AS ORIGENS DO RITUAL NA IGREJA E NA MAÇONARIA
Helena Petrovna Blavatsky
Parte IX
Parte IX
A alegoria mal compreendida, conhecida pelo nome de descida aos Infernos, causou muitos males. A "Fábula" esotérica de Hércules e de Teseu descendo às REGIÕES INFERNAIS; a viagem de Orfeu aos Infernos, encontrando seu caminho graças ao poder de sua lira (Ovídio, METAMORFOSES), a viagem de Krishna e finalmente do Cristo que "desceu aos Infernos" e "ressuscitou dos mortos" ao terceiro dia, todas se tornaram irreconhecíveis pelos "adaptadores" não iniciados dos ritos pagãos, que os transformaram em ritos e dogmas da Igreja.
Do ponto de vista astronômico, essa DESCIDA AOS INFERNOS simboliza o Sol durante o equinócio do outono. Imaginava-se, então, que ele abandonava as altas regiões siderais e travava um combate com o demônio das trevas, que nos tira a melhor parte de nossa luz. Concebia-se o sol sofrendo uma morte temporária e descendo às regiões infernais. Mas, sob o ponto de vista místico, essa alegoria simboliza os ritos de iniciação nas criptas do Templo, chamadas o "mundo inferior" (HADES). Baco, Héracles, Orfeu, Asklépios e todos os outros visitantes da cripta, desciam aos infernos, donde ressurgiam ao terceiro dia, pois todos eram Iniciados e "construtores do Templo Inferior".
As palavras de Hermes, dirigidas a Prometeu encadeado sobre as rochas áridas do Cáucaso - Prometeu ligado pela ignorância e devorado pelo abutre das paixões - aplicavam-se a cada neófito, a cada CHRESTOS durante as provas. "Não há fim para o teu suplício até que Deus (ou um deus) apareça e te alivie as tuas dores, consentindo em descer contigo ao tenebroso HADES, às sombrias profundezas do Tártaro" (Ésquilo: PROMETEU, 1.027 e ss.) Isto quer simplesmente dizer que, enquanto Prometeu (ou o homem) não encontrar o "deus" ou o Hierofante (o Iniciador) que desça voluntariamente consigo às criptas da iniciação e o dirija em torno do Tártaro, o abutre das paixões não cessará de devorar os seus órgãos vitais (8).
Ésquilo, como Iniciado, não podia dizer mais do que isso! Mas, Aristófanes, menos piedoso, ou mais audacioso, divulga o segredo aos que não estão cegos pelos preconceitos por demais enraizados, em sua sátira imortal AS RÃS, sobre a "descida aos infernos" de Herákles. Lá encontramos o coro dos bem-aventurados (os Iniciados), os Campos-Elíseos, a chegada de Baco (o deus Hierofante) com Terakles, a recepção com as tochas acesas, emblema da NOVA VIDA e da RESSURREIÇÃO das trevas da ignorância humana para a luz do conhecimento espiritual, a VIDA ETERNA. Cada palavra da brilhante sátira atesta a intenção interior do poeta: Animai-vos, tochas ardentes... pois as vens Agitando em tua mão, Jaco (9) Estrela fosforescente do rito noturno
As iniciações finais sempre eram feitas à noite. Falar-se, por conseguinte, de alguém que houvesse descido aos infernos equivalia, na antiguidade, a designá-lo como um INICIADO PERFEITO. Aos que se sentirem inclinados a rejeitar essa explicação, eu farei uma pergunta: podem eles nos revelar, neste caso, a significação de uma frase contida no sexto livro de Eneida de Virgílio? Que quer dizer o poeta senão o que exprimimos acima, quando, introduzindo o venerável Anquises nos Campos Elíseos, ele o induz a aconselhar seu filho Enéas a realizar a viagem à Itália... onde teria que combater, em Latium, um povo rude e bárbaro; mas, acrescenta ele, "não te aventures a tal antes de teres concluído A DESCIDA AOS INFERNOS", quer dizer, "antes de seres um Iniciado".
Os clérigos benévolos que, sob a menor das provocações, estão sempre prontos a nos mandar ao Tártaro e às regiões infernais, não suspeitam o bom voto formulado a nosso respeito, e qual o caráter de santidade que deveremos adquirir para poder entrar num local tão sagrado.
Os pagãos não eram os únicos a ter os seus Mistérios. Belarmino (de Eccl. Triumph lib. II, cap. 14) afirma que os primeiros cristãos adotaram, dentre o conjunto das cerimônias pagãs, o costume de reunir-se na Igreja durante as noites que precediam suas festas, para ali passar em vigília, ou "vesperas".
Suas cerimônias, no começo, foram realizadas com pureza e a mais edificante santidade, mas nessas reuniões não tardaram em infiltrar-se abusos de imoralidade, e os Bispos julgaram melhor suprimi-las. Temos lido dúzias de livros que falam da licenciosidade que reinava nas festas religiosas pagãs. Cícero (de Leg. Lib. II, cap. 15) nos mostra Diagondas, o Aebano, que não encontra, para remediar tais desastres nas cerimônias, outras medidas senão a supressão dos próprios mistérios. Entretanto, quando comparamos as duas espécies de celebrações - os mistérios pagãos santificados desde tempos remotos, muitos séculos antes de nossa era, e os ágapes cristãos de uma religião apenas nascida e com pretensões a tão grande influência purificadora sobre seus conversos - não podemos deixar de lamentar a cegueira mental dos seus defensores cristãos, de citar em sua intenção esta pergunta de Roscommon: "Se começais com tal pompa e tal ostentação, Por que é tão mesquinho e tão baixo o vosso fim?"
(8) A região obscura da cripta, na qual, supunha-se, o candidato à iniciação rejeitava para sempre suas más paixões ou maus
desejos. Provêm daí todas as alegorias contidas nas obras de Homero, de Ovídio, de Virgílio, etc..., que os sábios modernos
tomam no sentido literal. O Phlegetonte era o rio no Tártaro, onde o Iniciado era mergulhado três vezes pelo Hierofante, depois do
que estavam terminadas as provas. O homem havia nascido de novo; tinha deixado para sempre o velho homem de pecado na
corrente sombria, e ao terceiro dia, quando saía do Tártaro, era um INDIVIDUALIDADE; a PERSONALIDADE estava morta. Toda
alegoria (como a de Ixion, Tântalo, Sísifo, etc.) é a personificação de alguma paixão humana.
(9) Outro nome de Baco
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