Em
Busca
do Conhecimento
Celia
de
Moraes, Membro
da Soc.Teosófica
Desde que o homem começou a pensar, as questões "quem sou", "de
onde venho", "para onde vou" e outras têm sido uma constante, e cada ser humano
em particular se depara, em maior ou menor grau, com a necessidade de obter
alguma resposta plausível a estas questões. Inúmeras tentativas têm sido
feitas para explicar a natureza do ser humano
e
de suas buscas, e a maioria das teorias delas resultantes acabou
se transformando, por circunstâncias diversas, em sistemas mais ou menos
fechados de pensamento.
O homem comum, a exemplo dos eminentes pensadores no decorrer dos
tempos, assumiu também esta postura em sua vida particular, construindo
para si mesmo sistemas fechados de comportamento e pensamento, primeiramente a
partir de sua educação e das experiências do início de sua vida, e
posteriormente por uma aceitação passiva e impensada dos valores assim
assimilados.
Como resultado deste processo generalizado, a humanidade se
encontra enclausurada em um círculo vicioso de idéias e atitudes
condicionadas e impostas pela cultura de cada país e época, e todo e
qualquer indivíduo que questione este estado de coisas e manifeste a
potencialidade criadora reconhecidamente inerente ao ser humano
destaca-se naturalmente, e é tomado por destruidor da ordem, elemento
perigoso, louco, "idealista". Apesar disso, gerações subseqüentes
invariavelmente sentiram, sentem e sentirão a coerência, profundidade
e
permanência da visão destes indivíduos, dando a ela a atenção
devida, embora, por vezes e vezes seguidas, de acordo com sua própria ótica e
interpretação! Entretanto, uma análise mais aberta, despreconceituosa
e
simples da mensagem de alguns deles poderia revelar caminhos
escondidos à mente superficial e condicionada, e levar o pensamento a
trilhá-los em direção a uma compreensão mais abrangente e profunda das
questões mais pertinentes à vida de cada ser
humano.
Nosso
propósito aqui é, portanto, trazer à tona aspectos práticos perfeitamente
factíveis,
e nosso ponto de partida é uma das visões de mundo
que mais afetaram os destinos do pensamento ocidental: Sócrates e
sua forma única de dialogar. Temos como pressuposto básico que a
análise do método de diálogo socrático nos levará à certeza da
possibilidade de avançarmos significativamente na busca da realidade de nós
mesmos através da interação criativa com nossos semelhantes.
Sócrates
e
Platão, seu discípulo mais eminente, são conhecidos pelo pensamento moderno como
os filósofos da verticalidade, ou seja, do processo
da "dialética ascendente, aquela que nos remeterá da particularidade
sensível à universalidade das essências". Esta universalidade ou "discurso" se
opõe à opinião ou "dizer" (que se fundamenta no desejo pessoal daquele que
enuncia), e se torna legitimado pelo princípio da não-contradição(1)
.
Falando
o mesmo em uma outra linguagem, diz-se que Sócrates
buscava a virtude. Para
ele, esta significava a harmonia interior baseada no
conhecimento
de si mesmo, e o processo por ele apontado para alcançar
esse
conhecimento era o questionamento aberto, sincero e cuidadoso de
tudo o que a pessoa reconhecia à primeira vista como verdadeiro. Este
processo
levava invariavelmente à "destruição de certas crenças tradicionais,
pois por meio de suas constantes interrogações, ele fazia surgir onde
quer que fosse o que antes parecia não existir, ou seja, um
problema.
Este
fazia desvanecerem-se os falsos saberes, as ignorâncias encobertas,
as satisfações inautênticas, a petulância e a superficialidade".2
"Tudo o
que sei é que nada sei", era sua atitude
fundamental.
Cada
ser humano possui uma "nota chave", uma brecha na sua armadura de crenças e
desarmonias, o ponto exato onde a contradição do mundo externo se defronta com o
desejo e necessidade internos de coerência, verdade e harmonia. Ao dialogar
com seus amigos e discípulos, Sócrates tocava-lhes
a nota chave, dando início ao processo de refutação de tudo o que neles
havia de falso e contraditório, "limpando o caminho" para o interior de cada um
e daí trazendo à tona o que de fato cada um sentia verdadeiro por si por trás de
todos os valores artificiais impostos pela sociedade e educação. "Torna-te
no que és", "Homem,
conhece-te a ti mesmo" eram máximas levadas à ação, e essa ação
era embasada na certeza da "existência de leis estáveis, normas universais
verdadeiras, válidas por si mesmas e superiores às opiniões superficiais
e convenções dos homens"3. A Maiêutica, a sua "arte de
partejar" é, portanto, a arte de trazer à luz o que o ser já sabe — pois é parte
da "razão universal" — mas que sua "razão individual" nunca
questionou.
Não
vamos entrar aqui em considerações sobre a validade ou não de
se levar em conta uma "razão universal", mas sim expor o método socrático
como foi observado(4) ao se manifestar nos diálogos de que Sócrates participava.
Caberá a cada um discernir até que ponto as preocupações
de
Sócrates
na
Grécia de seu tempo estão presentes nos dias de
hoje, e até que ponto a integração pessoal, consigo mesmo e com os outros,
carece de cuidado e aprofundamento.
O
MÉTODO SOCRÁTICO E SUA PRATICIDADE
]Alguns tópicos para direcionamento da
prática:
1.
A busca do conhecimento é um processo de questionamento
transformador, integrador e curativo, uma união da mente,
coração e intuição. A percepção, mesmo que mínima,
de que esta integração está ocorrendo dará a medida do quão bem se
está desenvolvendo o diálogo.
2.
Deve-se realizar o método tão perfeitamente quanto for
possível no momento. Deve ser mantido um claro espaço entre os
participantes — aquela "zona de silêncio" onde os pensamentos se encontram e
interagem. Quando "acuado" por algum argumento, deve-se recuar,
encontrar um centro de quietude em si mesmo, e só então
prosseguir.
3.
Deve-se
observar e
ajudar cuidadosamente o nascimento da auto-compreensão. Qualquer caminho
rumo à sabedoria começa com o auto-conhecimento.
4.
Deve haver uma amorosa preocupação com o outro permitindo
discordância, até que haja um momento oportuno para um
reposicionamento rumo a um real encontro de mentes, pois o que se busca é a
totalidade, a integridade para ambos os lados, uma síntese de pontos de
vista, o que toma tempo para ser desenvolvido.
5.
É necessário tolerância para permitir-se ser examinado pelo outro,
e o examinar-se sem interferência emocional. Os sentimentos do outro não devem
ser feridos, e não se deve supor que os seus próprios estão sendo
visados.
6.
Intensa atenção e escuta. Não se deve pensar em uma resposta
enquanto o outro está apresentando um ponto de vista. Deve-se internalizar
o argumento em sua totalidade, como se, caso seja pedido, se pudesse repetir a
posição do outro em grandes detalhes.
7.
É necessário rigor para uma aproximação unidirecional do
assunto, com disciplina pessoal em manter o foco central. Atenção para não
se criar tangentes que se afastem do tema.
8.
Deve-se ser crítico no sentido positivo da palavra; crítico de si
e do outro em respeito à tendência ao desvio da tarefa prescrita. Esta
atitude crítica não quer dizer achar faltas, mas sim ter
consciência discriminativa.
9.
Não
deve haver qualquer senso de competição ou "ganhar pontos" contra o outro.
Qualquer
tentativa de fazê-lo minará o processo.
10. Ambas
as partes devem ser honestas. Ninguém deverá fazer-se de "advogado do
diabo". Cada um deve ser autêntico, expressar a si mesmo profundamente.
11. É necessário definir termos, ser lógico e cuidadoso ao falar, pedir
ao outro redefinições de posições sempre que os termos não estiverem claros ou
compreensíveis.
12.
Muito poucos pontos serão discutidos, mas aqueles que o forem
deverão ser explorados em profundidade. Para isso deve-se ser paciente, e
buscar um questionamento cuidadoso e meticuloso.
13.
Deve haver tolerância para o não acabado, o aberto, o contínuo, a
incessante busca da verdade. O processo, inclusive, não termina ao findar o
diálogo, mas sim continua durante a vida diária de cada um.
14.
O
método
socrático nos força a saber o que não sabemos, a assumir posições e a
descobrir o que realmente acreditamos e compreendemos. Não haverá um bom diálogo
se um (ou os dois) participante(s) achar que há uma resposta simples e aparente,
ou se ambos concordarem de saída sobre uma mesma opinião. Deve-se superar os
limites do superficial.
BIBLIOGRAFIA
1. Garica-Roz,
Luiz Alfredo. Freud
e
o
Inconsciente.
Zahar,
1984
2. Mora,
José Ferrater. Dicionário
de Filosofia
3. Fraille,
Guilhermo. História
da Filosofia
4. Weber, Renée.
Notes
of Instruction
Concerning the Socratic Method. Palestra
apresentada em
Pumpkin
Hollow Farm,
NY, USA, em Setembro/1980
Revista
Logos, Nº15