Conhecimento:
O Enfoque Filosófico
Pedro Oliveira
A questão do conhecimento constitui-se num dos principais
problemas
da filosofia ocidental. Todos os grandes pensadores dedicaram a ela
um lugar de destaque em suas obras filosóficas, de Platão a Hegel.
Pretendemos,
portanto, uma reflexão acerca do conhecimento, e que parta de um questionamento
sobre a própria natureza da filosofia, pois a interrogação, a inquirição, sempre
estiveram presentes em qualquer atividade filosófica que se pretenda
séria.
A
palavra "filosofia" é definida como sendo "amor à sabedoria", sendo sabedoria,
aqui, distinta de acúmulo de informações ou erudição. Nas palavras de N.
Sri Ram,
"a
marca da sabedoria é ver todas as coisas na reta perspectiva"' . Ora, se
olharmos para a história da filosofia,
vemos que raros foram os autores que perseguiram este objetivo
real da filosofia, ou seja, a sabedoria que nos leva a perceber as coisas tais
como elas são. A história da filosofia é uma grande declaração de amor
à erudição, à astuta manipulação de conceitos, idéias. Para usar a
feliz
expressão de Eduardo Mascarenhas, em um artigo escrito há alguns
anos, nossa filosofia é o império da "grafocracia", de uma imensa produção
de idéias, mas que, em sua maioria, não colaboraram para o esclarecimento
da mente humana acerca dos reais problemas da vida.
Dessa
forma, ao nos ocuparmos da questão do conhecimento, encara-da
sob um ponto de vista verdadeiramente filosófico, vislumbramos ser o enfoque
filosófico aquele que nos aproxima dessa clareza de visão e profundidade
inerentes à natureza da sabedoria.
O que é
conhecimento? As mais variadas posições são defendidas no contexto da filosofia
ocidental. Platão, em seus diálogos — talvez um dos mais importantes documentos
de nossa tradição cultural — nos ensina que "conhecer é recordar". Há
algo em nós que já conhece a Realidade,
a Verdade, o Eterno. Esse algo é um estado de consciência que está além da transitoriedade e natureza
fenomênica do mundo. Os diálogos entre seus discípulos visavam
precipuamente despertar esse estado de profundo percebimento. Outros
pensadores, como Descartes, por exemplo, crêem que o conhecimento é um
processo de apreensão, pelo sujeito percebedor, do objeto. Ele estabelece uma
distinção entre res
cogitans (sujeito) e res
extensa (objeto).
Esta dicotomia está instalada no âmago de nossa cultura, de nossa visão de
mundo.
O
século XVIII viu o surgimento de uma corrente de pensamento que marcou,
indelevelmente, a reflexão filosófica da idade moderna, sendo que alguns de seus
pressupostos continuam válidos para a ciência moderna. Falamos do empirismo
inglês, que teve em David
Hume o seu notável
expoente. Para ele, todo o conhecimento provém de experiências sensoriais.
Estamos aqui nos primórdios do Racionalismo,
um
modo de ver a vida e o mundo que persiste até os dias de hoje, apesar de suas
tremendas limitações inerentes.
Um
passo significativo na trajetória da reflexão filosófica foi dado com o ilustre
pensador alemão Emmanuel
Kant. Ele
vinculava o conhecimento à experiência e aos fenômenos. Não podemos
conhecer a coisa-em-si — o númeno — pelo simples fato de que nossa percepção das
coisas está presa ao mundo fenomênico. O valor de Kant
está
em admitir, de forma clara, os limites de nosso intelecto, de não procurar
introduzir a "sonda do pensamento naquilo que é incognoscível" como
afirmava o Buda.
Para
Kant
o
conhecimento é uma mistura de três
itens: o
conteúdo,
que
são as impressões sensoriais; as categorias,
que são os conceitos formulados a partir das impressões sensoriais; e, por
último, o conhecedor, o sujeito transcendental, a unidade que
dá coerência às informações recebidas através dos sentidos e traduzidas
em conceitos.
A ciência moderna deve muito a Kant,
principalmente
no que diz respeito às categorias, tão necessárias ao método
científico.
Como
dissemos, o reconhecimento, por Kant,
das
limitações inerentes ao intelecto, foi um grande passo. Mas, infelizmente,
ele não foi ouvido. Nossa razão embarcou numa viagem ilusória e vivemos o sonho
de pensar poder criar um "discurso sobre a realidade", ao invés de
prepararmo-nos para recebê-la e compreendê-Ia como ela é. As diversas correntes
filosóficas contemporâneas — com raras exceções tateiam no escuro, agarram-se a
conceitos buscados no materialismo do século passado e tornam-se, por isso,
em um exercício de futilidade, beirando a insolvência
intelectual.
Faz-se necessário um supremo esforço para que a atividade
filosófica recupere o seu significado original, de real amor à sabedoria.
Se a filosofia não servir para iluminar a condição humana e auxiliar o homem na
árdua tarefa da descoberta de sua verdadeira identidade, deve-se renunciar
a ela.
Conhecimento
é distinto de inteligência. O conhecimento possui um papel no contexto da vida
humana. O conhecimento técnico nos tem auxiliado enormemente. A tecnologia,
filha pródiga da ciência, proporcionou bem-estar e segurança a milhões de seres
humanos. Mas o desenvolvimento tecnológico desconectado
de uma visão
de inter-relacionamento de toda a vida conduz à violência, à destruição da vida
e a sofrimentos indescritíveis. É
urgente que despertemos em nós a luz da verdadeira inteligência, isto é, a
percepção da vida e de seus relacionamentos nutrida pela descoberta da
unidade do todo. O conhecimento apenas cria homens e mulheres espertos e
astutos, orgulhosos de seu conhecimento. A inteligência, por sua vez, forma
seres humanos integrados, harmônicos e felizes, brilhando com suas
potencialidades de crescimento em sabedoria, compaixão e inegoísmo. A
inteligência consiste em conhecer o que é, não em projeções autocriadas.
Quando a mente perde o seu sentido de auto-importância, adquirido em
meio à confusão de uma existência
egocêntrica, ela está preparada para
a suprema descoberta do significado da vida, que é incomunicável em sua beleza e
profundidade. O propósito e significado deste fenômeno vasto, misterioso e
profundo que é a vida são conhecidos quando o "barulho" da importância
pessoal cessa e quando o silêncio
predomina.
Inteligência implica uma mente sem conclusões, que está, por esta
mesma razão, continuamente aprendendo. Um dos maiores filósofos
[contemporâneos], embora não oriundo do mundo acadêmico, J. Krishnamurti,
proporcionou uma revolução no significado da palavra "aprender". Só uma
percepção nova, atenta, purificada de todo sentimento de "eu", é que pode
penetrar no aprendizado último acerca do mistério da vida. O verdadeiro
conhecimento é um movimento que conduz do superficial ao profundo, ao eterno, às
coisas como elas são, o "númeno", o Espírito incriado e inesgotável.
Somente nesta percepção pode estar a esperança de uma nova ordem, de uma nova
sociedade.
BIBLIOGRAFIA
1. Thoughts for Aspirants, Madras, The Theosophical Publishing House, p.
22.
Revista Logos, Nº 15, Publicada pelo Centro Teosófico de
Pesquisas