As
Diversas Facetas
da Liberdade
José Salvador
Caballero
Penso,
Logo Existo. Com
esta frase, René Descartes (1596-1650) imortalizou-se como filósofo. A
partir da aceitação desta afirmação, a realidade objetiva do Universo como um
todo (incluindo evidentemente o próprio pensador), torna-se intrinsecamente
ligada à indiscutível realidade do princípio pensante de cada ser
humano.
Como conseqüência, estabeleceu-se uma racionalização que
distingue claramente dois entes:
A — O observador (a mente de qualquer
indivíduo)
B
— O objeto da observação (seres, objetos inanimados, etc)
Uma vez afirmada e estabelecida esta realidade observável por
qualquer indivíduo, sua influência passou a ser marcante no pensamento dos
filósofos ocidentais.
A racionalização desta dualidade persiste até os nossos dias,
ainda que de forma inconsciente, na mente e nas atitudes dos seres humanos.
Deste modo, o sistema de referência utilizado e aceito para a compreensão
do Universo é o pensamento humano, cuja origem se deve à existência de
uma entidade ainda mais misteriosa, chamada mente
humana.
Cabe
aqui a seguinte questão:
Será a mente
humana o supra-sumo do ser humano, ou seja, o verdadeiro e
único
sistema de
referência — com o qual ele pode e deve confiar para o pleno desenvolvimento das
potencialidades de cada
indivíduo?
Para tentarmos responder esta pergunta, vamos analisar o tema
“As Diversas Facetas da Liberdade" sob um ponto de vista mais amplo
possível, analisando a existência humana sob um ponto de vista eclético,
que englobe as distintas visões sobre o Homem e o
Universo.
Embora a realidade humana seja incontestável, o mesmo não ocorre
com a imagem que o homem constrói sobre si mesmo. Podemos afirmar que essa
imagem está condicionada a três sistemas de pensamento que aparentemente são
distintos, mas em essência são uma única realidade, por terem uma origem comum:
a mente humana.
Cientificamente
o
homem é visto sob o estigma de um "animal inteligente". É com esta premissa que a maioria dos
antropólogos, biólogos, médicos, psicólogos, sociólogos procuram estudar e
concluir acerca da origem, evolução, funcionamento, características individuais
e comportamento social do homem.
Não existe aqui lugar para uma síntese ou reflexão mais profunda,
além daquilo que pode ser devidamente analisado em
laboratório.
Como conseqüência, a ciência conhece muito sobre o corpo humano,
suas reações instintivas e impulsivas, mas quase nada acerca da natureza do
indivíduo.
Filosoficamente
o
homem foi estudado na antigüidade como sendo um Ser, ou seja, um ente
distinto das "individualidades" dos animais, ou outras criaturas da
natureza. Na Grécia antiga existia a preocupação em compreender e especular a
respeito da natureza, transformação in-terna e destino do Ser humano. Desses
estudos surgiu o estudo da alma
humana
(conhecida como Psike).
Assim, o estudo da alma humana era o objetivo da verdadeira Psicologia da antigüidade, cujos
ensinamentos diferem daqueles atual-mente ministrados naquelas faculdades que
levam esse nome, assim como um homem difere de sua
sombra.
Religiosamente, cada homem é considerado como uma essência
espiritual, cuja origem provém de um Ser Eterno, incriado, cujo Espírito criou todas as coisas. A
palavra religião vem do latim Religare. Re-Ligare significa re-ligar, ou
seja, ligar novamente o Homem a Deus.
No
Oriente a palavra Ioga significa união, e é utilizada por todos os
sistemas filosóficos ou místicos, para representar os caminhos pelos quais o
espírito humano se une indissoluvelmente ao Espírito Universal.
Podemos observar que as discrepâncias aparentes entre as chamadas
religiões ocidentais e orientais só existem quando se desconhece por completo a
transcendência das palavras Religião e Ioga. Embora o objetivo seja o
mesmo, as diferenças só existem nos meios que qualquer Religião ocidental ou
Ioga oriental empreguem.
Por
incrível que pareça, estes três sistemas de pensamento referem-se ao Homem, mas
devido à limitação do enfoque, parece que se trata de três homens distintos.
Infelizmente, isso é o que ocorre, na medida em que a maioria dos cientistas não
se preocupa nem um pouco com a essência do Ser, muito menos com sua
Re-Ligação. Por outro lado, existem pessoas "religiosas" que
parecem repudiarem o mundo material,
julgando
que assim serão "salvas".
A
visão Teosófica do Homem, por estar baseada nos testemunhos de seres humanos que
desenvolveram uma percepção extra-sensorial acerca do Universo como um todo,
não
é,
como se poderia pensar à primeira vista, mais uma teoria individual, mas o
acúmulo de centenas de observações individuais, devidamente confirmadas e
aceitas por inúmeros seres, desde a mais remota antigüidade, nas mais
diversas civilizações.
Conforme o enfoque destes Seres, que detêm em sua consciência uma
visão Unitária sobre o Universo Manifestado, o Homem é um Ser extremamente
complexo, mas para efeitos de facilidade de exposição da idéia geral, podemos
afirmar que o mesmo é constituído basicamente de três
princípios:
1º — A personalidade. É formada pelo corpo físico (objeto de
estudo da Biologia e Medicina), bem como por outros dois corpos de matéria
mais sutil, conhecidos como corpo emocional (astral) e cor-por mental. Estes
últimos corpos constituem a sede das emoções e pensamentos, que são o objeto de
estudo da Psicologia. A personalidade como um todo, desaparece após a
morte.
2º
— A Individualidade ou Alma. É a essência do Ser, cuja
característica o distingue dos outros seres humanos. Constitui a sede da
autoconsciência.
Para poder evoluir, a alma se reveste ciclicamente de
inúmeras personalidades, pelo processo conhecido como reencarnação. As
experiências vividas através de inúmeras vidas forçam a evolução da
consciência do Ser humano, até o dia em que para sua evolução, não mais
necessite de experiências no mundo físico. A alma é denominada Ego
na
literatura Teosófica.
Toda a especulação filosófica da humanidade sempre deu grande
importância à compreensão da Individualidade Humana ou
Alma.
3º — A Identidade Divina ou o Espírito. É a "Chispa Divina" que anima a
Alma Humana, desde sua origem e por toda a eternidade. Constitui a parte do
Criador, que por assim dizer, ilumina nosso caminho de volta, até que
sejamos capazes de permitir o crescimento consciente dessa luz interior e nos
tornemos Unos com a Luz Eterna. Guiar o Homem em busca dessa Luz, constitui o
objetivo de toda e qualquer Religião, Movimento Espiritualista ou Escola
Iniciática. Na literatura Teosófica esta parcela de Identidade Divina ou
Espírito é denominada Mônada ou Emanação da
Divindade.
Em
suma, podemos simplificar todo este processo afirmando que uma
"Centelha Divina" se desprende da "Grande Chama", passando a animar
as diversas formas de vida em seus graus de evolução, até o mo-mento em que a
mesma se liga a uma Alma Humana recém formada. Esta, por sua vez, experimenta
diversas experiências ao longo de inúmeras reencarnações, até o dia em que
a Alma (Ego)
reflita
a plenitude
do
Espírito (Mônada) que a anima. Por sua vez, a personalidade refletirá a
grandiosidade da Alma absolutamente livre.
A visão Teosófica do Homem, como se pode observar, não entra em
conflito com nenhum dos sistemas tradicionais (ciência, filosofia,
religião), mas apresenta uma perspectiva humana totalmente autêntica
que engloba harmoniosamente as três correntes de pensamento aparentemente
distintas e irreconciliáveis entre si.
Tendo em mente esta visão do Homem, podemos começar a investigar a
palavra Liberdade sob diversos níveis de
realidade.
Esta palavra tem sido utilizada inúmeras vezes pelos diversos
movimentos políticos, relgiosos, sociais, etc.
Infelizmente
o significado da palavra tem sido associado com não coação. Assim, um presidiário não é livre,
pois tem sua liberdade cerceada pelo Sistema Penal. Isto é um fato
inegável, mas se continuar-mos utilizando esta linha de raciocínio, poderíamos
concluir como a maioria, que o povo brasileiro não é tão livre quanto o
sueco, por exemplo, na medida em que este país possui a legalização do aborto e
das drogas. Por outro lado, alguns iranianos talvez sintam inveja da
liberdade existente num país como o nosso, em que os crimes contra
o
patrimônio Federal (casos do INAMPS) não são punidos com a pena de morte, e os
criminosos "sofrem a pena" em liberdade.
Assim, notamos que a palavra liberdade nestes tempos está
se tornando um sinônimo de fazer o que bem
entende.
Geralmente
este "fazer o que bem entende" está associado ao prazer experimentado, seja pela
posse de bens alheios, pelas sensações das drogas ou bebida. As
vezes estas atitudes se devem ao medo de
perder a "liberdade" e ter que assumir uma responsabilidade sobre uma
criatura não desejada, como é o caso do
aborto.
Tomemos
o exemplo típico de uma pessoa "livre",
que dedica seu tempo vago a experimentar as sensações fornecidas por uma droga
qualquer, como por exemplo, a heroína. Quando essa sensação se repete diversas
vezes, cria-se uma total dependência pela droga, a tal ponto de pôr em risco a
vida do homem "livre"
caso ele não sacie suas necessidades pela mesma. Qualquer pessoa em seu juízo
perfeito é ca-paz
de perceber que na verdade, a pessoa "livre"
é um miserável escravo
de
uma substância química. No entanto ele é incapaz de perceber que a gloriosa
sensação de "liberdade" que experimenta abre simultaneamente a
porta da dependência e da escravidão.
Este
exemplo é utilizado para mostrar de uma forma clara que o prazer
e a
dor
originada pela privação deste prazer são
na verdade as
duas faces da moeda chamada ignorância.
Somos estimulados pelo prazer, e para defender a continuidade do
mesmo, alguns roubam, matam, mentem, etc.
Cabem agora uma série de tópicos importantes, que mostram a
dependência do homem às necessidades criadas por ele
mesmo.
Do ponto de vista da personalidade, ou seja, o mero instrumento da
evolução da consciência humana, temos que:
A
— Ao nível do corpo físico, somos condicionados desde a infância a ingerir
certas substâncias que criam dependência, tal como o açúcar refinado.
Posteriormente, pelas propagandas dos meios de comunicação, somos influenciados
por exemplo, a ser "livres" fumando o cigarro FREE
(cujo
nome em inglês significa livre). E as-sim por diante, pois chegamos a sentir
satisfação por certas comidas "deliciosas" repletas de toxinas que às vezes nos
fazem passar mal, tal como carnes e camarões.
B — No nível das emoções e sentimentos, estamos utilizando o
veículo chamado corpo astral. Este veículo nos força, por assim dizer, a
desejar tudo o que dá prazer e repelir tudo o que produz
dor. Deis-te modo, desenvolvemos sentimentos como alegria, compaixão, mas
também os ciúmes, ódio, cólera, etc.
Conseqüentemente, tornamo-nos dependentes daquilo que nos dá
prazer, como as posses, riquezas, a fama, a paixão, etc. Como podemos ser
livres enquanto estivermos apegados aos nossos
desejos?
C
— No nível das idéias e pensamentos, estamos utilizando o veículo chamado
corpo mental. Como vimos, este veículo cria uma diferenciação
entre o observador e
o
objeto
da observação. Conseqüentemente,
podemos medir objetos, comparar idéias ou situações (passado, futuro, presente).
O corpo mental nos permite armazenar como memória as situações de dor ou
prazer de nossa vida.
Entretanto, as idéias, conceitos, modelos de comportamento, regras
sociais, que nos foram incutidas desde a infância, condicionam a mente de cada
indivíduo. Isto faz com que nos comportemos (até certo ponto) tal como fomos
"programados".
Recebemos
assim idéias de discriminação entre negros e brancos (caso típico: África
do
Sul), Capitalistas e Comunistas, "PMDBistas" e "PTistas", empregados e
patrões. Notamos que a criação da mente humana procura separar nas aparências
aquilo que é Uno em
essência. Por "simpatia condicionada", somos praticamente
obrigados a levantar bandeiras, lutar e morrer por
elas.
Existem
preconceitos arraigados nas mentes de milhões e milhões de
pessoas, tal como a crença de que o homem necessita alimentar-se
de cadáveres de animais brutalmente assassinados para poder sobreviver.
Esta falsa crença é defendida por médicos, nutricionistas e até por livros
sagrados, embora a saúde e o vigor daqueles que se abstêm deste tipo de alimento
atestem justamente o contrário.
Os seres mais sábios da Humanidade sempre afirmaram que o ódio
nunca se vence pelo ódio. Somente o amor o neutraliza. Entretanto, a
"opinião pública" não se cansa de clamar pena de morte para os criminosos, pois
acredita-se que eliminando as conseqüências, dei-xará de existir o
problema.
Assim, as discriminações que a mente humana nos fornece faz com
que nos tornemos escravos de todos os condicionamentos mentais que tivemos na
infância, adolescência, escola, etc.
Mas
a falsa idéia de liberdade não termina na mente, tendo em vista que
ao nível da Individualidade ou Alma, estamos atualmente ligados ao
ciclo de nascimentos e mortes, por não sermos ainda perfeitos.
Conseqüentemente, os grandes sofrimentos que a Alma experimenta em cada
vida são ocasionados pelas dependências que criamos ao longo de diversas
encarnações, através de nossas ações, sentimentos e pensamentos,
ou seja, pelo modo como reagimos às circunstâncias que a vida nos
apresenta.
Esta
dependência deve-se à existência de uma Lei Universal que controla a Harmonia do
Cosmos, conhecida como lei do Karma.
Poderíamos
estender ainda mais os exemplos, mas deixaremos que os mesmos
brotem da mente do leitor após uma reflexão sobre a
questão:
— Onde surge então a verdadeira
Liberdade?
A resposta a esta pergunta só poderá ser encontrada e reconhecida
por todos como verdadeira quando os verdadeiros Psikologos
(estudiosos da Alma Humana) tiverem provado, de uma forma absoluta e
irrefutável, que o centro em torno do qual orbita o Ser humano não é sua
mente (ou princípio pensante), mas algo que a transcende e que é comum a todos
os Seres:
Trata-se
da essência D'Aquilo
a que poderíamos chamar de Alma
Universal.
O autor desta teoria futura será, sem dúvida alguma, o Copérnico
da Psicologia, na medida em que transferir o centro do universo humano de um
simples veículo da consciência (sua mente), ao Sol interno que brilha
em cada
Criatura (Logos).
Revista Logos, Nº 15, Editada
pelo Centro Teosófico de Pesquisas