CRIANDO UM SANTUÁRIO PARA A ALMA
*Dianne Valla e David Rioux
"Considerando que o homem religioso não pode viver exceto em uma atmosfera
impregnada com o sagrado, temos que esperar encontrar um grande número de
técnicas para consagrar o espaço."
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Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano
Nossas
almas sofrem. Elas sofrem de
vários modos diferentes.
Fartamo-nos, ficamos chateados, desesperados, deprimidos, bravos.
Quando nossas almas sofrem demasiado,
ficamos seriamente doentes.
Qualquer que seja o diagnóstico médico, a
realidade, a verdadeira doença, é a
falta de integridade.
Nossa
sociedade orientada pelo cérebro
esquerdo, com sua quase total ênfase em
processos que envolvem lógica e fatos, nos afasta de uma parte de
nós mesmos, de que precisamos ser
completamente humanos. O que
nos falta é um estado intuitivo de ser,
um modo metafórico de experimentar a
realidade a qual não é fundamentada no
espaço, tempo ou matéria. O que
precisamos é uma vida interior. Mais
que isto, precisamos de um modo de
conectar aquela vida interna ao resto de nosso ser.
Pela
participação em rituais,
experimentamos a realidade de
outra dimensão.
Rituais são modos de trazer a vida interna
do espírito ao mundo do espaço e do
tempo. Pela participação atenta em
rituais significativos aprendemos a
viver espiritualmente. Somos curados da
enfermidade da separação de
nós mesmos.
Rituais
curativos enaltecem a qualidade basal de nosso ser, do
mesmo modo que trabalhando em um jardim
melhoramos o solo. Um jardim é
nutrido pela jardinagem; a vida do espírito
é nutrida pela dedicação ao ritual.
Nossas almas desordenadas são curadas e
são preparadas
para o crescimento.
As feridas mais profundas de um ambiente hostil
e de dano interpessoal podem ser
transformadas constantemente por rituais de cura intencionalmente
ordenados.
Santuário da Alma: Um Ritual de Cura
Criar
um santuário da alma, aparte de ter grandes propriedades curativas em si,
pode se tornar uma base de lançamento para
muitos outros rituais. Quase todos os
rituais se iniciam em um espaço de santuário pessoal. Desse local outras ações
simbólicas de ritual podem continuar em
um ambiente que já tenham um sentimento
do sagrado.
Criar
um santuário para a alma é uma tarefa simples, preenchida pelo deleite.
Santuários podem ser lugares
reais ou lugares que só são reais na
imaginação. Talvez
precisemos ter ambos os tipos.
Um
santuário imaginário nunca pode ser fechado devido ao clima, ou para
reparos, ou ainda por
falta de apoio financeiro.
O aspecto importante é que
cada um selecione nosso próprio lugar especial, quer seja o litoral, uma floresta,
o topo de uma montanha, uma paisagem de
água corrente ou uma cachoeira, um jardim especial, ou um terreno de poder sagrado.
A
única exigência para o espaço do santuário é que selecionamos um lugar
onde sintamos nosso mais alto
nível de paz. O principal
ingrediente é o grande calor interno,
segurança e paz que sintamos
neste lugar. Quanto mais freqüentemente
revisitemos nosso santuário da alma, tanto mais
calmos
seremos. Até mesmo as pessoas
preocupadas, aquelas com infâncias seriamente
prejudicadas, cheias
de recordações da ausência de um lugar
calmo, podem imaginar um lugar onde
elas poderiam se sentir seguras e em
paz.
Apesar
da real simplicidade da criação de um espaço de santuário pessoal,
descobrimos que a tarefa pode ser
embaraçosa. Para algumas
pessoas poderia levar tempo para vencer a inércia
já arraigada. Aquilo que
parece ter funcionado bem durante seminários
de cura e crescimento que realizamos tem sido o arrendamento de nossos santuários privados para outros.
Faremos o mesmo aqui.
Sinta-se livre para
emprestar um do outro,
qualquer um que atraia você.
Use-o até que você crie um próprio, ou
use permanentemente se você assim
escolher. Não há nenhum aluguel ou
direito de propriedade em relação aos
santuários de alma que sejam imaginários.
O Santuário de Diana
Tenho
um lugar especial que visito quando eu preciso ficar longe de tudo.
Não é um
lugar real, mas às vezes é mais real para mim do que qualquer
localização verdadeira jamais poderia ser. Eu o chamo de o Farol.
Caminho
ao longo de uma antiga estrada de pedra, muito desgastadas e fixadas na
grama. Enquanto caminho ouço meus
passos na caminhada. No término do
caminho temos um conjunto de degraus
que conduzem até a porta de uma torre redonda. Eu caminho para cima pelos
degraus, sem precisar segurar o corrimão que está lá para mim
se desejasse usá-lo.
Eu chego à porta, uma porta com uma chave
especial, que só eu possuo.
De um colar de ouro em meu pescoço ergo a
chave para a fechadura.
Eu posso ouvir o trinco enquanto dou as
voltas na fechadura. Entro
assegurando-me de fechar
a porta atrás de mim.
À minha frente há uma escadaria sinuosa e
estreita que conduz ao topo do
Farol.
Outra
porta me conduz para a sala em si, minha sala de santuário.
É um
quarto circular com janelas ao seu redor. Todas as janelas estão abertas e as cortinas brancas desamarradas trazendo uma suave e gentil
brisa. Movimento-me pelo quarto para me
sentar na única cadeira no quarto. Ela
é macia, contudo apóia minhas frágeis costas.
Eu dobro meus pés debaixo de meu corpo e descanso no
conforto da ocasião.
Noto que o quarto está muito limpo.
Há um rastro da fragrância de sândalo como
se há muito tempo ali houvesse sido
queimado incenso em honra a uma antiga
deidade.
Está
tão quieto neste quarto que eu posso ouvir, ao longe, o som do
oceano.
É um oceano tranqüilo hoje.
Sinto agora o odor do seu sal, e sei
que o oceano fora certa vez minha casa. Neste quarto, sei sem qualquer
dúvida que tudo está bem,
correto e sagrado. Eu fecho meus
olhos e entro em meditação
profunda. O mundo e seus afazeres
desapareceram para mim. Tudo que há
é a paz.
Quando
me sinto restaurada parto, e volto do mesmo modo que vim.
Sou
cuidadosa em fechar a porta de modo que nada possa perturbar meu
santuário enquanto estou distante. Sei
que eu posso retornar repetidamente e que eu
sempre encontrarei o que eu preciso ali.
O Santuário de David
Há
um lugar especial que eu visito dentro de mim mesma para
transcender as dores do
mundo exterior, para buscar a resolução de
um problema, me preparar para receber a
resposta a uma questão, e achar a paz.
Eu chamo este local de minha enseada escondida.
Para
começar esta viagem interior, me sento em uma cadeira confortável, fecho meus
olhos, e faço respirações lentas e
profundas. Então estou só, perto da
borda de um grande precipício, me
tornando um observador e um participante em um
ritual interior. A cena inteira
é iluminada pela luz etérea e calmante do sol nascente.
Caminho à mesma extremidade do precipício
onde acho uma escada recortada na face da pedra. O solo é liso e de basalto negro debaixo de meus pés, contudo não é escorregadio.
Eu vejo meus pés descendo lentamente
abaixo nos degraus.
Ligeiramente aquecida pela luz solar da
manhã, a pedra vulcânica acaricía meus
pés enquanto desço a uma enseada
escondida ao longo do oceano. A cada
passo abaixo me sinto mais e mais relaxada.
Quando
eu chego à praia, estou totalmente relaxada e me aqueço em um agradável
estado alterado de consciência.
Eu sinto uma brisa agradável, úmida,
soprando da água para a minha pele.
Enquanto caminho sobre a praia, sinto ligeiramente a
areia esfriar debaixo de meus pés.
Há ainda um suave frio de ar matutino.
Observo o sol do amanhecer
que ilumina o céu colorindo as ondas com um suave branco dourado.
Emoldurado por este fundo esplêndido está
uma fogueira de acampamento que queima no meio da pequena praia recôndita.
Troncos de madeira flutuante cercam o fogo. Há umas poucas figuras
sentadas em troncos, aparentemente amontoadas ao redor do fogo, apreciando seu
calor. Caminho decididamente rumo à
praia e a fogueira de acampamento e me sento
em um dos troncos lisos e gastos.
Estou encarando o fogo e o
oceano.
Bem
à minha direita, em outro tronco, vejo meu Guia Interno.
Em um
contato silencioso, coração a coração, peço a meu Guia a ajuda de que eu
preciso. Sinto fortes vibrações de
energia que fluem de meu Guia para mim.
Embora as outras figuras
—auxiliares espirituais— se acomodem silentemente nos troncos, reconheço
que eles estarão disponíveis quando
precisar deles.
Um
súbito ímpeto de energia de meu Guia me faz olhar para cima.
Escrito no céu está a resposta ao problema
que eu trouxe comigo para este
lugar. Estou plena de gratidão;
lágrimas molham meus olhos.
Lentamente, abaixando minhas pálpebras, deixo escorrer as águas de uma
poça funda, cheia de gratidão ao meu Guia.
Então contemplo o oceano.
Depois de alguns minutos, que podem
durar séculos por tudo que sei, me sinto totalmente energizada e
completamente calma.
Levanto-me lentamente, e calmamente refaço
meu caminho de volta para o topo do
precipício. Quando eu abro meus olhos,
acredito que retornei à vida cotidiana
fortalecida com o dote de uma resposta à minha oração e um estado de
grande paz.
Santuários Como Lugares Sagrados
Note
que há algumas de semelhanças notáveis nos dois santuários
da alma .
Ambos têm elementos que são velhos e usados. Ambos estão próximos à água,
próximos ao oceano de fato. Ambos são
lugares onde a pessoa vai estar longe dos afazeres do mundo e achar o que é
desejado profundamente. Ambas os
relatos são ricos em detalhes sensórios: visão, som, sentimento, e
até mesmo odores.
Há
diferenças, contudo. Você deve ter
notado que, enquanto um permanece ao ar
livre, o outro adentra em um edifício.
Um admite outros seres no
santuário de sua alma; O outro toma todas as
precauções para ter certeza que ela estará em solidão completa.
Ambos
santuários satisfazem as necessidades particulares das pessoas que os
criaram. Ambos podem ser mudados
a qualquer hora para ajustar circunstâncias
particulares e necessidades.
O que é importante é que funcione.
Cada
um ordena seu próprio mito. Cada um
estabelece um santuário para a alma que
traga paz . Como Joseph
Campbell diz em O Poder de Mito:
Esta é uma necessidade absoluta para qualquer pessoa hoje. Você
precisa de um quarto, ou uma certa hora durante o dia onde você não saiba o que está nos jornais da manhã, não saiba quem são seus amigos,
não saiba o que você deve a qualquer pessoa. Este é um lugar onde você simplesmente pode
experimentar e manifestar o que você é e o que você poderia ser. Isto
é o lugar de incubação criativa. No princípio você pode
achar que nada aconteça lá. Mas se você tem um lugar sagrado e o usa,
algo acontecerá realmente.
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Onde
construirá você o seu lugar de cura e paz,
o santuário para a sua alma?
Quest Magazine, March/April, 1999
*Dianne
Valla e David Rioux formam uma equipe há mais de vinte
anos.
Ambos são educadores e tem sido psicólogos praticantes.
No momento, eles estão escrevendo um
romance acerca da ascensão da
consciência espiritual e um livro de meditações em poesia.