A MAGIA NEGRA
ENTRE OS ATLANTES
C.W.Leadbeater
UM
EPISÓDIO
[Individualidades envolvidas no relato e suas reencarnações mais
recentes:
Alcyone
(Jiddu Krishnamurti)
Corona –
(Imperador Julio César)
Heracles –
(Annie Besant)
Marte – (O
Mestre Morya)]
Alcyone jaz
meio adormecido, meio desperto, na musgosa e inclinada margem dum tumultuoso
arroio. Seu rosto, mais ansioso que perplexo, reflete a perturbação de sua
mente. É filho duma rica e poderosa família pertencente ao "Sacerdócio do Sol da
Meia Noite", dedicado ao serviço dos deuses do mundo inferior, cujos sacerdotes
buscavam na escuridão da noite, nas tenebrosas cavernas subterrâneas, a passagem
para abismos cada vez mais profundos e desconhecidos.
Então, as
principais nações cultas da Atlântida se haviam dividido em dois campos opostos.
Um deles tinha por metrópole sagrada a antiga cidade das Portas de Ouro, e
conservava o tradicional culto de sua raça, o culto do Sol. O Sol na
beleza da alvorada, revestido das brilhantes cores da aurora e envolto nas
radiantes luzes do crepúsculo, rodeado por mancebos e donzelas de sua corte; O
Sol já no zênite de sua glória, em seu deslumbrante resplendor meridiano, quando
difunde por toda parte seus fúlgidos raios de luz e calor; O Sol já no
esplêndido leito de seu ocaso, quando matiza as nuvens de suavíssimos e
indefiníveis tons, que atrás de si deixa a promessa de sua
volta.
O povo
adorava o Sol com danças corais, incenso, flores, alegres cantos, trovas e
baladas, oferendas de ouro e jóias, e divertidos jogos e desportos. O Imperador
Branco governava os filhos do Sol Refulgente, e sua estirpe havia mantido sobre
eles durante milhares de anos indisputável senhorio. Mas pouco a pouco, os
apartados reinos governados por vice-reis se declararam independentes e
estabeleceram uma confederação encabeçada por um homem de sinistra influência
que apareceu entre eles.
Esse homem, chamado Oduarpa, de caráter ambicioso e astuto,
concebeu que para consolidar a Federação e fazer oposição ao Imperador Branco,
era mister recorrer à magia negra, pactuar com os moradores do mundo inferior e
estabelecer um culto que atraísse o povo por meio dos prazeres sensuais e dos
ímpios poderes mágicos colocados em mãos de seus adeptos. Em conseqüência do
pacto com as potestades tenebrosas, havia Oduarpa prolongado a sua vida mais
além do período normal e tornou seu corpo invulnerável às perfurações de lança e
gumes de espada por meio da materialização duma couraça metálica que o escudava
dos pés à cabeça como uma cota de malha. Aspirava Oduarpa o poder supremo e
estava a caminho de alcançá-lo, com a presunção de coroar-se no palácio da
cidade das Portas de Ouro.
O pai de
Alcyone era um dos mais íntimos amigos de Oduarpa, cujos recônditos projetos
conhecia, e ambos esperavam que o rapaz os ajudasse resolutamente na realização
de suas ambições. Mas Alcyone tinha anelos e esperanças distintos, que
caladamente alimentava em seu coração. Havia visto em sonhos a majestosa figura
de Marte, um dos generais de Corona, o Imperador Branco; havia recebido o
influxo de sua profunda e dominante vista e escutado como se ao longe ressoassem
estas palavras: "Alcyone; és meu e dos meus, e certamente virás a mim e te
reconhecerás como meu. Não te comprometas com meus inimigos, porque és meu." E
Alcyone havia prometido ser súdito de Marte, como o vassalo de seu
senhor.
Nisto pensava
Alcyone, embalado pelo rumor do arroio, porque sentia em si outra influência e
seu sangue circulava ardente em suas veias. Oduarpa, desgostoso da
indiferença, ou melhor, do retraimento de Alcyone no tocante ao culto religioso,
mesmo em seus ritos externos de sacrifícios animais e oblações com bebidas
excitantes, pensou em atraí-lo para os ritos secretos pelos agrados duma jovem
(Cisne), formosa como o estrelado céu da meia noite, que o amava profundamente
sem lhe haver conseguido cativar o coração. Entre o fosco brilho e a fascinante
vista dos olhos de Cisne, flutuava a esplêndida visão, e de novo ouvia as
comovedoras e murmurantes palavras: "És meu".
A mãe de
Cisne, velha bruxa da pior espécie, sugeriu à sua filha o único meio possível
para conquistar o coração de Alcyone, que foi o de obter dele a promessa
de que a acompanharia às criptas em que se celebravam os ritos mágicos trazidos
de seus antros pelos moradores do mundo inferior, para adquirir mediante estes
ritos o proibido conhecimento de mudar a figura humana em animal, e dar com isso
rédeas soltas às brutais paixões da luxúria e crueldade ocultas no
homem.
Movida por
sua própria paixão, Cisne influiu habilmente no coração de Alcyone, até
converter-lhe em paixão a indiferença; não em fogo permanente, mas que realmente
ardia enquanto durava. Então sua paixão se inflamou, e acabou por abalá-lo o
poder sedutor dela. Pois mal havia ela se despedido dele, após arrancar-lhe a
promessa de se encontrar com ela logo depois do sol posto, nas imediações da
cripta onde se celebravam tais mistérios, sentia-se ele em luta entre as ânsias
de segui-la e sua repugnância pelas previstas cenas em que o esperariam para
tomar parte. O sol mergulhou no horizonte e a noite envolveu o céu em seu manto,
enquanto Alcyone ainda permanecia pensativo; mas bruscamente se pôs de pé, agora
com mente decidida, e dirigiu seus passos para o
rendez-vous.
Com surpresa
sua, estava reuniu-se naquele lugar um número considerável de pessoas. Ali se
achava seu pai com sacerdotes amigos, e adornada com uma meia lua sobre a
cabeça, símbolo de uma noiva, viu Cisne rodeada dum grupo de donzelas vestidas
em traje de tecido coalhado de estrelas, o qual o deixava entrever confusamente
suas morenas faces. Também o aguardava um grupo de jovens de sua idade, entre os
quais reconheceu seus mais íntimos amigos que, vestidos de malhadas peles de
animais e levando consigo pequenos címbalo, se entrechocavam como faunos
dançando ao redor de Alcyone.
Ao vê-lo,
exclamaram: "Salve! Alcyone, favorito do Sol Tenebroso, filho da Noite. Vede
onde te aguardam tua Lua e suas Estrelas; mas antes deves conquistá-la de nós,
seus defensores".
Subitamente
foi ela lançada no meio dos dançarinos, e desapareceu na escuridão da cripta
escancarada em frente, e simultaneamente alguns agarraram Alcyone, o despojaram
de suas vestes e lhe puseram uma pele semelhante à que vestiam. Transtornado e
fora de si, lançou-se então Alcyone à busca de Cisne, enquanto aquele tropel
exclamava entre bravatas e risos:
"Eia jovem
caçador; sê célere, antes que os sabujos abatam tua amada."
Após alguns
minutos, Alcyone, seguido de perto pelo tropel de jovens ululantes, correu para
a cripta e se viu num espaçoso salão iluminado por uma luz carmesim. No
centro se erguia um enorme abóbada vermelha adornada por grandes rubis que
refletiam de trás a luz, qual borbotões de sangue aceso. Sob a abóbada havia um
trono de cobre marchetado de ouro, e diante dele uma cratera entreaberta da qual
brotavam sinistras e rugentes línguas de fogo. Pesadas nuvens de incenso enchiam
o ar, intoxicando e enlouquecendo-o.
O tropel
empurrou Alcyone para diante, até metê-lo num desenfreado e tumultuoso
torvelinho de dançarinos, que rodeando o trono coberto, vociferavam, uivavam,
atiravam-se ao ar em saltos selvagens e gritavam: "Oduarpa! Oduarpa! Vem, que
estamos ansiosos por ti!"
Ao redor da
cripta ressoou um surdo rumor de trovão cada vez mais alto, até culminar num
horrendo estalo precisamente acima das cabeças. As chamas saltaram então com
maior violência, e entre elas apareceu a poderosa figura de Oduarpa, semelhante
à de um Arcanjo caído, com a magia de sua postura severa e majestática,
e seu semblante mais
triste do que grave, mas robustecido por seu indomável orgulho e férrea
resolução. Acomodado Oduarpa no trono e assentados por toda parte todos quanto o
seguiam, os quais, taciturnos e silenciosos, não participaram do desenfreio, ele
levantou a mão em sinal de que continuassem a insensata orgia. E os selvagens
saíam dentre as bordas da cratera.
Alcyone, ao
ver Cisne em meio dos mancebos e donzelas, atirou-se para ela como um louco; mas
ela se esquivou do encontro e seu séqüito zombou dele, de modo que só pôde
tocá-la apenas para que se convencesse de que a haviam arrebatado para fora de
seu alcance. Por último, ensandecido e ofegante, deu um desesperado empurrão e
os do séqüito escaparam então cada qual com uma rapariga, deixando que Alcyone
se arrojasse sobre Cisne para estreitá-la em seus braços.
Naquele ponto
cresceu o desenfreio da orgia, e entraram os escravos, uns com enormes cântaros
de licores ardentes e outros com copos para distribuí-los. A embriaguez da
bebida se acrescentou à do baile, e as lúgubres luzes tomaram as vermelhas
tintas do crepúsculo. Sobre o resto da orgia é preferível calar a
escrever...
Mas eis que
do mesmo lugar por onde havia aparecido Oduarpa chega uma estranha procissão de
peludos bípedes de longos braços e garras nos pés e mãos, com cabeça de bruto e
cobertos de crinas que lhes caíam sobre os ombros; horrorosas e espantosas
figuras que, sem serem de todo definidas, eram horrivelmente humanas. Nas
aduncas mãos levavam caixas e redomas, e ao se unirem aos mais desenfreados
dançarinos, aumentaram com embriaguez e luxúria a loucura daqueles dissolutos,
cujos corpos os monstros enlambuzaram com o unto que levavam nas caixas, e lhes
deram a beber o conteúdo das redomas. Então caíram sem sentidos ao solo, em
confusa mistura, e de cada montão surgiu uma forma animal de arreganhada e
encolerizada figura, que desapareceram da cripta para sumir nas negruras da
noite.
Os
resplandescentes deuses acudiam em auxílio dos caminhantes que encontravam estas
diabólicas materializações astrais, ferozes e sem consciência em seu aspecto
animal, e cruéis e astutas no humano; mas nessa ocasião os deuses
resplandescentes estavam adormecidos e só saíram de seus antros as hostes do Sol
de Meia Noite, os trasgos, duendes e demais entidades malignas. Com as queixadas
jorrando sangue e a pele enlameada de imundícies, seguiram estas criaturas antes
que apontasse o dia, e agachando-se sobre os corpos amontoados no solo da
cripta, neles se fundiam e desapareciam.
De tempos em
tempos se celebravam tais orgias como a descrita, as quais Oduarpa aproveitava
para aumentar seu influxo no povo. Ele estabeleceu ritos semelhantes em
diversas localidades e em todos se promoveu como ídolo principal, de modo que
pouco a pouco foi objeto de adoração, até que conseguiu fazer que o povo unisse
sua vontade à dele e no seu reconhecimento como imperador. As relações de
Oduarpa com os habitantes do mundo inferior ("O Reino de Pan”) lhe acrescentaram
poderio, e tinha imediatos de confiança sempre dispostos a lhe obedecer as
ordens, ligados a ele por seu comum conhecimento e cumplicidade nas horríveis
abominações daquele reino.
Por fim
logrou Oduarpa reunir um exército muito numeroso e marchou contra o Imperador
Branco, encaminhando-se diretamente para a cidade das Portas de Ouro, com a
esperança de intimidar e vencer não só pela força das armas, como também pelo
terror que infundiriam seus magos negros projetavam figuras animais. Tinha ele
uma guarda especial formada destes brutos da feitiçaria que, materializados por
potentes formas de desejo em corpos físicos, devoravam todos quantos traziam
contra ele intentos hostis. Quando era incerto o êxito duma batalha, Oduarpa
soltava logo sua horda de diabólicos aliados que, misturando-se na refrega,
semeavam a dentadas e rasgões o pânico nas fileiras do inimigo sobressaltado, em
cuja fuga o perseguiam aqueles velozes demônios, com o acréscimo de que o tropel
de feiticeiros tomava igualmente formas animais para se infundirem nos
cadáveres.
Deste modo
foi Oduarpa abrindo caminho sem desviar-se de sua direção para o norte, até
chegar próximo da cidade das Portas de Ouro, onde o último exército do Imperador
Branco o aguardava em ordem de batalha. Alcyone seguiu meio enfeitiçado nas
fileiras de Oduarpa, mas com suficiente conhecimento para sentir doído o coração
pelo ambiente que o rodeava, ainda que Cisne com outras mulheres seguissem o
exército em sua marcha.
Amanheceu o
dia da batalha decisiva. Corona, o Imperador Branco, comandava em pessoa o
exército imperial, e à frente da ala direita ia Marte, o general de sua maior
confiança. Na noite da véspera apareceu a Alcyone a visão de outrora, e ele
voltou a escutar a voz amada que lhe dizia: "Alcyone; estás pelejando contra teu
verdadeiro Senhor, e amanhã te verás comigo cara a cara. Quebra tua rebelde
espada e entrega-te a mim. Morrerás a meu lado e, contudo, bom te
será."
Assim sucedeu
com efeito, porque no mais encarniçado da peleja, quando, já morto o Imperador
Branco e retrocediam suas tropas, viu Alcyone, em sua galharda acometida contra
desproporcionado número de inimigos, o general Marte, em cujo rosto reconheceu o
da visão. Deu então um grito, e quebrando a espada, atirou-se para Marte,
empunhando uma lança e atravessando com ela um soldado que ia ferir o general
pelas costas. Naquele momento se arremeteu furiosamente Oduarpa contra ambos,
derrubando Marte e com um grito que ressoa por todo o campo, chamou Cisne,
transformando-a após eficaz feitiço em uma besta feroz que se atirava com
afiadas garras contra Alcyone, já desfalecido e exangue. Mas no mesmo instante o
amor que havia sido a vida de Cisne lhe gritou na alma e a redimiu, pois seu
poderoso fluxo transfigurou a forma plasmada pelo ódio devorador na da mulher
amada, que exalou o último alento ao beijar a moribunda face de
Alcyone.
No assalto à cidade das Portas de Ouro, com que Oduarpa
completou sua vitória, ficou prisioneira Heracles, esposa de Marte, a qual,
repelindo indignada as solicitações do vencedor, lhe arremessou uma punhalada
com toda a sua força; mas a arma resvalou contra a cota de malha, e então
Oduarpa, com riso burlão, se atirou sobre ela, que meio desmaiada não pôde
resistir à violação. Ao recobrar os sentidos Heracles, lançou Oduarpa contra ela
seus horríveis animais, que a despedaçaram e devoraram.
Entronizado
Oduarpa sobre um amontoado de cadáveres e rodeado de seus guardas, de animais e
semi-animais, cingiu a coroa imperial na cidade das Portas de Ouro e tomou o
profanado título de "Rei Divino". Mas seu triunfo não foi de muita
duração, porque o Manu Vaivasvata marchou contra ele com poderoso
exército. Apenas sua presença pôs em fuga os súditos do Reino de Pã e
desvaneceu as artificiosas formas mentais plasmadas pela magia negra. Uma
esmagadora vitória desbaratou o exército de Oduarpa, que se encerrou numa torre
para onde fugiu na derrota. O edifício foi incendiado, e ele pereceu
miseravelmente, estorricado dentro de sua couraça metálica
materializada.
O Manu
Vaivasvata purificou a cidade e restabeleceu nela o governo do Imperador Branco
na pessoa dum fiel servidor da Hierarquia (A Fraternidade Branca). Tudo marchou
bem por algum tempo, até que pouco a pouco a malignidade foi readquirindo
poderio e tomou novo incremento no centro meridional. Por último, o mesmo
"Senhor da Face Tenebrosa" apareceu reencarnado, e outra vez se pôs em luta
contra o Imperador Branco de então, erigindo trono contra trono. Então
pronunciou o Hierarca a sentença de que nos fala o Comentário
Oculto:
"O grande Rei
da Face Deslumbrante” (o Imperador Branco) disse aos seus principais irmãos:
Preparai-vos. Alcem-se os homens da Boa Lei e atravessem a terra enquanto está
seca. Os Quatro (os Kumaras, Senhores do Karma) levantaram Sua vara. Soou a hora
e a noite negra se aproxima. Os servos dos Quatro Grandes avisaram seu povo e
alguns escaparam. Seus reis os colocaram em seus Vimanas e os
conduziram para as terras de fogo e metal (Oriente e Norte).
Erupções de
gases, dilúvios e terremotos destruíram as vastas ilhas Atlante de Ruta e
Daitya, que o cataclismo de 200.000 anos a.C. havia deixado, ficando tão só a
ilha de Poseidonis, último resto do a um tempo dilatado continente da Atlântida.
Aquelas duas ilhas pereceram no ano 75.025 a.C., e Poseidonis subsistiu até
9.564 a.C., quando também caiu sepultada no Oceano."
Capítulo IX do
Livro “Homem, Donde e Como Veio e Para Onde Vai”, C.W.Leadbeater,
1913
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