UM ESTUDO SOBRE O KARMA
Annie Besant
Segunda Edição, 1917
Karma
Extraído de A Luz da Ásia, de Sir Edwin Arnold
Ele não conhece nem ira nem perdão; completa verdade
É o que mede sua vara, é o que pesa sua balança
infalível;
O tempo não conta; julgará amanhã,
Ou depois de muitos dias.
Assim o punhal do assassino golpeará ele mesmo;
O juiz injusto perderá seu próprio defensor;
A língua enganosa vitupera sua própria mentira; o ladrão
sorrateiro
E o solerte larápio roubam, só para devolver.
Esta é a Lei que conduz à justiça,
A qual ninguém pode fugir ou arrostar;
Seu coração é Amor, o seu fim
É doce Paz e Consumação.
Obedecei!
Entre os muitos dons iluminadores concedidos ao mundo Ocidental,
transmitidos a ele através da Sociedade Teosófica, o do conhecimento do karma,
quem sabe, só é menos importante do que o conhecimento sobre a reencarnação. Ele
remove o pensamento e o desejo humanos do reino dos eventos arbitrários para o
reino da lei, e deste modo coloca o futuro do homem sob seu próprio controle, na
proporção de seu conhecimento.
A principal concepção do karma: "Assim como o homem semear, colherá", é
fácil de entender. Mas a sua aplicação em detalhe na vida diária, o método de
sua operação e o largo alcance de suas conseqüências " estas são as dificuldades
que se tornam mais desafiadoras para o estudante à medida que aumenta seu
conhecimento. Os princípios em que se baseiam todas as ciências naturais são, na
maior parte, rapidamente inteligíveis às pessoas de alguma inteligência e
educação usual; mas quando o estudante passa dos princípios à prática, da
generalidade aos detalhes, ele descobre que dificuldades o pressionam, e se ele
há de dominar completamente este assunto ele vai sentir-se compelido a um
aprofundamento, e a devotar longos períodos tentando desenredar os nós que se
lhe apresentam. É assim também com esta ciência do karma; o estudante não pode
permanecer para sempre no terreno das generalidades; ele deve estudar as
subdivisões da lei primária, deve tentar aplicá-la em todas as circunstâncias da
vida, deve aprender até onde ela obriga e como a liberdade se torna possível.
Ele deve aprender a ver no karma uma lei universal da natureza, e aprender
também, em face à natureza como um todo, que só se pode conquistá-la e
governá-la obedecendo-a. "A Natureza é conquistada pela obediência".
Princípios Fundamentais
A fim de entender o karma, o estudante deve começar com uma visão clara
de certos princípios fundamentais, de cuja ausência muitos se
sentirão constantemente confundidos, fazendo perguntas sem fim que
não podem ter resposta satisfatória sem o solo firme daqueles fundamentos.
Portanto, neste estudo, começo com eles, embora muitos de meus leitores já
estejam familiarizados com eles através de declarações anteriores, minhas e de
outros.
O conceito fundamental, sobre o qual repousa todo o correto pensamento
ulterior sobre o karma, é que ele é uma lei - uma lei eterna, imutável,
invariável, inviolável, uma lei que jamais pode ser quebrada, existindo na
natureza das coisas, e um Teosofista bem informado diria: "Não se
deve interferir com seu karma". Mas sempre que uma lei natural está em ação,
podemos interferir nela até onde pudermos. Não ouvimos uma pessoa dizer
solenemente: "Não se deve interferir na lei da gravidade". Entende-se que a
gravitação é uma das condições com que temos de lidar, e que temos perfeita
liberdade de anular qualquer inconveniência que ela possa causar contrapondo-lhe
uma outra força, construindo um contraforte para suportar aquilo que de outra
forma cairia ao chão sob a lei da gravidade, ou de outro modo.
Quando alguma condição na natureza nos incomoda, usamos nossa
inteligência para contorná-la, e ninguém sequer sonha em nos dizer que "não
devemos interferir nela" ou mudar qualquer condição que não nos agrade. Podemos
interferir somente quando temos conhecimento, pois não podemos extinguir
qualquer força natural, nem evitar que atue. Mas podemos neutralizá-la, podemos
desviar sua ação, se temos sob nosso comando uma outra força suficiente, e ao
passo que eu jamais desconsideraria para nós um só fragmento de sua atividade,
ela pode ser sustida, contrafeita, contornada, exatamente de acordo com nosso
conhecimento de sua natureza e atuação, e das forças à nossa disposição. O karma
não é mais "sagrado" do que qualquer outra lei natural; todas as leis da
natureza são expressões da natureza divina, e vivemos e nos movemos nelas; mas
elas não são imperativas; são forças que estabelecem condições em que vivemos, e
que atuam dentro e fora de nós; podemos manipulá-las; nós as entendemos, e à
medida que nossa inteligência se desenvolve nos tornamos mais e mais seus
senhores, até que o homem se torna um super-homem, e a natureza material se
torna sua serva.
Leis: Naturais e Humanas
Tem surgido muita confusão neste assunto, porque, no Ocidente, as leis
"naturais" têm sido consideradas separadas das leis mentais e morais, ao passo
que as leis mentais e morais são tanto parte da lei natural como as leis da
eletricidade, e todas as leis são partes da ordem da natureza. A lei natural tem
sido, em muitas mentes, confundida com a lei humana, e a arbitrariedade da
legislação humana tem sido transferida ao universo da lei natural. As leis que
afetam os fenômenos físicos têm sido resgatadas desta arbitrariedade pela
ciência, mas os mundos mental e moral ainda estão no caos da ausência de lei.
Não um mandamento divino, mas a imanência da natureza divina, é o que condiciona
nossa existência, e onde os profetas deixaram leis morais, elas foram
declarações sobre as conseqüências inevitáveis no mundo moral, conhecidas pelo
profeta, mas desconhecidas pelos seus ouvintes ignorantes; por causa de sua
ignorância, seus ouvintes têm considerado suas declarações como mandamentos
arbitrários de um legislador divino, enviadas através dele, em vez de meras
declarações de fatos concernentes à sucessão dos fenômenos morais em uma região
tão ordenada como a física.
A lei, no sentido secundário social, é uma determinação estabelecida por
uma autoridade considerada legítima. Ela pode ser o edito de um autocrata, ou o
ato de uma assembléia legislativa; em ambos os casos a força da lei depende do
reconhecimento da autoridade que a cria. Entre os Hindus encontramos ambas as
idéias, de lei humana e lei natural. O Rei, na concepção do Manu, é um
autocrata, e o súdito deve obedecer; mas acima do Rei existe uma Lei à qual ele
por sua vez deve ser obediente, uma Lei que age automaticamente e existe na
própria natureza das coisas. A despeito de sua autocracia, ele é sujeito à Lei
suprema, que pode destruí-lo se for desconsiderada. Diz-se que a opressão dos
fracos é o inimigo mais fatal dos Reis; as lágrimas dos fracos corroem os
alicerces dos tronos, e o sofrimento da nação destrói o governante. Os mundos
físico e suprafísico se interpenetram, e causas desencadeadas em um deles
provocam efeitos no outro. Na antiga Índia o Rei e seu Concílio faziam as leis
do Estado, mas elas eram leis artificiais, e não naturais; elas obrigavam os
súditos, e eram reforçadas pelas penalidades, mas tais leis diferem
completamente da lei natural. Parece uma pena que uma só palavra deva ser usada
para duas coisas tão diferentes como a lei natural e a artificial, pois elas são
claramente distinguíveis pelas suas características.
As leis artificiais são mutáveis; aqueles que as criam podem mudá-las ou
aboli-las. As leis naturais são imutáveis; não podem ser alteradas nem abolidas,
mas jazem na natureza das coisas. As leis artificiais são locais, enquanto que
as naturais são universais. Em muitos países a lei contra o roubo pode ser
reforçada por qualquer penalidade escolhida pelo legislador; algumas vezes
corta-se a mão fora, às vezes o ladrão é mandado para a prisão, outras vezes ele
é enforcado. Além disso, a aplicação da penalidade depende da descoberta do
crime. Uma penalidade que é variável e artificial, e da qual se pode escapar,
obviamente não é relacionada causalmente aos crimes que pune. Uma lei natural
não tem penalidades, mas uma condição segue-se invariavelmente a outra; se um
homem rouba, sua natureza se torna mais larápia, cresce a tendência à
desonestidade, e a dificuldade de ser honesto aumenta; esta conseqüência atua em
todos os casos, em todos os países; e o conhecimento ou ignorância dos outros a
respeito do roubo não faz diferença para as conseqüências. Uma penalidade que é
local, variável e evitável significa que a lei é artificial, e não natural. Uma
lei natural é uma seqüência de condições, estando presente uma condição, a outra
condição inevitavelmente se seguirá. Se queremos produzir a segunda
condição, devemos criar a condição primeira, e então a segunda condição sucederá
como uma conseqüência invariável. Quando deixadas por si mesmas estas seqüências
nunca variam, mas se introduzimos uma nova condição a condição sucedente será
alterada. Assim a água desce por um canal inclinado de acordo com a lei da
gravidade, e se colocarmos a água no topo, ela invariavelmente descerá pela
inclinação; mas podemos obstruir o fluxo colocando um obstáculo no caminho, e
então a resistência que o obstáculo contrapõe à força da gravidade a
contrabalançará, mas a força da gravidade continua ativa e é detectada na
pressão sobre o obstáculo. A primeira condição é chamada de causa, a condição
resultante é chamada de efeito, e a mesma causa sempre produz o mesmo efeito; no
último caso, o efeito é resultante de ambas.
A
Lei das Leis
O karma é uma lei natural no sentido pleno do termo; é uma Causação
Universal, a Lei de Causa e Efeito. Pode-se dizer que ela subjaz a todas as leis
particulares, a todas as causas e efeitos. É uma lei natural em todos os seus
aspectos e em todas as suas subdivisões; não é uma lei específica, mas uma
condição universal, a lei única da qual dependem todas as outras leis, da qual
todas as outras leis são expressões parciais. O Bhagavad-Gita diz que
ninguém encarnado pode escapar dela - anjos, seres humanos, animais, vegetais,
minerais, todos evoluem dentro desta lei universal; o próprio LOGOS, encarnado
em um universo, atua em uma medida mais larga desta lei que é a de toda
manifestação. Até onde qualquer ser esteja ligado à matéria, encarnado na
matéria, estará dentro da lei kármica. Um ser pode escapar ou transcender um ou
outro de seus aspectos, mas não pode, enquanto permanecer em manifestação, cair
fora desta lei.
O
Eterno Agora
Este Lei universal de Causação liga em uma unidade tudo o que acontece
dentro da manifestação, pois é uma inter-relação universal. Uma inter-relação
entre tudo o que existe - isto é o karma. Portanto ele é coexistente e
simultâneo com a vinda à existência de qualquer universo específico. Portanto o
karma é tão eterno como o Eu Universal. A inter-relação entre tudo existe
sempre. Jamais começa; jamais cessa de existir. "O irreal não tem existência; o
real jamais cessa de existir". Nada existe isolado, sozinho, sem relação, e o
karma é a inter-relação de tudo o que existe. Ele é manifesto durante toda a
manifestação de um universo, no que diz respeito àquele universo; em sua
dissolução, o karma se torna latente.
No TODO tudo sempre É; tudo o que existiu, tudo o que agora é manifesto,
tudo o que será, tudo o que pode ser, todas as possibilidades bem como todas as
realidades, tudo existe no TODO. Aquilo que é externo, a existência
exteriorizante, o desenvolvido, é o universo manifesto. Aquilo que sempre É,
embora interno, germinal, é o universo não-manifesto. Mas o Interno, o
Não-Manifesto, é tão real quanto o Externo, o Manifesto. A inter-relação entre
os seres, dentro ou fora da manifestação, é o karma eterno. Como o Ser jamais
cessa, igualmente o karma jamais se extingue, mas existe sempre. Quando parte
daquilo que no TODO é coexistente se manifesta como um universo, a inter-relação
eterna se torna seqüencial, e é vista como causa e efeito. No Ser único, o TODO,
tudo é ligado a tudo, tudo se relaciona a tudo, e no universo fenomênico,
manifesto, estes elos e estas relações são expressos em eventos sucessivos,
conectados causalmente na ordem de sua seqüência temporal, isto é, em sua
aparência [appearance, no original, que traz dois significados: o
aparecimento ao longo da linha temporal sucessiva, ou a aparência,
no sentido de que em relação ao TODO, no eterno agora, o tempo, com seus eventos
sucessivos, é ilusório - NT].
Alguns estudantes fogem de uma concepção metafísica como esta, mas a
menos que esta idéia do Ser eterno - onde todos os seres existem sempre - seja
entendida, o centro não poderá ser alcançado. Enquanto pensarmos a partir da
circunferência, sempre haverá uma questão a mais por trás de cada resposta,
começos e fins terminando sempre em um "Por quê"" por trás de cada começo. Para
o estudante escapar disto, ele deve pacientemente procurar o centro, e deixar o
conceito do TODO mergulhar em sua mente, até que se torne uma parte sempre
presente de seu equipamento mental, e então os universos na circunferência se
tornam inteligíveis, e a inter-relação universal entre todas as coisas, vistas
da simultaneidade do centro, naturalmente se tornam causa e efeito nas sucessões
da circunferência. É dito que o Eterno (o nome Hindu é Brahman, ou mais
estritamente Nirguna Brahman, o Brahman sem atributos) é um oceano, que produz
universos como suas ondas. O oceano simboliza o ser sem forma, sempre o mesmo. A
onda, sendo uma parte, tem forma e atributos. As ondas sobem e descem,
quebram-se em espuma, e os borrifos das ondas são os mundos em um
universo.
Ou podemos pensar em uma gigantesca catarata, como o Niágara, onde a
massa da torrente é uma só antes de se precipitar, e então se divide em
inumeráveis gotículas, que refletem separadamente a luz, e as gotas são como os
mundos, e o arco-íris que produzem é a vida multicor. Mas a água é uma só, ao
passo que as gotas são muitas, e a vida é uma só embora sejam muitos os seres. O
Deus manifesto ou não-manifesto é um só e o mesmo, embora diferentes, embora
apresentando atributos na manifestação, e atributos na não-manifestação; O LOGOS
e Seu universo são unos, embora Ele seja a unidade, e o universo, a diversidade,
Ele seja a vida, e o universo, as formas. Quando fora da manifestação o karma
fica latente, pois os seres do manifesto são apenas conceitos no não-manifesto;
na manifestação o karma se ativa, pois todas as partes de um mundo, de um
sistema, de um universo, são inter-relacionadas. A ciência declara que nenhum
movimento de uma parte pode ter lugar sem afetar o todo, e cientificamente todos
concordam. As inter-relações são universais, e nenhuma pode ser rompida, pois a
ruptura de uma romperia a unidade do todo. A inviolabilidade da lei natural
reside em sua universalidade, e uma quebra na lei em qualquer parte significaria
o caos universal.
A Sucessão
Vimos que como a manifestação de um universo implica sucessão de
fenômenos, também a inter-relação universal se torna a seqüência de causa e
efeito. Mas cada efeito por sua vez se torna uma causa, e assim infinitamente,
sendo a diferença entre causa e efeito não de natureza, mas de relação. As
inter-relações que existem no pensamento do Eterno se tornam as inter-relações
entre os fenômenos no universo manifesto - naquela porção do pensamento expressa
como universo. Antes da manifestação de qualquer universo particular haverá, no
Eterno, o pensamento do universo que há de existir, e suas inter-relações.
Aquilo que existe simultaneamente fora do espaço e do tempo no Eterno Agora
gradualmente aparece no tempo e no espaço como fenômenos sucessivos. No momento
em que concebemos um universo feito de fenômenos, somos obrigados a pensar
nestes fenômenos sucessivamente, um após outro; mas no pensamento do Eterno eles
existem sempre, e a limitação da sucessão ali não existe.
Mesmo nos mundos inferiores, onde as medidas de tempo são tão diferentes
entre si, captamos um vislumbre das crescentes limitações da matéria densa.
Mozart nos fala de um estado de consciência em que ele recebia uma composição
musical como uma única impressão, embora em sua consciência comum ele só pudesse
reproduzir aquela impressão única através de uma sucessão de notas. Ou também
podemos olhar para uma pintura e receber uma única impressão mental - uma
paisagem, uma batalha; mas uma formiga, caminhando sobre a pintura, não veria
nenhum todo, mas apenas impressões sucessivas das partes pelas quais
passava.
Pelo símile, pela analogia, obtemos alguma idéia da diferença de um
universo como ele aparece para o LOGOS e como ele aparece para nós. Para Ele é
uma impressão única, um todo perfeito. Para nós, uma seqüência imensa, em lento
desdobrar. Assim o que para Ele é inter-relação se torna para nós sucessão. Em
vez de ver infância, juventude e velhice como um todo, nós as vemos
sucessivamente, dia a dia, ano a ano. O que é simultâneo e universal se torna
sucessivo e particular para nossas mentes diminutas, andando por este mundo como
a formiga sobre a pintura.
Subamos numa montanha e olhemos para uma cidade abaixo, e poderemos ver
como as casas se relacionam entre si em quarteirões, ruas, e assim por diante.
Nós as percebemos como um todo. Mas quando descemos para a cidade devemos andar
de rua em rua, vendo cada uma separadamente, sucessivamente. Igualmente quanto
ao karma, vemos as relações apenas uma a uma, e uma após outra, nem mesmo
percebendo as relações sucessivas, tão limitada é nossa visão.
Tais exemplos podem freqüentemente nos ajudar a compreender as coisas
invisíveis, e podem funcionar como muletas para nossa imaginação vacilante. E a
partir de tudo isto podemos lançar nossa pedra angular para nosso estudo sobre o
karma.
O karma é a inter-relação universal, e é visto em qualquer universo como
a Lei da Causação, em conseqüência da aparição sucessiva dos fenômenos no devir,
ou desdobrar, do universo.
A Causação
A idéia da causação tem sido questionada nos tempos modernos. Huxley, por
exemplo, no Contemporary Review, argumenta que conhecemos apenas a
seqüência, e não a causação; ele diz que se uma bola se move depois de ser
golpeada por um bastão, não devíamos dizer que o golpe do bastão causou o
movimento, mas apenas que foi seguido pelo movimento. Este ceticismo extremo
aparece fortemente em alguns grandes homens do século XIX, uma reação contra a
pronta credulidade e as muitas asserções não-provadas da Idade Média. A reação
teve sua serventia, mas agora gradualmente está desaparecendo, como sempre
ocorre com os extremos.
A idéia da causação surge naturalmente na mente humana, embora não seja
comprovável pelos sentidos; quando um fenômeno tem sido invariavelmente seguido
por outro fenômeno durante longos períodos de tempo, os dois acabam sendo
ligados em nossas mentes, e quando um aparece, a mente, através da associação de
idéias, espera o segundo; assim o fato de que a noite tem sido seguida pelo dia
desde tempos imemoriais nos dá uma firme convicção de que o sol se elevará
amanhã, como em incontáveis dias passados. A sucessão sozinha, contudo, não
implica necessariamente causação; não consideramos o dia como a causa da noite,
nem a noite como a causa do dia, apenas porque se seguem um ao outro. Para
determinarmos uma causação precisamos mais do que uma sucessão invariável;
precisamos que a razão veja aquilo que os sentidos são incapazes de discernir -
uma relação entre as duas coisas que produz o surgimento da segunda quando a
primeira aparece. A sucessão do dia e noite não é causada por nenhum deles;
ambos são causados pela relação entre a Terra e o Sol; esta relação é uma causa
verdadeira, reconhecida como tal pela razão, e enquanto a relação permanecer sem
mudança, o dia e a noite serão seu efeito. A fim de vermos uma
coisa como causa de outra, a razão deve estabelecer uma relação entre elas que
seja suficiente para a produção de uma pela outra; então, e só então, podemos
estabelecer corretamente uma causação. Chamamos de causação os elos que jamais
se rompem entre os fenômenos, e que são reconhecidos pela razão como uma relação
ativa, trazendo à manifestação um segundo fenômeno sempre que um primeiro se
manifesta. Eles são as sombras das inter-relações que existem no Eterno, fora do
espaço e do tempo, e se estendem sobre a vida de um universo, sempre que
existirem as condições para sua manifestação. A causação é uma expressão da
natureza do LOGOS, uma Emanação da Realidade Eterna; sempre que existir uma
inter-relação no Eterno que demande sucessão para sua manifestação no tempo, ali
há causação.
As Leis da Natureza
Nosso próximo passo em nosso estudo é uma consideração das "Leis da
Natureza". Todo o universo está incluso nas idéias de sucessão e causação, mas
quando chegamos ao que chamamos de leis da natureza somos incapazes de ver sobre
que área elas se estendem. Os próprios cientistas se sentem compelidos a falar
com cuidado cada vez maior à medida que viajam para além do limite da observação
factual. As causas e efeitos que são contínuos dentro da área de nossa
observação podem não existir em outras regiões, ou atuações que são observadas
aqui como invariáveis podem ser interrompidas pela erupção de alguma causa fora
do que é "conhecido" em nosso tempo, embora provavelmente não fora do
conhecível. Entre 1850 e 1890 surgiram muitas declarações positivas sobre a
conservação da energia e a indestrutibilidade da matéria. Foi dito que existe no
universo uma determinada quantidade de energia, incapaz de diminuição ou
aumento; que todas as forças são formas desta energia, que a quantidade de
qualquer força específica, como o calor, pode variar, mas não o total da
energia. Assim como 20 pode ser feito de 20 unidades, ou de 2 vezes
10, ou de 5 vazes 4, ou de 12 + 8, e assim por diante, permanecendo 20 no total,
o mesmo ocorre com as formas variáveis e a quantidade total. A respeito da
matéria também foram feitas declarações semelhantes; que ela é indestrutível, e
portanto permanece sempre a mesma em quantidade; alguns, como Ludwig Buchner,
declararam que os elementos químicos eram indestrutíveis, que "um átomo de
carbono sempre foi um átomo de carbono", e assim por diante.
A ciência foi construída sobre estas duas idéias, e elas formaram a base
do materialismo. Mas agora se percebe que os elementos químicos são dissolúveis,
e que o próprio átomo pode ser um redemoinho no éter, ou talvez um mero buraco
onde o éter não existe. Pode haver átomos através dos quais a força
penetre, e outros através dos quais ele se esvaia - de onde" - para onde" A
matéria não pode se tornar intangível, dissolver-se no éter" Não pode dar origem
a nova matéria" Tudo é dúvida onde uma vez reinava a certeza. Também um universo
tem seu "Anel-Não-Passarás" [expressão Teosófica para o limite derradeiro
de um universo - NT]. Dentro de uma dada área só podemos falar com
certeza de uma "lei da natureza".
O que é uma lei da natureza" J.N.Farquhar, no Contemporary Review
de julho de 1910, em um artigo sobre o Hinduísmo, declara que se os hindus
querem proceder a reformas devem abandonar a idéia do karma. Ele poderia também
dizer que se um homem quiser voar ele deve abandonar a idéia de uma atmosfera.
Entender a lei do karma não é renunciar à atividade, mas conhecer as condições
sob as quais a atividade é melhor desenvolvida. Farquhar, que evidentemente
estudou com atenção o Hinduísmo moderno, não captou a idéia do karma como
ensinada pela escritura antiga e pela ciência moderna.
Uma lei da natureza não é um mandamento, mas um estabelecimento de
condições. Nunca é demais repetir isso, nem reforçá-lo. A natureza não ordena
isto ou aquilo; ela diz: "Eis certas condições; onde elas existirem, tais e tais
resultados invariavelmente se seguirão". Uma lei da natureza é uma seqüência
invariável. Se não nos agrada o resultado, mudemos as condições prévias.
Ignorantes, ficamos desvalidos, à mercê das forças violentas da natureza;
sábios, somos os mestres, e aquelas forças nos servem obedientes. Cada força da
natureza é uma força capacitante, e não compulsória, mas é preciso conhecimento
para utilizarmos seus poderes.
A água ferve quando chega aos 100ºC sob pressão normal. Esta é a
condição. Se subimos em uma montanha a pressão diminui, e a água ferve a 95ºC.
Mas uma água a 95ºC não faz um bom chá. A Natureza proíbe então que tenhamos um
bom chá no topo da montanha" De modo algum: sob pressão normal a água ferve a
uma temperatura necessária para fazermos um chá; se perdermos pressão, supramos
o déficit, bloqueemos o escape do vapor até que ele atinja a pressão devida, e
poderemos fazer nosso chá com água a 100ºC. Se queremos produzir água pela união
de oxigênio e hidrogênio, é preciso de uma certa temperatura, e podemos obtê-la
com uma faísca elétrica. Se insistirmos em manter a temperatura no zero, ou em
substituir o hidrogênio por nitrogênio, não podemos ter água. A natureza
estabelece as condições que resultam na produção de água, e não podemos
mudá-las; ela não produz nem impede a produção de água; somos livres para tê-la
ou não; se a queremos, devemos reunir as coisas necessárias e assim criarmos as
condições. Sem elas, nada de água. Com elas, água inevitavelmente. Estamos assim
obrigados ou livres" Livres para criarmos as condições; obrigados quanto aos
resultados, uma vez tendo produzido as condições. Sabendo isso, o homem de
ciência, enfrentando uma dificuldade, não se entrega; ele arranja as condições
com que pode produzir um resultado, aprende como criar as condições, seguro de
que pode esperar o resultado.
Uma
Lição da Lei
Esta é a grande lição ensinada pela ciência à geração atual. A religião a
tem ensinado através das eras, mas dogmaticamente, antes do que racionalmente. A
ciência prova que o conhecimento é a condição da liberdade, e somente quando o
homem sabe é que pode governar-se. O cientista observa as seqüências; ele
realiza inúmeras vezes seus experimentos; ele elimina tudo o que for casual,
colateral, irrelevante, e lenta e seguramente descobre o que constitui uma
seqüência causativa invariável. Uma vez seguro dos fatos, ele age com certeza
indubitável, e a natureza, sem mudar sua atuação, recompensa sua certeza
racional com o sucesso.
Desta segurança cresce "a sublime paciência do investigador". Luther
Burbank, na Califórnia, semeia milhões de sementes, seleciona alguns milhares de
plantas, cruza poucas centenas, e pacientemente se encaminha para seus
objetivos: ele pode confiar nas leis da natureza, e se falhar, reconhece que o
erro está nele, e não nelas.
Há uma lei da natureza de que massas de matéria tendem a se mover em
direção à Terra. Então eu deveria dizer: "Não posso andar nas estrelas, não
posso voar pelo ar". Não, há outras leis. Contra a força que me prende ao chão
eu contraponho outra força que está em meus músculos, e ergo meu corpo através
delas. Uma pessoa com músculos fracos pela febre pode ter de ficar no chão,
inválida; mas eu não quebro lei nenhuma quando aplico minha força muscular e
subo as escadas.
A inviolabilidade da Lei não tolhe - ela liberta. Torna a Ciência
possível, e racionaliza o esforço humano. Em um universo sem lei o esforço seria
fútil, e a razão, inútil. Seríamos selvagens, tremendo nas garras de forças
estranhas, incalculáveis, terríveis. Imagine um cientista em um laboratório onde
o nitrogênio fosse ora inerte, ora explosivo, onde o oxigênio vivificasse hoje e
sufocasse amanhã! Em um universo sem lei não ousaríamos nos mover, não sabendo o
que qualquer ação nossa produziria. Nos movemos sabiamente, seguramente, por
causa da inviolabilidade da Lei.
O Karma não Oprime
Assim o Karma é a grande lei da natureza, com tudo o que isto implica.
Assim como somos capazes de nos movermos no universo físico com segurança,
conhecendo suas leis, também podemos nos mover com segurança nos universos
mental e moral quando aprendemos suas leis. A maioria das pessoas, a respeito de
seus defeitos mentais e morais, estão muito como na posição do homem que recusa
subir as escadas por causa da lei da gravidade. Ele senta-se desanimado, e diz:
"Esta é minha natureza, não posso fazer nada". É verdade, é a natureza do homem,
já que ele a construiu no passado, e é "seu karma". Mas com um conhecimento
sobre o karma ele pode mudar sua natureza, tornando-a amanhã diferente do que é
hoje. Ele não está nas garras de um destino inevitável, imposto de fora sobre
si; ele está num mundo de lei, cheio de forças naturais que ele pode utilizar
para produzir o estado de coisas que ele deseja. O conhecimento e a vontade -
isto é o que ele precisa. Ele deve perceber que o karma não é um poder que
oprime, mas um estabelecimento de condições das quais derivam resultados
invariáveis. Enquanto ele viver negligente, em um caminho fortuito, enquanto ele
for como um homem flutuando na corrente, atingido por qualquer entulho que
passa, soprado por qualquer brisa casual, sugado por qualquer redemoinho casual,
isto promete fracasso, azares e infelicidade. A lei lhe possibilita atingir seus
fins com sucesso, e coloca a seu alcance forças que ele pode usar. Ele pode
modificar, alterar e reconstruir ao longo de outras linhas a
natureza que é o resultado inevitável dos seus desejos, pensamentos e ações
anteriores; esta natureza futura é tão inevitável como a presente: o resultado
das condições que ele cria agora deliberadamente; "O hábito é uma segunda
natureza", diz o provérbio, e o pensamento cria hábitos. Onde existe Lei nenhuma
conquista é impossível, e o karma é a garantia da evolução do homem até a
perfeição mental e moral. |