureza e depois os sacerdotes exploraram os seus terrores e suas
esperanças, suas imaginações obscuras e suas indagações desnorteadas;
e os mitos foram se transformando em escrituras e os símbolos em fatos; e
como a base deles era a mesma em toda a parte a semelhança dos resultados era
inevitável.
Assim
falam os doutores da "mitologia comparada" e, sob a avalanche de provas, as
pessoas simples são levadas ao silêncio, embora não convencidas. Elas não
podem negar as analogias, mas não deixam de se interrogar com uma vaga
inquietação: "as mais sublimes concepções do homem, suas mais caras
esperanças são apenas o produto dos sonhos do selvagem e das dubiedades da
ignorância" Todos os grandes condutores da humanidade viveram, trabalharam,
sofreram, e morreram na ilusão, pela simples personificação de fatos
astronômicos, ou pelas obscenidades dissimuladas dos bárbaros "".
A
segunda explicação da base comum das religiões humanas postula a existência
de um ensinamento original, sob a custódia de uma Fraternidade de grandes
Instrutores espirituais. Estes Mestres, frutos dos ciclos passados da
evolução, tiveram por missão instruir e guiar a humanidade infantil em nosso
planeta. Transmitiram às suas raças e nações, sucessivamente, as verdades
fundamentais da religião, sob a forma mais adaptada às necessidades especiais
daqueles que deviam recebê-las. Segundo esta opinião, os fundadores das
grandes religiões são membros desta Fraternidade Una, e foram ajudados, em sua
missão, por uma plêiade de outros membros menos elevados que eles, iniciados e
discípulos de diversos graus, eminentes por sua intuição espiritual,
por seu saber filosófico, ou pela pureza de sua sabedoria ética. Estes
homens dirigiram as nações nascentes, guiando-as no caminho da civilização e
dotando-as de leis; monarcas, eles as governaram; filósofos, eles as
instruíram; sacerdotes, eles as guiaram. Todos os povos antigos tem
reminiscência destes homens poderosos, heróis e semideuses, e a arquitetura, a
literatura e a legislação desses povos antigos conservam de tais homens
traços indeléveis.
Parece
difícil negar a existência desses homens, diante da tradição universal, dos
documentos escritos ainda existentes e dos vestígios pré-históricos, em
ruínas em toda a parte, sem mencionar outras evidências que o ignorante
recusaria. Os livros sagrados do Oriente são fiéis testemunhas da grandeza
daqueles que os escreveram; pois quem, em dias posteriores, ou nos tempos
modernos, pode mesmo aproximar-se da grandiosidade espiritual do pensamento
religioso daqueles seres, do esplendor intelectual de sua filosofia, da
amplitude e pureza de sua ética " E quando percebemos o que estes
livros encerram sobre Deus, o homem e o Universo, ensinamentos em substância
idênticos, sob uma múltipla variedade de aparência exterior, não parece
irracional relacioná-los a um único corpo fundamental de doutrina, ao qual
damos o nome de Sabedoria Divina, ou sob a forma grega: Teosofia.
Sendo
como é origem e base de todas as religiões, a Teosofia não se opõe a nenhuma
delas. Ao contrário, purifica-as, revelando a alta significação interior de
inúmeras doutrinas, tornadas errôneas em sua forma exterior, pervertidas pela
ignorância e superstição. Em cada uma destas formas a Teosofia se
mostra e se afirma e procura em cada uma delas revelar sua sabedoria
oculta. Para nos tornarmos um teósofo não há necessidade de deixarmos de ser
cristão, ou budista ou hinduísta. Basta que o homem penetre mais profundamente
no coração de sua própria fé, abraçando mais firmemente as suas verdades
espirituais e analisando com um espírito mais amplo os seus ensinamentos
sagrados. Depois de ter outrora dado nascimento às religiões, a Teosofia
vem hoje justificá-las e defendê-las . É o bloco no qual todas foram
talhadas, é como a escavação profunda da pedreira donde todas foram
extraídas . Diante do tribunal da crítica moderna, ela vem justificar as mais
profundas aspirações e as mais nobres emoções do coração humano. Confirma
as esperanças que depositamos no homem e nos restitui, mais enobrecida, nossa
fé em Deus.
A
verdade desta asserção torna-se cada vez mais evidente, à medida que
estudamos as diversas Escrituras sagradas do mundo e o que analisemos dentre a
riqueza do material disponível basta para verificar o fato e guiar o estudante
na investigação de novas provas .
As
verdades espirituais fundamentais da religião podem resumir-se no
seguinte:
I.
Uma existência real, eterna, infinita, incognoscível;
II.
Do Todo procede o Deus manifestado, desdobrando-se de unidade em
dualidade, de dualidade em trindade;
III.
Da Trindade manifestada procedem inumeráveis inteligências espirituais,
guias da atividade cósmica;
IV.
O homem, reflexo do Deus manifestado, se compõe, por isto, de uma trindade
fundamental, sendo eterno o seu Ser interior e real, e forma uma unidade
com o Ser do universo.
V.
Ele evolui por encarnações repetidas para as quais é atraído pelo desejo; e
das quais se liberta pelo conhecimento e sacrifício, tornando-se divino em
realidade, como sempre o fora em potencialidade.
A
China, cuja civilização está atualmente em estado retrógrado ,
foi outrora povoada pelos turanianos, a quarta subdivisão da quarta Raça-Raiz,
a raça que habitou o continente desaparecido da Atlântida e que cobriu
com suas ramificações a superfície do globo. Os mongóis, sétima e última
subdivisão da mesma raça, vieram mais tarde reforçar a população desta
região, de maneira que na China encontramos tradições de uma alta
antigüidade, anteriores ao estabelecimento, na Índia, da quinta raça, a raça
ariana.
No
Ching Chang Ching ou Clássico da Pureza, encontramos um fragmento de uma antiga
Escritura, de singular beleza, onde se sente este espírito de calma e de paz,
tão característico do "ensinamento original".
No
prefácio de sua tradução
o Sr Legge diz que este tratado é atribuído a Ko Yüan ou Hsüan, um taoista
da dinastia Wu (222- 227 D.C.). Conta-se que este sábio atingiu a
condição de Imortal, título com que é geralmente designado. Representam-no
executando milagres, dado também à intemperança e muito excêntrico em seus
hábitos.
Tendo
um dia naufragado, surgiu do fundo das águas sem que suas vestes estivessem
molhadas e andou calmamente na superfície do mar. Finalmente subiu ao Céu em
pleno dia. Todos estes relatos podem ser atribuídos a fantasias de época
ulterior.
Tais
narrativas são freqüentemente contadas sobre Iniciados de diferentes graus, e
não são necessariamente invenções fantásticas, mas o que o próprio Ko Yuan
diz com relação ao seu livro nos interessará ainda mais:
"Quando
alcancei o verdadeiro Tao, eu tinha recitado este Ching (livro) dez mil vezes.
Assim praticam os Espíritos Celestes, e este livro não foi comunicado aos
eruditos deste mundo inferior. Foi-me dado pelo Divino Regente do Hiva oriental;
este o recebera do Divino Regente da Porta de Ouro; este último o recebera da
Mãe Real do Ocidente".
Ora,
o título de "Divino Regente da Porta de Ouro" era o do Iniciado que
governava o império tolteca na Atlântida, e o emprego deste título parece
indicar que o Clássico da Pureza foi levado da Atlântida para a China, quando
os turanianos se separaram dos toltecas. Esta idéia é corroborada pelo
conteúdo deste curto tratado, que tem como assunto o Tao, literalmente o
Caminho, nome que designa a Realidade Una na antiga religião turaniana e
mongol. Assim lemos:
"O
Grande Tao não tem forma corpórea, mas foi ele quem produziu e alimenta o Céu
e a Terra".
"O
Grande Tao não tem paixões, mas é a causa das revoluções do Sol e da
Lua. O Grande Tao não tem nome, mas é Ele quem mantém o
crescimento e a conservação de todas as coisas" (i, l).
Tao
é Deus manifestado como unidade, mas a dualidade se sucede:
"Agora
Tao aparece sob duas formas, o Puro e o Impuro, e possui as duas condições de
movimento e repouso. O Céu é puro e a Terra impura; o Céu move-se, mas a
Terra está em repouso. O masculino é puro e o feminino é impuro ; o masculino
move-se e o feminino está em repouso. O radical (Pureza) desceu e o resultado
impuro se espalhou em todos os sentidos, e assim todas as coisas foram geradas".
Esta
passagem é particularmente interessante, porque põe em evidência os dois
aspectos ativo e receptivo da Natureza, a distinção entre o Espírito, o
gerador, e a matéria, a nutriente, distinção tão familiar em escritos
posteriores.
No
Tao Teh Ching o ensinamento tradicional com relação ao Não
Manifestado e ao Manifestado ressalta claramente:
"O
Tao que pode ser trilhado não é o Tao eterno e imutável. O nome que pode ser
indicado não é o nome eterno e imutável. Não tendo nome algum, é Aquele que
produziu o Céu e a Terra; quando possui nome, é a Mãe de todas as coisas...
Sob estes dois aspectos, é, na realidade, o mesmo, mas à medida que se
produz o desenvolvimento, recebe os diferentes nomes. Juntos, nós os
chamamos de Mistério (1,2,4). Os que estudam a Cabala lembrar-se-ão de
um dos Nomes Divinos, "O Mistério Oculto". De novo:
"Havia
algo indefinido e completo, vindo à existência antes do céu e da terra. E
como era tranqüilo e sem forma, solitário e inalterável, estendendo-se por
tudo e sem risco de se extinguir!. Pode ser considerado como a Mãe de todas
as coisas. Eu não conheço o seu nome e o designo pelo termo Tao. Fazendo
um esforço para dar-lhe um nome, eu o chamo o Grande. Grande, segue o seu curso
como um fluxo contínuo. E ao passar, se afasta. E tendo se afastado, volta (xxv,
1-3)"
É
extremamente interessante achar aqui esta idéia de emanação da Vida Una, tão
familiar para nós na literatura hindu. O versículo seguinte também
parece familiar:
"Todas
as coisas que estão sob o Céu surgiram Dele como existentes (e com um nome);
essa existência surgiu Dele como não-existente (e sem um nome)" (xl,2)
Para
que um universo possa existir, o Não Manifestado deve emanar o Uno, de onde
procedem a dualidade e a trindade :
"O Tao produziu UM; UM produziu DOIS; DOIS produziu TRÊS; os TRÊS
produziram todas as coisas. Todas as coisas deixam atrás de si a Obscuridade
(de onde elas vieram) e avançam para envolverem-se na Luz (na qual se
desenvolvem) enquanto são mantidas em harmonia pelo Alento da Infinitude
Espacial" (xlii, I). "O Alento do Espaço" seria uma melhor
tradução . Tendo tudo saído d"Aquele, Aquele existe em tudo.
"O
Grande Tao a tudo permeia . Encontrâmo-lo tanto à esquerda como à direita.
Ele envolve todas as coisas como uma roupagem, mas, em absoluto, se arroga
como seu senhor. Ele pode ser encontrado nas menores coisas. Todas as coisas
retornam à sua raiz e desaparecem, sem saber que é Ele que rege o seu retorno.
Ele pode ser encontrado nas maiores coisas (xxxiv, 1, 2)".
Chwang-ze
(quarto século antes de J.C.), em sua exposição dos ensinamentos
antigos, faz alusão às Inteligências espirituais que procedem do Tao:
"Ele
tem em si mesmo sua raiz e sua causa de existência. Antes que houvesse
céu e terra, em tempos remotos, Ele existia infalivelmente. Dele proveio a
misteriosa existência de espíritos, d"Ele, a misteriosa Existência de
Deus (Livro vi, 1ª parte, sec.vi, 7)".
Segue-se
uma lista de nomes destas Inteligências. Mas o papel preponderante
que representam esses seres na religião chinesa é de tal maneira
conhecido, que se torna inútil multiplicar as citações sobre eles.
O
homem é considerado como uma trindade. O Taoísmo, diz o Sr. Legge, reconhece
nele o espírito, a mente e o corpo. Esta divisão aparece claramente no Clássico
da Pureza, quando diz que o homem deve libertar-se do desejo de atingir a
união com o Uno:
"Ora,
o espírito do homem ama a pureza, mas sua mente o perturba. A mente do homem
ama a tranqüilidade, mas seus desejos a afastam. Se ele pudesse evitar sempre
os seus desejos, sua mente tornar-se-ia tranqüila. Que sua mente fique pura, e
seu espírito torna-se-á puro ...A razão pela qual os homens são incapazes de
atingir este estado é que suas mentes não estão perfeitamente puras e
seus desejos não foram afastados. Se o homem consegue afastar os seus
desejos, então ao contemplar a sua mente, ela não é mais
sua; ao contemplar o seu corpo, ele não é mais seu; e quando volta seu
olhar para mais longe, para as coisas de fora, nada há mais de comum entre eles
e elas ." (i,3,4).
Em
seguida, depois de expor as etapas do caminho que conduz interiormente para o
"estado de perfeita tranqüilidade", ele pergunta:
"Como
poderá nascer algum desejo, neste estado de repouso, independente de lugar". E
quando nenhum desejo mais se manifesta, nascem a calma real e o verdadeiro
repouso. Esta calma real torna-se uma qualidade constante e é impassível em
relação às coisas exteriores. Na verdade, esta qualidade real e constante
mantém domínio sobre a natureza. Nesta constante relação e constante
tranqüilidade há a constante pureza e repouso. Quem possui esta absoluta
pureza entra gradualmente na inspiração do verdadeiro Tao".
As
palavras "inspiração do", acrescentadas pelo tradutor, tendem antes a
velar o sentido do que em esclarecê-lo, porque penetrar no Tao está
inteiramente de acordo com a idéia expressa e com outras escrituras sagradas.
O
taoísmo insiste muito no aniquilamento do desejo; um comentarista do Clássico
da Purezaobserva que a compreensão do Tao depende da pureza absoluta e que:
"A
aquisição desta pureza absoluta depende inteiramente da abdicação do desejo,
o que é a lição insistente e prática deste tratado"
O
Tao Teh Ching diz:
"Sem
desejo sempre devemos nos achar
Se
seu profundo mistério havemos de sondar;
Mas,
se o desejo em nós sempre permanecer,
Dele
apenas seu atraente gozo resta-nos perceber" (1,3)
A
reencarnação não parece ter sido ensinada tão nitidamente como poderia se
esperar, embora encontremos passagens que sugerem tacitamente esta idéia
fundamental, e que se considera que o ser passa através de nascimentos, tanto
animais como humanos. Assim, Chwang-ze conta-nos a história original e
instrutiva de um moribundo, a quem seu amigo diz:
"Na
verdade, o Criador é grande! Em que te transformará Ele agora" Onde te levará
Ele agora" Fará de ti o fígado de um rato ou a pata de um inseto" Szelaiz
responde: "Seja para onde for que um pai ordene a seu filho ir, para éste,
oeste, sul ou norte, o filho obedece simplesmente ... Suponhamos um grande
fundidor ocupado em fundir o seu metal. Se o metal se levanta subitamente (no
cadinho) e diz, "Quero ser modelado em uma espada semelhante ao Moysh", o
grande fundidor certamente acharia a coisa estranha. Assim, também, quando uma
forma estiver sendo preenchida no molde da matriz, se ela exclama: "Quero ser
um homem, quero ser um homem", o Criador acharia certamente a coisa
estranha. Uma vez que compreendamos que o Céu e a Terra é um grande cadinho de
mistura e o Criador um grande fundidor, aonde tenhamos que ir não será isso
adequado para nós" Nascemos como que de um tranqüilo sono e morremos para um
calmo despertar." (Livro vi.P.i, Sec.vi)
Tomemos
a quinta raça, a raça ariana, encontramos os mesmos ensinamentos
incorporados na mais antiga das religiões arianas, a religião bramânica.
A Existência Eterna é proclamada no Chandogyopanishad como o "Uno
apenas, sem um segundo" e está escrito:
"Pela
vontade multiplicarei para o bem do universo" (VI, II, 1, 3).
O
Supremo Logos, Brahman, é tríplice: Ser, Consciência e Bemaventurança,
e é dito:
"Deste
procedem a vida, a mente e todos os sentidos, o éter, o ar, o fogo, a
água e a terra que suporta tudo (Mundakopanishad, ii, 3).
Em
parte alguma se encontram descrições mais grandiosas do Ser Divino do que nas
Escrituras hindus. Mas elas se tornam tão familiares que bastam algumas breves
citações. Eis algumas das jóias preciosas que se encontram em profusão:
"Manifestado,
próximo, movendo-se em algum lugar secreto, morada imensa onde repousa tudo o
que se move, tudo que respira e fecha os olhos. Sabei que é necessário adorar
Aquilo, que é por sua vez ser e não-ser, o melhor, muito além da compreensão
de todas as criaturas; luminoso, mais sutil que o sutil, n"Ele estão contidos
os mundos com seus habitantes. Este é o imperecível Brahman. É também Vida,
Voz e Mente ... Em sua nuvem de ouro mais elevada, é o imaculado, o
indivisível Brahman. Aquilo, a pura Luz das luzes, conhecido daqueles que
conhecem o Ser ... Este imperecível Brahman está à frente, Brahman também
está atrás, Brahman está à direita e à esquerda, em cima e embaixo,
permeante; este Brahman é, na verdade, o Todo. É o sublime "(Mundakopanishad,
II,ii, 1,2,9,11)".
"Muito
além do universo, Brahman, o Supremo, o Grande, oculto em todos os seres,
segundo seus corpos respectivos, o Alento único de todo o Universo, o Senhor,
ao conhecerem-no, os homens tornam-se imortais. Eu conheço este poderoso
Espírito, o Sol que brilha além das trevas ... Eu O conheço, o Indelével, o
Antigo, a Alma de todos, onipresente por Sua natureza, a quem os
conhecedores de Brahman chamam o não-nascido, a quem eles chamam o Eterno
(Shvetashvataropanishad, iii, 7,8,21).
"Quando
não há trevas, nem dia nem noite, nem ser nem não-ser, Shiva, subsiste ainda,
solitário; Aquele, o indestrutível, Aquele que deve ser adorado por Savitri; d"Aquele
surgiu a Sabedoria Antiga. Nem em cima, nem em baixo, nem no centro pode Ele ser
compreendido. Nada existe comparável a Ele cujo nome é Gloria infinita. O
olhar não pode precisar sua forma, ninguém pode com sua vista
contemplá-lO. Aqueles que O conhecem pelo coração e pela mente e O trazem no
coração, tornam-se imortais" (Ibid.Iv,18-20)
A
idéia de que o homem, em seu Ser interior, é uno com o Ser do Universo -
"Eu sou Aquilo" " impregna tão profundamente todo o pensamento hindu,
que o homem é muitas vezes designado como sendo a "cidade divina de
Brahman"
a "cidade de nove portas"
e que Deus mora na cavidade de seu coração
"Há
apenas uma única maneira de ver o Ser que não pode ser demonstrado, que
é eterno, imaculado, mais sutil do que o éter, não nascido, a grande Alma
Eterna ...Esta grande Alma, não nascida, é a mesma que mora como alma
inteligente em todas as criaturas vivas, a mesma que mora como éter no
coração ,
em latência; a todos sujeita e de todos é o Regente, o Soberano Senhor de
todos; não se torna maior pelas boas obras, nem se diminui com as más. É O
que tudo governa, Soberano Senhor de todos os seres, o Preservador de todos os
seres, a ponte e sustentáculo dos mundos, para que eles não caiam em ruínas".
(Brihadaranyakopanishad, IV, iv,20,22, tradução do Dr. E.
Roer).
Quando
Deus é considerado como o evoluidor do universo, seu tríplice caráter aparece
nitidamente como Shiva, Vishnu e Brahma, ou ainda como Vishnu dormindo sob
as águas, o Lótus elevando-se de seu seio e no lótus Brahma. O homem é
igualmente tríplice e no Mandukyopanishad o Ser é descrito como
condicionado pelo corpo físico, pelo corpo sutil e pelo corpo mental e,
então, desvencilhando-se de todos eles, junta-se ao Uno "sem dualidade".
Da Trimurti (Trindade) procedem numerosos deuses encarregados de administrar o
universo, aos quais o Brihadaranyakopanishadse refere:
"Adorai-O,
ó Deuses, por quem o ano executa o ciclo de seus dias, a Luz das luzes, como a
Vida Imortal". (IV, iv,16).
Torna-se
supérfluo dizer que o bramanismo ensina a doutrina da reencarnação, pois que
toda a sua filosofia sobre a existência repousa nesta peregrinação da alma
através de muitos nascimentos e mortes, e livro algum poderia ser aceito se
não confirmasse esta verdade.
O homem fica preso, por seus desejos, a esta roda que gira sem
interrupção; eis porque deve libertar-se, pelo conhecimento, pela devoção e
pelo aniquilamento dos desejos. Quando a alma conhece Deus, sente-se libertada .
O intelecto purificado pelo conhecimento O contempla .
O conhecimento ligado à devoção encontra a morada de Brahman .
Todo aquele que conhece Brahman torna-se também Brahman .
Quando cessam os desejos, o mortal torna-se imortal e obtém Brahman .
O
budismo, tal como existe em sua forma no norte, está de perfeito acordo com as
mais antigas fés; mas em sua forma no sul parece ter deixado escapar a idéia
da Trindade Logóica, como a da Existência Una, de onde esta Trindade procede.
O Logos em sua tríplice manifestação é designado como se segue: Amitabha, O
Primeiro Logos, a Luz sem limites; Avalokiteshvara ou Padmapani (Chenresi),
o Segundo; Manjusri, o Terceiro, "representando a Sabedoria criadora, e
correspondendo a Brahma" .
O
budismo chinês, aparentemente não contem a idéia de uma Existência
primordial, além do Logos; mas o budismo do Nepal tem Adi-Budha, de quem
Amitabha procede. Eitel considera Padmapani como representando a
Providência Piedosa e corresponde, em parte, a Shiva, mas, como o aspecto da
Trindade budista que produz as encarnações, parece antes representar a mesma
idéia que Vishnu, a quem está estreitamente associado pelos Lotos que
traz na mão ( o fogo e a água, ou o espírito e a matéria ), como
elementos primordiais do universo .
Quanto
à reencarnação e ao Carma, são doutrinas no budismo de tal modo
fundamentais, que se torna quase inútil insistir nisto, a não ser para
assinalar o caminho da libertação e para ressaltar que, como o Senhor Buddha
era um hindu pregando a hindus, as doutrinas brahmânicas são aceitas como
verdadeiras em seu ensinamento, como seria de se esperar.
Ele
foi um purificador e um reformador, e não um iconoclasta e procurou combater os
acréscimos introduzidos pela ignorância, e não as verdades fundamentais que
pertencem à Sabedoria Antiga.
"Os
seres que seguem o caminho da Lei, que foi bem ensinada, atingem a outra
margem do grande mar dos nascimentos e da mortes, tão difícil de se transpor"
(Udanavarga, XXIX, 37).
É
o desejo que prende o homem, e dele deve desembaraçar-se :
"Para
aquele que esta preso pelas correntes do desejo, é duro libertar-se delas, diz
o Bem-aventurado. O homem constante, que não se interessa pela felicidade que
os desejos dão, rejeita seus laços e, em breve, atinge o Nirvana ... A
humanidade não tem desejos duráveis: eles são transitórios para aqueles que
os experimentam. Libertai-vos, portanto, daquilo que não pode durar e
não vos conformeis com a morada da morte" (Ibid.ii,6,8).
"Aquele
que aniquilou o desejo dos bens terrestres, a pecaminosidade,
os grilhões da lascívia, que arrancou pelas raízes o desejo, ele, Eu o
declaro, é um brahmane" (Ibid, XXXIII,68).
E
o brahmane é o homem que "tendo perdido seu último corpo" ,
é definido como sendo aquele:
"Que,
conhecendo suas moradas (existências) anteriores, percebe o céu e o
inferno, o Muni ,
aquele que encontrou um meio de por fim aos nascimentos." (Ibid. XXXIII, 55).
Nas
Escrituras hebraicas exotéricas, a idéia da Trindade não aparece tão
claramente, embora a dualidade se mostre, e o Deus a que se referem é
obviamente o Logos e não o Uno Imanifestado.
"Eu
sou o Senhor e outro não há absolutamente; Eu crio a Luz e formo a
obscuridade; Eu faço a paz e crio o mal; Eu sou o Senhor que faz todas as
coisas". (Is.XLVII,7).
Filon,
entretanto, expõe mais claramente a doutrina do Logos e encontrâmo-la também
no quarto Evangelho:
"No
princípio era o Verbo (Logos), e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus
...Todas as coisas foram feitas por Ele e nada que existe foi feito sem Ele".
(S. João,
1,1,3).
Na
Cabala a doutrina do Uno, dos Três, dos Sete e do múltiplo se encontra
claramente ensinada:
"O
mais Antigo dos Antigos, o Desconhecido do Desconhecido tem uma forma e, ao
mesmo tempo, não tem forma alguma. Ele tem uma forma pela qual o Universo se
mantém. Ao mesmo tempo não tem forma alguma, pois que Ele não pode ser
circunscrito. E quando no princípio Ele tomou esta forma (Kether, a Coroa, o
Primeiro Logos) Ele permitiu saírem de Si nove Luzes brilhantes (a Sabedoria e
a Voz, formando com Kether a Tríade e depois os Sete Sephiroth inferiores). É
o Antigo dos Antigos, o Mistério dos Mistérios, o Desconhecido do
Desconhecido. Tem uma forma que é parte d"Ele pela qual se nos mostra, como o
Ancião acima de Tudo, como o Ancião dos Anciães, e como o Mais Desconhecido
entre o Desconhecido. Mas, sob essa forma pela qual se faz conhecido,
entretanto ainda permanece o Desconhecido". (Zohar - A Cabala, por
Isaac, Myer, pg.274-275).
Myer
mostra que a "forma" não é "o Ancião de todos os Anciãos", que é
Ain Soph. Mais adiante:
"Há
no Altíssimo Três Luzes que se fundem numa única; elas são a base da Torah,
e esta abre a porta a todos ... Vinde, vêde o mistério do Verbo! São estes
três degraus e cada um existe por si mesmo e, no entanto, todos são Unos e
confundem-se no Uno, nem estão separados um do outro ...Os três procedem
do Uno, o Uno existe nos Três, é a força entre os Dois, os Dois nutrem o Uno,
o Uno nutre a multiplicidade, assim o Todo é Uno" (Ibid., 373,375, 376).
É
inútil dizer que os hebreus ensinavam a doutrina da pluralidade dos Deuses: "Quem
é semelhante a Ti, oh Senhor, entre os Deuses" ".
Eles
consideravam também uma multidão de seres servidores, subordinados, os "Filhos
de Deus", os "Anjos do Senhor", as dez "Hostes Angélicas".
Com
relação ao princípio do Universo, o Zohar ensina:
"No
começo era a Vontade do Rei, anterior a toda existência manifestada por
emanação desta Vontade. Ela modelou e gravou na Luz suprema e deslumbrante do
Quadrante (a Tetractys ou Tétrade Sagrada) as formas de todas as coisas que,
ocultas, deviam tornar-se visíveis e manifestadas". (Myer, A Cabala,
p.194,195).
Nada
pode existir que não tenha a imanência da Divindade, e no que concerne à
Reencarnação, é ensinado que a alma está presente na ideação divina, antes
de vir à Terra. Se a alma permanecia completamente pura durante suas
experiências e provações, escapava aos renascimentos; mas isto pode ter sido
apenas uma possibilidade teórica, porque se
diz:
"Todas
as almas estão sujeitas aos ciclos (metempsicose, a"leen o"gilgoolah), mas
os homens não conhecem os caminhos do Santíssimo; que Ele seja abençoado!
Eles ignoram a maneira pela qual foram julgados em todos os tempos e antes de
terem vindo a este mundo e após o terem deixado" (ibid., p.198).
Traços
desta doutrina se encontram nas Escrituras exotéricas, tanto hebraicas
como cristãs, como por exemplo, na crença da volta de Elias, e mais tarde, em
sua reaparição como João Batista.
Se
voltarmos nossas vistas para o Egito, encontramos ali, desde a mais remota
antigüidade, a conhecida Trindade: Ra, Osíris-Isis como o Segundo Logos dual e
Horus. Recordemos o hino grandioso a Amon-Ra:
"Os
Deuses se inclinam diante da Tua Majestade exaltando as Almas d"Aquele que as
gerou ... e eles Te dizem: Paz a todas as emanações do Pai inconsciente dos
conscientes Pais dos Deuses ... oh, Gerador dos seres, nós adoramos as Almas
que emanam de Ti. Tu nos gerastes, oh. Desconhecido, e nós Te saudamos,
adorando cada Alma-Deus que descende de Ti e vive em nós" (citado na "A
Doutrina Secreta", III,p. 485, ed. 1893).
Os
"conscientes Pais dos Deuses" são os Três Logos, o "Pai inconsciente"
é a Existência Una, inconsciente não por ser menos, mas por ser infinitamente
mais do que aquilo a que chamamos de consciência, uma coisa limitada.
Nos
fragmentos do Livro dos Mortos, podemos estudar as concepções da
reencarnação da alma humana, a sua peregrinação para o Logos e sua união
final com Ele. O famoso papiro do "escriba Ani, triunfante na paz", está
repleto de passagens que recordam ao leitor as Escrituras de outras crenças:
sua viagem através do mundo inferior; sua esperança na reintegração em seu
corpo ( a forma como os egípcios entendiam a reencarnação); sua
unificação com o Logos:
"Diz
Osíris Ani: Eu sou o Grande Uno, filho do Grande Uno. Eu sou o Fogo, filho do
Fogo ...EU remontei meus ossos, fiz-me inteiro e são, e me tornei moço ainda
mais uma vez. Eu sou Osíris, o Senhor da Eternidade". (XLIII, 1,4).
Na
revisão do Livro dos Mortospor Pierret, encontramos esta notável
passagem:
"Eu
sou o ser de misteriosos nomes que para si mesmo prepara moradas
para milhões de anos" (p. 22).
"Coração,
que me vens de minha mãe, meu coração necessário à minha existência sobre
a terra ... Coração, que me vens de minha mãe, coração tão
necessário para minha transformação" (p. 113, 114).
Na
religião de Zoroastro encontramos a concepção da Existência Una,
idealizada como Espaço Ilimitado, de onde surgiu o Logos, Ahura Mazda, o
criador.
"Supremo
em onisciência e bondade, sem rival em esplendor: a região de luz é a morada
de Ahura Mazda". (Os Bundahis, Livros Sagrados do Oriente, v,3,4:v2).
É
a Ele, no Yasna, a liturgia principal do Zoroastrianismo, que se
homenageia em primeiro lugar.
"Anuncio
que realizarei minha adoração (Yasna) a Ahura Mazda, o Criador, o
radiante, o glorioso, o maior e o melhor, o mais belo (em nossa opinião ), o
mais firme, o mais sábio e o único de todos cujo corpo é o mais perfeito, que
atinge seus fins do modo mais infalível, por graça de sua reta ordem, a Ele
que retifica nossas mentes, que expande Sua graça geradora de alegria, que nos
fez e nos modelou, que nos tem nutrido e sustentado, que é o Espírito
mais generoso". (Livros Sagrados do Oriente, XXXI, pp.195.196).
O
fiel rende em seguida homenagem aos Ahmeshaspentas e a outros deuses, mas
o Deus supremo manifestado, o Logos, não é aqui apresentado como trino. Tal
como entre os hebreus, havia no culto exotérico uma tendência para perder-se
de vista esta verdade fundamental. Felizmente, foi-nos possível encontrar
o traço do ensinamento original, embora tenha mais tarde desaparecido das
crenças populares. O Dr. Haug, em seus Ensaios sobre os Pársis,
traduzido em inglês pelo Dr. West, e constituindo o volume V da Coleção
Oriental Trubner, diz que Ahura Mazda ou Ormuzd é o Ser Supremo e que d"Ele
nasceram: "duas causas primordiais que, embora diferentes, estavam
unidas, produzindo o mundo das coisas materiais, como também o mundo do
espírito" (pág. 303).
Estes
dois princípios eram chamados gêmeos e estão presentes em todas as coisas, em
Ahura Mazda como no homem . Um gera a realidade e o outro a não-realidade
e são dois princípios que no Zoroastrianismo posterior tornaram-se as
duas essências antagônicas do bem e do mal. No ensinamento primitivo
formavam certamente o Segundo Logos, cujo sinal característico é a dualidade.
O
"bem" e o "mal" são simplesmente a Luz e as Trevas, o Espírito e a
Matéria, os gêmeos essenciais do Universo, os dois procedentes do Uno.
Analisando
esta última idéia, o Dr. Haug diz :
"Esta
é a noção zoroastriana original dos Espíritos Criadores, os quais formam
somente duas partes do Ser Divino. Mas, no decurso do tempo, em conseqüência
dos erros e falsas interpretações, esta doutrina do grande fundador foi
modificada e corrompida. Spentomainyush ("o espírito bom") foi considerado
como um nome do próprio Ahura Mazda e pela mesma razão Angromainyush ("o
espírito do mal"), ao se tornar inteiramente separado de Ahura Mazda, foi
considerado como seu perpétuo adversário; assim nasceu o dualismo de Deus e do
Diabo " (p. 205).
A
opinião do Dr. Haug parece ser mantida pelo Gatha Ahunavaiti, dado
com outros Gathas pelos "arcanjos" a Zoroastro ou Zarathustra:
"No
princípio havia um par de gêmeos, dois espíritos, cada um de uma atividade
particular, isto é, o bom e o mau ... esses dois espíritos unidos
criaram a coisa primeira (as coisas materiais); um é a realidade, o outro a
não-realidade ... E para fortalecer esta vida, (para aumentá-la), Armaiti vem
com riqueza, a mente boa e verdadeira. Ela, a eterna, criou o mundo material ...
Todas as coisas perfeitas, conhecidas como os melhores seres, são acolhidas na
morada esplêndida da Boa Mente, a Sábia e a Justa" (Yas, xxx,3,4,7,10, trad.
do Dr. Haug, ppl. 149-151).
Aqui
se encontram os Três Logos! Ahura Mazda, o primeiro, a Vida Suprema; n"Ele e
provindo d"Ele, os gêmeos, o Segundo Logos; depois Armaiti, a mente, o
Criador do universo, o Terceiro Logos .
Mais tarde aparece Mitra, que obscurece, até certo ponto, na religião
exotérica, a verdade primitiva. É dele que foi dito:
Ahura
Mazda criou-o para conservar e dirigir todo este universo movente. Jamais
dormindo, sempre vigilante, ele guarda a criação de Mazda" (Mihir Yast,
XXVII, 103; Os Livros Sagrados do Oriente, XVIII).
Mitra
era um Deus subordinado, a Luz do Céu, como Varuna era o próprio Céu, uma das
grandes Inteligências dirigentes. Os mais eminentes entre estas Inteligências
eram os seis Ahmeshaspentas, liderados por Vohuman, o Bom Pensamento de Ahura
Mazda. São elas "que administram toda a criação material". (Os Livros
Sagrados do Oriente, V, pág. 10, nota).
A
reencarnação não parece ter sido ensinada nas obras que se tem
traduzido até agora, e a crença não se encontra entre os Pársis de
agora. Mas encontramos neles a idéia de que o Espírito, no homem, é uma
centelha cujo destino é o de tornar-se uma chama a unir-se de novo ao Fogo
Supremo. Isto exige um contínuo desenvolvimento, para o qual os renascimentos
são indispensáveis. De resto o Zoroastrianismo permanecerá incompreendido
enquanto não forem descobertos os Oráculos Caldeuse outros escritos a
eles ligados, porque neles está a sua verdadeira origem.
Dirigindo-nos
ao ocidente, para a Grécia, encontramos o sistema órfico, do qual o Sr. G.R.S.
Mead nos fala, com bastante erudição, em sua obra intitulada Orpheus. A
Inefável Obscuridade Três Vezes Desconhecida era o nome dado à Existência
Una.
"Segundo
a teologia de Orfeu, todas as coisas tem sua origem em um princípio infinito,
ao qual a débil e pobre concepção humana dá um nome, embora ele seja
perfeitamente inefável, e na linguagem reverente dos egípcios, é uma obscuridade
três vezes desconhecida, em cuja contemplação todo o conhecimento se
sente ignorante". (Thomas Taylor, citado em Orpheus,p.93.)
Desta
procede a "Tríade Primordial"; o Bem Universal, a Alma Universal e a Mente
Universal. Eis, pois, novamente, a Tríndade Logóica. Mead fala-nos dela nos
termos seguintes:
"A
primeira Tríade que se manifesta ao intelecto é apenas um reflexo ou uma
representação do Imanifestável. Suas hipóstases
são: a) o Bem, que é o superessencial; b) a Alma (a Alma do Mundo), essência
autodeterminante; c) o Intelecto (ou a Mente), que é uma essência
indivisível, imutável." (Ibid. pág.94).
Vem
depois uma série de Tríades sempre descendentes, reproduzindo com um esplendor
decrescente as características da primeira, até chegar ao homem, que: "contém
em si, potencialmente, a soma e a substância do Universo ... "A raça dos
homens e dos deuses é uma só (Píndaro, que era pitagórico, citado por S.
Clemente, Stromata, v,p.709) ... "Assim, o homem foi chamado o
microcosmo ou pequeno mundo para distinguí-lo do Universo, ou o grande mundo".
(Ibid.pág. 271).
Ele
tem o Nous, ou mente real, o Logos ou parte racional, o Alogos ou
parte irracional, as duas últimas novamente formando uma Tríade e assim
apresentando a mais elaborada divisão septenária. O homem era também
considerado como tendo três veículos, o corpo físico, os corpos sutis, e o
corpo "luciforme" ou algoeides . "Este é o "corpo causal" ou
vestimenta cármica da alma, onde se acumula o seu destino ou, mais exatamente,
os germes da causalidade. É o fio da alma, o corpo que subsiste de encarnação
em encarnação". (Ibid.pág.284).
Quanto
à reencarnação:
"Como
todos os filiados aos Mistérios em todos os países, os órficos acreditavam na
reencarnação". (ibid., p.284).
Mead
cita em apoio de sua afirmação numerosos testemunhos, e mostra que esta
doutrina foi ensinada por Platão, Empédocles, Pitágoras e outros. Somente
pela virtude, poderiam libertar-se da "roda das vidas".
Taylor,
em seus comentários às Obras Seletas de Plotino, cita uma passagem de
Damascio com relação aos ensinamentos de Platão sobre o Uno além do Uno, a
Existência não manifestada:
"Na
verdade, Platão talvez nos leve inexprimivelmente através do uno como
intermediário, até ao inexprimível para além do uno que é agora o
objeto de discussão; e isto por uma redução do uno, da mesma maneira
que ele leva ao uno por uma redução de outras coisas ... O que está
além do uno deve ser honrado no mais perfeito silêncio...Na verdade, o uno
é ser por si mesmo, em total autonomia; mas o desconhecido que está
além do uno, é completamente inexprimível, o que percebemos, nós nem
conhecemos nem disso somos ignorantes, senão de que o desconhecido tem sobre si
um véu de incognoscibilidade. Por isto, estando próximo deste
véu, o uno é obscurecido; pois estando próximo do princípio infinito,
se for assim cabível falar, o uno permanece como que no santuário
interno do silêncio verdadeiramente místico ... O desconhecido está acima do uno
e de todas as coisas, porque é mais simples do que qualquer um deles".
(pag341-343).
As
escolas pitagórica, platônica, e neoplatônica têm tantos pontos de contato
com o pensamento hinduísta e budista que sua origem de uma fonte única parece
evidente. R. Garbe, em sua obra Die Samkya Philosophie (III, pag.
85-105), apresenta muitos desses pontos e sua opinião pode ser resumida no
seguinte:
"O
que há de mais notável é a semelhança, ou melhor a identidade, da doutrina
do Uno e do Único nos Upanishads e na escola Eléia .
O ensinamento de Xenófanes sobre a unidade de Deus e do Cosmo, e a
imutabilidade do Uno, e ainda mais o de Parmênides, que sustentava ser a
realidade atribuível somente ao Uno, incriado, indestrutível e onipresente,
enquanto que tudo que é múltiplo e sujeito à transformação não é senão
um fenômeno, e além disso, que ser e pensar são a mesma coisa - estas
doutrinas são completamente idênticas ao conteúdo essencial dos Upanishads e
da filosofia Vedanta que deles deriva. E mesmo ainda mais anteriormente, a
opinião de Tales, de que tudo quanto existe saiu da Água, assemelha-se
singularmente à doutrina védica, segundo a qual o Universo surgiu do seio das
águas. Mais tarde, Anaximandro adotou como base de todas as coisas uma
Substância eterna, indefinida, de onde procedem todas as substâncias
definidas, e para onde voltam, hipótese idêntica à que se encontra como raiz
da filosofia sankhya, isto é, Prakriti, da qual se desenvolveu todo o
aspecto material do Universo.
E
a sua célebre expressão "panta rhei" exprime a visão característica da Sankhya,
de que todas as coisas se modificam continuamente sob a incessante atividade das
três gunas .
Por sua vez, Empédocles ensinou um sistema de transmigração e de evolução
idêntico em tudo ao da Sankhya, e sua teoria de que nada pode vir à
existência sem que já tenha existido antes, apresenta uma identidade ainda
mais estreita com uma doutrina característica da filosofia sankhya.
As
doutrinas de Anaxágoras e Demócrito apresentam também diversos pontos de
estreita concordância, especialmente as idéias de Demócrito sobre a natureza
e o papel dos deuses, e o mesmo se aplica a Epícuro, notavelmente em alguns
pontos curiosos de detalhe. Mas é sobretudo nas doutrinas de Pitágoras que
encontramos a mais estreita e a mais freqüente identidade de ensinamento e de
argumentação. E a tradição explica estas analogias dizendo que Pitágoras
visitou a Índia e ali aprendeu sua filosofia.
Em
séculos posteriores, vemos certas idéias singularmentes sankhyanas e budistas
representarem um papel preponderante no pensamento gnóstico.
A citação seguinte de Lassen, feita por Garbe (p. 97), mostra isso de modo
muito claro:
"O
budismo em geral estabelece uma distinção muito nítida entre o Espírito e a
Luz, e não considera absolutamente esta última como imaterial, mas há na
Sankhya e no Budismo uma concepção da Luz que muito se aproxima daquela da
doutrina gnóstica. De acordo com a mesma, a Luz é a manifestação do
espírito na matéria; a inteligência, assim revestida de Luz, se relaciona com
a matéria, na qual a Luz pode ser enfraquecida e, por fim, obscurecer-se
totalmente, e neste caso, a inteligência acaba por cair na inconsciência
completa. Em relação à suprema Inteligência, afirma-se que não é nem Luz
nem Não-Luz, nem Obscuridade nem Não-Obscuridade, pois que todas estas
expressões indicam relações da inteligência com a Luz, relações que não
existem no começo. Foi somente mais tarde, que a Luz envolveu a Inteligência e
veio servir-lhe de intermediária em suas relações com a matéria. Daí se
conclui que a concepção budista atribui à Suprema Inteligência o poder de
gerar de si mesma a luz e que, a este respeito, também há uma
concordância entre o budismo e o gnosticismo".
Garbe
aqui demonstra que, nos pontos referidos, a concordância entre o gnosticismo e
a filosofia sankhyaé ainda mais completa do que com o budismo. Porque,
enquanto esta maneira de encarar as relações entre a Luz e o Espírito
pertence às fases mais recentes do budismo e não é, de modo algum,
fundamental e nem o caracteriza, ao contrário, a filosofia sankhya
ensina com clareza e precisão que o Espírito é Luz. Mais tarde ainda, a
influência do pensamento da sankhya se encontra nitidamente assinalada
nos escritores neoplatônicos, quando a doutrina do Logos ou Verbo, embora não
sendo de origem sankhyana, mostra mesmo em seus detalhes que ela foi proveniente
da Índia, onde a concepção de Vach, o Divino Verbo, desempenha
um papel tão preponderante no sistema bramânico.
Passando
à religião cristã, contemporânea dos sistemas gnóstico e neoplatônico,
poderemos sem muita dificuldade encontrar nela a maior parte dos ensinamentos
fundamentais com os quais agora devemos nos familiarizar.
O
tríplice Logos aparece como a Trindade. O primeiro Logos, fonte de toda a vida,
é o Pai. O segundo Logos dualístico, é o Filho, o Deus-Homem. O terceiro, a
Mente criadora, é o Espírito Santo, que ao se mover sobre as águas do Caos,
trouxe os mundos à existência. Depois vem "os sete Espíritos de Deus"
e as hostes dos arcanjos e dos anjos. Pouco se fala da Existência Una, de onde
tudo procede e para onde tudo volta, cuja Natureza nenhum esforço pode
descobrir. Mas os grandes doutores da Igreja Católica falam sempre da
insondável Divindade, incompreensível, infinita e, por conseqüência, Una e
indivisível. O homem foi feito "à imagem de Deus" .
Ele é portanto, de natureza triplice: espírito, alma e corpo .
Ele é a morada de Deus" ,
o "templo de Deus" ,
o "templo do Espírito Santo"
- frases que são o eco fiel do ensinamento hinduísta. No Novo Testamento
a doutrina da reencarnação está antes tacitamente admitida do que claramente
ensinada. Assim, Jesus, falando de São João Batista, declara que é ele Elias
"que devia vir" ,
fazendo alusão às palavras de Malaquias: "Eu vos enviarei Elias, o profeta"
.
E de novo, a uma pergunta sobre a vinda de Elias que devia preceder à do
Messias, responde:
"Elias
já veio e não foi reconhecido" .