Panfletos de Adyar n.° 53
ORIENTE
E OCIDENTE
OS
DESTINOS DAS NAÇÕES
Annie
Besant
Maio de 1915
Theosophical Publishing
House, Adyar, Chennai [Madras], Índia
ORIENTE E OCIDENTE
Nesta, "ORIENTE E OCIDENTE", e em outra palestra intitulada "OS DESTINOS
DAS NAÇÕES", que segue depois, proponho tratar da construção da história de um
modo que me parece gerar muito maior interesse do que aquele que alguém poderia
ter estudando-a nos livros de história comuns. Aqui daremos uma visão mais
geral, enquanto que, na palestra seguinte, especializaremos. Consideraremos as
premissas que subjazem a este conflito no Extremo Oriente, e os vastos
resultados que se seguem aos triunfos bélicos do Japão. Pois temos diante de
nossos olhos uma grande lição, e neste século XX, como nos disse H.P.Blavatsky,
alguns acertos de conta importantíssimos entre as nações do leste e do oeste
serão realizados. Por causa disto, desejo levar algumas mentes pensantes a uma
visão mais profunda das ações dos homens que desempenham grandes papéis no drama
mundial que chamamos história, para que em vez de olharem para os eventos da
vida comum entre as nações como se eles fossem de fato guiados por governantes e
estadistas, possamos aprender a entender que o drama das nações tem um Autor que
o escreve, e que os atores desempenham os papéis para os quais se prepararam no
passado; os atores atuam na história do mundo, e não a criam.
Porém, a fim de apresentar esta visão da vida, e tornar inteligível parte
do argumento que desejo submeter-lhes, devo definir o que eu quero dizer aqui
com "ideais". Quero dizer as idéias dominantes expressas nas civilizações, sendo
conformadas e moldadas às idéias ou ideais dominantes, as visões sobre valores
da vida, que governam as mentes das nações envolvidas. E digo ideais "orientais"
e "ocidentais" porque a diferença entre eles, e sua utilidade na evolução da
humanidade a longo prazo, devem ser entendidas se acompanharmos corretamente os
atos do drama mundial. E temos que entender que no presente estado das coisas há
então um nítido sobrecarregamento em um equilíbrio que havia ficado frágil
demais e estava forçando romper o prumo, de modo que a humanidade estava
ameaçada de uma perda de ideais vitais para seu pleno desenvolvimento. Não é que
eu queira colocar os ideais do Oriente e do Ocidente em antítese. Antes, quero mostrar que ambos são
necessários na grande evolução da humanidade, e que havia um perigo nos últimos
anos de que os ideais orientais pudessem perecer. Para que a humanidade não
fosse assim privada de parte de sua riqueza de ideais, se tornou necessário
refazer o equilíbrio entre Oriente e Ocidente, entre Europa e Ásia. Esta
recomposição só poderia ser feita sustando a marcha imperialista da Europa, e
devolvendo à Ásia um pouco de sua antiga independência. Assim, observando o
presente conflito, seja nossas simpatias estejam com uma ou com outra, é
prudente que entendamos os princípios mais profundos envolvidos, e ler com os
olhos da sabedoria antes que com os da paixão as páginas da história agora se
abrindo diante de nós.
Eu disse não querer colocar estes dois ideais em conflito. Não obstante, em alguma medida, este
conflito foi inevitável; e é, imagino, tarefa do estudante da Sabedoria Divina
tentar sentir a paz no meio dos combates, e fixar seus olhos firmemente na meta
a ser atingida, para que seus pés não se falseiem com o turbilhão do momento. Se
olharmos para trás, para o século XIX, perceberemos que mais e mais o Ocidente
estava dominando o Oriente " primeiramente por conquistas, mas em enorme grau
pela disseminação do pensamento e da civilização ocidentais que se seguiam às
ondas de conquistas. Vimos que nas terras orientais os antigos ideais tendiam a
desaparecer. Que eles não tivessem aberto largo caminho na Europa era de
somenos importância; mas que fossem ameaçados de morte no próprio solo natal era
um perigo real para a humanidade. À medida que as armas e o comércio se
espalharam, o pensamento ocidental começou a reivindicar primazia entre as
nações orientais, e mais rápida e perigosamente porque estava associado com a
espada conquistadora, com o crescimento do poderio militar. Algumas conquistas
no Oriente foram muito definitivas em sua natureza, como a da Índia pela
Inglaterra; outras, mais ou menos provisórias, mas não obstante eficazes. E a
Europa começou a considerar a Ásia como sua herança natural, de modo que a
política asiática devia ser dirigida, os interesses asiáticos controlados, não
pelo benefício dos povos asiáticos mas para o enriquecimento da Europa. Isto era
feito principalmente sob o disfarce de interesses comerciais; mas os interesses
comerciais eram os interesses comerciais do Ocidente, procurando descobrir para
si mesmo novos mercados e maior expansão. Ninguém perguntou, quando questões do
porto livre e coisas assim foram discutidas, se a nação oriental envolvida se
beneficiaria em seu comércio com a intrusão da rivalidade ocidental; ninguém
perguntou se as indústrias orientais poderiam enfrentar sem perigo de destruição
o choque brutal da competitividade do ocidente; ninguém jamais sonhou em
considerar, nos muitos debates que tiveram lugar nos parlamentos da Europa em
relação aso assuntos da Ásia, se estas nações orientais ficariam melhores, mais
felizes, mais ricas, com a imposição sobre elas de bens pelos quais não pediram.
Tudo o que foi considerado foi a questão do mercado para a Europa, e os países
europeus brigaram entre si por vantagens entre os povos orientais. A competição
comercial na foi entre a Europa e a Ásia, mas entre nações européias plantadas
em solo oriental sem o consentimento dos naturais proprietários da terra. As
guerras sempre foram iniciadas a fim de forçar a abertura de mercados nas nações
asiáticas, as guerras freqüentemente começaram por povos que fecharam seus
próprios mercados contra os bens estrangeiros. Todas as considerações que aqui
eram vistas como restritivas foram inteiramente abandonadas ao tratarem com os
povos orientais, e a China, por exemplo, foi compelida admitir em suas terras
bens estrangeiros que não pediu, e mesmo detestou, enquanto que, por outro lado,
a maioria das nações ocidentais preservou-se com taxas e legislação contra a
competição dos bens e trabalho chineses. Toda a tendência dos negócios era em
direção à completa submissão do Oriente ao Ocidente, e isso acarretaria a morte
dos ideais orientais, e a sua substituição pelos ocidentais.
Mas esta substituição de ideais até agora fez só pouco progresso. É
claro, na Índia, em alguma medida encontra-se uma substituição de ideais
orientais por ocidentais entre certa classe da população. Um bom número de
jovens educados à inglesa dentre os indianos aceitaram entusiasticamente os
ideais que são correntes no Ocidente, mas a grande massa do povo indiano ainda
não foi afetada. Não somente a população rural e artesã, mas também a população
rica com a cultura do pensamento e literatura orientais, permanecem não
afetadas. Mas devemos lembrar então que as classes afetadas são as mais
energéticas, são as que têm maior poder de influenciar a atividade do país, se
não seu pensamento. Assim eles superestimam sua importância. Os números são
comparativamente pequenos, mas o peso do poder de pensamento, aguda inteligência
e penetrante entusiasmo por trás desse grupo contam muito no final.
Na China e no Japão as coisas correram de modo um pouco diferente. O
Japão tem a vantagem que a Inglaterra também possui, a de ser um império
insular. Isso o tornou capaz de viver dentro de suas próprias fronteiras, ao
mesmo tempo que poderia trazer para dentro de si qualquer coisa que quisesse das
terras ocidentais. A ocidentalização do Japão a um tempo pareceu quase completa,
e foi este triunfo dos ideais ocidentais que tornou o rebalanceamento
absolutamente necessário. Pois com a completa ocidentalização do Japão haveria
uma grande reação sobre as outras nações orientais, e o Japão, recebendo todos
os seus ideais de vida da Índia " como foi bem assinalado por um de seus
principais escritores " teria sido um fator poderoso na ocidentalização da Ásia,
se tivesse abandonado completamente estes ideais. A China, afetada em sua
fronteira marítima, de modo algum foi afetada em suas regiões interiores. Lá ela
preservou seus antigos ensinamentos e sua antiga moralidade, mas houve uma
dúvida, se no desembarque de um império armado em suas costas, se lhe teria sido
possível manter aquele isolamento quando a Europa estava praticamente envolvendo
seu país com colônias sob o domínio europeu. O momento era crítico. Aqueles que
guiam os destinos humanos viram que os ideais orientais estavam em perigo de
serem arrasados, e a Europa só ouviria lições por força da mão armada. Era
necessário mexer na balança, e ela está mudando debaixo de nossa vista.
Mas o que são estes ideais orientais, considerados tão importantes pelas
grandes inteligências que guiam os destinos das nações" Um dos mais importantes
ideais orientais é o de que o mundo está sob um governo divino, que os destinos
das nações são guiados a partir do mundo invisível. Nas terras orientais os
mundos invisíveis sempre desempenham um enorme papel no drama da vida humana,
seja sob forma do culto aos ancestrais tão prevalecente no Japão, ou na mesma
forma, um dos credos mais fortes da China; seja em uma forma modificada da mesma
idéia nos sacrifícios diários aos Pitris na Índia, ou na forma do reconhecimento
de inteligências não-humanas, como as que no ocidente são chamadas de Anjos ou
Arcanjos. Lá é reconhecido haver uma poderosíssima, constante e diretiva ação
sobre o mundo dos homens por parte de inteligências super-humanas que não
pertencem à evolução humana.
Esta crença é universal no oriente. Não é uma mera fé oca; é uma crença
ativa e atuante reconhecida na vida diária. Se no ocidente algum homem
público, discutindo algum assunto de política pública, falasse a respeito das
influências Angélicas como sendo algo a ser reconhecido pelos políticos, pode-se
imaginar o tipo de comentário que apareceria nos jornais na manhã seguinte; mas
no oriente é natural; o trabalho dos Devas, como os indianos chamam os Anjos, é
parte do trabalho reconhecido do mundo, e cada nação tem seu regente no mundo
invisível, guiando os governantes no plano físico. Quão completamente distinta é
a atitude para com a vida entre os povos que assim consideram as inteligências
super-humanas como constantemente se misturando nos assuntos humanos.
Encontramos bastante esta crença, é claro, nos antigos Judeus, quando falam nos
Anjos das nações. Encontramos alusões a eles nas Escrituras canônicas, algumas
vezes veladas sob os nomes de Jeová, ou Elohim " traduzidos para o singular
Deus, embora no hebreu sejam palavras no plural " não significando com isso o
Deus supremo do universo, mas a Deidade tribal nacional, uma que hoje
chamaríamos um Arcanjo. E que é assim fica óbvio quando encontramos na batalha
travada por Israel contra forças oponentes, a Deidade foi capaz de vencer os
povos das montanhas mas não os da planície, porque estes tinham carruagens de
ferro, e aquele que seria capaz de conquistar os povos dos montes mas não sodas
planícies seria "O Senhor"" Certamente não era a Deidade universal quem foi
impedido em seus planos pela mera posse, por seus oponentes, de carruagens de
ferro. Assim entre os primeiros Padres Cristãos, especialmente Orígenes, iremos
encontrar muitas alusões a Anjos nacionais que pertencem a povos específicos e
não ao universo em geral. É verdade que nos dias modernos no mundo ocidental o
nome de Deus seja freqüentemente invocado em querelas nacionais, e cada nação
reivindique a ajuda como sendo possessão exclusiva sua. Mas outro dia ouvi um
garotinho dizendo algo que me pareceu mostrar uma visão mais profunda sobre as
verdadeiras relações de Deus para com os homens do que muitas das declarações
feitas por governantes e estadistas, quando reivindicam que o sucesso das suas
armas é prova do favor divino do Senhor de tudo. Pois ouvindo estes velhos
discutindo a guerra agora em curso, e ouvindo uma opinião diferente sobre se
Deus estava do lado dos japoneses ou dos russos, ele com sua vozinha juvenil
falou assim: "Eu não acho que Deus lute a favor dos japoneses ou dos russos; nem
penso que Ele lute por nós se formos para a guerra, embora é claro que possamos
pedir-Lhe que o faça; pois Deus não está contra nenhuma nação, mas a favor de
todas". Que o governo divino seja levado a cabo por estes vários agentes
subordinados, que freqüentemente lutam entre si como também lutam os homens no
plano físico, é uma visão entretecida em cada fibra do pensamento oriental,
embora tenha se desvanecido do ocidental. E aquele ideal dos mundos invisíveis
se entremesclando nos assuntos dos homens era um dos que deviam ser
salvos.
Esta visão de um governo divino moldou a idéia oriental do governo
humano; sempre se pensa que o governo é conduzido de cima e não de baixo. A
idéia de que um rei governa pela voz do povo e não pela autoridade divina está
apenas agora abrindo caminho no pensamento oriental entre as nações
influenciadas pelas idéias ocidentais. O resultado da visão de que quem senta no
trono governa por eleição divina e não por sufrágio humano tem sido o de que em
todo o Oriente a responsabilidade do superior pelo bem-estar do inferior tem
sido um pensamento bem definido e estabelecido. Nós o encontramos por toda a
literatura, embora esteja morrendo hoje. Confúcio, perguntado por um rei porque
os ladrões eram tão abundantes neste país, replicou: "Se vós, oh Rei, vivêsseis
honesta e justamente, não haveria ladrões dentro de vosso reino".
Novamente, em todas as antigas leis da Índia, encontramos o Rei, o governador, o
regente, até o mais baixo oficial de vilarejo, tinha responsabilidade pela
felicidade, saúde e prosperidade do povo que governava. Daí a dificuldade tão
freqüente naqueles tempos de encontra alguém que assumisse o posto de governante
de um distrito, de uma cidade, ou de uma vila. Sendo estritamente
responsabilizado, pela hierarquia governante diretamente até o próprio Rei, pela
felicidade dos governados, o posto não era um leito de rosas, e havia menos
satisfação do orgulho do que demandas de tempo e diligência. Pois grande como
era o poder do Rei nas terras orientais, houve sempre algo por trás do seu
trono, que era administrado por regentes invisíveis. Este algo é indicado pelo
termo Danda, traduzido como punição por Max Müller em sua tradução das
Instituições do Manu. Mas creio que a tradução verdadeira seja na palavra
Justiça ou Lei, antes do que punição " Justiça sendo
considerada um Deva regendo os reis mais rigorosamente do que os povos, de modo
que onde o Rei governasse contra a Justiça, a Justiça o eliminava. Assim temos a
famosa admoestação vinda dos lábios de um estadista Hindu para um jovem monarca,
onde ele é alertado para temer acima de tudo os gritos dos fracos. "A fraqueza",
disse o estadista moribundo, "é o pior inimigo dos Reis. A maldição do fraco, as
lágrimas do fraco, destróem o trono do opressor". E este pensamento perpassa
todas as antigas teorias de governo no oriente; de modo que mesmo hoje, na
Índia, se houver fome, pragas, pestes, é o governo que é acusado pelas massas do
povo. A antiga idéia é de que todo o infortúnio nacional é falta do governante
que negligenciou seus deveres, e não falta dos governados. Uma tal idéia está
completamente fora do âmbito de pensamento de um pensador ou estadista
ocidental; e ainda, pela segurança do Império Indiano, é necessário entender o
pensamento do povo indiano, e não meramente o pensamento do ocidente, e é
preciso lidar com este pensamento pois ele está disseminado nas mentes das
vastas massas da população inculta - inculta nos moldes ocidentais, mas não
inculta em suas próprias tradições.
Passemos desta visão para o próximo grande ideal que encontramos do
oriente, surgindo naturalmente a partir deste ideal de responsabilidade dos
governantes para com os governados: a idéia de Dever. A palavra "dever" não traz
consigo a força do termo sânscrito "Dharma", que significa muito mais do que
isso. Significa a lei de todo o seu passado, a partir da qual o homem encarna no
lugar para o qual sua evolução o preparou; a lei que, colocando-o ali, o cerca
com todos os deveres necessários, por cujo cumprimento será dado seu próximo
passo na evolução. Tudo isto está contido na palavra indiana "Dharma". Vindo ao
mundo, então, com o passado atrás de nós, somos guiados para ambientes
inadequados. Nos deveres impostos ao homem por aquele ambiente está sua melhor
via de evolução. Se ele os cumpre será bom para o progresso da alma; se os
negligencia, o progresso para ele se trona impossível. Daí que o ideal social e
político das nações orientais é construído sobre o dever, tomando-o no sentido
mais estrito. O ideal aqui, é claro, é "direitos". Um homem tem certos direitos
com os quais nasce; esta idéia fez a Revolução Americana, e mais tarde a
Francesa, e ainda mais tarde se tornou o pensamento básico dos escritores
políticos e econômicos dos primeiros dias do século XIX; mas esta idéia de
direitos não existe no oriente. Ela tem seu lugar na evolução, mas é uma idéia
de combate, de competição, absolutamente necessária, com todos os seus
acessórios desagradáveis, como um estágio no progresso da humanidade; mas é a
própria antítese do ideal oriental, que vê um homem rodeado de deveres e é
praticamente cego aos seus direitos. Nenhum homem seguindo um ideal oriental
diz: "É meu direito ter isto e aquilo". Dever, sim, dever para com tudo ao
redor, para com inferiores, iguais e superiores, mas sempre dever, e não é
desculpa para o dever negligenciado porque alguém não cumpriu seu dever para com
outrem. Daí surge uma atitude inteiramente diferente para com a vida; daí a
facilidade de governar os povos orientais. Mas eu não estou defendendo um ou
outro ideal, mas somente tentando fazer todos nós percebermos a profunda
diferença entre os dois, e o valor para o mundo deste ideal de dever, de modo
que ele não deveria desaparecer inteiramente das mentes dos homens. O que isso
pode fazer quando encarnado em uma nação o vemos pelos triunfos do
Japão.
A partir deste ideal, novamente, surge um outro: o caráter relativo de
toda a moralidade. Um homem nascido em certo ambiente de deveres encontra sua
moralidade própria no desempenho dos deveres impostos sobre ele por seu
ambiente. Daí sua moralidade irá varia com sua posição, com seu estágio
evolutivo. Nenhum sábio ou pensador oriental sonha em estabelecer uma moral
igual para todos; isto é uma fantasia puramente ocidental, e não funciona muito
bem para todo o mundo. NO oriente a casta guerreira terá seu próprio conjunto de
deveres e sua própria moralidade; a casta dos professores terá os seus próprios
deveres e moralidade, muito diferentes da humildade do guerreiro; a casta
mercantil terá seus próprios deveres e sua própria moralidade; e os camponeses e
artesãos terão seu próprio código de ética e deveres. O servo tem seu código
especial, com comparativamente poucos deveres inclusos " obediência, honestidade
e bom serviço " mas estes deverão ser integralmente cumpridos. Fora disto, o que
seria querido erroneamente não seria considerado errado para ele. As outras
partes dos códigos morais encontrarão sua completude em vidas ainda a serem
vividas. Não há pressa. Não precisamos tentar abranger a perfeição universal em
uma única vida " a mais impossível de todas as tarefas impossíveis. Se
aprendermos os deveres pertencentes ao nosso estágio e os cumprirmos bem, nosso
progresso é seguro. Daí que o código moral irá varia conforme cada
estágio. Tomarei um exemplo comum. Um asceta na Índia entrega tudo, terá
se tornado o que no oriente seria chamado um monge do tipo mais extremo de
pobreza. Ele não possui nada; deu sua vida para o serviço do mundo, e aqueles
que guiam o mundo guiarão aquela vida. Ele só tem o dar. Já não tem cuidados com
sua própria vida. Com esta visão de entrega absoluta vem também o dever de
absoluta inofensividade. Ele não deve tocar em nenhuma vida que compartilha o
mundo consigo. A cobra venenosa deve continuar viva, o tigre deve seguir
incólume. Ele não deve usar nenhum poder da vida entregue para defender-se do
ataque de nenhuma outra criatura; pois se a serpente ou o tigre chegam e o
matam, eles vêm como mensageiros de detrás do véu para dizer-lhe que seu serviço
neste corpo está terminado. Mas a mesma regra não se aplica ao chefe de família,
ao homem que tem filhos para cuidar, servos para proteger, animais que são
partes de sua propriedade. Ele, sendo o guardião das vidas mais jovens e
desamparadas, deve ficar entre eles e morrer, e é tanto seu dever matar a
serpente intrusa, se ela os ameaça, quanto é o dever do Sannyâsin deixá-la
passar ilesa. Disto surge muita confusão na mente ocidental ao lerem livros
orientais, porque eles lêem como se se aplicassem a tudo, ideais que no oriente
são associados ao seus estágios próprios de evolução " uma doutrina que no
ocidente encontra pouca aceitação. E naturalmente é assim, entre os povos
Cristãos, porque o Sermão da Montanha é difundido amplamente como a moral ideal,
mas aquele ideal de não-resistência aplicado ao homem comum do mundo é
impossível, e portanto desconsiderado. Quando um homem como Tolstoi o aplica
para tudo à sua volta, as pessoas dizem que ele é um "excêntrico". Certamente
ele é bem pouco sábio. Nenhum Estado poderia viver sobre tais fundações, tão
falsa para o cidadão quanto para o ladrão, verdadeira somente para o Santo. O
falecido Arcebispo de São Petersburgo disse que uma nação findada sobre o Sermão
da Montanha muito logo seria desmantelada. Mas então não é uma lástima darmos o
Sermão da Montanha como regra para todos os homens Cristãos" Pois o resultado é
que, por mais que o reconheçam impossível para si, os leva a professar uma fé
oca que não guia a vida. A visão da relatividade da moral é um outro dos
valiosos ideais orientais que, então, podem ter algo a fazer e a dizer no
ocidente.
O último grande ideal de larga importância que posso tratar aqui é o que
é agora chamado de "vida frugal", e de pobreza voluntária. Deve haver em uma
nação algum padrão de posição social. Entre a maioria das nações ocidentais,
desde os tempos feudais, o padrão de posição social tem sido um padrão de
nascimento. Nos últimos anos isso tem se tornado muito misturado a um padrão
financeiro, em parte porque grandes riquezas freqüentemente receberam um título
que coloca seus possuidores entre aqueles cujos títulos lhes vieram pela longa
ancestralidade, e em parte porque com o aumento da luxúria nestes tempos, a
riqueza tem pesado cada vez mais como distinção social. O resultado disto pode
ser visto amplamente na vulgarização da sociedade, na perda de modos nobres,
majestosos e dignos. Um homem fazendo uma vasta fortuna não tem, como regra,
tempo, vagar ou gosto pelo cultivo das faculdades mentais mais delicadas, e
aquelas graças que acompanham uma cultura que vêm de séculos. E assim,
gradualmente, no mundo ocidental, um novo padrão se afirma contra o padrão de
berço: o padrão da grande riqueza. A sociedade está se adaptando às novas
condições; nenhum Tennyson do futuro escreverá sobre
"Aquele
donaire
Que distingue a casta
de Vere de Vere".
As maneiras da grande dama do passado de fato são passadas, e voz alta,
riso barulhento, gestos comuns, tomaram o lugar do tom suave, da música baixinha
do riso, da compostura cortês mas augusta dos líderes da sociedade, quando uma
chave de ouro não abria todas as portas. E a mudança significa muito,
pois
"Modos não são
gratuitos, mas fruto
de natureza leal e
mente nobre"
Uma aristocracia deveria ser a custódia dos modos elevados, postura
dignificada, cultura artística, vida simples ou esplêndida, de acordo com a
necessidade da ocasião, o sempre presente exemplo de "bom gosto". Isso agora só
é bem simbolizado pela motocicleta rugindo na estrada, descuidada da vida e do
corpo, gritando seu direito de andar discorde, tremendo barulhentamente e
arfando furiosa, sem considerar conforto nenhum além do seu próprio, espalhando
fumaça e mau cheiro em tudo atrás de si.
Mas no oriente, a riqueza jamais foi considerada como um padrão de status
social; ao contrário, o acúmulo de riqueza era função da terceira casta, e não
da segunda ou da mais elevada. As castas guerreira e professoral não tinham o
dever de acumular e possuir riqueza. O guerreiro devia ser generoso e
esplêndido. Podemos encontrar ainda na Índia uma imensa ostentação de
riqueza pelos governantes e príncipes em ocasiões de Estado; mas entrem em suas
casas quando nenhuma grande cerimônia está ocorrendo, misturem-se a eles em suas
vidas domésticas, e encontrarão lá uma vida simples " esplendor para as
cerimônias de sua casta, simplicidade no serviço em casa. E quando da casta guerreira com seu
esplendor público passamos à casta dos eruditos, a riqueza é considerada uma
desgraça, e não como razão para orgulho. "A riqueza de um mestre é seu
conhecimento", está escrito. E a consideração social, deve-se lembrar, vai para
o professor, e não para o milionário, de modo que tanto o milionário quanto o
príncipe se curvam aos pés do erudito meio nu. Isso dá um padrão inteiramente
distinto de vida social, e isso funciona ainda hoje efetivamente, com todas as
mudanças que sucederam na vida indiana. O modo de vida comum, tão semelhante nas
diferentes classes, reúne estas classes diversas de um modo jamais sonhado no
ocidente. Manda-se buscar um homem na Índia para lhe vender uma manta. Ele entra
em sua sala e senta-se num tapete perto de você. Ele brinca com suas crianças;
ele fala com você como de amigo para amigo, até que o carregador chega também
com as mantas para você escolher. Ele jamais sonharia em tomar o que aqui é
chamado de uma liberdade; ele é muito bem educado. Encontra com você daquele
modo não é tomar liberdades, mas é o reconhecimento de uma vida humana
semelhante. Assim tudo corre bem; e por mais que a vestimenta e a comida sejam
muito semelhantes nas diferentes classes, exceto onde a influência ocidental se
espalhou, não existe a mesma agressividade e inveja que se encontra no ocidente,
onde a vida do pobre é simples compulsoriamente, e a vida do rico é luxuosa e
complicada. Ambos em suas casas usariam uma roupa só " mais refinada em um caso
do que no outro, mas ainda uma veste simples e semelhante usada de modo similar;
ambos sentam-se para comer de modo parecido, e a diferença nas refeições não são
tão grandes como poderíamos pensar. Estas forças são o que fazem o refinamento
geral do povo notado na Índia. Pode-se encontra um homem que é apenas um
trabalhador braçal, mas seus modos serão os modos de um cavalheiro. Um
cavalheiro dá uma festa em sua casa, e qualquer um que passar em frente na rua
pode compartilhar da diversão; parte da casa é reservada para convidados; a
multidão não convidada fica fora dali, perfeitamente bem comportada e
satisfeita. Encontra-se refinamento ali, porque o padrão para todos é tão
semelhante nas coisas externas. Viver no luxo significa viver como os
ocidentais, e entre o grosso do povo isso é antes reprovado do que aplaudido,
embora haja um crescente desejo de imitar, que está ameaçando largamente
corromper a antiga simplicidade da vida indiana. |